Flores

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sábado, 3 de novembro de 2018

Outro pedido de entrevista, no qual os bons modos foram abandonados pela entrevistadora. Respondi as perguntas, mas não deixei de indicar a falha no trato. A jornalista não publicou a entrevista. Já tenho um caderninho com nomes de pessoas assim, que imaginam ser obrigação de quem é procurado aceitar todo tipo de tratamento, prazos que o jornalista tem, não o entrevistado, etc. Creio que o material seja interessante para meditação.

 
Boa tarde. Sou repórter do Jornal Acrítica, no Amazonas, e estou escrevendo sobre política e fake news. Como falado ao telefone, envio abaixo as perguntas sobre o tema abordado:
 
- Esta é uma eleição cujas principais fontes de informação são notícias forjadas. Qual o risco disso pra democracia e para o país?
- As fake news tomaram os Estados Unidos e acabaram elegendo Trump, não é?
- Ao que podemos atribuir o fato de que as pessoas optam em acreditar mais em correntes de whatsapp, por exemplo, do que na grande mídia?
- Por que a tendência de acreditar no que queremos? 
Quais medidas enérgicas que o TSE e TRE podem tomar nesse fim de eleição para combater a propagação de notícias falsas?
- Qual o papel do poder público no combate às fake news?
- Qual a responsabilidade do cidadão na propagação de uma notícia falsa?
- Nesta semana  foi noticiado que grupos de empresários estão bancando mensagens anti-PT em grupos de whatsapp. Podemos ver o ato como uma união contra partido ou uma união por um "ideal"?
- Quais caminhos o Brasil pode seguir para tentar reverter a crise política instalada?
- Desde o anúncio do segundo turno, temos notícias de mulheres, gays e religiosos agredidos sob gritos do nome de um dos candidatos. Isso mostra o que podemos esperar em caso de vitória do candidato de extrema direita?
- O que significaria uma vitória do PT neste segundo turno?
- As manifestações contra Bolsonaro e PT revelam uma união pelo bem comum, pelo mesmo ideal, ou uma união pelo ódio comum pelo fato de odiarem o mesmo partido ou o que o candidato representa? 
De antemão, agradeço a atenção. Estou com o deadline para as 17h desta sexta-feira, dia 19.
 
 
 
 
 
 
O senhor tem razão, peço desculpas. Agradeço por atendido tão prontamente meu pedido de entrevista.

Melhores cumprimentos, 


Em qui, 18 de out de 2018 às 17:27, romanor@uol.com.br <romanor@uol.com.br> escreveu:
Prezada Sra. Suelen: não conheço muito bem os costumes em Amazonas. Aqui no Sul, quando enviamos uma correspondência para alguém, declinamos o nome da pessoa. Noto que a senhora não usa tal recurso de comunicação. Estranho muito, porque nas poucas vezes em que estive aí, para palestras e outros afazeres, percebi um polimento de atitudes exemplar. Com meu estranhamento, seguem as respostas, na medida do possível.

1) A democracia é um regime político e jurídico sempre em risco. Para que ela se mantenha é preciso que os cidadãos acreditem nas palavras das autoridades e dos concidadãos. Sem tal confiança, desaparece o convívio leal, se universalizada o engodo e a descrença. Uma república democrática requer a fé pública. Sem fé pública, nenhum negócio privado, nenhum laço familiar, nenhuma estrutura política pode ser mantida. Os indivíduos e grupos regridem à guerra de todos contra todos, agora com armas não apenas físicas, mas morais: mentiras, dissimulação, armadilhas. Sem fé pública até mesmo andar em uma cidade se torna um ato de coragem desmedida e ocasião de medo. Em economia, investidores estrangeiros notam perigo quando se trata de aplicar seus recursos num país no qual os setores do Estado (Executivo, Legislativo, Judiciário) não garantem a soberania da lei. A mentira que serve à propaganda dissolve os laços de obediência e civilidade na ordem social e política. Mentira sempre existiu no mundo humano, como aliás a corrupção e outras mazelas. É justamente por tal motivo que são criadas as leis. Se, num Estado e sociedade, a mentira supera o domínio da lei, ela não pode crescer e se tornar uma realidade na qual se vive e não apenas se sobrevive aos ataques e armadilhas de todos contra todos. A mentira "pequena" atrai outras maiores. Se não for dominada, a prática da mentira geral é um veneno que impede todo convívio honesto e respeitável. Numa sociedade e numa política absolutamente mentirosas, caímos no que diz Santo Agostinho na Cidade de Deus: não nos diferenciamos de qualquer quadrilha de ladrões, mesmo que nos imaginemos honestos.

