Flores

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segunda-feira, 10 de julho de 2017

Programa E Noticia, Rede TV, de amanhã, entrevista sobre a situação da política nacional.


Idéias a serem pensadas.

Dr. Carvalhosa e Dr José Carlos Dias, bom dia

Me desculpem abusar desse meio de comunicação, porém o único caminho que encontrei para expor uma ideia que considero interessante.
Refletindo sobre a questão do financiamento dos sindicatos, atualmente em discussão no Congresso, ocorreu-me:
Ser o imposto sindical fruto da visão cartorial brasileira, desde as caravelas, em que são criados “direitos para alguns” com incidência compulsória sobre a população;
Que a extinção desse imposto decorre do principio que define: qualquer associação civil livremente constituída com determinada finalidade, deve ser mantida pelos associados em decorrência dos benefícios por ela proporcionados;
Porque não utilizar o mesmo conceito para os partidos políticos?
Os benefícios seriam múltiplos:
1)      Apenas subsistiriam os que tem adeptos a seu ideário, propostas e efetividade;
Benefícios:
-caracterização explicita da filosofia e princípios que justificariam a existência;
-clausula de barreira natural, decorrente de haver limites à criatividade de “filosofias politicas” e competência na ação;
-redução do poder dos caciques, limitados pelo poder dos associados (poder mantenedor);
-obrigar suas excelências a trabalhar permanente e eficazmente pelas bandeiras defendidas;
-renovação periódica dos representantes ineptos substituídos pelos associados na próxima eleição;
-aumentar o grau de maturidade cívica da população pelo maior envolvimento com suas questões;
-redução objetiva dos atuais 38 partidos (recentemente foi criado +1, o Podemos??)
2) Do aporte de recursos pela contribuição voluntária do cidadão, seja ou não associado:
-diretamente ao partido pelos meios de pagamento estabelecidos (carnets, boletos etc);
-encaminhada via declaração anual do IRPF em campo especifico com valor/partido;
IMPORTANTE: o valor NÂO SERIA PARTE DO IR DEVIDO, mas um valor adicional aportado livremente pelo contribuinte;
Beneficios:
-abolição imediata do fundo partidário e da ampliação pretendida de mais 3 bilhões para as eleições de 2018;
-orçamento seria incerto, mas decorrência da efetividade do partido e do grau de satisfação do filiado;
-o partido teria de estar permanentemente ligado ao filiado unindo necessariamente prática e discurso eleitoral;
-redução objetiva dos vergonhosos e imorais custos atuais das campanhas eleitorais;
-redução do nível de corrupção eleitoral (hoje iniciados na merenda escolar municipal, coleta do lixo etc.)
-maior controle fiscal sobre receitas/despesas eleitorais

Naturalmente, suas excias. não iriam gostar, pois adoram a retórica de que a sociedade tem de custear a democracia?????
A verba atual provém do orçamento da união portanto, é uma contribuição compulsória semelhante a do imposto sindical
Que tal tentar difundir essa ideia na sociedade?

Attos
Alberto Mac Dowell de Figueiredo

Entrevista de Roberto Romano à Revista Nordeste, sobre a pós verdade. 19/06/2017

19/06/2017

Revista NORDESTE: O prazer de implantar mentiras 

Revista NORDESTE: O prazer de implantar mentiras
O filósofo Roberto Romano discorre sobre a pós-verdade. Diz que não há nada de novo no verbete, e que “fazer o mal pelo prazer de fazer o mal” está presente nas mais profundas fibras do corpo e da alma humana
Por Pedro Callado
Roberto Romano é professor aposentado de Ética e Filosofia na UNICAMP. Em seus estudos, analisa a obra de Descartes, Espinoza, Diderot, Rosseau, dentre outros pensadores. Como escritor, destacam-se as obras O caldeirão de Medeia, Moral e ciência: a monstruosidade no século XVIII e O Silêncio e o Ruído, onde trata sobre o que hoje tem sido chamado de pós-verdade.
Revista NORDESTE: Nos últimos anos têm surgido um conceito Pós-Verdade, cunhado pelo escritor norte-americano Ralph Keyes no livro The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life, no seu entender o que significa a pós-verdade?

Roberto Romano: Bem, o caminho de um vocábulo para chegar ao plano do conceito é longo, tortuoso, complexo. Não basta para determinar uma palavra como conceito a sua aceitação geral, as bençãos dos dicionários, as formulações acadêmicas ou jornalísticas. Se assim fosse, todos os clichês que sufocam a língua desde milênios seriam conceitos. É relevante levar em conta uma reflexão trazida por Denis Diderot: "se o senhor refletir um momento sobre a rapidez incompreensível da conversa, o senhor conceberá que os homens não profeririam vinte frases num dia, se eles se impusessem a necessidade de ver distintamente em cada palavra por eles dita qual é a idéia ou a coleção de idéias que a ela se apegam". Podemos dizer do enunciado sobre a pós-verdade algo similar ao que ajuíza Diderot. Trata-se de algo diagnosticado pela filosofia desde o seu nascimento na Grécia. Nunca a verdade foi tratada apenas em si mesma, de forma isolada. Ela sempre recebeu análise em companhia de sua irmã inimiga, a mentira, que exibe o parecer e afasta o ser das coisas e dos pensamentos. Nos últimos tempos, sobretudo no século 20, pensadores e políticos, religiosos e ateus, buscam uma higiene da palavra, tentam encontrar linguagens que escapem dos equívocos e demais armadilhas da expressão verbal e corporal nos atos comunicativos. Desde Platão, no entanto, existe a esperança, sempre ilusória, de que a língua natural pode e deve ser corrigida pelas matemáticas. Volto a Diderot: "se nossos dicionários fossem tão bem feitos ou, o que é o mesmo, se as palavras usuais fossem tão bem definidas quanto as palavras 'ângulos' e 'quadrados', sobrariam poucos erros e disputas entre os homens". Mas o enciclopedista percebeu, em breve tempo, que seu alvo, como o de Platão, Aristóteles e dos filósofos medievais ou modernos, era impossível. Até hoje, e talvez para sempre, a busca de sanar a língua escrita e falada continua na lógica, na filosofia, na psicanálise, etc. Nomes como Carnap, Quine, Wittgenstein trazem fortes contributos na tarefa de encontrar sentido para a expressão verbal. E não esqueçamos os esforços de Heidegger, em especial o parágrafo 37 de Ser e Tempo, sobre o equívoco. Vale a pena reler um volume "antigo", bem anterior à fábrica de enunciados que gerou o termo "pós verdade", escrito por Ogden & Richards, “The meaning of meaning”. Alí, os autores discutem o amálgama do verdadeiro e do falso nas múltiplas atribuições de sentido que assaltam a vida política, religiosa, científica, ideológica, moral. Estranho a relevância dada a um termo que pretende desmistificar o discurso enganoso, sem que exista referência ao aporte milernar da filosofia e da ética para refletir sobre o assunto. Não é preciso insistir sobre as meditações de Nietzsche e de Freud sobre o assunto (por exemplo, em “Verdade e Mentira no Sentido Extramoral”). Uma leitura de Plutarco ( "Sobre o Falatório", "Sobre a curiosidade", "Sobre a lisonja") ajudaria bastante a entender o jogo de aparência e verdade em nosso trato coletivo de agora, em especial na política. Erich Auerbach (Mimesis) e Shoshana Felman (La Folie et la chose littéraire) trazem preciosas elucidações sobre a propaganda e o clichê no pensamento de hoje. A lista feita acima por mim não se deve ao pedantismo acadêmico. Ela procura advertir para a veiculação de "novidades" que têm milênios de história. Em resumo: a profissão do sofista se renova, mas sempre apresenta a marca reconhecida por Platão: confundir o verdadeiro e o falso e, assim, encantando os seres humanos aos milhões. Modestamente procuro, no Brasil, investigar e discutir o assunto em livros e artigos. Até hoje, minha busca foi quase solitária (remeto em especial ao livro “Silêncio e Ruído” e ao artigo "Sobre o segredo e o silêncio", publicado pela Revista USP, 2011).

