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sábado, 21 de outubro de 2017

Peritos concluem que Neruda não morreu de câncer e teoria sobre envenenamento ganha força


Peritos concluem que Neruda não morreu de câncer e teoria sobre envenenamento ganha força

Relatório realizado por especialistas estrangeiros foi divulgado na noite desta sexta-feira, 20

O Estado de S. Paulo
21 Outubro 2017 | 13h49

Um grupo de 16 especialistas internacionais convocados pela justiça chilena concluiu, nesta sexta-feira, que o poeta e prêmio Nobel de Literatura Pablo Neruda não morreu devido a um câncer, como consta em sua certidão de óbito, pouco depois do golpe militar de 1973. 

"É rotundamente e 100% certo que a certidão (de óbito) não reflete a realidade do falecimento", afirmou o médico Aurelio Luna em coletiva de imprensa.
Autobiografia de Pablo Neruda é relançada com textos inéditos
Autobiografia de Pablo Neruda é relançada com textos inéditos Foto: Ansa
O comitê de peritos médicos entregou nesta sexta-feira, 20, o relatório sobre a análise da causa de morte do poeta Pablo Neruda, que poderia ter sido envenenado pela ditadura chilena. O poeta faleceu numa clínica de Santiago em 23 de setembro de 1973, apenas 12 dias depois da tomada pelo poder do ditador Augusto Pinochet.

A certidão de óbito consta que Neruda morreu devido ao agravamento de seu câncer de próstata, às vésperas da viagem que consolidaria seu exílio no México. Especialistas do Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Espanha e Chile foram convocados para averiguar se o poeta teria sofrido alguma espécie de intoxicação através da administração de germes ou toxinas bacterianas."Os especialistas estão trabalhando arduamente e achamos que vai ser um bom relatório que vai ter coisas inéditas", disse Rodolfo Reyes, sobrinho do escritor em entrevista à AFP, antes da conclusão ser divulgada. Ainda que tenha levantado suspeitas à época, os rumores de envenenamento só vieram à tona em 2011, com a publicação de declarações do motorista e assistente pessoal de Neruda, Manuel Araya, que afirmou que o poeta piorou depois que lhe aplicaram uma injeção no abdome.  "É preciso ser muito prudentes e pensar que estamos analisando amostras degradadas com uma antiguidade significativa, e que isso sempre vai significar uma limitação às possíveis conclusões obtidas" disse Aurelio Luna Maldonado, especialista da Universidade de Murcia, que estima haver entre 20% e 25% de chances da resolução do mistério sobre as circunstâncias da morte do escritor.Perícias de 2013 foram inconclusivas sobre o envenenamento de Neruda, entretanto com o prosseguimento dos testes foram encontrados rastros de estafilococo dourado (Staphylococcus aureus) nos restos mortais, uma bactéria altamente infecciosa e letal.  A clínica Santa María, onde o poeta faleceu, conta ainda com outra morte duvidosa, a do ex-presidente Eduardo Frei Montalva, que teria sido envenenado por agentes da ditadura em 1982.Neruda era um dos principais políticos comunistas do país e contava com grande apoio popular, podendo se tratar de um grande empecílio à ditadura chilena.
(Com AFP)

Link de um artigo meu sobre Descartes, "A razão Sonhadora".

https://www.revistas.usp.br/revusp/article/viewFile/52151/56200

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Jornal da Unicamp

Foto: Antonio ScarpinettiReginaldo Carmello Corrêa de Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.

Da merenda escolar ao composto para astronautas


Ilustra: Luppa SilvaEm 1729, Jonathan Swift publicava sua Modesta Proposta Para Evitar Que As Crianças Da Irlanda Sejam Um Fardo Para Os Seus Pais Ou Para Seu País. Faz alguns anos, a Editora Unesp me convidou a escrever um prefácio à edição brasileira do livrinho, uma peça imperdível do escritor irlandês. 

A “solução” de Swift é conhecida, um humor macabro, agressivo. A ideia de transformar as crianças pobres em alimento é de chocar as boas almas. Parafraseando a frase de Marx sobre a religião, é um grito do espírito em um mundo sem espírito.