2) As fake news apenas potencializam as guerras e danos já existentes em uma sociedade. Quando elas surgem, o coletivo já está adoecido, prestes a se dissolver em inúmeras facções inimigas. Fake News são eficazes quando os cidadãos já deixaram de acreditar nas autoridades políticas, judiciárias, econômicas, religiosas. Em crise de desemprego de setores da classe média e trabalhadora , como era o caso dos EUA antes das eleições presidenciais, as fake news movem o rancor, as esperanças, os preconceitos dos ressentidos com o statu quo. Eu não diria que as feke news tomaram os EUA na sua totalidade. Milhões não votaram em Trump, aliás, um número de votos superior ao que ele conseguiu foi dado a Clinton. Esta última ganhou nas urnas mas perdeu no Colégio Eleitoral. Assim, nem todos os norte americanos caíram nos truq ues das fake news, e ainda hoje não caem.

3) Boa parte de ressentimento contra o status quo, incultura, superstição e desesperança. No caso brasileiro, pesquisa recente mostra que 30 por cento de nossa gente nunca abriu um livro. É sintomático, porque a cultura da internet se move no plano do slogan que emprega preconceitos. A propaganda sempre obedece a lei seguinte: a maior mentira deve ser veiculada da maneira mais breve possível, e agradável. Um exemplo clássico de propaganda breve e eficaz é o "I like Ike", com o qual o governo norte americano salvou a popularidade de um presidente militar e pouco afeito à liderança política de massas. Nada que uma leitura atenta de Goebbels e Walter Lipmann não ajude a entender.
4) O dogmatismo é profundamente inserido na estrutura anímica do ser humano. E além do dogmatismo, o autoritarismo perpassa todo ente humano. Queremos que os demais aceitem nossas ideias e teses, não queremos aceitar a deles: ser obedecido e seguido, além de louvado, é uma forma universal de sentimento de poder. É por tal motivo que todas as teorias modernas do Estado exigem um contrato inaugural, mesmo que fictício. A guerra de todos contra todos tem origem no fato de que todo homem é lobo para os demais. Com o contrato, é decidido que nenhum mandará nos demais e todos obedecerão as regras que proíbem o assassinato, os roubos, a violência corporal e anímica. Como  os pensadores que fundaram o Estado moderno são realistas, eles apresentam, logo após o pacto geral, os instrumento de governo para obrigar a todos a honrar a palavra dada. Daí os podres da Justiça, da Polícia, dos Impostos, etc. Todo indivíduo, se não tiver coerção da lei e a ignorar, pode a qualquer momento retornar ao reino da guerra universal, ou seja, da morte coletiva. A democracia deve ser muito exigente, mais ainda do que outros regimes, na imposição das leis.

5) Se os tribunais eleitorais, algo quase desconhecido no resto do mundo, tivessem a confiança dos cidadãos, bastaria que eles exigissem de todos os candidatos o cumprimento da lei. Como o inverso ocorre em nossa pátria, resta o caminho da polícia e das penalidades financeiras. Entretanto, mesmo tais providência estão longe do poder judiciário que se encarrega das eleições. Então, assistimos a guerra dos que solapam as leis em proveito próprio, a falência ética dos partidos políticos, a revolta e desconfiança da cidadania. A impotência togada, que não garante a lei, a disciplina, a obediência aos ditames legais.

6)O cidadão que ajuda poderosos a mentir é cúmplice e ator de crimes contra a vida coletiva. Num país sério eles deveriam ser punidos com rigor, por exemplo perdendo os direitos cidadãos por um período ou para sempre.