NORDESTE: O Dicionário de Oxford, na Inglaterra, elegeu esta como a palavra destaque do ano de 2016, estamos vivendo um movimento mundial onde valores em relação aos conceitos tradicionais de verdade, mentira, honestidade e desonestidade, credibilidade e dúvida, estão em xeque no mundo?

Romano: O fato de uma expressão chegar aos dicionários não lhe dá o estatuto de conceito, como sugeri acima. Nunca, em sociedade alguma, ocorreu um recobrimento perfeito entre ideais, mitos ou doutrinas, e os atos dos indivíduos ou coletivos. Os sofistas e, depois deles, os doutrinadores religiosos cristãos que inventaram o inferno e a inquisição, mostram a quebra inevitável entre os dois campos, o dos ideais e o dos atos. Uma religião do amor que joga corpos nas fogueiras e torturas, além de incinerar livros aos milhares, já viveria na pós verdade. O mesmo pode ser dito para as práticas da razão de Estado com seus golpes e contra golpes. Gabriel Naudé, o primeiro a publicar um livro com o título Considerações Políticas sobre os golpes de Estado, dizia que no mundo dos interesses palacianos , "tudo é escrito ao modo judaico, de trás para diante", tudo é invertido. Não por acaso, o grande mito do poder moderno traz a marca sinistra do maquiavelismo, com o uso do engodo como técnica essencial de controle alheio. Hoje as coisas são mais complexas, dado o avanço das comunicações com a internet e outros meios. Mas os homens seguem seu destino de serem lobos uns dos outros. E, infelizmente, o único remédio (muito fraco, diga-se) encontra-se na lei e na soberania estatal. Elementos que, eles também, estão em franca degenerescência (desde a Grécia platônica...).

NORDESTE: Uma reportagem da revista The Economist relaciona a pós-verdade com a eleição de Donald Trump e a vitória do Brexit no voto popular. Há relação? O senhor concorda?

Romano: A revista, no meu entender, confunde os sintomas com a origem dos males. Um povo sem emprego, sem saúde, sem educação, sem ciência, sem liberdade e igualdade, mas com acesso ao voto, escolhe a saída mais esperançosa, mesmo e sobretudo se ela for um amontoado de mentiras. É o que ocorreu com o nazismo na República de Weimar e em todas as outras repúblicas que proclamaram em Constituições coisas que não cumpriram na ação. Trump e Brexit resultam de políticas que visaram, antes de tudo, preservar a saúde da ordem financeira em detrimento da economia mais ampla e dos seres humanos. Notícia recente sobre a Grécia, traz o mea culpa do Fundo Monetário Internacional sobre a política imposta ao referido país: "exageramos na dose". A linguagem dos votos, como as demais linguagens, não tem o poder criador do mundo, à semelhança do Verbo Divino. Ela exprime os afetos humanos. Uma leitura atenta da Ética spinozana ajudaria bastante a deslindar tal puzzle.
NORDESTE: A Justiça com a tese do Domínio do Fato, a Lava Jato com delações premiadas e acusações e vazamentos sem provas concretas, mas que já apontam para uma condenação midiática dos envolvidos, a suspensão de direitos fundamentais como a prisão (preventiva e longa) sem provas seriam exemplos desse novo momento da pós-verdade, por quê?

Romano: Os fenômenos enunciados na pergunta acima são velhos como os milênios que definem o direito, a política, as religiões. No Brasil, eles constituem casos particulares, mas que entram na péssima norma assumida por um povo sem democracia e sem maior sentido de justiça. Quem viveu no Brasil durante a ditadura Vargas e de 1964, sabe perfeitamente o que significa não ter direitos diante da força. E sabe, também: as massas seguem um Salvador que lhes promete tudo, a começar com o fim da corrupção. Pouco importa se o Salvador é Vargas, Jânio, militares, Joaquim Barbosa, Moro. Para tal alvo, tudo vale, sobretudo pisar direitos individuais e coletivos. Getulio, o pai do povo, disse com todas as letras: "o indivíduos não têm direitos, têm deveres". Joaquim Barbosa, o justiceiro, também disse: "Não existem direitos adquiridos". Assim que se vive aqui. Os instantes em que os direitos humanos são respeitados são átimos diante da eternidade em que eles são expulsos da ordem civil e política. Somos a terra dos não-direitos. Mas, como disse acima, trata-se de um tema velho como o poder. Gabriel Naudé, nas mesmas Considerações Políticas sobre o golpe de estado que, neles, "vemos a tempestade cair antes dos trovões; as matinas ditas antes que o sino toque; a execução precede a sentença". A última frase é capital: nas ditaduras brasileiras e na prática das massas e das nossas elites. "A execução precede a sentença". Dá o que pensar sobre a Lava Jato, não?
NORDESTE: O Facebook foi mencionado como uma força nas recentes eleições da França, sabe-se de notícias falsas, perfis falsos construídos para atacar políticos e pessoas. O crescimento da intolerância e do xenofobismo utilizando as redes como mola disseminadora. As redes sociais e a internet têm cumprido um papel importante na pós-verdade?

Romano: Facebook é um constructo técnico que apenas efetiva a ferocidade ínsita no ente humano. Ele não é causa de nada, quando se trata daquilo que os gregos chamavam a kakourgia, o fazer o mal pelo prazer de fazer o mal. Plantar mentiras, enganar para lucro financeiro ou político (ou religioso) é algo que está presente nas mais profundas fibras do corpo e da alma. Schopenhauer tem uma imagem sugestiva: somos como porcos espinhos. Se ficarmos muito longe uns dos outros, morremos de frio. Se nos aproximamo em demasia, nos espetamos mortalmente. O Facebook nos aproxima, mas junta ferroadas. Muito raramente une e auxilia. Mas trata-se de um conjunto técnico novo, que a humanidade ainda não aprendeu a manejar para o bom e o belo. Quem sabe, no futuro, o Facebook e outros instrumentos mereçam, de fato, o título de "rede social"...
NORDESTE: "Uma mentira repetida mil vezes, torna-se verdade". Esta frase atribuída a Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler, pode ser relacionada com a pós-verdade? O que existe é um confusão em relação ao que é real ou irreal, ou é uma confusão de valores éticos e morais?

Romano: O enunciado não é de Gobbels, mas de Platão. Goebbels estudou filosofia antiga e, sobretudo, Platão. O enunciado sobre a mentira repetida que se torna verdade encontra-se no livro terceiro da República (415 c-e). O interlocutor de Sócrates duvida que a mentira, usada por Platão, sobre a origem dos homens possa ser acreditada pelos homens de seu tempo. Resposta do filósofo: ela será, se repetida, crível para o seus filhos, a posteridade deles, e finalmente para toda a gente futura!". Platão, inimigo dos sofistas, conhecia perfeitamente a arte de enganar. Ele a considerava mesmo um remédio a ser usado pelos governantes sábios, para prevenir a catástrofe da polis. Mas, como diziam os médicos gregos, a diferença entre veneno e remédio (ambos designados pela mesma palavra, pharmakon na lingua grega) é a dose. Goebbels, João Santana e seus colegas, usaram doses cavalares que apressaram toda a agonia do paciente.
NORDESTE: Nos EUA Trump foi eleito, mas na França Le Pen, que foi acusada de muitas mentiras em sua campanha, perdeu. É possível dizer que há movimentos de esperança? As pessoas estão abrindo os olhos ou esse processo de negação de valores e de intolerância está apenas começando?

Romano: Não sabemos se estamos no início, ou no limiar do fim. É preciso analisar melhor os Signa temporum. Mas a ambivalência técnica, ética, moral, sempre funcionou entre os homens. Somos, como disse Pope, o orgulho e a vergonha da natureza. Assim, tudo é possível. Mas cuidado com a esperança: ela exprime fraqueza, pois é apenas o lado oposto do medo.
 

Revista Nordeste, 13/06/2017, sobre a pós verdade, o Brasil....etc.