Volta e meia nos damos conta de que nos faltam alguns Swifts. Ou, então, que nem mesmo com milhares de Switfs conseguiríamos dar conta do que nos oferecem as propostas nada fictícias geradas por mentes criativas como a do alcaide paulistano. A última invenção do jovem sexagenário é a comida de astronauta produzida a partir de alimentos em vésperas de virar lixo. Sim, a ideia é “agregar” alimentos de supermercados, com data de validade em cima da risca. E desse agregado produzir pacotes de granulados a servir como ração para os famintos da grande cidade, incluindo os estudantes, com merenda escolar “reforçada” pelo preparado. Os protótipos de alimento foram fornecidos para teste por uma empresa um tanto estranha, que não tem fábrica nem parece ter condições de ter – ela própria “agrega” serviços de outros fabricantes. Uma outra invenção, quem sabe candidata à inserção no cadastro de fornecedores da prefeitura. Analisada a forma de implementação da política, chega-se à conclusão de que será, de fato, um grande negócio. Os fornecedores dos alimentos “quase invendíveis” deixariam de perder esse saldo. E, mais ainda, teriam incentivos fiscais. Ganham em dobro. Um achado.

A ideia parece original – talvez seja. Não quer dizer que mereça um prêmio por isso. Mas devemos reconhecer que é criativa. Não me refiro à criatividade dos tecnólogos que inventaram o produto e o processo, a tal farinata. Talvez sejam, mesmo, engenhosos. Talvez alguns deles tenham a melhor das intenções. Sempre existe a tentação de utilizar a ciência e a tecnologia como um atalho ou alternativa ao enfrentamento de problemas sociais que buscamos abafar. E aí os inventos excêntricos se multiplicam. Às vezes de modo sofisticado e “sério”, claro.
Foto: Divulgação
Frascos com a farinata no dia da apresentação feita pelo prefeito | Foto: Rosanna Perrotti | Divulgação
O que a proposta evidencia, de modo bem criativo, é um modo de encarar a existência dos “carentes” aos quais se destinaria o engenho. Eles não comem, eles são supridos de fontes energéticas. Melhor isso do que nada, diz o secretário do prefeito, com certa lógica. Mais clara ainda foi a frase do próprio alcaide: “Você acha que gente humilde, pobre, miserável vai ter hábito alimentar? Se ele se alimentar, tem que dizer graças a Deus”

Essa lógica – um modo peculiar de olhar o andar de baixo da sociedade – tem história, tem seus momentos. Vejamos alguns, apenas alguns exemplos, que recolhi de minha apresentação ao texto de Swift. 

No século XIX, diante da polêmica sobre o trabalho infantil, as chamadas classes proprietárias alardeavam, alegando base científica, que a eliminação dessa prática destruiria a economia inglesa, física e moralmente. Na mesma época, no Brasil, os donos de escravos previam o caos se e quando a abolição “rompesse os contratos” e agredisse seus “direitos adquiridos” quanto a negros, negras e respectivas proles, atuais ou em gestação. No sul dos Estados Unidos, fazendas negreiras eram montadas, para reproduzir esse insumo fundamental. Um pouco mais tarde, no esplendor do Terceiro Reich, o Vorstand (Conselho de Administração) da IG Faberben e as SS discutiam seriamente como liquidar judeus e eslavos com o menor custo e “esgotar” os trabalhadores em ritmos adequados à produção. 

Será que as mentes criativas não conseguem produzir solução melhor para a fome? Alguma que, por exemplo, não agrida a autoestima do chamado público-alvo? Que não reduza a alegria de viver (e de comer!) à ingestão de energéticos consumidos “até por astronautas”, como diz o elegante prefeito em sua turnê romana.

De fato, numerosos estudos, em diferentes campos da ciência, garantem, sim, que as crianças que não recebem calorias e proteínas necessárias, durante as últimas semanas intra-uterinas e os primeiros meses após o nascimento, ficarão mentalmente prejudicadas de forma duradoura: as “pilhas” do cérebro não irão manter o “setup” da memória e da inteligência. Elas tendem a se transformar em adultos apáticos. A degradação trará alguma perda para o mundo produtivo – aceitável desde que sejam peças sobrantes. Mas, por outro lado, talvez os apáticos um dia esperneiem. Keynes certa vez fez uma profecia terrível em seu Consequências Econômicas da Paz (1919):.