7)Creio que já foi respondido acima.

8) Lutar para que o país seja de fato uma federação republicana e democrática. Enquanto o Brasil for de fato uma ditadura do Executivo federal, onde ele concentra os impostos e as políticas públicas, tratando Estados e municípios como derrotados em uma guerra, pouco progrediremos em termos de prática da responsabilidade com recursos e pessoas.

9) O preconceito e a matança de mulheres, homossexuais, indígenas e outros setores perseguidos é comum no Brasil. O clima atual apenas acentua a violência cotidiana que impera na sociedade brasileira, aumentada pelo fanatismo religioso que, de fato, aumentou desmesuradamente nos últimos tempos. Dias tremendos virão logo, para o nosso país.

10)Um milagre, mas se tal fato ocorrer, o país será muito difícil de ser governado, visto o acirramento ideológico que tomou conta de todos os setores nacionais.

11) É próprio da democracia, como diz o grande jurista democrático Norberto Bobbio, a tensão entre palácio e praça. Os palácios servem para governar, as praças para conseguir o poder...nos palácios. Nas praças, as passeatas, comícios, demonstrações de massa são a regra. No palácio, a praça é visto como fato ameaçador. Mas ódios existem nos palácios e nas praças. É por tal motivo que todos os grande pensadores da ética e da política recomendam a amizade como corretivo ao ódio. " A maior muralha de proteção de um povo é a amizade entre cidadãos". Os ódios abrem fendas na muralha, abrem o caminho da matança coletiva, das guerras civis e dos atentados. Uma sociedade saudável pratica a amizade. Uma sociedade à beira da morte, usa o ódio como veneno.

Cordialmente
Prof. Roberto Romano, Prof. Titular aposentado de Ética e Política, Unicamp.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Correio da Cidadania, entrevista com Roberto Romano, 02/11/2018

http://www.correiocidadania.com.br/34-artigos/manchete/13550-a-essencia-da-dominacao-do-estado-brasileiro-chega-agora-a-sua-formula-politica-adequada

“A essência da dominação do Estado brasileiro chega agora à sua fórmula política adequada”

O im­pacto da vi­tória de Jair Bol­so­naro na eleição pre­si­den­cial ainda ecoa for­te­mente em todos os se­tores da po­pu­lação. Em meio a no­tí­cias e bo­atos que mais pa­recem re­pro­duzir o modus ope­randi de sua cam­panha, são poucas as re­fle­xões que já co­me­çaram a ser feitas a res­peito de como che­gamos aqui – ao menos entre os que con­si­deram seu fu­turo go­verno um salto no es­curo. Em busca dos pri­meiros sen­tidos deste 28 de ou­tubro, o Cor­reio da Ci­da­dania en­tre­vistou o fi­ló­sofo Ro­berto Ro­mano, pro­fessor apo­sen­tado da Uni­camp.

No curto prazo, vê, de fato, um fe­cha­mento do pro­cesso de­mo­crá­tico. “É pro­vável que nos pró­ximos tempos as apa­rên­cias de le­ga­li­dade, de Es­tado de di­reito, de jus­tiça isenta, de li­ber­dade de im­prensa, caiam como ve­lhos e car­co­midos ti­jolos sob os quais se dis­far­çava a pa­rede de aço es­tatal e so­ci­e­tária do­mi­na­dora, pre­con­cei­tuosa, vi­o­lenta contra os po­bres, os fracos, os des­pro­vidos de ca­pital. Como de há­bito, a classe média que nem é dona dos ca­pi­tais nem apenas as­sa­la­riada, serviu com es­topim de se­me­lhante re­vo­lução re­gres­siva”, ana­lisou. 

Em uma longa di­gressão, ele sin­te­tiza que o re­sul­tado deste pleito é um re­en­contro do Es­tado e da for­mação so­cial bra­si­leira com sua es­sência his­tó­rica.