13/06/2017

Revista NORDESTE: A vida na era da pós-verdade

Revista NORDESTE: A vida na era da pós-verdade
Em 2016, o Oxford Dictionaries, do departamento da Universidade de Oxford, responsável pela elaboração de dicionários, elegeu a “pós-verdade” (“post-truth”) como a palavra do ano. A instituição a definiu como um substantivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.
No Brasil, a pós-verdade pode ser reconhecida quando a grande mídia assume um lado da disputa pelo poder e interpreta os fatos com essa intenção. Um dos exemplos é a Revista Veja, a Globo, o Estadão, a Folha de S. Paulo, todos assumiram a defesa da Lava Jato, do impeachment de Dilma Rousseff (PT), da ascensão de Michel Temer. Todos, com maior ou menor pressão, têm pedido a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na capa da Veja o ex-presidente já apareceu até vestido de presidiário sem que haja uma prova consistente de seu envolvimento em corrupção. Ainda que se tenha ressalvas a conduta do petista e do seu partido na história recente do país, há que se considerar que há também benefícios. Mas o que está acontecendo na mídia vai além de discordância ideológica ou uma cruzada contra a corrupção. Pelo menos esse não parece ser o interesse real da grande mídia. Nos últimos dias, quando um dos jornalistas da Veja, Reinaldo Azevedo, teve a conversa com Andrea Neves, irmã de Aécio Neves (PSDB), divulgada, a revista resolveu se posicionar sobre os excessos em torno de decisões do Judiciário, Ministério Público e da Polícia Federal. No áudio, nada que interessasse ao Ministério Público ou à Polícia Federal, apenas críticas a própria gestão da Veja e amenidades. Era um recado ao jornalista que vinha criticando Rodrigo Janot, o ministro Edson Fachin e a Lava Jato.

A fogueira das vaidades do Poder

Em seu editorial “Um estado policial”, transcrito a seguir em parte, a revista Veja acusa. “Diz a lei que uma intrceptação telefônica só pode ser feita com autorização judicial, no tempo em que perdurar a autorização judicial, e seu conteúdo só poderá ser preservado se for relevante para a investigação em curso. Tais limites são estabelecidos para que as conversas telefônicas, de qualquer pessoa, inclusive de suspeitos, não fiquem boiando no éter das tramoias de um Estado bandoleiro. No curso da mais ampla investigação sobre corrupção na história do país, a lei tem sido lamentavelmente desrespeitada. Na noite de 23 de fevereiro do ano passado, a ex-primeira-dama Marisa Letícia falava por telefone com seu filho Fábio Luís, o Lulinha. Na conversa, Marisa, que morreu há quatro meses, ironizava, com o uso de um palavrão, as pessoas que haviam participado de um panelaço contra o PT que acabara de acontecer. Na gravação, ela não dizia nada que interessasse à investigação da Polícia Federal. No entanto, a conversa, que deveria ter sido destruída nos termos da lei, foi preservada e divulgada. Em 16 de março de 2016, o país inteiro ouviu um diálogo telefônico entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eram 13h32 de uma quarta-feira, e os dois discutiam sobre o envio de um documento para a posse de Lula como ministro da Casa Civil. O conteúdo da conversa era do interesse da investigação, mas a autorização judicial para monitorar o telefonema acabara às 11h12, duas horas antes. Portanto, depois desse horário a gravação era ilegal. Ela foi feita mesmo assim, seu conteúdo foi divulgado e a crise política daqueles dias se aprofundou dramaticamente”.
Deve-se saudar o editorial de Veja, contudo não se pode deixar de frisar que, infelizmente, a publicação chega com umano de atraso, como informou o advogado de Lula, Cristiano Zanin. Fica-se com a impressão que foi preciso estar do lado da pedrada e não mais junto de quem atira, para que a revista se posicionasse de uma maneira mais coerente com a Justiça e a Verdade. Antes de ser ela mesma atacada, a Veja nada fez, defendeu e considerou mais o benefício dos artifícios utilizados pelo estado que agora considera “bandoleiro”, do que o malefício. Entretanto, como disse Zanin no Twitter: "Antes tarde do que nunca. As violações precisaram atingir Reinaldo Azevedo para serem reconhecidas como incompatíveis com o Estado de Direito”.
As mentiras sempre foram utilizadas dentro da Imprensa e entre grupos políticos rivais. Os fatos, como explica Jorge Luis Borges no início deste texto, “são meros pontos de partida para a invenção e o raciocínio”. Assim, dados divulgados pelo IBGE sempre podem ter a divulgação de um lado negativo ou de um positivo, dependerá do viés que o veículo de Imprensa assume. E esse viés dependerá do interesse do grupo econômico que comanda o veículo de Imprensa. Isso é assim para a Imprensa com um pendor á direita, como os citados anteriormente, como para os que pendem para a esquerda, tipo Carta Capital, Diário do Centro do Mundo ou Socialista Morena. A questão é que uns têm mais poder econômico do que outros.
No site “Manchetômetro”, que faz análise das manchetes feitas no Brasil, há uma pesquisa reveladora sobre o recente embate entre o juiz Sérgio Moro e Lula. Os jornais O Globo, Estadão e Folha de S. Paulo deram 13% de manchetes favoráveis a Moro e 79% neutra. Já Lula recebeu 3% de manchetes favoráveis, 15% de neutras e 79% negativas. Em relação as manchetes da crise envolvendo Temer, o site aponta que a grande mídia nacional “é apoiadora ferrenha das reformas neoliberais de Michel Temer, mais do que propriamente de sua figura política”. As matérias das páginas de opinião analisadas pelo site mostram uma espécie de obsessão de editores e colunistas na defesa de uma agenda de reformas consideradas neoliberais. Segundo o site, essa agenda dá o tom em todos os jornais impressos e no Jornal Nacional, este último editado pela Rede Globo de Televisão e ainda o mais assistido da TV aberta. A questão é: qual a melhor direção de realmente? Quem tem mais razão? Direita, esquerda? A visão mais neoliberal, uma mais socialista? O sistema está completamente equivocado, seja o capitalismo, comunismo, nacionalismo? É preciso surgir algo novo? Talvez as respostas não sejam tão simples como se gostaria. Esta matéria não se propõe a encontrar respostas, apenas a propor mentes abertas e olhos atentos na busca da verdade. Afinal, essa questão é antiga... como disse o filósofo e escritor francês Denis Diderot, morto 1784: “Engolimos de um sorvo a mentira que nos adula e bebemos gota a gota a verdade que nos amarga”.

Trump, Brexit, Le Pen, a pós-verdade no mundo

A pós-verdade não está só no Brasil, é uma tendência mundial. Como exemplos da pós-verdade no mundo pode-se olhar para a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos, para o referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia, apelidada de “Brexit” e a eleição de Emmanuel Macron contra Marine Le Pen, na França. Essas campanhas fizeram uso indiscriminado de mentiras. Na campanha do Brexit, foi divulgado que a saída do bloco iria liberar até 350 milhões de libras (mais de R$ 1,7 bilhão) por semana para aplicar na saúde pública. O número foi questionado por autoridades do governo e descrito como potencialmente enganador pela Autoridade de Estatísticas britânica , contudo isso não reduziu sua força. Num debate televisivo Trump chegou a dizer que Barack Obama era o real fundador do Estado Islâmico. Explica-se. Numa construção enviesada de raciocínio, ele atribuiu a falta de uma conduta mais afirmativa e incisiva dos EUA no Afeganistão e no Iraque como molas propulsoras do terror. A campanha de Trump ainda divulgou que Hillary Clinton comandava uma rede de pedofilia na pizzaria Comet. Internautas insistiram que o local era sede de uma rede de prostituição infantil, comandada pela ex-candidata à presidência, além de outras figuras do Partido Democrata. O mundo ainda viu, associadas a esse tema, as mentiras nas eleições da França realizada em abril e maior de 2017. A candidata Marine Le Pen teria divulgado notícias falsas contra Emmanuel Macron, que efetivamente ganhou as eleições. Macron abriu processo contra Le Pen acusando a candidata de ter, no mínimo, incentivado “falsos anúncios e mentiras” com suas “tropas na internet”. Entre as informações divulgadas estavam que o candidato teria evadido divisas para as Bahamas, um paraíso fiscal.

