Dr. Roberto
Romano
Titular de Ética
e Política.
Departamento de Filosofia. Instituto de Filosofia e de
Ciências Humanas.
Universidade Estadual de Campinas.
Unicamp.
Maio de 2004
Indice:
1. O fundamento religioso da legitimidade……………..p. 5 2. Raison d´État e o segredo…………………………….p.11.
3. Democracia, povo soberano, accountability…. ……p.24.
4. Educação e povo soberano no Estado de direito…….. p.37
.5. Legitimidade, segredo, democracia……………………p.42
6) Uma reflexão sobre Carl Schmitt………………………p.44.
7) O segredo e a democracia,
antíteses e perigos……….p.47.
O tema é a legitimidade do Judiciário. Não pretendo
discuti-lo, no entanto, abstraído da questão mais ampla, a da própria legitimidade
estatal. No mundo e no Brasil, enfrentamos a crescente fraqueza do setor
público para defender os cidadãos. Notamos a sua plena obediência a grupos
poderosos das finanças, da guerra, da ilegalidade em geral. Cada povo enfrenta
esse problema a partir de seu passado e presente. No campo histórico mundial
brotaram as experiências políticas modernas que moldaram os vários Estados.
Antes de debater as aporias dos nossos juizes, precisamos indicar a origem das
formas democráticas ou tirânicas que definem o ambiente teórico e prático que
marcam a própria sociedade brasileira em sua aventura no plano cosmopolita. Em
nosso país o Estado apresenta notável ausência de isomorfia na estruturação dos
seus três setores essenciais e o assunto pode ser posto na lista dos grandes
dilemas que ainda operam, para nós, em nível de constituenda Republica.
Trata-se de um elemento que ao mesmo tempo é lógico, histórico, político.
Surgimos na cena mundial como terra independente após as
grandes realizações políticas e jurídicas trazidas pelas revoluções Inglesa
(século 17), Americana e Francesa (século 18). No mundo legado pelo império
napoleônico, boa parte das conquistas daquelas revoluções foi atenuada ou
abolida. O maior penhor da legitimidade, após os movimentos europeus
mencionados, é a soberania popular. O golpe do Termidor cortou na base o
principio daquela soberania e retirou o significado universal que ela adquiriu
em momentos da Revolução Francesa e que mantem até hoje, com muitos problemas,
na Federação norte-americana.
Com a revolução inglesa que radicalizou o protestantismo
na vertente democrática Leveller, rompeu-se a imensa teia teológica e jurídica
produzida para justificar o poder eclesiástico e o mando civil erguido contra
ele. A idéia de uma igreja na qual fosse exercitado o sacerdócio comum dos
crentes, segundo os preceitos da Reforma, conduziu às primeiras teses
democráticas na Inglaterra do século 17, num translado teórico já habitual nos
tempos anteriores, mas cujo sentido era inverso, pois seguia do instituto
religioso para as formas do Estado.
1. O fundamento religioso da legitimidade.
Façamos um retrospecto do problema. A questão da forma e
da legitimidade do poder, antiga como a cultura grega e latina que herdamos,
recrudesceu no outono do feudalismo e ocasionou pensamentos jurídicos os mais
contraditórios, todos relativos à obediência da multidão frente aos governantes
e magistrados. Estes, para que pudessem ter suas determinações acatadas,
precisavam bem mais do que a força física e o poder econômico. Eles tinham
necessidade da forma noética definida por Max Weber como crucial em toda
dominação: os valores deveriam ser próximos na consciência de líderes e
liderados. Tal vínculo garante a legitimidade e a perene permanência dos
governos e governantes.
Já em Bracton ( [2][2]) se define o debate sobre as bases
pelas quais os dirigidos devem e podem obedecer aos reis e magistrados. O
fundamento da adesão ao ordenamento legal imposto pelo governante e aprovado
pela Igreja, era a realidade (na consciência cristã) do governante enquanto
imitação do Cristo. Essa foi a maneira pela qual Bracton resolveu o problema,
que ainda hoje nos assombra não do ponto de vista dos fundamentos, mas da
eficácia legal, do governante e demais magistrados postos acima e abaixo da
lei.
Na cultura religiosa, que ainda agora guarda muita
influência em Estados aparentemente laicos como a França, existem paradoxos
semelhantes e tão graves quanto aquele. Por exemplo, no caso da Virgem Maria,
mãe e filha de Deus ao mesmo tempo (Nata nati, mater patris). No De
legibus et consuetudinibus Angliae Bracton define do seguinte modo o
poder do rei no problema indicado: “o poder do rei refere-se à geração da lei e
não à injúria. E desde que ele é o auctor iuris, uma oportunidade para
a iniuria
não poderia nascer no mesmo lugar onde nascem as leis”. ([3][3])
Se o Rei é a fonte geradora da Lei, ele deve ser o seu
intérprete maior e tem este poder porque gera a lei e não apenas gere a sua
vigência. O paradoxo tem como base a fonte superior da Lei, o divino. Sem
aquele elemento, o paradoxo é insolúvel como no caso da Virgem Mãe e Filha, se
Deus não entrasse na economia do pensamento. Como diz Ernst Kantorowicks, “o
rei é filho da lei, mas torna-se pai da lei”. E a sua legitimidade não
apresenta maiores problemas desde que se atente para a base teológica que a
sustenta. “O rei”, afirma então Bracton, “não tem outro poder, desde que ele é
o vigário de Deus e seu ministro na terra, exceto isto apenas, que ele deriva
da lei”.
Outra passagem de Bracton é eloqüente: “o próprio rei
deve estar, não sob o homem, mas sob Deus e sob a lei, porque a lei faz o
rei…Porque não existe rei onde domina a vontade arbitrária e não a lei. Ele
deve estar sob a lei porque é vigário de Deus, o que fica evidente pela
similitude com Jesus Cristo em cujo nome ele governa sobre a terra”. Cristo,
embora Deus, pagou impostos ao Cesar e colocou-se sob a lei enquanto homem. O
rei, como Jesus, é servus legis e dominus regis ao mesmo tempo. Mas ele só pode
ser dito vicarius Dei se for fiel intérprete da lei e a ela submeter-se,
mimetizando o Cristo. Neste caso, ele pode ser elevado acima da lei e se torna
legislador (auctor iuris) mas de acordo com a lei. Caso oposto será um
tirano. Se o círculo aparentemente vicioso da relação do rei como maior
et minor se ipso se quebrar, e se desaparecer a interpretação correta
da lei, o governante deixa o status de legítimo e tomba na
situação de puro tirano. Recordemos a advertência de Bracton, retomada em todos
os debates modernos sobre a distinção entre o governante legítimo e o tirano:
onde nasce a lei não pode surgir a iniuria. Se isto ocorre, desaparece
a legitimidade.Em termos teológicos, a obra de Bracton chega à seguinte solução
: o rei é semelhante a Deus (sobre a lei) quando julga, legisla e interpreta a
lei. Ele, como o filho de Deus, é homem comum (sob a lei) porque a ela se
submete. Assim, o seu poder legitimo tem como fonte o divino, mas o ilegitimo
radica no simplesmente humano.
Esse fundamento do governo legitimo condiciona a
estabilidade do Estado e de suas instituições. O nexo estabelecido entre o rei
e Deus prolonga o mandamento de que Nullum tempus currit contra regem (o
tempo não corre contra o rei), o que implica no enunciado, também repetido
millhões de vezes e mesmo em Bracton, de que Longa possessio parit ius
(a longa possessão gera o direito). Tudo o que se liga aos bona publica é integrado
no registro a-temporal e são res quasi sacrae. Para começar com o
fisco : na singular teologia jurídica anterior aos tempos modernos, Bona
patrimonialia Christi et fisci comparantur (pode-se comparar os
bens patrimoniais do Cristo e do fisco). A questão anterior residia nos “bens
de mão morta” . o que pertencia à Igreja não deveria passar ao Estado ([4][4] )
Da similitude a-temporal, extraem os defensores
jurídicos do Estado a sua quase sacralidade. O Fisco, como Cristo, nunca morre.
Cristo e Fisco tornam-se comparáveis quanto à inalienabilidade e à prescrição.
O sacratissimus
fiscus, na lingua dos juristas do rei, torna-se a alma do Estado. O
fisco, como Cristo, também é onipresente, Fiscus ubique praesens.
Esse é um dos exemplos do hibridismo, tal como
Kantorowicks nomeia, entre Igreja e Estado no instante do seu surgimento como
potências oponentes, por volta do século 13 e seguintes. O ideal político e
religioso, nos estertores da Idade Média, pode ser resumido no pensamento
seguinte: a função do rei é fortalecer o sacerdócio, “apoiar a palavra dos
padres pelo terror. Esta é a sua raison
d´être (…) ele ajuda os sacerdotes inculcando o medo nos governados. Sem
medo, conforme Isidoro, nenhum governo pode existir. O medo aparece como um
estímulo ao povo para manter a lei”. ([5][5]) Quando esta função menor
mostrou-se ineficaz, e cresceram as pretensões dos governantes laicos, o Estado
se configurou como imitador e concorrente da Igreja. Esta, por sua vez, manteve
as tentativas, cada vez mais inanes, de garantir para si os dois mandos, o
espiritual e o terrestre. Por imitação recíproca e luta pelas prerrogativas de
mando legitimo será definido, contra o corpus mysticum da Igreja, o corpus
reipublicae mysticum. Cada uma das coletividades é entendida como persona
repraesentata ou ficta. ([6][6]) Foi dado o passo importante para
se pensar as questões políticas do Estado de modo institucional e não mais pelo
carisma do governante em seu vínculo direto com o divino.
Não seguirei a apaixonante história dos embates entre os
poderes, cujo ápice encontra-se no Tratado de Latrão entre Pio 11 e Benito
Mussolini em 11 de fevereiro de 1929 e na Concordata de Império entre o governo
legal de Hitler e a Santa Sé em 20 de julho de 1933. No imenso intervalo
histórico que vai no sentido de abolir o fundamento divino como o requisito
maior da legitimidade, temos o surgimento da razão de Estado e posteriormente
da democracia.
2. A raison d´État e o segredo.
O segredo é algo que não pode ser atribuído apenas ao Estado e às suas
instituições. Algo tão antigo na história humana —um teórico importante como
Simmel diz que o segredo “é uma das maiores conquistas da humanidade” ([7][7]) —ele atingiu
seu pleno sentido político na vida moderna. Com certeza, a prática do segredo
passou das corporações aos setores administrativos, aperfeiçoando-se ao máximo.