"A privação econômica avança por fases lentas e, enquanto os homens a suportam pacientemente, o mundo exterior pouco se importa. A eficiência física e a resistência à doença diminuem vagarosamente, mas, de alguma forma, a vida continua até o limite da resistência humana, até que os conselhos do desespero e da loucura afastem as vítimas da letargia que precede as crises. Então, o homem se abala e afrouxam‑se as relações estabelecidas. O poder das ideias torna‑se soberano e os homens passam a dar ouvidos a quaisquer promessas transmitidas pelo ar (...)

"nem sempre os homens morrerão em silêncio. Isto porque, se a fome leva alguns à letargia e ao desânimo irremediável, ela conduz outros temperamentos à nervosa instabilidade da histeria e a um louco desespero. Em seu sofrimento, estes podem derrubar o que resta de organização, e afogar a civilização em suas desespe­radas tentativas de satisfazer as prementes necessidades indivi­duais."
Nosso poeta João Cabral, descrevia de outro modo o homem reduzido e abreviado produzido pela fome: ele “está aquém do homem, ao menos capaz de roer os ossos do ofício; capaz de sangrar na praça; capaz de gritar se a moenda lhe mastiga o braço, capaz de ter a vida mastigada e não apenas dissolvida”. 

Não é dessa escola que vêm os pensamentos do alcaide. Bons cabritos: não berram – parece ser esse o lema ou expectativa da “farinata” engendrada nos misteriosos laboratórios da empresa.
Recentemente tivemos um caso doloroso e ainda abafado, o desvio de recursos da merenda infantil. Agora, a cozinha dos pobres é revisitada por mãos estranhas e ágeis. Já se assemelha a um padrão, quase um fetiche.

Um dos males deste nosso mundo é que nos acostumamos rapidamente a um “novo normal” que até ontem era impensável. Precisamos, de vez em quando, de alguns choques, para pensar pelo avesso, já que o mundo está direitinho demais para estar certo. Direitinho como um suéter rosa, jogado sobre os ombros com estudada indiferença.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Shame on you, ministro! Sua brincadeira mostra que você não é um juiz, mas um partidário. Com escravidão não se brinca !!


Meu trabalho é exaustivo, mas não é escravo, diz Gilmar Mendes

Ministro do STF admite que não leu nova portaria, mas afirma que assunto, 'polêmico, não deve ser partidarizado nem ideologizado'

Rafael Moraes Moura e Breno Pires, O Estado de S.Paulo
19 Outubro 2017 | 10h59
BRASÍLIA - Em meio à polêmica com a publicação de uma portaria que modifica as regras de combate ao trabalho escravo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, disse nesta quinta-feira, 19, que o tema é polêmico, mas que deve ser tratado sem partidarizações ou ideologizações.
"Eu não tive tempo ainda de ler a portaria e terei de fazer a devida aferição. Esse tema é sempre muito polêmico e o importante, aqui, é tratar do tema num perfil técnico, não ideologizado. Há muita discussão em torno disso", disse o ministro. "Eu, por exemplo, acho que me submeto a um trabalho exaustivo, mas com prazer. Eu não acho que faço trabalho escravo. Eu já brinquei até no plenário do Supremo que, dependendo do critério e do fiscal, talvez ali na garagem do Supremo ou na garagem do TSE, alguém pudesse identificar, 'Ah, condição de trabalho escravo!'. É preciso que haja condições objetivas e que esse tema não seja ideologizado", completou Gilmar Mendes. As novas normas mudam a punição de empresas que submetem trabalhadores a condições degradantes e análogas à escravidão. Entre outras coisas, elas determinam que só o ministro do Trabalho pode incluir empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo, que dificulta a obtenção de empréstimos em bancos públicos.Critérios. A nova regra altera também a forma como se dão as fiscalizações, além de dificultar a comprovação e punição desse tipo de crime."O que é importante é que haja critérios objetivos e que não haja essa subjetivação. Vimos aí alguns processos no STF em que havia uma irregularidade trabalhista, mas daí a falar-se em trabalho escravo, parece um passo largo demais. É preciso que haja esse exame adequado das situações, um tratamento objetivo e que isso não seja partidarizado nem ideologizado", comentou Gilmar Mendes.Rebatidas. A portaria já foi criticada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Apesar das críticas, o presidente Michel Temer segue disposto a manter as alterações nas regras como um sinal de afago à bancada ruralista do Congresso Nacional em meio à articulação política para garantir uma votação favorável na segunda denúncia apresentada contra o presidente.

