Por André Gobi, Erica Mariosa e Marcos Botelho Jr.
Enquanto a primeira distribui desemprego e miséria, o segundo
encontra os culpados nos imigrantes. É a receita que gerou o nazismo no
século XX, e provavelmente fará renascer o fascismo no mundo, e no
Brasil. O domínio capitalista gera nas massas urbanas já estabelecidas
imensos exércitos de reserva e, sem emprego, o medo aumenta entre os
“negativamente privilegiados”. É a hora das receitas milagrosas: na
economia, a privatização enquanto remédio universal, aplicado segundo
critérios do “mercado”, abstração rendosa para os que possuem a quase
totalidade das riquezas. De outro lado, temos o populismo que promete o
retorno “dos velhos e bons tempos” quando os brancos pobres seriam
amparados e teriam emprego, perdido com o advento dos “inferiores”
negros, árabes, latinos.
A história da humanidade é
marcada por conflitos. Muitos passaram, outros estão acontecendo, e
outros certamente estão para acontecer, seja pelo direito de habitar
determinado espaço, professar sua crença, trabalhar e ser pago por isso
ou apenas para beber a água de um poço (ou de uma poça). Desde que a
vida em sociedade foi estabelecida, direitos foram conquistados,
perdidos e reconquistados, mas não sem a constante sombra do passado, o
medo de que velhos fantasmas retornem e esses direitos sejam novamente
diluídos.
Atravessando tempos em que se tornou comum ouvir a expressão
“direitos humanos para humanos direitos”, atualmente pode-se notar uma
crescente incorporação de discursos de ódio, de rejeição às minorias,
aos migrantes e aos direitos de igualdade. Esse tipo de intolerância até
conta com a legitimação da justiça, que se atreve a invocar o conceito
de liberdade de expressão para justificar tais discursos.
Para compreender melhor esse quadro preocupante, o professor,
filósofo e escritor Roberto Romano responde questões sobre direitos
humanos, relacionadas principalmente à liberdade de expressão e
política. Romano é professor do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp), doutor em
filosofia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) e
autor de vários livros, entre eles Brasil, Igreja contra Estado (Editora Kayrós, 1979), Conservadorismo romântico (Editora da Unesp) e Silêncio e ruído – A sátira em Denis Diderot (Editora da Unicamp).
Adotada em 1948 pela Organização das Nações Unidas, a
Declaração Universal dos Direitos Humanos pode ser compreendida como
resposta às crueldades da Segunda Guerra Mundial?
A Declaração, entre outros elementos, condena males que residem nas
culturas dominantes – ocidentais e orientais – desde milênios. Tomemos o
racismo. Os itens que exorcizam, se examinados com cautela, conduzem à
ética etnocêntrica que edificou a cultura grega antiga, a romana, as
empresas de conquista a partir no século XVI, o poder colonial que
definiu padrões internacionais até o século XXI. A ideologia da
escravidão brota de semelhante solo. Os genocídios modernos recebem o
anátema da Declaração. Antes e depois deles, no entanto, a matança é a
regra. No texto da ONU são postas teses humanísticas nas quais são
criticadas e proibidas doutrinas e práticas milenares que impedem
respeito e amizade entre coletivos, sejam eles organizados em
instituições estatais ou não. Os males que deram nascimento aos
massacres de milhões nos campos de extermínio ainda não foram extraídos
das sociedades contemporâneas. Após 1948 o mundo sofreu guerras
imperiais, massacres, genocídios.
A Declaração é um ponto luminoso que irradia a esperança, talvez sem
base verdadeira, de que os seres humanos cheguem ao respeito mútuo e às
ações amigas. Por enquanto, o voto de Schiller, musicado por Beethoven,
constitui apenas um anelo: “Alle Menschen werden Brüder”. Todos os
homens irmãos? Mas até quando os filhos de Caim impedirão tal utopia,
pois usam uns contra os outros a força bruta, a astúcia, a mentira, a
dissimulação, as razões de Estado? No momento em que tento responder a
sua questão – relevante, acima de tudo –, na Síria, no Afeganistão, em
Mianmar e na maior parte do planeta a ONU é fantasma terrível e cúmplice
dos predadores, ineficaz para os perseguidos sem direito à vida, ao
lar, à liberdade.