Os momentos decisivos do Estado moderno, a sua inauguração enquanto poder
secular e sem a tutela religiosa, se inicia com a necessidade urgente de saber
sobre o que e sobre quem reinava o principe. As primeiras “receitas” de
transparência, neste sentido, foram fornecidas por escritores que, mesmo sem
pertencer mais à Igreja católica, percebiam a necessidade que sofriam os
soberanos de saberes sobre o “corpo” social. É o caso de Nicolas de Montand,
que prega uma espécie de desvelamento do social, seguindo um imaginário optico.
É com base na visibilidade do governante que se pode alcançar a visibilidade
dos governados. O primeiro é como “um cristal que tem a propriedade de penetrar
todos os cantos e limites do Reino. Sua claridade atravessa as trevasm arruinam
a obscuridade, e mostra os homens viciosos, inimigos de Deus, blasfemos,
epicuristas, sardanapalos, ateus, sodomitas, assassinos e ladrões,
massacradores, enganadores, e pallhaços de corte”. ([8][8])
Na busca dessa transparência, dá-se também a procura dos indivíduos que
vivem de modo heterodoxo. Mas para chegar até eles, é preciso saber onde
habitam os súditos do reino no seu todo, e quem são eles. Mas, Reynié, um
especialista na problemática raison d´État, “dizer a população do
reino, dar a superfície do território não são coisas fáceis”. Este autor deixa
implícito, mas os Estados modernos, saídos a forceps do feudalismo e do
controle eclesiástico, tinham fronteiras indefinidas, expandiam-se num sentido,
retraiam-se num lugar ou noutro. Mesmo nos territórios mais seguros para o
governante, os números eram errados ou fantasiosos.
E a pesquisa demográfica assume, a partir desse ponto, lugar estratégico,
empurrada sobretudo por um projeto fiscal. Nas Crônicas da França, escritas por
Pierre Desrey e publicadas em 1515, pode-se notar a suposta existência, naquele
reino, de algo em torno de 1. 700. 000 torres de sino, o que determinaria a
população do país em algo por volta de 600 milhões de habitantes. Este dado
fantástico e fantasmagórico, foi repetido ao longo dos séculos XIV, XV, XVI.
Outros escritores falaram em números ao redor de 112 milhões, etc.
Com esse “conhecimento”, impossível o controle efetivo do território e da
população. “Uma verdadeira política fiscal tornava-se impossível. Os impostos,
não podendo ser aplicados com o conhecimento das coisas, ameaçava ser
gravemente injusto, ou com um rendimento muito inferior ao esperado. Os dois
defeitos podiam cruelmente coexistir”. ([9][9]) A busca de um crescimento na
arrecadação dos impostos e na modernização fiscal provocou o incentivo da
estatística. Este movimento tem um marco relevante na publicação do livro de
Jacques Coeur, Cálculo ou enumeração do valor dos ganhos do reino de França;
relatórios e instruções para administrar o estado e a casa do rei e todo o
reino. Título longo, próprio á época, mas preciso. Com semelhante
procedimento, as incertezas orçamentárias começavam a receber alguma luz.
Com as guerras religiosas e as devidas à concorrência dos estados pelo
domínio territorial, os avanços da arte bélica que incluiam novas tecnologias
custosas, os governantes viram-se desde longa data, carentes de recursos. Já
Filipe o belo buscou, por volta de 1302, aumentar as disponibilidades
monetárias do seu país. A taxação do clero, por ele, produziu graves rupturas
com a Igreja, gerando mesmo a Bula Unam Sanctam, onde o papa
proclamou-se superior ao mando secular em matérias religiosas e políticas. Mas
Filipe foi além, pois confiscou bens dos judeus (1306), suprimiu a Ordem dos Templários
e ficou com os seus bens, tentou taxar o comércio de modo mais rigoroso, e
chegou a taxar os senhores feudais. Instituiu-se no intervalo o pagamento de
somas ao governo para que indivíduos fugissem do serviço militar, a venda do
acesso à nobreza.
Um traço ainda hoje atual é todas as medidas acima, impostas por Filipe,
foram proclamadas provisórias, e o rei prometeu não mantê-las….Contra aquelas
atitudes, a Assembléia dos três estados se esforça por entravar, comenta
Reynié, o ardor fiscalista dos soberanos. Nada conseguem, “os impostos
provisórios tornam-se permanentes”…Do século 15 ao 17, os impostos crescerão e
se multiplicarão.
Esse desenvolvimento é favorecido pela reorganização administrativa. Com o
uso generalizado dos números arábicos, no século XV, surge a oportunidade do
cálculo rápido e mais fácil. A partir de 1539, o registro dos atos torna-se
obrigatório. Anota-se os batismos, com sua hora e seu tempo. Com Henrique III,
os registros se abrem para as mortes e casamentos. O poder dispões agora, diz
Reynié, de imensos livros que trazem o nome, a idade, a qualidade e o número
dos súditos. “A preocupação estatística atinge todos os países, ocupa os
espíritos avisados”. O espírito dos registros busca desvelar quem são os
dirigidos e quais as suas riquezas potenciais ou efetivas.
Nos séculos posteriores a história registrou a exacerbação, pelos Estados,
do conhecimento o mais exato de suas respectivas sociedades, e das outras as
quais eles desejavam vencer na luta política, econômica, ideológica, religiosa.
O acréscimo de força atribuído à razão de Estado não deixou um instante de se
exercer em escala geométrica. Assim, a transparência dos governados aumentou
(basta recordar todos os avanços da máquina fiscal, dos escritórios reais de
contabilidade à Internet) e o controle de seus corpos e mentes seguiu a mesma
velocidade no desvelamento diante dos governantes. A polícia, a espionagem, as
escutas, as delações, toda uma panóplia de meios a serviço do poder civil e
religioso conduziu aos piores abusos, nos tempos modernos e sobretudo nos
séculos 20 e 21. A sociedade abre-se diuturnamente aos olhos e ouvidos dos
poderosos. Trata-se de um desnudamento de almas e de corpos que seria
insuportável em tempos pretéritos.
No início do Estado moderno, a legitimidade do
governante no Antigo Regime ainda reside no divino. ([10][10]) Mas a razão de Estado afasta
gradativamente o imenso arsenal de conceitos teológico-politicos de que dei
alguns exemplos, para assumir pouco a pouco a linguagem do interesse de Estado.
Neste processo, juristas e teólogos como Botero, em resposta ao desafio
apresentado por Maquiavel, definem o uso legítimo dos poderes tendo como alvo
manter e expandir os bens públicos. Já distante do corpo mistico da república e
de sua a-temporalidade e tendo em vista as descrições realistas de Maquiavel
sobre a aparência que atrai a submissão ou repulsa dos governados, Botero
medita sobre as formas de se conservar o Estado, o que exige a tranqüilidade e
a paz entre os governados. Para evitar as dissenções civís, ensina Botero,
deve-se usar “aquelas artes que conquistam o amor e boa reputação para o
principe por parte dos súditos (…) e a reputação é a força maior” na tarefa de
manter a governabilidade legitima. Botero expõe a reputação do governante efetivando
um extenso exame da justiça. a base da conservação dos Estados. ([11][11])
A nova linguagem da razão de Estado incorpora a prática
do segredo para garantir o gabinete ministerial, lugar sagrado e onde não são
admitidos os homens comuns. Esta forma de governo separa o governante, o rei
sobretudo, das fontes divinas de controle. A Igreja ainda defende o segredo do
Estado. É conhecido o voto do clero quando Luis 14 pediu recursos aos
representantes dos Estados. O Terceiro pediu que as finanças do Rei fossem
justificadas de modo público. “As finanças do Reino são como o Maná sagrado, no
cofre do Templo. Apenas os iniciados podem alí penetrar”.
O segredo, aceito com reservas pela Igreja, tornou-se a
marca dominante do Estado laico. Assim, temos de um lado a transparência dos
súditos e de outro o segredo governamental. “O ministro, no sumo da escala
social, impenetrável, não visto, nos meandros do palácio, no seu cabinet,
é cheio da cabeça aos pés de segredos que ninguém deve conhecer e gostaria,
pelo contrário, que o mundo dos governados estivesse exposto à uma luminosidade
perene. O ideal de um Estado policialesco, de um governo forte e estável, é que
tudo deve parecer claro e limpido, honesto e afetuoso, e no entanto tudo
resulta obscuro, imerso na sombra. Se a razão de Estado significa razão de
dominio, aquele termo pode também aludir (…) a certa profunda, intima e
secretas leis ou privilégios feitos para garantir a segurança no senhorio, a
qual Tácito nomeou arcana imperii”. ([12][12])
As técnicas empregadas pelos ministérios, desde o século
14 pelo menos, desenvolvem a escrita secreta e toda uma semiologia de
comunicações reservadas. O ideal para um gabinete, enuncia Giovanni Machia, é
que todos os súditos fossem analfabetos, sobretudo no campo das novas linguagens
ocultas do poder. Foi este o espírito que moveu Johannes von Trittenheim na Polygraphia,
cum clave enunclatorio (1518). O poderoso deve habituar-se aos arcana,
às coisas escondidas, tal é o alvo da steganografia.
Se o secretário (a origem do termo é marcada pela
própria palavra do segredo) e o governante devem ocultar tudo o que for
possível aos que não têm acesso aos gabinetes eles, no entanto, devem descobrir
tudo o que estiver na mente e no coração dos dirigidos. E técnicas foram
geradas para esse fim. Por exemplo, a fisiognômica. Trata-se de ler nas faces
dos liderados os seus verdadeiros intentos, como diz Antoine Mizauld, que
redigiu um livro sobre a arte de “incontinente julgar pela atitude natural de
cada um apenas pela inspeção da face e de seus lineamentos”. ([13][13]) Essas técnicas estavam postas no
bojo de doutrinas ditas secretas, ligadas à alquimia, à astrologia, etc. No
rumo de se produzir artifícios que permitissem ao governo tudo saber sobre as
sociedades que dirigiam e tudo delas esconder, o nome do jesuita Athanasius
Kircher é dos mais relevantes. ([14][14])
Kircher dominou conhecimentos
enciclopédicos e possuia uma imaginação profética, sobretudo quando se trata de
antecipar modos de comunicação e de controle dos seres humanos. Ele imaginou
meios de investigação a serviço do príncipe e instrumentos que moviam os cinco
sentidos : ideou um megafone para que o governo transmitisse ordens a lugares
remotos; um sistema de espelhos para que os dirigentes enxergassem, à
distância, todos os perigos; presídios especiais, com dutos auditivos para que
o rei escutasse as inconfidências dos prisioneiros. Na figura abaixo, proposta
por Kircher, temos a perfeita idéia da razão de Estado e do segredo em favor do
governante:
Do gabinete, onde vive oculto, o príncipe ouve os
cortesãos, embaixadores, etc. Não se trata apenas de um panopticon, ao modo das análises feitas por Michel Foucault sobre
Bentham, mas também de acústica múltipla (só no desenho de Kircher são
perceptíveis três enormes “ouvidos do poder”). Este ideal do governo que tudo
enxerga, tudo ouve, tudo alcança, é a base lógica dos nossos serviços de
informação.