Radio Bandeirantes de Porto Alegre, entrevista de Roberto Romano sobre Aécio, STF, Reitor suicidado e outros assuntos.

  1. "Reitor foi tratado como um meliante, de forma que nem um membro do PCC é tratado", diz professor Romano sobre caso UFSC.
  2. "Está se transformando a delação em uma técnica facilitada de investigação", diz Romano. Critica ação no caso do reitor da UFSC.
  3. "Temos que mostrar às crianças que podemos agir diferente e que um ato errado tem consequência", diz Romano sobre educação.
  4. "Uma ética que se aproxima muito da máfia", diz professor Roberto Romano sobre comportamento do Congresso Nacional.

SHAME ON YOU, DOM ODILO. SHAME ON YOU !!!

João Doria e arcebispo de São Paulo: “Pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome”

Revista ihu on-line

19 Outubro 2017
O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), voltou a apresentar nesta quarta-feira a farinata, uma espécie de farinha composta por alimentos próximos de sua data de validade ou que não seguem os padrões de comercialização, como carro-chefe de um programa municipal. Dessa vez, o prefeito afirma que ela será incluída na merenda das crianças em escolas e creches públicas e nas refeições dos centros de acolhida de moradores em situação de rua. O objetivo, segundo explicou, é evitar o desperdício de alimentos que ainda são próprios para o consumo e complementar — e não substituir — os alimentos in natura.

A reportagem é de Felipe Betim e publicada por El País, 18-10-2017.
O prefeito já havia divulgado, no último dia 8 de outubro, uma espécie de biscoito feito de farinata que seria usado em um programa para erradicar a fome em São Paulo e distribuído para famílias de baixa renda. O produto ficou então conhecido como "ração humana", foi alvo de críticas de diversos especialistas e nutricionistas e, devido à discussão gerada, ajudou a viralizar nas redes sociais um vídeo do prefeito gravado em 2007, época em que ele apresentava o programa de TV O aprendiz. Nele, Doria afirma que "gente humilde" não possui "hábito alimentar" e "tem que dizer graças a Deus" caso possa comer.

Presente na entrevista coletiva, o cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, buscou amenizar as palavras do prefeito: "Pobre tem fome. Hábito alimentar é para quem tem disponibilidade de alimento e quem pode se dar ao luxo de ter uma alimentação regular, refeições regulares, alimentos selecionados. O pobre não tem isso (...). Quem se arrasta no chão por fome, eu vou deixar de atender a fome dele porque ele não está podendo sentar numa mesa bem posta? A necessidade é socorrer primeiramente a fome do pobre".

Doria disse não se lembrar do vídeo, mas corroborou a afirmação de Scherer e voltou a dizer: "Pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome". A Prefeitura não apresentou qualquer dado sobre quantas pessoas de fato se encontraram nesta situação na cidade ou quais são as metas de seu programa de erradicação da fome.

Proprietária da Plataforma Sinergia, que detém a patente da farinata, Rosana Perrotti esclareceu durante entrevista que seu produto pode ser usado não apenas no polêmico biscoito, mas também na fabricação de bolos e pães ou para reforçar sopas. A ideia é que seja utilizada na cozinha de centros de acolhida e escolas para a fabricação de alimentos. Doria garante que a distribuição na rede de ensino começará ainda em outubro.