Donald Trump afirmou que Hillary Cliton e outros integrantes do partido democrata, comandavam uma rede de prostituição infantil a partir de uma pizzaria

A Rússia tem sido acusada como um dos países a frente na criação e disseminação da pós-verdade. Evidentemente, para manter seus próprios interesses no globo. Democratas denunciaram a intromissão do país nas eleições do ano passado com divulgação de informações falsas. O país também foi acusado de interferência nas eleições da França. O governo russo nega: “Nós não tivemos e não temos nenhuma intenção de interferir nos assuntos internos de outros países ou em seus processos eleitorais”, disse Dmitry Peskov, porta-voz do presidente russo. “Que existe uma histérica campanha anti-Putin em alguns países é um fato óbvio”, completou. Por outro lado, em se tratando da guerra na Síria, o jogo de mentiras parece pender para os EUA. Professores universitários alemães, membros da organização ATTAC Deutschland (Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos — Alemanha), publicaram uma declaração conjunta, na qual criticaram a interpretação que a maioria das mídias apresenta no que se trata do papel russo e iraniano na resolução do conflito sírio. No texto intitulado "Declaração sobre a guerra na Síria", os professores afirmam que a Rússia e o Irã "primeiro esgotaram todas as possibilidades de uma solução diplomática e pacífica do conflito" e ao ver que não funcionaram, iniciaram ações militares. "Os ataques contra a Rússia por parte dos principais meios de comunicação são absurdos", asseguram.
Uma realidade nada utópica
Para entender a pós-verdade basta se colocar no universo dos livros distópicos – algo como o inverso do que seria utópico, um universo na maioria das vezes totalitário e autoritário. Livros como “1984”, de George Orwell, falam de controle dos direitos individuais e manipulação da informação. “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, sobre um tempo em que a vida é basicamente orientada para o trabalho e a produção. “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, descreve dias onde a pensamento crítico é suprimido e opiniões próprias são consideradas antissociais.

Cena do filme 1984, adaptação do livro de George Orwell, que se passa em um universo distópico onde todas as informações são controladas pelo governo

A pós-verdade fala de um tempo em que a mídia resolveu divulgar fatos a partir de interpretações. Algumas dessas interpretações de moral duvidosa, com a finalidade de beneficiar uma parcela específica da sociedade. Assim é possível ver meias verdades incendiando preconceitos e radicalizando posicionamentos de leitores, telespectadores e ouvintes. Plataformas sociais favorecendo a replicação de boatos e mentiras e grande parte desses boatos sendo compartilhados por conhecidos. O que lhes dá mais credibilidade e confiança, aumentndo a aparência de legitimidade das histórias. Basta lembrar do boato que o filho de Lula seria dono da Friboi, história divulgada a exaustão pelo Facebook, Twitter e Whatsapp. ‘Tanto é assim que mesmo boatos, que apesar de serem infundados e denunciados como falsos, ainda conseguem manter na cabeça da maioria a impressão de há algo de verdadeiro. A desconfiança nas instituições como o Judiciário, Legislativo, Executivo, as Polícias e até em médicos e advogados, ampliam a sensação de teoria da conspiração que a pós-verdade tenta imprimir nos mais apressados, e mesmo nos mais atentos. Como se o mundo estivesse de novo metido numa espécie de fogueira de vaidade como a que aconteceu em 1497 quando foram queimados livros, cosméticos e obras de arte consideradas pecaminosas. A questão é que o erro (ou o pecado) fica cada vez mais difuso e vai se ficando mais inapto para distinguir mentiras de verdades. 
Aliado a este universo de neurose conspiratória, está a inteligência artificial utilizada nas redes sociais, construída a partir de algoritmos e cruzamento de dados, e utilizada como mecanismos de buscas na web, ela ajuda a fazer com que seus usuários tendam a receber informações que corroboram seu ponto de vista, formando bolhas que impossibilitam o acesso ao contraditório.

Ataque à confiança e à realidade

A filosofia, a poesia, a psicologia, as ‘ciências’ que cuidam da alma, frisam que é da natureza humana recusar fatos que contrariem a visão que se tem do mundo ou de si mesmo. Já escrevia Fernando Pessoa, travestido de Alberto Caeiro, no poema “O Guardador de Rebanhos”. “O que nós vemos das cousas são as cousas. Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? Por que é que ver e ouvir seria iludirmo‑nos. Se ver e ouvir são ver e ouvir? O essencial é saber ver. Saber ver sem estar a pensar. Saber ver quando se vê. E nem pensar quando se vê. Nem ver quando se pensa. Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender”.
Para corroborar com essa visão, a NORDESTE pinçou um trecho do artigo do professor Carlos Castilho, membro do site Observatório da Imprensa. Castilho escreveu discorrendo sobre o tema no Observatório – como o nome já diz, um site vigilante da Imprensa. Castilho diz que na modernidade, os meios de comunicação, principalmente a imprensa, ganharam um papel de protagonista no fenômeno da pós-verdade.
“Afinal, a circulação de mensagens passou a ser o principal mecanismo de produção de novos conhecimentos numa economia digital movida a inovação permanente. A relevância conquistada pelos meios de comunicação os transformou em agentes fundamentais no processo que prioriza uma forma de descrever a realidade. Quando a imprensa norte-americana endossou a tese da existênciade armas de destruição maciça no Iraque de Saddam Hussein, ela deixou de lado a verificação dos fatos e foi decisiva na transformação de uma possibilidade em certeza acima de suspeitas. Teoricamente, a pós-verdade pode ser usada tanto pela esquerda como pela direita no terreno politico, mas como a imprensa joga um papel fundamental no processo, os rumos obviamente serão determinados pela ação de jornais, revistas, meios audiovisuais e pelas redes sociais. A Imprensa, portanto, não é uma observadora, mas uma protagonista do processo de transformação de mentiras ou meias verdades em fatos socialmente aceitos”.

Compartilhamento em entre amigos dá credibilidade à informação

Outra boa conceituação sobre o tema está num artigo do professor Roberto Romano, “Sobre o Segredo e o Silêncio”, publicado pela Revista USP. Professor do departamento de filosofia da Unicamp, Romano escreve que alguns pensadores, como Paul Virillo (filósofo francês autor de vários livros sobre as tecnologias da comunicação), definem a vida contemporânea com o signo da velocidade. Outros a determinam pelo vínculo entre a ordem particular e pública com o espetáculo – tema abordado por outro escritor francês, Guy Debord, no livro “Sociedade do Espetáculo”. 
“O fato é que as duas vias se encontram quando refletimos sobre o barulho que nos enlouquece a cada instante. Estradas e ruas insuportáveis ao ouvido, divertimentos que fariam o alarido das bacantes parecer murmúrio, cultos religiosos efetuados aos berros, tanto em igrejas ortodoxas quanto nas reformadas, tom de voz humana mais próximo aos urros das selvas. Não apenas a nossa cultura se pauta pela espacialização: o sentido do tempo, a escuta, se perde a cada átimo numa ciranda infinda. Em tal cacofonia, o sentido lógico das palavras se dissolve com rapidez inédita e percebemos o quanto o discurso, em todos os âmbitos, se banaliza e decai nas formas da propaganda e da histeria. Não existem mais comícios políticos, são poucas as procissões religiosas, mas o ritual satânico da incomunicação anuncia o reinado de máquinas inteligentes e usuários “humanos” a cada hora menos atilados. As mônadas, dizia Leibniz (Gottfried Wilhelm Leibniz, filósofo alemão), não têm portas nem janelas. No mesmo ímpeto em que nos fechamos numa jaula definida como tecnosfera, perdemos a capacidade de falar e de ouvir”.
Agora, para fugir desse espectro da mentira e dos boatos a Imprensa criou o fact-checking, um nome americanizado para checagem de fatos. A tentativa é apostar que o meio pode voltar a se ancorar na veracidade e voltar à construir a credibilidade. Contudo, a questão permanece, como bem frisou Platão. Essa técnica de checagem pode vigiar os boatos, mas quem vigiará os guardas dos boatos? O problema foi proposto por Platão em “A República”. A obra, escrita por Platão, é um diálogo onde Sócrates discorre sobre Justiça, Moralidade e Governo. Na sociedade perfeita descrita por Sócrates, o personagem principal da obra depende de trabalhadores, escravos e comerciantes. Há uma classe guardiã para proteger a cidade. Mas uma pergunta é feita a Sócrates, "Quem guardará os guardiões?" ou, "Quem irá nos proteger dos protetores?" a resposta de Platão para esta pergunta é que os guardiões irão se proteger deles mesmos. A questão é que para isso seria preciso que esses guardiões tivessem um alto grau de ética e moral. Talvez “1984”, “Fahrenheit 451” e “Admirável Mundo Novo” esteja mais presente do que gostaríamos de pensar. Vale ressaltar que na antiguidade tudo isso que hoje chamamos de pós-verdade tinha outro nome: sofismas.