Retomo os enunciados de G. Macchia,
o governante “no alto da escala social, impenetrável, não visto, nos meandros
do seu palácio, no seu gabinete, está cheio, da cabeça aos pés, de segredos que
ninguém pode conhecer e deseja também que o mundo dos súditos seja exposto a
uma luminosidade perene”.
Não ocorre mais, em termos
efetivos, a legitimidade da origem divina, mas a imposição técnica do mando
real. ([15][15])
Para fins de acesso ao poder, os rituais e as fórmulas religiosas ainda valem.
Mas se deseja manter-se no poder, o governante precisa seguir as advertência
dos pensadores que enfrentam a questão maquiavélica: ou existe a república e a
cidadania, ou o poder está sempre sob ameaça e seu tempo é breve. Justo por
isso, a necessária vigilância dos governados e o segredo dos ministros entram
na pauta da raison d´état. Quando não se confia no povo é preciso dele esconder
o máximo e dele arrancar o máximo. Esta é a tarefa da espionagem, da polícia,
das delações, e de todo o aparato, inclusive estatístico, para se conhecer a
real situação das sociedades que suportam os Estados. Quanto mais problemática,
ambigüa, violenta é a questão da legitimidade religiosa do poder —a instituição
estatal convive com as guerras mais cruéis, todas em nome da religião católica
ou reformada— ([16][16])
mais o aparelho estatal engendra novas técnicas de controle e de ocultação.
Desse modo, se estabelece a
heterogeneidade entre o mundo dos governados e o universo dos dirigentes. Como
diz um comentador do problema, na aurora do Estado moderno “a verdade do Estado
é mentira para o súdito. Não existe mais espaço político homogêneo da verdade;
o adágio é invertido: não mais fiat veritas et pereat mundus, mas fiat
mundus et pereat veritas. As artes de governar acompanham e ampliam um
movimento político profundo, o da ruptura radical (…) que separa o soberano dos
governados. O lugar do segredo como instituição política só é inteligível no
horizonte desenhado por esta ruptura (…) à medida que se constitui o poder
moderno. Segredo encontra sua origem no verbo latino secernere, que significa
separar, apartar”. ([17][17] )
3) A democracia, o povo soberano e
a accountability.
Se existe uma tradição antiga no
pensamento político ocidental, ela se manifesta sobretudo quando se trata de se
pensar a massa do povo. No romantismo do século 19 a entidade indicada com
aquele nome é dita eminente como Deus, basta que nos lembremos do famoso Le
Peuple, de Jules Michelet. Mas na história antiga a realidade designada
como “os muitos” serviu aos pensadores que tentaram analisar a cidade Estado,
sobretudo os avessos à democracia, como Platão. Na ordem latina, define-se o populo
exturbato ex profugo, o improbante populo, o vulgus
credulum, vulgus imprudens vel impudens, vulgus stolidum etc. ([18][18])
No início da modernidade, quando
surge o Estado-nação, nas bases da tecnologia do poder reunida sob a raison
d´État, dá-se a ruptura entre os governantes e os governados, sem as
antigas formas religiosas de legitimidade aplicadas no cotidiano do poder. Lembremos
que no período surgiram as guerras de religião, ocasiosanadas pela Reforma
protestante. Esta foi a oportunidade, das revoltas alemãs às lutas na França
(como no caso da barbárie da noite de São Bartolomeu), passando pela
Inglaterra. Naqueles movimentos, para espanto do clero e da aristocracia, as
massas populares aprenderam a desobedecer as ordens dos príncipes. Desse modo,
a antiga imagem do povo se exaspera. É bastante conhecido no Brasil o texto de
Etienne de La Boétie, O Discurso da Servidão Voluntária. ([19][19]) No
final do século passado muito se falou da suposta linha libertária que vem de
La Boétie e chega ao moderno anarquismo. ([20][20])
Pouco se analisou, no entanto, o importante escrito do mesmo autor intitulado Mémoires
de nos troubles sur l´Édit de janvier 1562. ([21][21])
Devido às lutas religiosas na
Guiana, a corte enviou o jovem magistrado aos locais para analisar e depois
escrever um texto com sugestões políticas e jurídicas. Além de expôr a situação
com letras claras e verídicas, ele indicou remédios amargos (segundo o conceito
dos beligerantes de ambos os lados, católico e reformado) a serem impostos pelo
governo. Dentre as propostas, uma aconselhava que os templos deveriam ser
usados em comum pelas suas facções, em horários diferentes. Esta medida integra
outras que seguem no rumo de estabelecer o mando laico sobre as tendências
religiosas.
O mais relevante, entretanto, no
suposto rebelde do Discurso da Servidão Voluntária, é a cautela frente ao povo.
Seria preciso, se o alvo fosse instaurar a paz social e pôr um fim nas lutas
instestinas em nome da religião, impedir que o populacho tivesse ilusões de
poder político. Nas guerras religiosas que espalham “um ódio e maldade quase
universais entre os súditos do rei”, cito La Boétie, o pior é que “o povo se
acostuma a uma irreverência para com o magistrado e com o tempo aprende a
desobedecer voluntáriamente deixando-se conduzir pelas iscas da liberdade, ou
melhor, licença, que é o mais doce e agradável veneno do mundo. Isto ocorre
porque o elemento popular, tendo sabido que não é obrigado a obedecer ao
príncipe natural no relativo à religião, faz péssimo uso dessa regra, a qual,
por si mesma, não é má, e dela tira uma falsa consequência, a de que só é
preciso obedecer os superiores nas coisas boas por si mesmas, e se atribue o
juízo sobre o que é bom ou ruim, e chega finalmente à idéia de que não existe
outra lei senão a sua consciência, ou seja, na maior parte, a persuasão de seu
espirito e de suas fantasias (…) nada é mais justo nem mais conforme às leis do
que a consciência de um homem religioso temente a Deus, probo e prudente, nada
é mais louco, mais tolo e mais monstruoso do que a consciência e a superstição
da massa indiscreta”. ([22][22])
E arremata o magistrado: “O povo
não tem meios de julgar, porque é desprovido do que fornece ou confirma um bom
julgamento, as letras, os discursos e a experiência. Como não pode julgar, ele
acredita em outrem. Ora, é comum que a multidão creia mais nas pessoas do que
nas coisas, e que ela seja mais persuadida pela autoridade de quem fala do que
pelas razões que se enuncia”.
Não estava solitário La Boétie
nessa apreciação do povo, ([23][23]) e
sua tese, possuindo antecedentes no pretérito, suscitou muitos e ilustres
seguidores, sobretudo na filosofia da contra-revolução que definiu o pensamento
sobre o Estado a partir do século 19. Edmund Burke, De Maistre, Donoso Cortés,
De Bonald, Hegel ([24][24])
Augusto Comte, são apenas alguns dentre os nomes que se alinham nesta visão
negativa do povo.
Em data muito próxima aos escritos
de La Boétie um atilado analista da vida social, Gabriel Naudé, nas Considerações
Políticas sobre os golpes de Estado (1639) fala do segredo e da
desconfiança universal que obrigam o governante a ser preservar “dos engodos,
ruindades, surprêsas desagradáveis” quando a massa está inquieta. E uma das
surprêsas mais desagradáveis encontra-.se no golpe de Estado. Quando a crise de
legitimidade se instala é preciso máxima cautela, diz Naudé, contra o animal de
muitas cabeças, “vagabundo, errante, louco, embriagado, sem conduta, sem
espírito nem julgamento….a turba e laia popular joguete dos agitadores:
oradores, pregadores, falsos profetas, impostores, políticos astutos,
sediciosos, rebeldes, despeitados, supersticiosos”. ([25][25])
Com esse retrato do povo, os
teóricos que afirmavam a doutrina sobre a soberania popular não conseguiram
demasiado audiências nas cortes e parlamentos aristocráticos. A universitas,
communitas ou corpus dos autores que seguiam a
tese da soberania popular sofreu críticas violentas desde os seus alvores. De
outro lado, os que defenderam uma personalidade jurídica para o povo, tomaram
pleno cuidado para que o povo não tivesse a sua soberania absorvida por seus
representantes, Tal é o caso de Althusius, ([26][26])
Segundo Otto Gierke, “Já no final do século 13 a doutrina filosófica do Estado
definiu o axioma de que o fundamento jurídico de todo governo residia na
submissão voluntária e contratual das comunidades governadas. E foi por
consequência declarado que por um principio de direito natural ao povo e apenas
a ele, por natureza, cabia colocar-se como chefe (…) da essência do poder
estatal, Bodin deduzia a transmissão necessariamente total e incondicionada da
soberania ao príncipe; Althusius a impossibilidade de uma diminuição da soberania
popular com base no contrato”. ([27][27]). O summus
magistratus, para Althusius, era o povo, o que trouxe muitas objeções e
escândalos na história subsequente.
É contra a massa daquele modo
descrita que os autores favoráveis à monarquia de direito divino se colocaram,
em vão, na Inglaterra do século 17. As convulsões sociais e políticas que
reuniram todos os prismas da vida capitalista triunfante, após a Reforma de
Henrique VIII, ergueram a formidável força popular traduzida em múltiplas
facções, dos Levellers aos Diggers, mesclando religião e imperativos
democráticos. Quando a cabeça do rei Carlos foi cortada, rompeu-se de vez o
laço entre o corpo empírico do Rei e a divindade e no debate jurídico ao redor
do tiranicidio e das formas de governo surge o grande princípio de todas as
democracias dignas deste nome na modernidade: o princípio da accountability.
Essa exigência segue de par com a fé pública usufruída
pelo governante. John Milton expressou com clareza os dois princípios: “… Se o
rei ou magistrado provam ser infiéis aos seus compromissos o povo é liberto de
sua palavra”. Estas frases inscritas em letras de ouro em The Tenure of Kings and
Magistrates ([28][28]) definem o principio essencial da
nova legitimidade política. O summus magistratus popular exige
responsabilidade dos que agem em seu nome.