Não olvidemos que a própria Declaração brota de um poder de guerra, o
das potências vencedoras que se apropriaram, porque tinham força
econômica e bélica, do Conselho de Segurança, órgão que não reflete o
consenso universal e nem mesmo de sua Assembleia, mas os alvos dos
Estados hegemônicos. A Declaração é desmentida pelo próprio organismo
que a proclama. A ONU não responde aos povos e pensadores que sonharam
com um poder mundial sem guerra, ódios nacionais, soberba dos fortes.
Estamos longe de aplacar os anseios do padre Saint-Pierre e outros
luminares que proclamaram a paz perpétua. Vivemos ainda sob o comando da
regra anotada por Tucídides no cerco de Melos. Aos sitiados que ainda
confiavam no direito e no favor divino, os atenienses anunciaram: “Os
deuses seguem a opinião comum e os homens pensam que alguns, por
necessidade de natureza, reinam em toda parte, segundo a força que
tiverem. Não fizemos tal lei e nem somos os primeiros a usá-la; mas a
encontramos e a deixaremos para a posteridade, para sempre. Assim a
usamos, sabendo que vocês também a usariam, e outros que tivessem o
mesmo poder que possuímos”. Tais frases, ainda agora, ecoam entre os
vencedores.
A Declaração parece um voto piedoso a mais, na longa história da
infâmia humana. Nosso dever é tudo efetivar para que ela se realize pelo
menos parcialmente. Mas quando vemos, em nosso país, a lamentável
atenuação das regras para o combate ao trabalho escravo, nosso fôlego
escasseia, a desesperança assume o comando.
Em 2017 o povo brasileiro assiste à aprovação da reforma
trabalhista concomitantemente ao declínio das operações de fiscalização
de trabalho escravo, realizadas pelo Ministério do Trabalho. Esta
conciliação de medidas ignora os direitos trabalhistas previstos pela
Declaração Universal? Quão preocupante pode ser esse cenário?
Trata-se de uma regressão à barbárie promovida pelo atual governo
federativo, para garantir apoio de setores sociais e econômicos que só
buscam seu interesse privado. Para quem duvidava da existência atual das
lutas de classes, temos aí um exemplo espantosamente contemporâneo.
Apenas uma nota: os “negativamente privilegiados” (termo de Max Weber)
estão enfraquecidos ao extremo. O que me faz temer um genocídio lento,
silente e cruel nos próximos tempos. Felizmente, alguma resistência
surge no horizonte. Espero que ela aumente, de modo a garantir a
sobrevivência de milhões, em nossa terra.
Pensando na questão migratória, temos casos recentes e
preocupantes, como um prefeito de uma cidade alemã que foi esfaqueado
por ter um posicionamento de apoio aos imigrantes. A polícia local
confirmou ser um atentado com motivações políticas. Vemos também casos
de ódio aos imigrantes no Brasil, ao mesmo tempo que o brasileiro
considera seu legítimo direito migrar para os EUA ou Europa, é contra a
migração de haitianos para o Brasil, por exemplo. Nesse campo do
discurso de ódio, verificamos que ele sempre acompanha o crescimento de
movimentos de cunho fascista de extrema-direita. Isso vem acontecendo na
Europa e até mesmo nos EUA, com os discursos anti-imigração do atual
presidente norte-americano, apoiado por grupos nazistas. Em sua
reflexão, o discurso de ódio fomenta o crescimento de grupos fascistas
ou seria o crescimento desses grupos que fomenta o discurso de ódio, com
suas ideologias?
Uma nota: existe um conceito importante que merece reflexão quando
analisamos questões relativas ao trato com os outros. O ódio, não raro,
aparece dirigido aos diferentes e ameaçadores. São atribuídas
características físicas e anímicas monstruosas aos supostos inferiores.
Discuti o problema em meu livro intitulado Moral e ciência, a monstruosidade no século 18.