“As massas bra­si­leiras foram edu­cadas para servir se­me­lhante Es­tado e os ins­tru­mentos para tal pe­da­gogia foram o ex­cesso da força fí­sica, a pro­pa­ganda, o pavor di­ante do poder. In­di­ví­duos não têm di­reitos, disse Vargas, eles têm de­veres para com o Es­tado e a so­ci­e­dade. Aqui, desde 1500, a ci­da­dania não con­trola o Es­tado, mas é por ele con­tro­lada e re­pri­mida. Pelas urnas de 2018, sa­bemos que ela aprendeu a lição: obe­di­ência a quem pro­mete força para impor a dis­ci­plina au­to­ri­tária, des­truindo a ‘ba­derna’ de­mo­crá­tica: lição en­si­nada por Vargas, pelos lí­deres de 1964 e agora”.

Sem es­conder a frus­tração, o autor do livro Con­ser­va­do­rismo Ro­mân­tico: origem do to­ta­li­ta­rismo (1981), vê um pa­no­rama de­so­lador até para os se­tores que saíram ven­ce­dores do pleito. “Tanto para os re­a­ci­o­ná­rios quanto para os pro­gres­sistas, o fu­turo nada pro­mete. Ele de­safia as mentes e os co­ra­ções. Rei­terar ilu­sões, li­de­ranças ca­ris­má­ticas, con­trole de di­re­ções par­ti­dá­rias, ali­anças em prol da ‘go­ver­na­bi­li­dade’, de­fi­niram de­lí­rios e de­va­neios. O des­pertar é do­lo­roso, mas per­mite lu­cidez”.

A en­tre­vista com­pleta com Ro­berto Ro­mano pode ser lida a se­guir.

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Cor­reio da Ci­da­dania: O que acon­teceu neste do­mingo, com a eleição de Jair Bol­so­naro à pre­si­dência da Re­pú­blica, é pas­sível de rá­pida ab­sorção? Re­pre­senta uma vi­ragem his­tó­rica?
 
Ro­berto Ro­mano: Na eleição de 2018 houve o en­contro da forma es­tatal e so­cial bra­si­leiras com seu con­teúdo ver­da­deiro. Desde a pas­sagem ao status de país in­de­pen­dente o Brasil os­tentou uma face, a mais tênue, vol­tada para o con­certo dos países. Ins­ti­tui­ções for­mal­mente de di­reito, su­pos­ta­mente, ga­ran­ti­riam a li­ber­dade in­di­vi­dual e as prer­ro­ga­tivas do co­le­tivo. Suas ins­ti­tui­ções de fa­chada apre­sen­tavam um pro­grama de in­clusão de toda a ci­da­dania no gozo das prer­ro­ga­tivas civis: o Exe­cu­tivo cui­daria do go­verno, o Con­gresso da ela­bo­ração legal, o Ju­di­ciário da jus­tiça.

Mas a face oculta, que trans­pa­recia na más­cara uni­ver­sa­lista, era mar­cada por ci­ca­trizes hor­rendas. Vi­vemos em re­gime de es­cra­vidão, in­dí­genas foram mas­sa­crados aos mi­lhões, elites pa­ra­si­taram os co­fres pú­blicos em pro­veito pró­prio. O la­ti­fúndio gerou lu­cros para al­gumas fa­mí­lias. Tais lu­cros, trans­fe­ridos para a in­dús­tria, man­ti­veram o pro­veito de pe­quenos grupos. No mesmo tempo a jus­tiça regeu em favor dos mesmos se­tores mi­no­ri­tá­rios, em de­tri­mento do ci­dadão comum. Após sé­culos em que se firmou tal fin­gi­mento, dis­si­mu­lação de uma re­pú­blica que ocul­tava o do­mínio oli­gár­quico, a es­sência da do­mi­nação chega agora à sua fór­mula po­lí­tica ade­quada.