Milton retoma as propostas dos democratas inglêses. Não
por acaso tais enunciados foram recolhidos pelo inimigo da democracia no
período, Thomas Edwards, no seu catálogo de “heresias” que deveriam receber a
pena de morte como castigo. O erro maior dos democratas, diz Edward, reside na
afirmação seguinte: “ o poder supremo só pertence à Casa dos Comuns, porque só
ela é escolhida pelo povo. O estado universal, o corpo do povo comum é o
soberano terrestre, o senhor, rei e criador do rei, dos parlamentos, e todos os
ministros da justiça. Majestade indeclinável e realidade residem de modo
inerente no estado universal; e o rei, parlamentos, etc., são as suas meras
criaturas que devem prestar contas a eles, os quais deles dispõem a seu bel
prazer; o povo pode pedir de volta e reassumir seu poder, questioná-los, e
colocar outros em seu lugar” (eu sublinho, RR) ([29][29])
Thomas Edwards era um pastor contrário à democracia, mas
foi um acadêmico de primeira plana. Todos os seus enunciados baseiam-se em
fontes (sobretudo delações) e documentos. Se consultarmos competentes
historiadores da questão inglêsa no período, veremos que a veracidade dos
enunciados atribuidos por Edwards aos democratas é confirmada. ([30][30])
As teses democráticas inglêsas repercutiram pela Europa
inteira e integram o corpus doutrinário que formam
Estados como a própria Inglaterra, a França, os EUA. As Luzes francêsas, além
de outros aspectos, foram uma imensa tradução para o continente europeu do
pensamento produzido na Inglaterra desde o século 16, de Francis Bacon (A Encyclopédie
de Denis Diderot foi sempre acusada de ser uma ampliação ou mesmo plágio de
Bacon), aos democratas do século 17 ([31][31]) O entusiasmo dos iluministas com
o pensamento político inglês, sobretudo John Locke, é conhecido.
Nas obras dos iluministas, para não falar em Rousseau e
seus pares, os princípios democráticos inglêses calaram fundo. Recordemos o que
enuncia Diderot nas Observações que redigiu sobre o Projeto de Constituição
que lhe foi apresentado por Catarina 2 da Rússia: “Não existe verdadeiro
soberano a não ser a nação; não pode existir verdadeiro legislador, a não ser o
povo; é raro que o povo se submeta sinceramente a leis que lhes são impostas;
ele as amará, as respeitará, obedecerá, as defenderá como sua obra própria se é
delas o autor (…) A primeira linha de um código bem feito deve ligar o
soberano; ele deve começar assim : `Nós, o povo (e lembremos que este será o
início da Constituição norte-americana : We the People…) ([32][32]) e nós, soberano desse povo,
juramos conjuntamente essas leis pelas quais seremos igualmente julgados; e se
ocorrer a nós, soberano, a intenção de mudá-las ou infringi-las, como inimigo
de nosso povo, é justo que ele seja o nosso, que ele seja desligado do
juramento de fidelidade, que ele nos processe, nos deponha e mesmo nos condene
à morte se o caso exige; esta é a primeira lei de nosso código. Desgraça ao
soberano que desprezar a lei, desgraça ao povo que suportar o desprezo em relação
à lei”. ([33][33])
Temos retomada, nesta sequência
frásica, a tese democrática exposta por Milton na Tenure of the kings and
Magistrates, o covenant que liga quem governa ao
povo, o único soberano, e a necessária responsabilização de todos
os magistrados diante daquela soberania. Sempre que o administrador assume uma
autoridade independente do soberano, ele dissolve o próprio Estado, esse
diagnóstico de Rousseau é comum aos seus adversários das Luzes democráticas,
como Diderot.
Robert Derathé registra o fato de
que essa tese, com fortes conseqüências na feitura das leis, não existe na
maioria dos países que hoje se julgam democráticos. Neles, "é raro que uma
lei possa ser votada sem o assentimento do governo". E nos encontramos com
o problema que atormentou os pensadores políticos da modernidade, nos inícios
do Estado nacional. Erasmo se perguntava sobre o modo de educar o soberano para
que ele não agisse sob o comando de suas paixões e de sua ignorância legal, e
sob a tirania dos bajuladores. ([34][34])
Essa foi a tarefa assumida, agora
em escala imensa, pelos governantes que administraram a República Francêsa
depois que outra cabeça real foi cortada. Como educar a cidadania para que ela
exerça o poder soberano, sem cair nas mãos dos demagogos? Apenas depois de
1791, por exemplo, Robespierre se convenceu de que a Assembléia Nacional não
tinha força para vencer os inimigos da França e insistiu sobre a soberania
popular. No discurso Sobre a Constituição (10/05/1793)
ele toca a aporia ainda hoje irresolvida nos Estados republicanos que se julgam
democráticos: "Dar ao governo a força necessária para que os cidadãos
respeitem sempre os direitos dos cidadãos; e fazer isto de um modo tal que o
governo nunca possa violar estes mesmos direitos". O governo, continua,
"é instituído para fazer a vontade geral respeitada. Mas os governantes
possuem uma vontade particular: e toda vontade particular tenta dominar a
outra". Qualquer constituição deveria "defender a liberdade pública e
individual contra o próprio governo".
A solidez de uma Constituição se
baseia "na bondade dos costumes, no conhecimento e no sentido profundo dos
sagrados direitos do homem". Tangido pelas massas e pelos
contra-revolucionários de todos os matizes, dentro e fora da Convenção, o setor
jacobino encarou o problema do governo comum e suas diferenças com o governo
revolucionário. O primeiro conserva a República, o segundo funda a mesma. O
governo revolucionário extrai sua legitimidade da "mais santa dentre as
leis, a salvação do povo" e da necessidade. Governo revolucionário não
significa "anarquia nem desordem. O seu fim é, pelo contrário, reprimir as
duas coisas, para conduzir ao domínio das leis (...) quanto maior o seu poder,
quanto mais sua ação é livre e rápida, tanto mais é necessária a boa fé para
dirigi-lo". (Robespierre, Relatório apresentado em 25/12/1793 à
Convenção, em nome do Comitê de Salvação Pública). A mudança de "soberania
popular" para "ditadura" é clara. A última salva o povo. ([35][35])
E se os ditadores usufruírem o
poder para si apenas? A resposta de Robespierre desalenta: o ditador deve ser
virtuoso. Na Convenção jacobina o governo, para "instituir" a
República torna-se "superior" à população. Enquanto isso, os sans culotte, nas Assembléias Populares,
insistiam na idéia e na prática da soberania do povo e na revocabilidade tanto
dos deputados (chamados por eles "mandatários") quanto dos juízes e
demais servidores públicos. Em 1º de setembro de 1792, a seção
"Poissonière" declara: "considerando que o povo soberano tem o
direito de prescrever aos seus mandatários a via a ser seguida para agir
conforme a sua vontade", os deputados deveriam ser discutidos, aprovados
ou reprovados pelas Assembléias primárias. A Assembléia Geral do
"Marché-des-Innocents" decidiu, em 25 de agosto de 1792," que os
deputados serão revocáveis por vontade de seu Departamento", bem como
"todos os funcionários públicos".
4) Educação do povo soberano no
Estado de direito.
O problema de educar o povo para a
soberania exigiu esforços dos autores democráticos, sobretudo dos que não
seguiam a linha iniciada por Rousseau. ([36][36]) Diderot, no Projeto
de uma Universidade para a Rússia indica esta missão : “Universidade é
uma escola cuja porta está aberta indistitamente a todos os filhos de uma nação
e onde mestres estipendiados pelo Estado os iniciam no conhecimento elementar
de todas as ciências (…) a bem dizer, uma escola pública não é instituida senão
para os filhos de pais cuja módica fortuna não bastaria para a despesa de uma
educação doméstica e cujas funções quotidianas os devsiariam do cuidado de
fiscalizá-la. É o grosso de uma nação”. ([37][37])
Entusiastas de Francis Bacon e da
ampla democracia dos saberes, os enciclopedistas e seus discípulos, como
Condorcet, se preocuparam com a formação intelectual das massas populares, conditio
sine qua non da ordem democrática moderna. Democracia exige eleições.
Mas estas últimas podem ser um descaminho e servirem para deseducar o povo
soberano. Como expõe François Dagognet, os escrutínios trazem respostas
incertas e não raro enganosas. É este o perigo pressentido pelos
enciclopedistas e por Condorcet. Mesmo e talvez sobretudo num Estado
democrático, “o poder se imiscui na operação eleitoral e a influencia: ele
deseja demais uma ´representação´ que lhe seja favorável. E se misturam, nos
atos eleitorais, três ´imagens´ : a real, se a palavra guarda ainda um sentido,
a normativa ou potencial, porque se trata se conseguir uma direção no futuro, e
a desejada e querida, porque os manipuladores tendem a se perenisar e se
empregam na desregulamentação dos indicadores. E, com efeito, os modos de
escrutínio contam mais do que o resultado final, poide deles depende”. ([38][38])
E agora começamos a unir os fios. O
soberano empirico, o rei, na instauração do Estado, foi conduzido ao segredo em
decisões mais duras da ordem política. O soberano popular segue o mesmo rumo no
instante em que sua prerrogativa se manifesta em plenitude : a hora do voto.
Alí, supostamente, reina o segredo. Todos conhecem a passagem de Montesquieu
sobre o assunto no Espírito das Leis, mas a cito: “A lei que fixa a maneira de
conceder os bilhetes dos sufrágios é ainda uma lei fundamental na democracia. É
uma grande questão se os votos devem ser públicos ou secretos. Cicero escreve
que as leis que os tornaram secretos nos últimos tempos da república foram uma
das grandes causas de sua queda”. Montesquieu recusa o segredo do voto e afirma
que “sem dúvida, quando o povo vota, este voto deve ser público e isto deve ser
visto como uma lei fundamental da democracia. É preciso que o povinho (´petit
peuple´) seja esclarecido pelos principais e contido pela gravidade de certos
personagens”. ([39][39])
Todos conhecem também as recusas de
Rousseau desse segredo do voto, elemento deseducador por excelência. Segundo o Contrato
Social, nas antigas repúblicas virtuosas, “cada um tinha vergonha de
dar publicamente seu sufrágio a uma opinião injusta ou a um assunto indigno,
mas quando o povo se corrompeu e seu voto foi comprado, foi conveniente que o
segredo fosse instituido para conter os compradores pela desconfiança e
fornecer aos salafrários (´fripons´) o meio de não serem traidores”. ([40][40])
Condorcet foi um dos opostos ao
voto secreto. Mas suas razões seguem além das enunciadas por Montesquieu e
Rousseau. Ele é o autor de projetos de educação popular ao modo das Luzes, e ao
mesmo tempo é um dos mais profundos conhecedores dos problemas matemáticos
suscitados pelas eleições. Da caixa onde os votos são depositados, tudo pode
sair, inclusive servidão. Ele mostrou como o voto simples, o sim e o não, traz
o arbitrário quando se trata de decidir entre diferentes programas ou vários
candidatos, três pelo menos. Este é o sentido do famoso “paradoxo de
Condorcet”, na verdade uma atualização do “paradoxo de Bordas”. Com este tipo
de escrutinio tem-se a maior probabilidade de transformar a maioria em minoria,
e vice versa. “É possível”, escreve Condorcet, “se houver apenas três
candidatos que um entre eles tenha mais votos do que os dois outros e que,
entretanto, um desses últimos, aquele mesmo que teve menor numero de votos,
seja realmente olhado pela pluralidade como superior a cada um dos seus
concorrentes”. Condorcet, após demorada análise de fundo matemático enuncia que
numa eleição assim, o mais contestado pode ser eleito, enquanto o melhor, na
hipótese de um escrutínio plunominal, foi eliminado. ([41][41])
O paradoxo exposto no Essai sur l'application de l'analyse à la
probabilité des décisions rendues à la pluralité des voix reapareceu na
Europa e sobretudo nos EUA nos últimos tempos. Na Europa, após o trauma alemão
que permitiu eleger um partido absolutamente contrário à democracia e ao Estado
de direito, possibilitando uma das piores aventuras totalitárias, sempre em
nome do Povo. E nos EUA, o paradoxo de Condorcet é discutido com paixão depois
das últimas eleições presidenciais. ([42][42])
5) Legitimidade, segredo,
democracia.