Mas a psicologia tem preciosos exames sobre um fato percebido
intuitivamente pelo saber comum. Trata-se do ódio que os grupos e
indivíduos pouco saudáveis têm por si mesmos, projetados de modo
fantástico sobre o outros.
É grande o número de pesquisas que evidenciam ser o ódio de
homossexuais por si mesmos o impulso para a pior homofobia. Hans Mayer,
excelente crítico da literatura moderna, identifica em autores e grupos
tal experiência de ódio, jogada sobre os outros. Anos atrás sugeri a
tradução e publicação do seu livro (Aussenseiter) em nossa
língua. Conseguimos efetivar a proeza. Pena que o título em português
não dê o sentido ideado pelo autor. No Brasil o nome do volume se
transformou em Os marginalizados. Na verdade, Mayer visava
descrever o modo de existência dos que são postos para fora de um
coletivo, porque o mesmo coletivo neles reconhece insuportáveis traços
próprios de identidade. Assim, ele analisa os ódios de homossexuais por
homossexuais, de judeus por judeus (jüdischer Selbsthass) etc.
Quando é impossível suportar certos temores, físicos ou culturais, que
supostamente ameaçam a própria existência, vale o exorcismo contra quem
não disfarça aqueles traços. É interessante lembrar, por exemplo, que
Torquemada, o caçador de judeus e conversos, campeão na busca do sangre limpia,
na Espanha, tinha origem judaica. É o que pode ser dito para a
observação presente nesta pergunta: brasileiros, imigrantes que aceitam
condições abjetas para fugir de sua pátria, odeiam imigrantes
“inferiores” (sobretudo os negros), mas ajoelham deslumbrados diante de
imigrantes europeus ou norte-americanos. Tratei mais extensamente do
problema em um artigo publicado na revista internacional Art Press, cujo título é o seguinte: “How ‘latin’ is Latin America?” (setembro de 1999).
Mas não devemos separar os ódios contra o imigrante de um fato: a
urbanização acelerada do planeta, sobretudo a partir do século XX.
Massas imensas se concentram em lugares previamente urbanizados, ou por
urbanizar, aumentando de modo exponencial as carências técnicas e
humanas (econômicas, políticas) dos aglomerados. Hoje, poucos ou nenhum
Estado tem condições de satisfazer as necessidades de seres humanos aos
bilhões, que já vivem em espaços exíguos e carentes de recursos
científicos e técnicos (água, esgoto, alimentos, educação, lazer,
trabalho, segurança, saúde etc.). Se é quase impossível atender aos
reclamos dos que já estão alocados nas urbes, a vinda de novas massas
aos mesmos espaços parece ameaçadora. Se o domínio capitalista gera nas
massas urbanas já estabelecidas imensos exércitos de reserva, sem
emprego o medo aumenta entre os “negativamente privilegiados”. É a hora
das receitas milagrosas: na economia, a privatização enquanto remédio
universal, aplicado segundo critérios do “mercado”, abstração rendosa
para os que possuem a quase totalidade das riquezas. De outro lado,
temos o populismo que promete o retorno “dos velhos e bons tempos”
quando os brancos pobres seriam amparados e teriam emprego, perdido com o
advento dos “inferiores” negros, árabes, latinos. Populismo e
privatização constituem faces coerentes da mesma moeda. A privatização
sem freios distribui miséria e desemprego. O populismo encontra os
culpados nos imigrantes. Tal é a receita que gerou o nazismo no século
XX, e provavelmente fará renascer o fascismo no mundo. E no Brasil.
O discurso do ódio vem se aproveitando da bandeira histórica
da livre expressão para propagar racismo, homofobia e misoginia. Em que
ponto a liberdade de expressão deixa de ser um direito previsto pela
Declaração e se transforma em infração? A tolerância deve tolerar a
intolerância?