Entretanto, a secretária municipal de Direitos Humanos, Eloisa Arruda, admitiu que ainda precisa fazer estudos sobre as demandas nutricionais dos alunos e a forma que seria distribuído. "Teremos um diagnóstico das carências nutricionais da população. Isso será feito de forma paulatina, quem vai fazer isso é o Observatório de Políticas para o Desenvolvimento Social, que está alocado na secretaria de Desenvolvimento Social. Quando o prefeito fala das creches, é possível que alimentos que hoje são fornecidos, como bolacha ou macarrão, sejam substituídos pela farinata já disponível. Ao lado dessa introdução na merenda nós desenvolveremos um estudo sobre as carências nutricionais da população em São Paulo", disse.

Perrotti garante que todos os nutrientes dos alimentos são preservados — uma afirmação que vem sendo contestada por diversos nutricionistas — e que sua vida útil pode ser prolongada por mais dois anos. Isso ocorre após a comida passar por processos como o de liofilização, ou desidratação, considerado caro e demorado pela indústria. Mas a proprietária da Sinergia, ligada à Igreja Católica, não soube explicar os custos envolvidos para a fabricação da farinata.

Limitou-se a explicar que o programa seria custeado pelas próprias empresas — supermercados, produtores, entre outros —, que hoje gastam muito mais com o descarte de alimentos e custos de logística. "O processo de descarte custa 750 bilhões de dólares para a economia global. Nós vamos reduzir esses custos ao operacionalizar a farinata", explicou. "Vamos colocar tecnologias em cima de carretas, como já fizemos, para poder processar dentro da indústria, do armazém, ou fundo de supermercado. E isso vai ser bancado pela própria empresa, que vai diminuir os custos com logística", acrescentou. Também disse: "Como vamos conseguir produzir em escala para acabar com a fome? Somente através de políticas públicas, somente através de lei. A gente não pode abrir essa tecnologia para uma, duas, três toneladas. A gente está falando aqui de muito volume de alimento".
Apesar de não estar claro os custos de todo o processo — não apenas de produção, mas também de armazenagem e distribuição, por exemplo —, tanto Doria como Perrotti asseguraram que a Prefeitura não desembolsará recursos próprios e que a farinata será repassada de graça para a administração pública. No entanto, uma lei recentemente sancionada por Doria prevê isenção de impostos para as empresas que doem seus alimentos prestes a vencer. Questionado, o prefeito frisou que se trata de uma recomendação e que sua gestão não abrirá mão do dinheiro arrecadado via impostos para apoiar as companhias que participem do programa.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Entrevista de Roberto Romano à Deutsche Welle 18/outubro/2017

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Brasil

Caso Aécio pode ser divisor de águas

Salvação do ex-candidato presidencial, alvo de nove inquéritos, marca nova fase no embate entre Lava Jato e mundo político, com o Congresso com a palavra final. "Porteira foi aberta para a impunidade", diz especialista.

Há cinco meses, Aécio, que recebeu 51 milhões de votos nas eleições de 2014, parecia ter chegado ao fim a linha Há cinco meses, Aécio, que recebeu 51 milhões de votos nas eleições de 2014, parecia ter chegado ao fim a linha

Pela segunda vez em menos de três meses, um político brasileiro influente encrencado com a Justiça foi salvo pelos seus pares. Em agosto, a Câmara enterrou a primeira denúncia contra o presidente Michel Temer. Desta vez, coube ao Senado seguir o mesmo caminho ao salvar o tucano Aécio Neves, alvo de nove inquéritos e contra quem pesava uma ordem de afastamento determinada pela 1º Turma do Supremo.

Por 44 votos contra 26, a Casa decidiu que o tucano deve reassumir seu mandato. O caso Aécio marca um divisor de águas no embate entre a Operação Lava Jato e o mundo político. O quadro começou a ser desenhado na semana passada, quando o plenário do Supremo contrariou a decisão da sua turma e determinou que cabe ao Congresso ter a palavra final sobre a manutenção do mandato. O evento apontou o fim da possibilidade de novos episódios como o afastamento do ex-deputado Eduardo Cunha, determinado exclusivamente pela Justiça.

"Ao recuar dessa maneira, o STF voltou ao papel tradicional de tribunal político, no pior sentido, tal como ocorreu nos anos 30 e na ditadura. A porteira foi aberta para a impunidade”, afirma Roberto Romano, professor de ética da Unicamp.