Passados os totalitarismos a
legitimidade estatal, incluindo-se todos os seus setores, em particular o
Judiciário, apresenta agudos problemas. As multidões não foram ensinadas ao
voto segundo o cálculo das probabilidades, como desejava Condorcet. No
Termidor, a massa popular perdeu a soberania e foi substituida pelos
proprietários, seguindo a receita de Boissy d´Anglas em discurso de 5 Messidor,
ano 3: "Devemos ser governados pelos melhores (...) ora, com poucas
exceções, só podemos encontrar semelhantes homens entre os que, possuindo uma
propriedade, são apegados ao país que a contém, às leis que a protegem, à
tranqüilidade que a conserva".
Para o termidoriano, o país é o receptáculo da
propriedade. A lei não é máxima derivada do nexo entre princípios e situação.
Ela é o que protege a propriedade. As exigências do povo, a accountability
e a destituição do governante, para o termidoriano, não importam. O seu alvo
principal é a tranqüilidade. "Se forem dados a homens sem propriedade os
direitos políticos, sem reserva, e se eles sentarem nos bancos legislativos,
eles excitarão ou deixarão excitar agitações sem temer os efeitos; eles
estabelecerão ou deixarão estabelecer taxas funestas ao comércio e à
agricultura, porque não terão sentido, nem temido, nem previsto, as terríveis
conseqüências, e eles nos precipitarão enfim nas convulsões violentas das quais
estamos apenas saindo". ([43][43]) Com Napoleão e
sua ditadura, toda ela um imenso maquinismo operado pelo segredo, não foi
preciso aos termidorianos se preocupar com a soberania dos sem propriedade.
Quando Napoleão caiu, estavam dadas as condições para o fim da doutrina e da
prática da soberania popular direta. O regime parlamentar tomou o centro
decisório. Mas a idéia representativa teve um enorme obstáculo no seu caminho,
exatamente as formas de poder que a dispensaram nos regimes totalitários do
Leste e do Oeste.
6) Uma reflexão sobre Carl Schmitt.
O voto secreto e o segredo de Estado
conduziram a tiranias, como a nazista, as quais destruiram todo direito
democrático e toda justiça. A resposta do poder ao segredo do voto foi o
recrudescimento e a manipulação inaudita do segredo de Estado. Infelizmente,
precisamos nos referir a Carl Schmitt, o autor do importante livro A
ditadura, das origens da idéia moderna de soberania à luta de classes
proletárias (1921), onde se descreve a lógica dos golpes de Estado e
das normas impostas pelos que sobem ao poder por seu intermédio.([44][44]) É dele a mais
famosa fórmula do golpe de Estado: “Soberano é quem decide sobre o estado de
exceção”. ([45][45]) O jurista
germânico ao contrário do que afirma Han Kelsen pensa que o problema da
soberania ainda existe no mundo moderno. ([46][46]) Mas Schmitt é
coerente crítico da soberania exercida pelos Parlamentos, na encruzilhada
supostamente sem esperanças do sistema representativo ([47][47]). Conduzindo as
palavras à sua mais lógica expressão, Schmitt mostra que a democracia quer
dizer “soberania popular”. Falando-se seriamente em democracia, pensa Schmitt,
só o povo pode decidir o seu destino político e jamais os deputados. A
expressão “democracia representativa” é apenas um meio de enganar as massas. Da
impossível democracia, por culpa da política liberal, Schmitt segue rumo ao
poder do Chefe do Estado, o protetor da Constituição que exerce a soberania
acima dos entraves da legalidade e das regras. O dirigente opera segundo a
lógica da excepcionalidade. Em O Protetor da Constituição, ([48][48]) encontra-se a
referência ao Poder Moderador, tal como definido no Império Brasileiro. A
importância daquele poder situa-se, justamente, no controle da soberania
popular ou das pretensões parlamentares.
O ponto estratégico encontra-se na
defesa da exceção, mais relevante do que a regra (defendida pelos liberais). A
exceção nega a soberania popular ao modo jacobino e permite a Schmitt o retorno
ao Leviatã.
Schmitt encontra alí o estratagema ditatorial, sempre apto para ser usado por
todos os que negam a forma democrática. Em Hobbes, julga Schmitt existiria a
tese de um “governo que pode se reclamar da necessidade concreta, do estado das
coisas, da força da situação, para outras justificações não determinadas pelas
normas, mas pelas situações (…). Isso encontra o seu princípio existencial na
adequação ao fim, na utilidade (…) na conformidade imediatamente concreta das
suas medidas”. ([49][49]) A ditadura,
resposta adequada para a exceção, não precisa da legitimidade ao modo antigo e
prescinde da legalidade positiva. Sua força reside no fato de que ela emerge na
crise, quando as formas jurídicas não garantem o povo e o Estado. “No caso de
exceção, o Estado suspende o direito em virtude de um direito de
auto-conservação”. ([50][50]) Esta é excusa assumida em todos
os modernos golpes de Estado.
7) O segredo e a democracia, antíteses e perigos.
Essas considerações sobre Carl Schmitt não foram
suscitadas por mim sem finalidade certa. Nele e em suas categorias do inimigo e
do inimigo na luta política estatal e civil, temos um prenúncio do que se passa
em nossos dias nas grandes formações democráticas do Ocidente. Seja porque o
jurista —apesar de totalitário— previu situações emergentes, seja porque seus
discípulos (como Leo Strauss), ao circular as teses sobre o segredo e a mentira
no Estado prepararam nos EUA e demais nações democráticas o caminho das
práticas que ele descreveu, Schmtt fornece pressupostos para se conceituar as
máquinas de guerra e de segredo que tomaram conta dos Estados e tendem hoje a
conduzir o mundo, na era do terrorismo e do suposto terrorismo, ao caos
sangrento, às torturas, à desobediência das mais comezinhas regras de direito
público internacional.
Um comentário exato desse status que relembra o
papel de Schmitt, encontra-se no artigo de Eva Horn, do qual cito um trecho:
“permeado pela guerra em sua dupla essencia e natureza , a inteligência não
liga-se ao tipo de poder tipificado pela soberania estatal, mas por aquilo que
Gilles Deleuze e Féliz Guattari descrevem como ´a máquina de guerra´, um
movimento múltiplo de deslocamento no território tão oposto aos princípios de
hierarquia e estratificação do ´aparelho estatal´. Geurra é rapidez, segredo,
violência, astúcia, enquanto o Estado é entendido como um ´estrato´, fixidez e
enraizamento num lugar, representação, o fim do bellum omnium contra omnes:
a lei. A máquina de guerra, segundo Deleuze e Guattari, é externa ao Estado,
mesmo quando elementos da máquina de guerra podem ser integrados no aparelho de
estado na forma de exército, polícia, e serviços de inteligência. A máquina de
guerra consiste em ´furor´em vez de ´moderação´. O guerreiro, escrevem Deleuze
e Guattari, ´é como uma multiplicidade pura e desmedida, uma irrupção do efêmro
e do poder de metamorfose. Ele corta o vínculo porque trai o pacto. Ele traz o
furor contra a soberania, uma celeridade contra o que é grave, o segredo contra
o que é público, um poder contra a soberania, a máquina contra o aparato´. A
máquina de guerra é o nome dado por Deleuze e Guattari para o inimigo
ilimitado, uma dinâmica de que tudo o que se aparenta à guerra: sua capacidade
de metamorfose e camuflagem, para rapidez e relação estratégica no espaço.
Segredo e traição de segredos, desinformação e violação de tratados, propaganda
e e conspiração são elementos da máquina de guerra, que não pode ser inserida
sob os principios da soberania nacional. É o moderno partisan, o clandestino e
lutador irregular´ que poderia ser chamado a corporificação paradigmática da
máquina deleuziana de guerra”. ([51][51])
As últimas frases citadas por Eva Horn, o leitor avisado
já sabe, naturalmente, que foram elaboraras por Carl Schmitt na famosa Theorie
des Partisanen ([52][52]). As
consequências dessa corrosão do Estado trazem desgraças para o mundo de hoje e
futuro. As guerrilhas e as formas rápidas de luta contra inimigos mais fortes
serviram nas lutas de libertação nacional, da Espanha de 1808 ao Vietnã. Mas as
“máquinas de guerra”, geradas para enfrentar os movimentos guerrilheiros e
inseridas nos Estados que colonialistas e imperiais dos séculos 19 e 20,
aprenderam as lições da guerrilha. Elas agem no interior do Estado, na fímbria
da ordem constitucional. Com o segredo e a tortura, essas máquinas de guerra
conduzem uma política marcada pela razão técnica, sem as cautelas diplomáticas
que asseguraram a razão de Estado. Os desastres do Vietnã, da Argélia, do
Iraque marcam a crônica dessa política armada e sem publicidade.
Por outro lado, os movimentos que apelaram para a
guerrilha, em muitos países, seguiram para a desestabilização do Estado de direito
e para a truculência ditatorial. O Camboja revelou-se como o máximo de horror
nesta linha, com milhões de seres humanos trucidados nos campos da morte. Mas
Cuba, que exemplifica uma ditadura surgida de movimentos partisans, tornou-se um
problema quase sem solução no século 21.