Em questões delicadas, como a posta acima, sigo o pensamento de
Spinoza, autor de uma ampla e rigorosa ética. O coletivo serve a todos e
a cada um dos seus integrantes. Nele, ninguém renuncia às suas paixões
ou abraça apenas virtudes. Quem odeia tem algo em si mesmo que o move
para tal situação. A experiência do ódio, no entanto, rompe todo
possível convívio humano porque obstaculiza os esforços comuns para
atenuar as adversidades enfrentadas pelo coletivo. Quem (por paixão
sempre) decide viver em sociedade, aceita um contrato de preservação
geral. No capítulo 16 do Tratado teológico-político e no capítulo 2 (parágrafo 12) do Tratado político,
o contrato civil exige respeito. Se o indivíduo assume o pacto para
obter um bem ou evitar prejuízo, ele é dirigido pelas leis de seu
próprio ser, mas se imagina que o pacto o lesa, ele permanece
determinado pelas leis de sua natureza (não abolida, segundo Spinoza,
pelo pacto civil) e não respeitará o pacto. E se tem o poder de quebrar a
regra, possui o direito consequente, desde que tal ruptura não lhe seja
ainda mais prejudicial. Quem odeia e não respeita os demais volta ao
estado de natureza (onde impera o direito do mais forte) e não pode mais
esperar o socorro do Estado. O indivíduo que ignora as leis necessárias
do convívio é ignaro. Tal condição se apresenta na maioria dos homens.
Se todos conhecessem de modo científico o útil e necessário ao vínculo
social, “todos observariam com rigor os pactos com a maior fidelidade,
por desejo do bem superior, a conservação do Estado, e guardariam a fé
prometida acima de tudo, pois esta é a muralha mais forte do Estado”.
Mas os homens não vivem sob a racionalidade, seguem a paixão. Quem
obedece às injunções da república “por temer sua potência ou amar a
tranquilidade, vela por sua própria segurança e tem seus interesses
próprios”. (Tratado político, 3, §2).
Para Spinoza, a política é jogo da imaginação. Nela, o medo e a
esperança, paixões mescladas de imagens, tornam-se instrumento de
controle, pois as paixões obstaculizam umas às outras. E a imaginação
gera figuras de pavor e felicidade, sem que nenhuma delas exista fora da
mente. Citando o filósofo: “nenhuma paixão pode ser obstaculizada a não
ser por outra mais forte e contrária à que deve ser obstaculizada” (Ética).
O Estado deve mover paixões fortes o bastante para controlar as
paixões dos indivíduos
despreocupados com o coletivo e só atentos aos
seus próprios desejos. “Uma sociedade estabelecer-se-á fortemente, se
reivindicar para si mesma o direito de vingança de cada um e o direito
de julgar o bom ou o mau. Ela terá, portanto, a força de impor uma regra
comum de vida, fazer leis e reforçá-las, não com a razão, incapaz de
obstaculizar as paixões, mas segundo ameaças. Esta sociedade, forte por
suas leis e poder de conservar a si mesma chama-se Estado. Os protegidos
pelo seu direito chamam-se cidadãos” (Ética, 4, prop. 37,
escólio). Não se trata, portanto, de calar quem odeia, mas fazer com que
sinta a solidão de não partilhar com os demais as paixões administradas
pelo Estado. Se quisermos diminuir os ódios, devemos fornecer a mostra
de que a sua prática leva à impotência de quem odeia. O poder soberano,
para salvar a totalidade dos cidadãos, tem o direito de impor leis que
afastem as paixões negativas como o ódio. Mas quando o Estado afasta
grupos ou indivíduos que odeiam os demais, ele apenas reconhece uma
separação de fato, uma ruptura unilateral e prévia do pacto civil. Se
ele impede quem odeia de participar dos bens coletivos, nada mais faz do
que dar a sanção negativa ao seu desejo. Por interesse próprio, sempre
imaginário, tais pessoas que odeiam afirmam querer a própria
superioridade e independência sobre os demais, a morte do próximo e do
coletivo. Quando pune o violento ódio, o Estado apenas garante o pacto
que possibilita a maior potência dos indivíduos reunidos coletivamente.