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Entrevista de Roberto Romano com Heródoto Barbeiro, sobre Gilmar Mendes dizer que seu convescote com Aécio nada tem de errado.


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4 dias atrás ... Em entrevista ao Heródoto Barbeiro, o professor de ética e filosofia, Roberto Romano, opinou sobre o juiz Sérgio Moro ter almoçado com o ...

domingo, 9 de julho de 2017

Blog Filosofix

ROBERTO ROMANO E A SAGA STAR WARS

 Categoria: Artigos |   Comentários ao final (Leave your comments below)
Esta entrevista de Roberto Romano, publicada no site TramaUniversitário, em 2005, também está publicada no blog CONTRA A RAISON D’ÉTAT – aqui. Não há como não ler:

ROBERTO ROMANO, in: Contra a Raison d’État

1) O senhor poderia explicar melhor o conceito da fantasia romântica, com a qual disse que a saga tem muito a ver?
Quem segue A Flauta Mágica nota que a peça de Mozart pertence de fato à era das Luzes. Nela, o jogo entre o lado sombrio (a rainha da Noite) e o solar (Sarastro) se resolve na guerra onde vence o brilho da nossa estrêla. É o que entoam os versos finais da obra: “die Strahlen der Sonne vertreiben die Nacht,/Zernichten der Heuchler erschlichene Macht” (“Os raios do Sol afastam a Noite, destruindo o Poder maligno”). Graças são dadas ao casal divino, Osiris e Isis, porque eles permitiram que o bom poder, o luminoso, triunfasse “premiando a beleza e a sabedoria com uma coroa eterna”.
O romantismo lutou contra o triunfo da Luz celebrado por Mozart em nome da Razão. Os românticos tentaram dizer que os humanos são dotados de forças mais amplas (entre elas, o sonho e o dom dos poemas) do que a racionalidade científica e tecnológica. A imaginação é um poder cujo ápice encontra-se na fantasia, segundo Friedrich Schlegel, importante romântico. Para ele, a razão só conhece o mundo físico, que é exterior ao homem. A imaginação, em sentido oposto, conduz ao divino. Ela não brota apenas do intelecto e da pura lógica matemática, e o seu momento mais livre de amarras lógicas, a fantasia, gera a força dos sonhos e a beleza anímica. O termo alemão para a força em questão é “das Wunder”, o maravilhoso que afasta o cotidiano prosaico, sem graça, “racional”. Os mitos entram na perspectiva romântica deste maravilhoso, em favor do lado noturno da alma. Na fantasia, não existem contrários ou contraditórios insolúveis, como ocorre na lógica puramente intelectual. Nela, afirma Maxime Alexandre, “uma princesa nasce de uma gota de sangue, as árvores cantam, ocorrem chuvas de vinho ou as rosas caem como neve, as correntes dos riachos são de puro leite”.
Ao contrário do pensamento mecânico que determinou a cultura moderna, no romantismo os homens não constituem um sistema de máquinas cuja alma, puro pensamento, seria exterior ao corpo. Uma filosofia assim, que separa corpo e consciência, foi produzida pela doutrinas cartesiana, seguida pelo racionalismo até o século 18 . A Luz da estrela solar (metáfora da consciência pura, separada do corpo) na guerra cósmica, espanca eternamente o lado escuro. No lado oposto a este ideário racionalista, os românticos assumem que é impossível superar a polaridade entre luz e trevas e que resiste sempre uma passagem possível das trevas às luzes, e vice-versa, da alma ao intelecto, etc. O romantismo une-se à Noite e à Morte, sendo esta última tão apaixonante quanto a via racional luminosa. Diz Novalis, talvez o maior dos poetas românticos: “É na morte que o amor transforma-se em mais doce; para o amante, a morte é noite nupcial, segredo de suaves mistérios”. Para o romantismo, o universo imaginado enquanto máquina e produzido pelo cálculo matemático (sobretudo no século 18) é pesadelo ameaçador. Não é verdade, dizem os românticos, que os animais e os homens sejam apenas mecanismos automáticos e sem liberdade. Os mecanicistas do século 17, por exemplo, causaram uma anedota que ilustra bem a idéia do animal e do homem mecânico: certo dia um filósofo mecanicista topa com uma cadela grávida. Dá-lhe um pontapé. Seu colega o acusa de maldade. Resposta : “trata-se apenas de uma bem agenciada máquina”. Se os animais são máquinas e os homens idem, pensavam os mecanicistas, as sociedades e os Estados também seriam mecânicos. Os românticos erguem-se contra Hobbes que comparava o Estado a um relógio bem ordenado. A sociedade e o Estado, no pensamento romântico, seriam organismos, não máquinas, e nos organismos da sociedade e do Estado se reúnem individuos capazes de sentimentos, afetos, solidariedade. Se fosse verdade, de outro lado, que a consciência lógica seria a única atividade além da operação corporal, e se o corpo fosse de fato apenas máquina, desapareceriam a poesia, o sonho, a liberdade, porque a máquina não possui sentimentos. A tese filosófica puramente racional afasta o aspecto sensível dos homens —a fantasia— e também expulsa os mitos e as fábulas. Sem estes últimos, a alma humana resseca. O mundo racionalista se reduz a afirmar a existência de um amontoado de engenhos mecânicos sem coração, emoções, liberdade ou sentimentos. O grito de Novalis resume o programa romântico : “é preciso romantizar o mundo (…) introduzir alma na máquina”. O programa político do romantismo prega o retorno à Idade Média (chamada pelos racionalistas a idade das trevas) com seus heróis e cavaleiros, suas fábulas, seus milagres, sua Igreja Católica organizada de maneira hierárquica como um corpo e não como uma fria máquina burocrática. A Idade Média é a era da fantasia, não da racionalidade sem coração.
Lucas se apropria desse legado romântico imenso e o projeta num futuro incerto onde as fronteiras do sonho e da realidade são mais incertas ainda. Seu filme expõe a existência de entes mecânicos em profusão maravilhosa. Existem Estados máquina, garantidos por soldados máquinas, onde os governantes são máquinas ou homens que se transformaram em máquinas. Na saga fílmada por Lucas, a técnica e a mecânica podem ser dirigidas em favor da alma e dos sentimentos, mas também produzem morte e insensibilidade. Note-se a diferença entre o romantismo de Lucas e o de Stanley Kubrick. Este, sobretudo em 2001, uma Odisséia no Espaço, mostra os malefícios da cultura mecânica e os limites do ser humano. É antológica, neste sentido, a sequência que vai da morte de um macaco por outro, com um instrumento mecânico, um osso que perde a função de integrador do corpo animal e se torna porrete. Aquele osso, jogado para o firmamento, continua movendo-se com o formato de nave espacial e termina seu itinerário revestido com a forma de uma caneta flutuante. A caneta acumula os significados de vida e morte porque é imagem que sintetiza a ciência, a literatura, o poder. Entre o porrete e a caneta, a evolução apenas refina a força corrosiva da técnica e da ciência mecânicas. Hall resume o problema: ele é super inteligente e quando surge uma “falha” (a paixão do orgulho) no seu funcionamento, torna-se assassino frio. Em Kubrick, não existe salvação pela fantasia nem