O segredo e a máquina de guerra, num polo da vida
política mundial e os terroristas que usam técnicas de guerrilha combinadas com
sacrifícios rituais de corpos (os atentados suicidas), usurpam de maneira
tirânica todas as prerrogativas legítimas do poder. Permito-me citar um trecho
de meu livro O Desafio do Islã, num capítulo dedicado à razão terrorista: ”O
terrorista e o poderoso refletem mutuamente os seus instrumentos e liturgia de
mando repressivo. Os três monopólios do Estado moderno para se exercitarem em
democracia supõem o controle cidadão, múltiplas vontades e pensamentos reunidos
de modo transparente e universal. Os três monopólios são exercidos pelo
terrorista e por seu grupo banindo-se todos os demais entes humanos e qualquer
debate ou transparência. O terrorista, sem receber votos faz-de poder
legislativo e decreta leis que devem ser atendidas por toda e qualquer pessoa,
mesmo que esta as desconheça. O terrorista, sem eleicão, faz-se poder Executivo
de modo ditatorial e arranca bens e recursos vários de qualquer indivíduo ou
grupo. O terrorista, sem mando legítimo, faz-se Judiciário e só ele julga com
Justiça plena o mundo e seus habitantes. Ele também exerce o poder de policia,
de espionagem, chegando a ser, ele também, o carrasco que verte sangue sem
culpa , atributo dos mais antigos governos. Entre terroristas, a pena de morte
é norma, e contra ela não existe apelo nem recurso. Enfim, a opiniã pública é
manipulada pelo terrorista, sem que seja permitida a réplica e direito de
resposta. Ou o mundo aceita a verdade, que por definição é a dele, ou está
imersão na mentira. Os Estados oficialmente constituidos, mesmo levando-se em
conta as salvaguardas democráticas, tendem a ultrapassar as cancelas que
protegem as mútiplas éticas dos setores estabelecidos em seu interior, passando
perigosamente da forma democrática a exclusiva raison d´état, chegando rápido
ao terrorismo de Estado. A China, que no atual momento apoia a cruzada
antiterror dos EUA, e um poder policial terrorista que persegue fins próprios
na cena internacional, fazem exatamente o jogo de seus interesses de Estado. Do
apoio ao golpe de Pinochet aos massacres da Paz Celestial, a China segue seu
ritmo de potência em ascensão.”. ([53][53])
Com o fim da Segunda Guerra, a Guerra Fria e o
Macarthismo nos EUA, bem como o recrudescimento das ditaduras comunistas e
anti-comunistas no mundo, o segredo aumentou sua abrangência até o
inimaginável. Se os países socialistas, que supostamente eram repúblicas
populares, quebraram todos os preceitos da accountability e da fé pública, em
proveito dos governos, algo similar ocorreu na Europa e nos EUA.
Hannah Arendt afirma que a vida totalitária moderna deve
ser entendida como reunião de “sociedades secretas estabelecidas públicamente”.
([54][54]) O paradoxo é só
aparente. Hitler examinou os principios das sociedades secretas como corretos
modelos para a sua própria. Ele promulgou em maio de 1939 algumas regras para o
seu partido: primeira regra: ninguém que não tenha necessidade de ser informado
deve receber informação. A segunda : ninguém deve saber mais do que o
necessário. A terceira: ninguém deve saber algo antes do necessário. ([55][55]) O segredo marca
as administrações que buscam corroer as conquistas democráticas e as garantias
jurídicas. Os governos de países democráticos que abusam do segredo agem de
modo muito similar ao recomendado por Hitler.
O líder nazista publicou seus programas, mas apenas os
“militantes” nele acreditaram. Os demais, com a força da propaganda,
tornaram-se enceguecidos diante das tremendas desgraças anunciadas. Assim, os
antigos adversários do Partido, “os aderentes ao grupo…aceitaram como
verdadeiras as asserções públicas e, por isso, mostraram-se indignos de receber
a verdade secreta e integrarem a elite” do regime. O nazismo e os demais
ensaios totalitários levam ao paroxismo a separação entre dirigidos e
dirigentes, entre governantes e cidadãos comuns. A razão encontra-se nos
primeiros, a credulidade nos segundos. ([56][56])
Seguindo a lição de Norberto Bobbio:
“Governo democrático é o que desenvolve sua atividade em público, sob os olhos
de todos. E deve desenvolver a sua própria atividade sob os olhos de todos
porque todos os cidadãos devem estar em condições de formar uma opinião livre
sobre as decisões tomadas em seu nome. De outro modo, qual a razão os levaria
periodicamente à urnas, e em quais bases poderiam expressar o seu voto de
consentimento ou de recusa?”. O jurista prudente e cauteloso não esquece a
violência frásica necessária para acusar o abuso do segredo por governos
eleitos democráticamente: o poder oculto “não transforma a democracia, a
perverte. Ele não a golpeia com maior ou menor gravidade em um de seus orgãos
essenciais. Ele a assassina”. ([57][57])
A democracia moderna surgiu com a tese da necessária accountability
do governante. A radicalidade dos democratas inglêses rendeu frutos na Europa e
na América do Norte. Os seus postulados suportam a Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Mas nem todo o planeta aceita ou pratica os princípios da fé
pública e da plena responsabilização. Nas terras democráticas, a raison
d´État pratica o segredo que ameaça direitos e a liberdade de imprensa.
Políticos como Woodrow Wilson, insistiram sobre o elo
entre fé pública e responsabilidade, o que deveria atenuar o segredo de Estado.
([58][58]) A recusa, durante a Guerra Fria,
dos elementos jurídicos e políticos que definem a accountability levaram os
governos norte-americanos (e boa parte do mundo ocidental) à desatenção ou
quebra de padrões democráticos. Isto redundou em prejuízo para os povos das
terras hegemônicas e calamidades para os dominados, do Vietnã ao Chile e deste
ao Irã e Iraque. O segredo permitiu casos como o Irã-contras, a ajuda aos
Talibãs, cuja ascensão ao poder foi entendida como vitória sobre a quase
defunta URSS. O segredo permitiu que nas duas guerras do Iraque informações
vitais fossem negadas ao público mundial. A administração G. W. Bush conduz o
segredo ao máximo ([59][59]) possível, incluindo-se o engano
usado deliberadamente, como nas supostas armas de destruição em massa. O
segredo ajudou a embaralhar interesses de grupos privados e assuntos de
governo, como nas licitações para a reconstrução do Iraque ao redor do
petróleo, e serviu para abafar abusos insuportáveis aos presos políticos
naquele país.
A administração Bush emprega meios
segretos para atingir alvos internos e internacionais, não raro retrocedendo na
política doméstica, quando se trata do mesmo segredo. Em abril de 1994, foi
editada uma Public Law (número 103-236) do governo estadunidense criando
uma Comissão para reduzir o segredo governamental, tendo a frente Daniel
Patrick Moyniham, do Partido Democratico, antigo membro de gabinete dos
presidentes Kennedy, Johnson, Nixon and Ford. A comissão publicou um relatório
(3/05/1997) cujas palavras iniciais eram as seguintes: "It is time for a
new way of thinking about secrecy." Após essa tentativa, com o governo
Bush, a velha agenda do mundo secreto retomou a iniciativa. Talvez com uma
derrota eleitoral do presidente, volte a ser tempo de se pensar o secredo nos
EUA.
A tensa passagem do secreto ao
público define o destino da democracia. Assistimos, nos últimos tempos, a
derrocada quase absoluta de governos democráticos diante de forças antigas da
vida social, com religiões que pretendem retornar à legitimidade com base no
divino e novas forças, como o onipresente e onisciente “mercado”. Em nome da
“confiança” deste último, programas expostos em longos anos aos cidadãos seguem
para o vazio absoluto. Com base no segredo, “planos” econômicos são impostos,
lesando os contribuintes em nome de interesses alheios aos seus países. Por
outro lado, grupos terroristas atacam os três antigos monopólios estatais, a
começar com o da força física, ameaçando o monopólio da norma juridica. Ao mesmo
tempo, os sistemas de narco-tráfico (não raro, como no Afeganistão, unidos ao
terror) desafiam todos os tribunais e governos, amealhando cúmplices nos três
poderes do Estado.
No Journal of Public Policy,
James March e J. Olsen tratam o nosso tema em plano atual ([60][60]) e
afirmam : a política social democrática não perdeu sentido, mas a “confiança
nas instituições públicas foi erodida”. Os autores apontam para duas direções
nas críticas ao Estado e à sua soberania : “um tema frequente é a necessidade
de descentralização, incluindo a transferência de tarefas e de autoridade aos
governos locais ou regionais, agências administrativas frouxamente ligadas às
instituições políticas centrais, instituições quasi-governamentais, e o setor
privado. Propósitos de privatização, desregulagem, e desburocratização
refletem, pelo menos em parte, desacordo com os estorvos à autonomia
individual”. Isto, de um lado. De outro, temos a crítica sobre a “falta de
direção central (vis-à-vis os interesses de grupos públicos ou privados). O
sistema político é pintado como tendo-se rendido aos grupos maiores e bem
organizados”. Esta segunda crítica, “exige a atenção à economia e à sociedade
em sentido amplo, para fazer as instituições servirem a sociedade abrangente e
não apenas a uma de suas partes”. Esta aporia contemporânea, com as teses de um
desmantelamento dos serviços públicos, e as respostas de fortalecimento do
Estado, como indiquei ao longo das considerações anteriores, raízes velhas e
carcomidas. Mas sem que semelhantes traços sejam pensados, as respostas em
favor de uma via ou de outra mostram-se superficiais ou demagógicas.
A questão do segredo é essencial
para se refletir sobre o futuro democrático ou tirânico. Os governos seguem o
rumo de exasperar a prática de esconder aos cidadãos os pontos maiores das
políticas no setor público. Entramos no paradoxo maior: o público é definido
fora do….público. A opacidade estatal atinge níveis inéditos, contra todos os
anseios das Luzes e das revoluções inglêsa, americana, francêsa. Retomo
Norberto Bobbio: “o inadmissível num regime democrático é a existência de um
poder invisível que age ao do poder estatal, ao mesmo tempo dentro dele e
contra ele, concorrendo com ele em certos aspectos, sob outros conivente, que
se vale do segredo não para acabar com ele, mas para servi-lo”. Termina o
grande jurista: “no Estado despótico o soberano enxerga sem ser visto.” ([61][61])
Se os governos agem de
modo secreto, os terroristas fazem o mesmo. Aliás, segredo é fonte de terror
governamental e dos grupos intolerantes que afirmam lutar pelo divino. O
segredo gera corrupção em massa, arbítrios, torturas, desesperanças. É
conhecida a fabula de Giges, narrada por Platão e por Rousseau. ([62][62]). Glauco toma a
palavra após Sócrates silenciar o virulento Trasímaco, o apologeta da força
como base das leis. Os cidadãos, diz Glauco, não praticam a justiça por ela
mesma, mas apenas porque têm medo do que lhes ocorreria se não obedecessem a
norma legal.