E, no seu primeiro teste para decidir se decisões de turmas do STF devem ser ou não acatadas, uma das Casas do Congresso mostrou o que está disposta a fazer com esse poder, especialmente quando o político alvo de acusações graves ainda detém influência. Presidente do PSDB, Aécio foi o principal fiador da entrada do partido no governo Temer. Nos bastidores, o Planalto trabalhou para que os senadores do PMDB votassem a favor do tucano.

Inconsistência

O caso Aécio também contrastou com o do ex-senador Delcídio do Amaral. No final de 2015, 59 senadores votaram a favor da manutenção da prisão do então senador, que era filiado ao PT. Desta vez, os membros do Senado explicitaram que seus votos variam de acordo com a pessoa que está sofrendo as acusações e suas cores partidárias.

Vinte e nove que haviam votado contra o petista decidiram na terça se posicionar a favor de Aécio. Outros seis, todos do PT, que haviam votado pela revogação da prisão do seu então colega de partido, desta vez votaram pelo afastamento de Aécio.   

"Os senadores estão subvertendo a instituição, cometendo um crime continuado, foi a mais deslavada operação para legislar em causa própria”, diz Romano.

Entre os senadores que votaram para salvar Aécio, 17 figuras estão na mira da Lava Jato, como Romero Jucá (PMDB-RR) e Fernando Collor (PTC-AL). Ao todo 28 senadores alvos de inquéritos no STF votaram a favor do tucano.

"O corporativismo instalado estabelece como regra a defesa dos seus integrantes e não a defesa da instituição. Aqui mora o corporativismo", lamentou o senador Alvaro Dias (Podemos-PR), que votou pelo afastamento de Aécio.

Impunidade

Com a decisão do Senado, resta aos adversários de Aécio apresentarem um pedido de cassação por quebra de decoro. Mas é improvável que esse caminho seja bem-sucedido. Entre os senadores que votaram a favor de Aécio estava João Alberto Souza (PMDB-MA), justamente o presidente do Conselho de Ética do Senado.

 
Assistir ao vídeo 01:39

Os países mais corruptos do mundo

Como chefe da comissão, cabe exclusivamente a Alberto determinar se alguma representação deve ser submetida ao conselho. Em junho, no auge do escândalo dos grampos da JBS, ele decidiu de maneira solitária indeferir um pedido de cassação contra Aécio apresentado pelo PSOL e pela Rede.
"A tendência é só piorar. Vai ser praticamente impossível o STF recuperar sua influência. Casos como o de Aécio tendem a se repetir em todos os três níveis, do vereador ao deputado federal”, disse Romano.

Em outra frente, o governo vem atuando para influenciar o STF a rever a decisão que determinou o início do cumprimento de pena em regime fechado para condenados em segunda instância. Tomada em outubro de 2016, a decisão do Supremo foi encarada pelos membros da Lava Jato como um das conquistas da operação.

O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, já indicou que deve mudar seu entendimento sobre a decisão, invertendo o placar de 6 a 5 pela execução das penas após a segunda instância.
"Se o STF modificar o entendimento atual (...) nem Lula nem Cunha irão presos. Esta é a atual batalha que a Lava Jato enfrenta, e talvez a maior de todas", disse o procurador Carlos Fernando Dos Santos Lima, membro da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Renascido das cinzas

Há cinco meses, Aécio, que recebeu 51 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2014, parecia ter chegado ao fim a linha. Em maio, gravações divulgadas por Joesley Batista revelaram que o senador pediu dois milhões de reais ao empresário, mesmo depois das revelações do caso Odebrecht. Aécio também afirmou que estava "trabalhando como um louco" para aprovar uma anistia ao caixa dois no Congresso.

As gravações também revelaram outros aspectos sobre o caráter do senador. Autor do pedido de anulação da chapa Dilma-Temer nas eleições em 2014, que contribuiu para o clima de confronto do Congresso, Aécio foi flagrado nos grampos afirmando que a representação foi feita apenas para "encher o saco".