pelos sentimentos. Já em Lucas as máquinas podem ser vencidas pela inteligência a serviço do sensibilidade. Sem fantasia não resiste nenhum afeto, o homem decai e se torna máquina insensível que produz poder e morte. Anakin, orgulhoso e vingativo, torna-se uma entidade mecânica e impiedosa, pois opera sem nenhuma simpatia ou amor pelos outros. Ele perde a fraqueza humana (as paixões), mas regride ao plano de “máquina sem alma”. A trilogia inteira retoma o das Wunder romântico, com suas maravilhas e heroísmos que realizam façanhas impossíveis se os parâmetros para elas fossem dados apenas pela ordem puramente racional. Em todas as sequências de Star Wars domina a atmosfera onírica com base num pesadelo perene, a luta entre o lado escuro e o luminoso. Ao contrário, portanto, d ´A flauta Mágica, não existe vitória da Luz sobre as Trevas na trepidante narrativa de Lucas. Os humanos podem seguir o rumo do amor e dos afetos (dirigidos pela sabedoria) ou caminhar para a morte escura. Uma suspeita generalizada se espalha pelas sequências, anunciando a mais do que certa morte do universo, dos homens e de suas instituições. Não existe república que sempre dure, não existe império que nunca acabe. A lição, aqui, serve para todos os poderosos que usam máquinas para dominar seres humanos. Especula-se muito sobre o “recado” político do filme, se ele critica o império norte-americano ou faz a sua apologia. As duas hipóteses não indicam algo mais fundamental que se manifesta no filme. República e império são formas políticas derivadas, repetem o Estado enquanto um sistema mecânico superposto aos organismos dos seus cidadãos. Os regimes são cascas duras que emolduram as vidas individuais e coletivas. A tese romântica, claramente exposta por Lucas, recusa as formas derivadas do Estado, império ou república. Elas são instáveis, efêmeras, exteriores aos corações, caducas e só permanecem com o uso da força física, a guerra e o contínuo aperfeiçoamento das armas. A família, pelo contrário, é mantida por laços afetivos originais e não derivados. Ela resiste mesmo quando os regimes políticos estão em frangalhos. A família é o centro de sentido orgânico da vida coletiva e nela o afeto, os sentimentos, o amor, são os elos que unem indivíduos e grupos. Daí que os políticos procurem controlar, manipular ou mesmo extinguir os laços familiares. A obra prima da política imperial é a ruptura entre Anakin/Vader e seu filho, o que subverte todos os laços familiares e inviabiliza a familia como fundamento de unidade societária. Esta tese sobre a família é o centro mais estratégico do romantismo, contra o Estado e a sociedade modernos, desde o começo do século 19. Para dizer as coisas bem diretamente: pouco importa se o Estado aparece hoje na figura de uma república democrática, como seriam os EUA antes de se definir como a potência hegemônica ou se ele assume a função imperial, sob o comando conservador instalado na linhagem Reagan-Bush. Para Lucas, as duas formas são violentas, contrárias à vida orgânica, promovem a guerra e o avanço científico e tecnológico tendo em vista apenas a morte. O Estado, republicano ou imperial, é o inimigo da família, a única fonte da vida e dos afetos. Entre os regimes estabelecidos e a família, a irmandade Jedi ocupa um espaço intermediário. Nela, como nas ordens religiosas medievais, todos são “irmãos” e nela os afetos existem, temperados pela força que, por sua vez, é dosada pela sabedoria. Mesmo os jedis, no entanto, precisam das famílias para regenerar a sua organização. Embora vivam séculos, eles morrem e devem ser substituidos. A familia cumpre o papel de renovar a fraternidade com indivíduos afetivos, pensantes, dispostos ao bem coletivo. Os jedis guardam a sabedoria tradicional e a força legítima, a familia é a sua fonte de rejuvenescimento. E dizendo as coisas mais diretamente ainda: Lucas não apoia a república ou o império norte-americano, mas reaviva o ideário conservador e romântico que lutou e luta contra a modernidade. Seus heróis viveriam perfeitamente adequados nos moldes de associações fraternas como a TFP. Esta última, na sua fala, ritos e gestos, é fóssil guardado no escrínio da memória e da imaginação. Nela pode-se enxergar o que foi o ideal romântico-conservador dos séculos 19 e 20. O filme de Lucas mostra, no entanto, que longe de se limitar ao folclore ultrapassado, como na TFP, o romantismo instalou-se na alma das massas, como resultado de uma propaganda que moveu poetas, romancistas, filósofos, antropólogos e, com o cinema e a TV, atingiu escala planetária. Star Wars é uma das versões românticas, talvez a mais popular, de nossos dias. Como disse acima, cineastas também românticos como Kubrick criticam o mundo do Estado mecânico que se mantêm apenas com a força das armas e com instrumentos tecnológicos que produzem morte. Basta assistir o magnífico Dr. Strangelove para perceber este ponto. Mas em Kubrick não existe nenhuma mensagem de salvação, como em Lucas. Este último apresenta a família e os afetos como o último recurso dos humanos contra o Estado guerreiro. A saga é um evangelho que anuncia uma notícia antiga como a crítica da modernidade ocidental, atualizando o sonho e o pesadelo anunciados pelos românticos.
A saga recolhe elementos das lendas medievais e do Oriente (outro traço do romantismo é a valorização da sabedoria do Oriente, em detrimento da seca racionalidade ocidental) e das poesias guerreiras (aristocráticas) elaboradas na Grécia. O herói de Homero implora à divindade: “Grande Zeus, dissipa a obscuridade que esconde os gregos; devolve-nos a luz; e se é preciso que pereçamos, se tal é a tua vontade suprema, faz com que pereçamos à luz dos céus”. Esta prece se repete nos mínimos gestos e falas dos jedis e de outros personagens valorosos expostos no filme. Todos eles temem o lado escuro da força, procuram ampliar o lado claro. A vitória da luz, ou das trevas é sempre provisória, jamais garantida.
2) A trilogia anterior é comumente associada à idéia mitológica da jornada do herói (no caso, Luke Skywalker). Existe alguma associação desse tipo também nessa nova série? Ou ainda, como fica a questão do herói? Anakin pode ser considerado o herói da saga em algum momento (já que nos primeiros filmes ainda está ao lado dos jedis, se preocupa em defender a senadora, por quem se apaixona, etc)? E existe algum mito sobre essa transformação do herói em vilão?