Se todos pudessem ficar invisíveis,
afirma Glauco, os seus atos seriam violentos e nada apegados à justiça. E expõe
a faculdade concedida a Giges, “um pastor que servia em casa do que era então
soberano da Lídia. Devido a um grande tremor de terra, rasgou-se o solo e
abriu-se uma fenda no local onde ele apascentava o rebanho. Espreitando…viu um
cadáver…com um anel de ouro na mão. Arrancou-lho e saiu…Estando com os outros
pastores, deu uma volta no engaste do anel para dentro e…. tornou-se
invisível…passou de novo a mão pelo anel e tornou-se visível….Assim, senhor de
si, logo se fez nomear delegado junto do rei. Ele seduziu a mulher do soberano
e com auxilio dela, atacou-o e matou-o, e assim se assenhoreou do poder”. Lição
de Glauco: “ninguém é justo por sua vontade, mas constrangido, por entender que
a justiça não é um bem para si, individualmente, uma vez que, se julga ser
possível cometer injustiças, comete-as”.
São postas, nessa passagem
platônica, as aporias da obediência e da legitimidade. Mas saliento o problema
do segredo. Os governos e grupos terroristas (mesmo os narco-traficantes)
operam escondidos dos olhos públicos. É como se partilhassem o anel de Giges.
Quando lhes interessa ou se não é mais possível fugir nas trevas, surgem à luz
do dia e desejam impôr à cidadania o pagamentos pelos seus erros. Mas se querem
anular a soberania dos contribuintes, colocam os anéis. Desse modo, anulam
qualquer fé pública e jogam as pessoas na desobediência à lei, na prática do
segredo (não é de outro modo que as fraudes várias são praticadas). O poder
mascarado, enuncia Bobbio, assassina o Estado, como Giges matou o soberano
legal do seu país.
Tudo isso envolve a legitimidade do
poder judiciário: se o Executivo mergulha nas sombras —sempre que lhe é
conveniente— e se o Legislativo com ele pactua, qual lei pode ser legítima e aplicada
com justiça pelos tribunais? Cito apenas um caso de recente memória, as
discussões sobre a crise energética que foram “resolvidas” pelo STF, o qual
julgou constitucionais as fórmulas adotadas pelo Executivo para enfrentar o
famigerado “apagão”. O tribunal afirmou que o povo não cumpriria as metas de
economia de eletricidade se as determinações do governo fossem declaradas
inconstitucionais. Os juízes, desse modo, deram ao povo um atestado de
minoridade. Os togados poderiam, com justeza, argumentar de outro modo evocando
a emergência em que o país se encontrava, os riscos públicos. Se, além disso,
conclamassem os escorchados contribuintes para que ajudassem a superar as
dificuldades geradas por uma administração que tinha sido imprudente no setor.
Com o beneplácito do STF, o Executivo deu mais uma volta no parafuso
autoritário que lhe permite legislar na realidade, dispensando parlamentos.
A decisão mencionada aumentou a
ruptura entre governados e governantes, arruinou ainda mais a fé pública, pois
impediu o convívio democrático no plano horizontal. A decisão afirma que só com
castigos o povo colabora nas obras coletivas. Observe-se que o segredo definiu
a política governamental. As causas da crise energética chegaram a ser
atribuídas por membros do Executivo a “um raio”. Outras mentiras foram
inventadas, antes do efetivo surgir no horizonte, por “culpa” da imprensa. A
população, até hoje, é penalizada no caso da crise energética: pagou por erros
que não cometeu e paga porque as concessionárias não puderam utilizar o que
precisavam para obter lucros. Se os cidadãos recebem um tratamento assim, como
lhes falar de poder legítimo?
Como pensar, nessas condições, a
legitimidade do Judiciário no século 21 ? Se o Estado brasileiro tem como fonte
eleições onde o povo soberano é ordenado pela propaganda, o mais frequentemente
enganosa, e se as mesmas eleições, na sua forma, podem ser ilegítimas, como
seguir a via que leva à obediência universal da lei? Por todos esses motivos,
preferi indicar alguns problemas, sobretudo o campo do segredo e da razão de
Estado no vasto âmbito sugerido pelo título da palestra. Outros problemas devem
ser expostos pelos demais conferencistas. Espero que minha fala tenha trazido
alguma ajuda na tarefa de pensar as aporias do Estado democrático de direito em
nossa terra.
Roberto Romano
Postado po
[2][2] Jurista do século 13, que viveu sob o Rei João e morreu sob
Henrique 3, na aurora da Carta Magna. Seu escrito, Laws
and Customs of England (1240 – 1260) constituem uma enciclopédia
juridica fundamental para o conhecimento do direito na Inglaterra de seu tempo.
[3][3] Citado por Ernst Kantorowicks, The King´s two bodies
(Princeton, New Jersey, 1970) p. 155. Este passo inteiro de minhas análises
baseiam-se neste autor.
[4][4] Este ponto serviu no Estado brasileiro para definir
situações estratégicas das elites liberais e das comprometidas com os projetos
ultramontanos). Analisei esta questão, com detalhes em Brasil, Igreja contra Estado
(SP, Kayrós, 1979).
[5][5] Para o debate jurídico entre Igreja e poder laico, na Idade Média e
inícios da urbanização que assegurou o Estado nacional e o Estado cidade, cf. o
clássico de W. Ullmann, The Growth of Papal Government in the Middle
Ages. A study in the ideological relation of clerical to lay power.
London, Methuen & co., 1955. Para o medo e a função do rei, cf. op. cit. p.
29-31.
[6][6] cf. J.A. Watt: The theory of papal monarchy in the
thirteenth century. The contribution of the canonists. NY,
Fordham Univ. Press, 1965. Para os choques entre os poderes, cf. Tellenbach,
Gerd : The church in western Europe from the tenth to the early twelfth
century. Cambridge, University Press, 1996. E também Robinson, I:S. : The
papacy. 1073-1198. Continuity and innovation. Cambridge, Univ. Press,
1993.
[7][7] Georg Simmel, “The sociology of
secrecy and of secret societies”, in American Journal of Sociology, V. 11, 4,
janeiro 1906. Citado por Wolfgang Kaiser . «Pratiques du secret à l'époque
moderne». Rives, 17-2004, Pratiques
du secret, XVe-XVIIe siècles.no seguinte endereço: http://rives.revues.org/document102.html.
Este site traz excelente análises sobre o problema do segredo. Cf. também
Jean-Pierre Chrétien Goni, “Institutio arcanae”, p. 169 e ss. Cf. também
Sarubbi, Antonio e Pasqualina Scudieri : I teorici della ragion di stato. Mito
e realtà. Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane. 2000.
[8][8] N. Montand, Le miroir des François, cit. por Dominique Reynié,”Le regard
souverain” in Lazzeri, Christian e Reynié, D. : La raison d´État Politique te
Rationalité. Paris, PUF, 1992, p. 44.
[10][10] Ainda em 1604, nos Discours Chrestiens de la Divinité,
Creation, Redemption et Octaves du Sainct Sacrement, Charron afirma que
o título de honra proximo à Divindade é o de reim. Ele distingue entre a
“adoração” alta, a que se volta em direção ao divino, e a baixa, deirigida ao
rei. Cf. Borreli, G. Ragion di Stato e Leviatano.
Bologna, Il Mulino Ed., 1993, p. 62, nota 74.
[12][12] Giovanni Machia, apresentando o Breviario Dei Politici secondo il
Cardinali Mazzarino. Milano, Rizzoli, 1981, pp. XXVIII-XXIX.
[14][14] A raison d´Etat é um tema
que examino e que serviu como objeto de análise em cursos que ministrei na
Unicamp. Ainda neste primeiro semestre de 2004, na pós-graduação, discuto o
tema e a gênese da moderna democracia, as dificuldades do tiranicidio, etc. Em O
desafio do Islã ( 2004) examino em vários textos a razão estatal.
Dentre eles, o capítulo “Segredo e Razão de Estado” (pp.267 e ss). Alí,
inclusive uma bibliografia selecionada é sugerida ao leitor interessado. Em
outros artigos desenvolvo os nexos entre racionalidade estatal e a democracia,
Cf. “A igualdade, considerações críticas”, Revista Brasileira de Direito Constitucional
(2, Jul/Dez. 2003) O texto foi republicado no site Foglio Spinoziano
(Itália) no endereço seguinte: www.fogliospinoziano.it/articoli.htm - 10k
[16][16] Cf. Vivanti, Corrado: Lotta politica e pace religiosa in Francia
fra cinque e seicento. Torino, Einaudi, 1974.
[17][17] Cf. Jean-Pierre Chrétien-Goni: “Institutio Arcanae”, in
Lazzeri, Christian e Reynié, Dominique: Le pouvoir de la raison d´état.
Paris, PUF, 1992, p. 137.
[18][18] Cf. Yavetz, Zvi : La plèbe et le prince. Foule et vie
politique sous le haut-empire romain. Paris, Maspero, 1984.
[19][19] Cf. La Boétie, E. : Le discours de la sevitude volontaire.
Paris, Payot, 1976. Há uma edição em português, publicada pela Ed. Brasiliense.
[20][20] Apesar dessa interpretação rápida e pouco rigorosa,
defendida sobretudo por Pierre Clastres e apologetas assemelhados, a mais
provável interpretação do texto em questão é a feita no século 19 por Paul
Bonnefon : Estienne de la Boétie, sa vie, ses ouvrages et ses relations avec
Monatigne. Genève, Slatkine Reprints, 1970. Do mesmo autor, cf. Oeuvres
complètes d´Estienne de la Boétie. Paris, J. Rouan & cie. 1892.
[21][21] Cf. “Une oeuvre inconnue de la Boétie. Les mémoires sur l
´Édit de janvier 1562” . Editado por Paul Bonnefon. In Revue d´Histoire littéraire de la
France. 24e année. 1917. Paris. Librairie Armand Colin, 1917.
[23][23] “É perigoso dizer ao povo que as
leis não são justas (…) seria preciso dizer-lhe ao mesmo tempo que é preciso
obedecer porque elas são leis, como é preciso obedecer aos superiores, não
porque eles são justos, mas porque sao superiores” . Pascal, Pensées, Paris, J. de Bonnot Ed.,
1982, p. 134.