Se, por hipótese, o número dos que odeiam forma expressiva maioria,
desaparece o pacto e o Estado. Vale a lei da selva na qual o direito
reside no fato brutal de que “o peixe grande devora o pequeno”. Uma
sociedade assim, diz Spinoza, se aproxima de um hospício onde rege a
tristeza e a impotência. A alegria expande os corpos e a mente, a
tristeza do ódio os retrai, gerando o ressentimento contrário à livre
ação. Quem odeia não é livre. Proibir as expressões de ódio não
significa retirar a liberdade individual ou de grupos, mas apenas lhes
impor limites para que não dissolvam os laços de amor e solidariedade
essenciais à vida em comum.
É possível afirmar que a universidade brasileira é a última trincheira contra o discurso anti-direitos?
Em parte, a resposta pode ser positiva. Como a universidade se dedica
a pesquisar todas as facetas da natureza e da sociedade, sua abertura
(quando fiel ao nome) ao Ser é infinita. Logo, ela não
privilegia um caminho de pesquisa em detrimento dos outros. A isonomia
das parcelas garante o convívio do Todo. Na ordem
política e social, no entanto, a realidade é outra. Nelas impera o
monoteísmo das crenças e das opiniões. “Quem não está comigo é contra a
minha pessoa”, “certa ou errada, é minha igreja”, “certo ou errado, é o
meu partido” etc. Agremiações políticas, seitas, religiões raramente
seguem a equivalência das teses e dos caminhos. Neles, impera o
pensamento unívoco. A democracia se revela, naquelas paragens, apenas
como retórica, e quase nada mais. Mesmo nas universidades pode aparecer o
dogmatismo e os aglomerados de pensamento monolítico. Mas a pesquisa
tende a dissolver tais quistos autoritários, porque eles são
essencialmente opostos à ciência.
O senhor publicou recentemente um artigo no Jornal da Unicamp (“Suicídio do reitor ou da universidade livre?”)
sobre o suicídio do reitor da Universidade de Santa Catarina, Luiz
Carlos Cancellier, conduzido coercitivamente pela Polícia Federal em
operação contra corrupção. Na sua opinião, seria exagero afirmar que
Cancellier foi assassinado pela onda punitivista do judiciário
brasileiro?
No artigo indiquei várias interpretações possíveis sobre a tragédia.
Mostrei, com base em trabalhos dos colegas da própria Universidade
Federal de Santa Catarina, que existem causas endógenas e externas para o
desenlace terrível. Entre as origens internas, o antigo conúbio dos campi
com os poderes políticos oligárquicos e corruptos tem importância
capital. As delações que partiram do setor interno da universidade,
acolhidas sem prudência pelas autoridades judiciais e policiais,
integram o arsenal de horrores naquele triste evento. Uma confidência:
antes do suicídio do reitor, antes mesmo de sua prisão, fui convidado
pela Associação de Juízes de Santa Catarina para proferir palestra em
seu congresso anual, a ser realizado em dezembro de 2017. Quando ocorreu
o suicídio, verifiquei a atitude pública daquela associação de
magistrados. Como não vi nenhuma condenação ou justificativa válida para
o ocorrido e, pelo contrário, constatei a defesa dos procedimentos
policiais contra o reitor, comuniquei minha ausência no congresso.
Defendo a luta contra a corrupção, mas jamais à custa da renúncia à
dignidade humana e aos direitos individuais e coletivos.
Em O rei da vela (1933), de Oswald de Andrade, o personagem Abelardo 1º declama: “Há
um momento em que a burguesia abandona a sua velha máscara liberal.
Declara-se cansada de carregar nos ombros os ideais de justiça da
humanidade, as conquistas da civilização e outras besteiras. E
organiza-se como classe. Policialmente. Esse momento já soou no mundo, e
implanta-se rapidamente nos países onde o povo está machucado,
acovardado e dividido.” É o caso, hoje?
Não apenas. É o caso de sempre. Marx escreveu coisas estratégicas sobre o assunto em páginas candentes de O capital, 18 brumário e Lutas de classes na França. Vale a pena reler aqueles textos, jogados no esquecimento geral em nossos dias.