No dia seguinte, agentes da Polícia Federal reviraram várias propriedades do Senador. Andrea Neves, irmã e colaboradora política do senador, acabou sendo presa. Um primo também foi detido. A Procuradoria-Geral da República pediu ao STF a prisão do tucano, mas o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, entendeu que ele só poderia ser detido em flagrante, e se limitou a afastar o tucano das suas funções.

A partir daí, começou a costura para salvar Aécio. No final de maio, o ministro Marco Aurélio decidiu devolver o mandato do tucano. Em junho, foi a vez de o Conselho de Ética do Senado arquivar o pedido de cassação. No mesmo período, um dos inquéritos contra o Senador foi sorteado para o ministro Gilmar Mendes, a quem Aécio pediu ajuda para influenciar na aprovação de um projeto contra abuso de autoridade que mirava na atuação de juízes e procuradores.

Em setembro, um revés temporário: a 1º turma do STF aceitou um novo pedido de afastamento e determinou que o senador tivesse que ficar em recolhimento noturno em sua casa. Dias depois, o plenário do STF deu novo fôlego ao tucano ao determinar que seu futuro fosse decidido pelos seus colegas no Senado.   

Áudios e vídeos relacionados

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Já não se fazem mais autores como antigamente

Foto: Antoninho PerriPeter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin" (IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria, dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent, 2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São Paulo (2010).