Nas sagas medievais o herói comete infrações éticas, viola as leis e os costumes, tendo em vista valores maiores que definem os seus alvos como a luta pela justiça, o resgate de uma donzela, a recuperação de um reino usurpado. Não se deve projetar nele a forma que impera depois do século 19, a do personagem segundo os termos de Carlyle, para quem o herói “é uma fonte vida de luz, junto a qual e agradável estar perto. A luz que ilumina e que iluminou a escuridão do mundo; e isto não apenas como uma espécie de lâmpada apenas, mas em vez disto como uma luminária natural brilhando por graça celeste; uma fonte fluente de luz (…) de uma intuição nativa e original, de masculina e heróica nobreza; —em cujo brilho todas as almas sentem-se bem”. No universo grego não se encontra nenhum sujeito assim. Uma das marcas do herói grego é a metis (astúcia) que permite enganar os inimigos no momento exato (o kayrós). Como explica o antropólogo Jean-Pierre Vernant, em livro especialmente dedicado às noção de astúcia na Grécia, para um grego todos os seres naturais (e o homem integra a natureza) possuem a sua astúcia. O polvo a usa quando joga a tinta negra que o disfarça. O camaleão é todo ele astucioso. O pescador precisa de muita ardilosidade para apanhar o peixe no exato momento em que o animal passa no rio. Se ele não sabe jogar o arpão no momento exato (kayrós), perde o peixe. O político tem sua astúcia, etc. Ulisses seria, se pensado pelos padrões morais posteriores ao século 19, um perfeito salafrário, nunca um “herói”. Tanto na Grécia quanto na Idade Média há, sim, uma idealização dos heróis. Mas eles seriam tão formidáveis, generosos, destemidos, etc., que os defeitos se integram no todo de seu caráter. Ulisses, na jornada de retorno ao lar, usa inúmeras trapaças. Agamenon é um covarde com sede de poder (não pisca ao condenar à morte a sua própria filha, Ifigênia, para garantir o controle dos gregos) e assim por diante. No teatro grego, Antigona é acusada de traidora porque enterrou seu irmão, Polinice contra as ordens do governante. Polinice tomou as armas contra a sua cidade, tornando-se um traidor. Como o governante era um tirano, o gesto de Polinice é ao mesmo tempo bom e mau, ele é ao mesmo tempo herói e traidor. No mundo dramático moderno, em Shakespeare encontramos um personagem heróico que se transforma em vilão. Trata-se do guerreiro Coriolano. Corajoso, leal, cheio de virtudes, aquele soldado defende os valores aristocráticos e se revolta contra a demagogia (que gerou o império). Coriolano é o guerreiro que salva Roma mas se transforma em inimigo do povo romano. Ele, que estava para atingir o consulado, foi banido e se uniu aos inimigos da cidade. Trata-se de uma longa história de vingança. O lado trágico de muitos heróis deve-se justamente à sua passagem do estatuto de homem “bom” para o de “renegado”. É o caso de Macbeth e, ainda na Grécia, de Édipo. O romantismo trouxe muitos exemplos deste tipo, como o caso de Michael Kohlhaas que lutou pela justiça e pouco a pouco degradou-se ao papel de vilão e sanguinário.
3 ) Outro aspecto que o senhor cita é a questão da estética do feio. Ao ser revelado que ele é o representante do lado negro da Força, por exemplo, o chanceler Palpatine assume uma aparência muito feia, e Anakin também é deformado ao se tornar Darth Vader. Como é possível interpretar isso? Seria simplesmente porque as pessoas tem a tendência natural de associar o feio ao mau? Que outros exemplos você consegue citar na saga de Lucas?
O que é feio para os humanos? É o que ameaça, possibilita a morte, horroriza , afasta pela repulsa . Dessa forma, quanto mais o indivíduo percebe-se na proximidade de ser classificado como feio pelos outros, ele tende a introduzir entre a situação real do seu corpo e o olhar dos coletivo máscaras que garantam o reconhecimento e o acolhimento, pelo menos de forma momentânea. Para ser belo, algo deve ser “natural”. Tudo o que se afasta desse âmbito é sentido como “feio”, monstruoso. O impulso rumo aos tratamentos cosméticos revela algo profundo na psicologia humana. A repulsa diante do feio passa pela experiência da alteridade. É feio (ou ruim) o que desconhecemos e tememos, portanto odiamos.
A filósofa Elisabeth de Fontenay mostra que nos séculos 18 e 19 – sobretudo no 19 – na França, no que seria depois o Museu do Homem, houve a exposição de indivíduos considerados “inferiores” e “feios”, com fins de “estudos” científicos. Uma negra hotentote foi chamada de Vênus Esteatopigia (com acúmulo excessivo de gordura nas nádegas). Essa mulher foi vendida para sábios franceses. Estes, por sua vez, fizeram sessões em 1815 no Museu de História Natural de Paris, para mostrar o quanto ela seria um desvio da humanidade. Seu corpo foi doado ao Museu de História Natural, onde ele é conservado no esqueleto e sua moldura. Quando se fala de “beleza” ou “feiúra”, temos juízos de valor que não pertencem apenas à psicologia ou medicina, mas apresentam preconceitos etnocêntricos, padrões que há 2500 anos vêm sendo repostos e que excluem seres humanos.
Se ocorre algo assim no trato de humanos com humanos, não será diferente, muito pelo contrário, com a fantasia e a experiência ligada a seres extra-terrestres ou entes humanos que abandonam a “normalidade”, mergulhando no lado escuro onde os bons não se aventuram. Na saga de Lucas, temos os feios seres que ameaçam o mundo humano, de um lado, e os belos corpos humanos marcados pela bondade. Entre eles e os monstros instalam-se inúmeros seres que transitam entre o estatuto de “feios” mas “bons” (é o caso do quase lobisomen que ajuda um dos heróis) e de máquinas “boas” e “quase humanas”. Os extremos são as máquinas nada humanas e os homens que se tornaram máquinas feias, como o pai de Luke. Há nos filmes uma explosão de vidas diferentes, todas lutando pela sobrevivência num cenário hobbesiano de guerra de todos contra todos. Contra este pano de fundo vital mas letífero, instala-se a comunidade dos bons e bonitos, fundados no arquetipo grego (na verdade gerado pelas doutrinas do classicismo moderno sobre a Grécia, porque, segundo a lição de Nietzsche e da arqueologia, as estátuas gregas não eram imaculadamente brancas, mas cobertas de cores berrantes, o que no classicismo seria visto como péssimo gosto) de beleza e bondade. Um ser humano bom e belo torna-se horrendo e monstruoso quando expõe em seu corpo a fealdade que se instalou na sua alma, como é o caso de Vader. Mas també surgem no filme seres horrendos, estranhos ao homem, como os bandidos que operam à margem da lei, do Estado, etc. O romantismo explorou muito a experiência do feio e do monstruoso (basta pensar no Corcunda de Notre Dame) em contraposição ao belo. O contraste entre os dois campos não impede de notar que um passa ao outro, em situações dramáticas. É o caso do Retrato de Dorian Gray, de Mr. Hyde e seu oposto, etc. Todos aqueles “heróis” tentam fugir da feia e cansativa rotina cotidiana e caem na monstruosidade. Segundo Karl Rosenkranz, “o tedioso é feio ou quase isto: feiúra na beira da morte, despertar tautológico e vazio do tédio em nós”. O mesmo Rosenkranz publicou um tratado sobre o assunto (Ästhetik des Hässlichen (Estética do Feio) em 1883. Nele, temos uma lista de feiúras em categorias de deformações, desfiguração, etc. Cada categoria possui divisões menores. Entre as catagorias, temos o repulsivo e o banal. No item “repulsivo” temos o Mal, o demoníaco, o criminoso. Todas essas categorias são exploradas em personagens humanos e não humanos por Lucas.
Postado por Roberto Romano às 07:52 
postado por Ramiro (10/10/2009)