[24][24] “Considerada em oposição à soberania do monarca a soberania
do povo integra esses pensamentos confusos que têm por base uma representação
grosseira do povo. Sem o monarca e sem a organização que a ele se liga
necessária e imediatamente, o povo é a massa informe que não é mais um Estado e
à qual não se liga nenhuma das determinações presentes num todo organizado em
si, a soberania, o governo, os tribunais, a autoridade, os estados e tudo o
mais”. Hegel, G.W. F : Lições sobre a Filosofia do Direito.
Parágrafo 279- Uso a tradução de R. Derathé, Paris, Vrin, 1975, p. 292. No
parágrafo 317 da mesma obra, temos uma das mais ácidas caçoadas sobre o povo e
a opinião pública na filosofia moderna.
[26][26] Cf. Otto Gierke: Natural Law and the theory of society. 1500
to 1800. Boston, Beacon Press, 1960, p. 48. Para este passo, é
importante consultar o livro de Gierke sobre Althusius : Johannes Althusius und
die Entwicklung der naturrechtlichen Staatstheorien. Uso a tradução italiana :
Giovanni Althusius e lo sviluppo storico delle teorie politiche giusnaturalistiche.
Contributo alla storia della sistematica del diritto. Torino, Einaudi, 1974, a
cura de A. Giolitti.
[28][28] “… if the King or Magistrate prov´d unfaithfull to his
trust, the people would be disingag´d”.Um governo (Milton cita Aristóteles)
“unnaccountable is the worst sort of Tyranny; and least of all to be endur´d by
free born men” Cf. John Milton Selected Prose edited by C.A. Patrides.
Harmondsworth, Penguin, 1974, pp. 249ss.
[29][29] Thomas Edwards : Grangraena, Terceira Parte (1646).
Edição fotostática editada pela The Rota Ed. e Universidade de Exeter. 1977, p.
16.
[30][30] Cf. sobretudo Christopher Hill: Intellectual Origins of the
English Revolution.London, Granada Publishing Ltd. 1965. Também
Christopher Hill (Ed.) The Levellers and the English Revolution.
Manchester, C, Nichollls & Company, 1961.
[31][31] Cf. Olivier Lutaud: Des Révolutions d´Angleterre à la Révolution
Française. Le Tyrannicide & Killing no Murder (Cromwell, Athalie, Bonaparte). La Haye, Martinus Nijhoff, 1973.
Do mesmo autor cf. Les Deux Révolutions d´Angleterre. Documents politiques, sociaux,
religieux. Paris, Aubier, 1978.
[32][32] Lembrança trazida por Laurent Versini, na edição que
dirigiu das Oeuvres de Diderot (Paris, Robert Laffont, 1995) T. III, p.
507.
[33][33] Cf. Diderot, Denis : “Observations sur l ´Instruction de l
´Impératrice de Russie aux Députés pour la Confection des Lois”, in Oeuvres
de Diderot, Ed. Versini citada, T. III, p.507.
[34][34] Cf. Erasmo de Rotterdam : The Education of a Christian Prince,
Trad. Lester K. Born, New York, Columbia University Press, 1936.
[35][35] Esta análise pode ser lida com maiores detalhes no meu
livro O Caldeirão de Medéia. São Paulo, Ed. Perspectiva, 2001.
[36][36] Cf. Catherine Kintzler : Condorcet, l´instruction publique
et la naissance du citoyen. Paris, Mineeve, 1984.
[37][37] Cf. “Plano de um Universidade”. In Obras de Diderot, tard.
J. Guinsburg, São Paulo, Ed. Perspectiva, v. 1, pp. 267-268.
[40][40] Contrat social, Livro IV, capítulo IV. In Oeuvres complètes, Paris,
L´Intégrale, 1971, T. 2, p.570.
[42][42] Barry Nalebuff : “The Last May Be
First; In a Three-Way Race, It's Tough to Figure Out the Will of the People” . The
Washington Post, 21/06/02, Barry Nalebuff é professor na Yale's School
of Organization and Management. O artigo encontra-se no endereço eletrônico
seguinte http://mayet.som.yale.edu/coopetition/news/WpostJun92perot(53).html
O trabalho mais conciso e explicativo deste problema foi escrito por Eric
Maskin, Is Majority Rule the Best Election Method? Alí, o autor segue
os passos de Condorcet e os aplica às eleições norte-americanas das quais saiu
vencedor G.W. Bush. Cf. http://216.239.37.104/search?q=cache:k8ETA7Cy4UJ:www.sss.ias.edu/papers/papereleven.pdf+Condorcet+paradox+bush&hl=pt
[44][44] Die Diktatur. Von den Anfängen des
modernen Souveränitätsgedankens bis zum proletarischen Klassenkampf- Munique/Leipzig, Duncker
&Humblot Ed., 1928 (2a ed.). Como estigma contra os brasileiros, a terceira
edição daquela obra foi editada na Alemanha exatamente em 1964.
[45][45] “Souverän ist, wer
über den Ausnahmezustand entscheidet” . Esta é a primeira frase do escrito
sobre a teologia política de Carl Schmitt. Cf. Politische Theologie. Vier Kapitel zur Lehre von der Souveranität.
Munique, Duncker & Humblot, 1934. O enunciado apresenta-se não apenas em
autores da chamada “direita” internacional, mas também em textos da “esquerda”,
como por exemplo em Walter Benjamin. Tem toda razão Jean Pierre Faye, linguista
e teórico do pensamento totalitário,
quando refere-se à uma “ferradura” terminológica que reúne os vários matizes da
paleta ideológica. Durante o
nazismo, com a “colaboração” entre URSS e Alemanha, chegou a ser cunhada a
expressão tremenda: “nacional-bolchevismo”. Mas estas são análises que devem
ser feitas em outras ocasiões….
[46][46] Kelsen, em Das Problem der Souveränität, no contexto amplo das relações
juridicas —internacionais sobretudo— diz que “o conceito de soberania deve ser
radicalmente eliminado”. Uso a tradução italiana : Kelsen, Hans : Il problema della sovranità. Milano,
Giufrrè, 1989. Para uma análise crítica do pensamento de Hans Kelsen, cf. o
percuciente e lúcido escrito de Felippe, Márcio Sotelo : Razão Jurídica e Dignidade Humana,
SP, Max Limonad, 1996.
[47][47] Cf. Die
geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus. Munique, Duncker
& Humblot Ed., 1926. Existe uma edição brasileira: Carl Schmitt, A crise da Democracia Parlamentar. Trad.
Inês Lohbauer, São Paulo, Scritta Ed., 1996.
[48][48] Carl Schmitt : Der
Hüter der Verfassung. Texto ideado em 1929, mas publicado mais tarde. Uso a
edição de 1969 (Berlim, Duncker & Humblot).
[49][49] Cf. Schmitt, Carl: Legalität und Legitimität (1932).
Cito na tradução italiana: Le categorie del ´politico´.
Bologna, Il Mulino, 1972, p. 217.
[50][50] Cf. Schmitt, Carl : “Definição da soberania”, in Le
categorie del ´politico´, ed. Cit. p, 39.
[51][51] Eva Horn: “Geheime Dienste. Über
Praktiken und Wissensformen der Spionage" in Lettre International, 53, 07/ 2001, pp. 56-64. Há uma
tradução para o inglês na Internet: Knowing
the Enemy: “The Epistemology of Secret Intelligence”, no endereço seguinte
:
[54][54] Hannah Arendt : Le système totalitaire. Trad.
Bourget, Ed. Davreu et Lévy, Paris, p. 103. 1972. Esta passagem é aproximada,
por Jean-Pierre Chrétien-Goni, de um artigo publicado por Alexandre Koyré na
revista Contemporary Jewish Record, em junho de 1945, com o título de
“The Political function of the modern lie”. Cf. Goni, Jean-Pierre Chrétien:
“Institutio arcanae” in Lazzeri, Christian e Reynié, Dominique: Le
pouvoir de la raison d´état. Paris, PUF, 1992, p. 179.
[55][55] Citado por Arendt, op. cit. p. 268,
nota 90. Cf. Chrétien-Goni, op. cit. p. 179. Para uma análise do pensamento de
H. Arendt, cf. Celso Lafer Pensamento, persuasão e poder, RJ,
Paz e Terra, 1979.
Autor
Sugerido
P
[58][58] Cf. Jos C.N. Raadschelders : “Woodrow Wilson on Public
Office as a Public Trust” . No endereço eletrônico :
bush.tamu.edu/pubman/papers/2002/raadschelder.pdf
[59][59] Dean, John W.: “Worse than
Watergate”, The New York Times, 02/05/04. “To protect their secrets, Bush and
Cheney dissemble as a matter of policy. In fact, the Bush-Cheney presidency is
strikingly Nixonian, only with regard to secrecy far worse (and no one will
ever successfully accuse me of being a Nixon apologist). Dick Cheney, who runs
his own secret governmental operations, openly declares that he wants to turn
the clock back to the pre-Watergate years-a time of an unaccountable and extra
constitutional imperial presidency. To say that their secret presidency is
undemocratic is an understatement (…) William Rogers once advised that
"the public should view excessive secrecy among government officials as
parents view sudden quiet where youngsters are playing. It is a sign of
trouble." Woodrow Wilson, based on his long study of statecraft, concluded
that "everybody knows that corruption thrives in secret places, and avoids
public places, and we believe it a fair presumption that secrecy means
impropriety." Thus, undue secrecy not only is undemocratic, denying the
public its right to know, but also schools scandal by concealing and protecting
errors, excesses, and all manner of impropriety. And we have a presidency that
seeks to control, if not suppress, everything”. Sejam quais forem os juízos
sobre o autor, ele indica um ponto que merece atenção dos que apostam na
democracia. Cf, The Washington Post, Editorial : “Reveal
the Rules” (23/05/04, p. B06 “The
Bush administration is doing its best to keep secret the policies it has
developed for handling foreign prisoners and to stifle congressional
examination of the issue. Rules for the interrogation of detainees used to be
published in widely available Army manuals. But the Bush administration has
classified the procedures it has approved for the Guantanamo Bay prison,
Afghanistan and Iraq -- even though it claims that all are in compliance with
the Geneva Conventions.”
[60][60] Refiro-me ao artigo “Popular Sovereignty and the Search for
Appropriate Institutions”. (Volume 6, Part 4, 1989).
[62][62] República II,
359b6-360b. Uso a tradução, que modifico ligeiramente, de Maria Helena da Rocha
Pereira, Lisboa, Gulbenkian, 1949, pp. 56-58.