Já não se fazem mais autores como antigamente


Ilustração: Luppa Silva No começo dos anos 1990, passeando pela seção de painéis de um encontro de física, chamou a minha atenção um trabalho sobre estatística de distribuição níveis de energia em um cristal. Bem, não é importante aqui o assunto, não se preocupem, o tema é outro. Perguntei ao colega que estava apresentando o painel sobre essa estatística e a resposta foi que ele fizera os cálculos dos níveis de energia, não sabia interpretá-los e quem poderia responder a minha pergunta era o outro autor, que não estava presente. Conheci tempos depois esse colega e aprendi com ele sobre essa estatística de níveis, que acabei usando em alguns trabalhos já nesse século. Mas não foi por isso que nunca esqueci o episódio e sim pela questão que era inescapável: o que significava ser autor de um trabalho sem ter autoridade sobre todo o seu conteúdo? (É preciso dizer que os dois neste "causo" tornaram-se bons cientistas).
Lembro aqui que autor e autoridade são palavras com a mesma origem. Na época o desconforto que a questão suscitou foi aplacado pela lembrança de uma prática internalizada na comunidade científica a qual pertencia. Experimentos importantes são realizados por diferentes grupos utilizando amostras sofisticadas obtidas em poucos laboratórios. O uso dessas amostras configura um tipo de colaboração comum e os artigos resultantes dessas colaborações sempre têm o produtor das amostras como autor. Faz parte do paradigma da comunidade a percepção clara da função específica daquele autor na lista de autores.  A autoridade dele é sobre a amostra e não sobre a pesquisa resultante em si.  Então, inicialmente: o que é um autor? Olhando a ciência a partir das bases de dados, autor é todo aquele que assina um artigo indexado.
Foto: Reprodução
O filósofo francês Michel Foucault, que em 1969 deu a conferência “O que é um autor?”
Hoje a maioria dos artigos são multiautorais, muitos com dez, quinze ou mais autores em várias áreas das ciências naturais. Nas bases de dados todos eles recebem automaticamente uma citação a mais, quando o artigo em questão é citado. Mas qual é a função de cada um dos autores? Será que a função (contribuição) de um dado autor merece a citação que ele automaticamente recebe? O problema passou a ser parcialmente abordado por algumas revistas, que pedem a descrição do papel de cada autor no artigo publicado. Mas a coisa foi se complicando. Jason Osborne e Abigail Holland abordam a questão em um artigo com o interessante título “O que é autoria e o que deveria ser?” [I], começando pela enunciação de dois extremos. Por um lado mencionam um artigo relatando um estudo clínico internacional com mais de 900 autores. Relativamente poucos, perto da outra menção: os quase 3000 autores que assinam um artigo sobre a detecção do bóson de Higgs (a tal partícula de deus). Por outro lado, lembram o inventário de autores impossivelmente produtivos com 32 ou mais artigos por ano: um artigo a cada semana e meia. Meu antigo supervisor de pós-doutorado é um prêmio Nobel e, vasculhando outro dia seu currículo, descobri que seu recorde era (na virada do século) assinar 10 artigos científicos por ano, mesmo tendo um departamento inteiro à sua disposição (não só administrativamente, mas academicamente). Em um exercício de etnografia por memória posso dizer que ele tinha autoridade sobre a construção do conteúdo, a articulação e consistência das várias partes desse conteúdo e, finalmente, sua textualização: ele assinava e era de fato o autor com autoridade sobre o artigo como um todo. Desconfio da possibilidade de autorias com essas características para uma produtividade anual muito acima disso. A percepção é de que as diretrizes de avaliação acadêmica incentivam essa hiperautoria, bem como antecipam no tempo os autores. Há 50 anos esperava-se que um físico começasse a ser autor no final do doutorado. Na virada do século passou a ser quase mandatório que o mestrando assinasse um artigo científico. Hoje é comum que alunos de graduação sejam autores. O que tal precocidade acarreta?
“O que é um autor?” é o nome de uma conferência de Michel Foucault de 1969, mas o filósofo francês não estava considerando a autoria científica, mas que nessas últimas décadas passou a ter relevância crescente. Um sintoma dessa relevância, além das perguntas que coloco acima, é o final do título do artigo de Osborne e Holland, que menciono acima: “um levantamento de orientações proeminentes para determinar a autoria em publicações científicas”.  De um ponto de vista mais denso, recomendo o livro “Autoria científica – crédito e propriedade intelectual na ciência”, organizado por Mario Biagioli e Peter Galison [II]. O livro divide-se em três partes: a emergência da autoria, os limites da autoria e a fragmentação da autoria. Anuncia-se assim o que, pensando bem, não seria inesperado: se o artigo científico foi se modificando com o tempo, por que não o próprio significado de sua autoria? A emergência refere-se à delimitação ainda no período moderno de quem poderia ser considerado um autor científico, ou seja, um cientista. Os limites da autoria referem-se a questões mais contemporâneas como a relação do autor científico com outros atores não acadêmicos. O exemplo mais simples, ainda que não tão instigante, é o conflito entre o interesse do cientista em publicar e a exigência de sigilo por questões de propriedade intelectual de quem financia a pesquisa. Outro é a relação entre o cânone do conhecimento científico e conhecimentos nativos. A fragmentação da autoria é dedicada em grande parte à multiautoria, com a qual me ocupei no início dessa coluna. Um dos capítulos, de Peter Galison, é de acesso livre: “O autor coletivo” [III]. Esse autor coletivo é a “colaboração” em si, que envolve, por exemplo, os quase 3000 autores do trabalho mencionado por Osborne e Holland. Essa imensa lista de autores é como um abaixo-assinado que valida a reivindicação de conhecimento obtido pela “colaboração” declarada no artigo. É parte de uma institucionalização da ciência característica de um clube pequeno de instituições como o CERN (Centro Europeu de Pesquisa Nuclear), cuja história fica para outra hora. Por agora interessam as questões levantadas por Galison na construção de seus argumentos e que se aplicam às multiautorias menos numerosas. Novamente: em uma multiautoria qual é a função de cada autor? Se cada autor tem uma função diferente, quem tem visão geral do trabalho e pode responder pela consistência do artigo e o conhecimento que este reivindica (como o meu antigo supervisor no exemplo mais acima)? Ou seja, de todos os autores que levam crédito igualmente nas citações registradas nas bases de dados, quem constrói de fato uma apercepção acerca do artigo que assina? A apercepção é um ingrediente fundamental na formação e na prática do cientista e não pode ser acelerada.
Última pergunta dado o andar da carruagem: que ciência estamos fazendo e que cientistas estamos formando?



[I]What is authorship, and what should it be? A survey of prominent guidelines for determining authorship in scientific publications. Jason W. Osborne and Abigail Holland, Practical Assessment, Research & Evaluation, Vol 14, No 15
[II] Scientific Authorship: Credit and Intellectual Property in Science, editado por Mario Biagioli e Peter Galison. Routledge (Taylor and Francis Group), 2003
[III] https://galison.scholar.harvard.edu/publications/collective-author