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Quase 200 projetos de lei para combate à corrupção estão engavetados no Congresso

Quase 200 projetos de lei para combate à corrupção estão engavetados no Congresso

A pesquisa dividiu as proposições em 15 temas gerais 

7/9/2017 - - Política
As manifestações que tomaram às ruas nas últimas semanas por todos os cantos do País começaram a surtir efeito: tarifas de ônibus foram reduzidas em diversas cidades brasileiras, a presidente Dilma Rousseff abriu o diálogo com a classe política e com os principais líderes das manifestações, defendendo, inclusive, o combate à corrupção, e o Congresso Nacional anunciou uma agenda positiva de votação, com a aprovação no Senado do projeto de lei que torna a corrupção crime hediondo. No entanto, a proposta é apenas uma das mais de 145 para combate à corrupção que tramitam atualmente no Congresso Nacional desde pelo menos 1995 (109 projetos de lei da Câmara dos Deputados e 36 do Senado Federal).
Segundo levantamento da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção, coordenada pelo deputado federal Francisco Praciano (PT-AM), essas são as propostas "mais relevantes ou eficientes para o combate à corrupção", mas o número geral das que tratam sobre o tema pode chegar a 200. "São mais de 160 projetos prontos para serem votados. Há seis anos estou no comando dessa frente parlamentar, mas nunca vi nenhuma manifestação em favor desses projetos irem à votação no plenário, ao contrário, só iniciativas de resistência. E por trás dessa dificuldade de avanço, estão certamente esses parlamentares envolvidos em casos de corrupção. Minha decepção é grande, infelizmente, esse tipo de pauta não anda no Congresso Nacional. Quem sabe, agora, melhore, como resposta a essas manisfestações?", avalia Praciano.
A pesquisa dividiu as proposições em 15 temas gerais e possui exatamente o objetivo de acelerar a tramitação das proposições relacionadas. De acordo com o relatório, entre 05 de abril de 2011 e 13 de maio de 2013, 11 proposições foram protocoladas, 66 receberam designação de relator, 48 receberam pareceres nas comissões, 21 foram votadas nas comissões, quatro receberam a redação final aprovada, uma teve comissão especial criada e duas foram arquivadas. O levantamento ainda aponta que quase metade delas estão engavetadas há mais de 10 anos. "Por isso é importante a sociedade exigir mudança. É a vontade popular que define, por isso eu elogio, não o vandalismo, mas o movimento hoje que nós estamos vivendo nesse País. Espero que os movimentos sejam só o começo, principalmente em relação ao voto. Levamos quase sete anos para julgar os casos de corrupção, como o Mensalão, mas a população tem a oportunidade de fazer isso de dois em dois anos. Por isso, precisa exercer a cidadania com qualidade", ressalta Praciano.
Na lista do deputado, entre os 15 projetos considerados prioritários está a proposta que cria varas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa, a fim de que haja maior celeridade em processos judiciais no primeiro grau de jurisdição dos casos de corrupção (PEC 422/2005), de autoria do deputado Luiz Couto (PT-PB). Também consta a proposição que confere mais celeridade às ações penais contra funcionários públicos, priorizando o processo e o julgamento (PL 2193/2007). A proposta é da senadora Ideli Salvati, hoje ministra de Relações Institucionais. Nas indicações de Praciano constam ainda o projeto que tipifica o crime de enriquecimento ilícito quando o funcionário público possuir bens ou valores incompatíveis com sua renda (PL 5586/2005), proposto pelo Poder Executivo.
Estão listadas também a PEC 209/2003, que determina a realização de concursos públicos para a escolha dos Conselheiros dos TCEs, do Tribunal de Contas do DF e dos Conselhos de Contas dos municípios, e a PEC 189/2007, que estabelece novas formas de escolha e nomeação dos procuradores-gerais de justiça, abolindo a interferência do Poder Executivo na escolha do Procurador-Geral de Justiça.
Para filósofo, o fim do foro privilegiado é a principal regalia a ser combatida
Para o professor de ética e filosofia política da Unicamp, Roberto Romano, autor de inúmeros artigos sobre democracia, o principal instrumento a ser derrubado no combate à corrupção é o do foro privilegiado concedido aos políticos (que permite aos políticos serem denunciados pelo procurador-geral da República e processados pelo Supremo Tribunal Federal). Segundo o levantamento da frente parlamentar, três projetos que suprimem essa regalia estão prontos para votação (um no Senado e dois na Câmara). No entanto, na avaliação de Romano, dificilmente eles terão espaço nas agendas positivas do Congresso, uma vez que não há interesse dos parlamentares de perderem "a licença para a delinquência".
"Essas pessoas se julgam - e são efetivamente - impunes, inimputáveis. É piada dizer que o STF pode julgá-las. Até os garotos dessas dinastias políticas que se formam no Brasil têm certeza que o papai e o vovô não serão punidos. Então, esses nomes enrolados na justiça, com os seus mandatos, estão se munindo de um instrumento para continuar na impunidade que é o foro. É uma garantia, uma esperteza, que desrespeita o princípio da responsabilidade pública. É um absurdo!", reclama, dizendo em seguida, porque não houve até hoje, nenhuma tentativa de mudar essa situação.
"Entre outras coisas porque não temos partidos políticos democráticos e liberais no Brasil. Hoje o que predominam são federações de oligarquias. O PMDB, por exemplo, é uma grande federação oligárquica. Existe um PMDB no Rio Grande do Sul, outro no Rio de Janeiro, outro no Pará, outro no Maranhão... Os partidos são propriedades dessas federações, que não são democráticas, não realizam primárias, não fazem consultas para a modificação de programas, nem para a definição de candidatos. Nada mais igual aos partidos brasileiros do que os clubes de futebol: são os mesmos quadros dirigentes que estão lá há 50 anos, que controlam o caixa e o técnico, contratam jogadores, negociam. A torcida nunca é consultada" explica.
Roberto Romano explica ainda porque nomes da velha política, citados como referências de corrupção e cobrados nos manifestos atuais a se afastarem da vida pública, continuam a tanto tempo no poder, cada vez mais fortes. É o caso dos políticos José Sarney (PMDB-AP), Jader Barbalho (PMDB-PA), Renan Calheiros (PMDB-AL), Fernando Collor de Mello (PTB-AL) e Paulo Maluf (PP-SP). "São figuras que nasceram no bojo da ditadura, serviram a ditadura, e que hoje controlam partidos políticos e eleitores e que prometem ao PT uma sustentação incerta. Porque a presidente da República tem uma base aliada imensa, garantida pelo PMDB, que tem prazo limitado e preço também. Então essa forma de trato é muito complicada e garante a permanência desses nomes no poder, com todas as proteções que lhe cabem", avalia. 
O professor também se mostra otimista com as atuais mobilizações populares. Segundo ele, as atuais manifestações vão forçar que o Estado repeite a vontade dos cidadãos que pagam impostos altíssimos e que recebem, em troca, baixa qualidade dos serviços, sem nenhuma transparência. "Sinceramente, não sei até onde esses protestos podem ir. Por enquanto, é um sinal positivo de que efetivamente existe a possibilidade de nossa população reivindicar direitos. Até agora, o Estado — Legislativo, Executivo e Judiciário — opera como se ele fosse separado da sociedade, superior, e isso precisa mudar. O que eu noto nessa linha é que esse movimento nacional, que vem com uma pauta muito ampla, mas com certa insistência sobre o problema da corrupção é uma espécie de modificação dessa estrutura, que existe desde que somos um Estado independente, desde a Constituição de 1824", pondera Romano, ressaltando a expectativa de um novo tempo para a política brasileira.
"Vai ser muito difícil que o Congresso Nacional, com esses hábitos todos de centenas de anos de predomínio contra a população, se modifique. Mas já há um recado de mudança, de limpeza, se não dos nomes, ainda, mas das iniciativas. Por exemplo, já há na Câmara dos Deputados uma tentativa de se atenuar ao máximo a Lei da Ficha Limpa, já há uma tentativa de se tirar o efeito da Lei de Improbidade Administrativa... então, são medidas que vão contra as iniciativas populares, e para elas serem aprovadas, vão ter que passar por cima dessa multidão", completa.
Fim do voto secreto pode entrar na pauta
 A reivindicação das ruas para que seja abolido o voto secreto também foi citada na agenda positiva do Congresso. A PEC 349/2001, que altera a redação dos artigos 52, 53, 55 e 66 da Constituição Federal para abolir o voto secreto nas decisões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, entrou na lista entregue para a liderança do PT. Recente pesquisa mostra que há disposição política para que a proposta seja votada e aprovada, pelo menos no Senado Federal. Dentre os integrantes da bancada paraense, dois senadores se mostraram a favor do seu sucesso (Flexa Ribeiro e Mário Couto, ambos do PSDB). A única exceção do Estado foi o senador Jader Barbalho (PMDB).
Conforme Praciano, a luta das ruas precisa se manifestar na vontade dos Três Poderes, que devem fazer um pacto pela moralidade. "Fico feliz que esses projetos entrem na ordem do dia e sejam votados. Estou feliz também porque a PEC 37 caiu em razão dos protestos da população, que precisa pedir mais. Se não houver mais luta, essas manifestações serão apenas mais um capítulo na história política do país", conclui.
O relatório da Frente de Combate à Corrupção apontou que entre os projetos que aguardam designação de relator nas Comissões, existem duas paradas há menos de seis meses e um engavetado há mais de três anos. Já entre as proposições que aguardam pareceres nas Comissões, 16 estão empacadas há menos de seis meses, três  entre seis meses e um ano, 18 entre um e três anos, e, sete há mais de três anos. As situações mais críticas, no entanto, são as das proposições que aguardam votação no Plenário: quatro não apresentaram movimentação entre um e três anos, 19 há mais de três anos e três há mais de 10 anos. Dentre as que aguardam votação nas Comissões, uma proposta está engavetada há menos de seis meses, seis proposições estão paradas entre seis meses e três anos, 15 entre um e três anos e dois projetos entre três e 10 anos.
Fonte: O Liberal
Foto: ABR