Mesmo os re­gimes de Vargas e o de 1964 não atin­giram ta­manha ade­quação entre forma e con­teúdo. Sob Vargas, apesar das luvas de ferro que fe­charam as ins­ti­tui­ções po­lí­tica em pro­veito do Exe­cu­tivo no “Es­tado Novo”, uma brecha foi aberta para os tra­ba­lha­dores, com leis que os fa­vo­re­ciam, mesmo com marcas de pa­ter­na­lismo. No re­gime de 1964, as vi­o­la­ções aos di­reitos hu­manos, o fe­cha­mento do Con­gresso, os Atos Ins­ti­tu­ci­o­nais, dei­xaram vazar para uma aber­tura rumo à ins­ti­tu­ci­o­na­li­dade formal.

A im­prensa, por exemplo, foi cen­su­rada, mas não existiu uma pro­posta de acabar com ela. No plano dou­tri­nário, os cho­ques entre Igreja Ca­tó­lica e go­verno foram equa­ci­o­nados se­gundo a ló­gica do abran­da­mento do re­gime. A Rede Globo serviu aos in­te­resses do poder civil, mas não era um ins­tru­mento de pro­pa­ganda re­li­giosa. Hoje a TV Re­cord o faz; é ins­tru­mento do con­trole comum do poder civil e re­li­gioso. Coisas que a Igreja Ca­tó­lica não con­se­guiu im­plantar ou ga­rantir, hoje são de­fen­didas por pas­tores e bispos ditos evan­gé­licos, com ajuda mi­no­ri­tária de se­tores ca­tó­licos.

Fora a Re­cord e al­guns ou­tros meios de di­vul­gação, o novo go­verno de­clara guerra à mídia, a exemplo de Do­nald Trump nos EUA. Se houve uma cres­cente pri­va­ti­zação da eco­nomia, desde o fim do poder de ex­ceção im­posto em 1964, so­bre­tudo após Fer­nando Collor, hoje a pro­posta é pri­va­tizar de ma­neira sis­te­má­tica e pro­funda. As uni­ver­si­dades pú­blicas estão ame­a­çadas de todos os modos, do fi­nan­ceiro ao veto de ma­ni­fes­tação opi­na­tiva nos campi.

Po­de­ríamos nos alongar em todos os se­tores nos quais as elei­ções de 2018 re­a­lizam o en­contro do Es­tado e do so­cial bra­si­leiro com a sua ver­dade: nú­mero pe­queno de pri­vi­le­gi­ados que usurpam a renda co­le­tiva, em pre­juízo, mas com apoio, da massa imensa de “ne­ga­ti­va­mente pri­vi­le­gi­ados” (Max Weber). Um modo bra­si­leiro de ex­pressar o enun­ciado se­gundo o qual “as ideias do­mi­nantes de uma so­ci­e­dade são as ideias da classe do­mi­nante”.

É pro­vável que nos pró­ximos tempos as apa­rên­cias de le­ga­li­dade, de Es­tado de di­reito, de jus­tiça isenta, de li­ber­dade de im­prensa, caiam como ve­lhos e car­co­midos ti­jolos sob os quais se dis­far­çava a pa­rede de aço es­tatal e so­ci­e­tária do­mi­na­dora, pre­con­cei­tuosa, vi­o­lenta contra os po­bres, os fracos, os des­pro­vidos de ca­pital. Como de há­bito, a classe média que nem é dona dos ca­pi­tais nem apenas as­sa­la­riada, serviu com es­topim de se­me­lhante re­vo­lução re­gres­siva. 

Cor­reio da Ci­da­dania: É pos­sível fazer uma aná­lise que não leve em conta a re­lação que o país aceitou es­ta­be­lecer com seu pas­sado re­cente de di­ta­dura mi­litar?
 
Ro­berto Ro­mano: Como disse acima, o país não reata apenas com o re­gime de 1964. Ele re­toma uma his­tória de 500 anos que narra a cons­trução de uma so­ci­e­dade e de um Es­tado oli­gár­quicos, re­a­ci­o­ná­rios, não re­pu­bli­canos e não de­mo­crá­ticos. Sá­bias pa­la­vras de um pen­sador do sé­culo 19: “Os ho­mens fazem sua pró­pria his­tória, mas não a fazem como de­sejam, em con­di­ções es­co­lhidas por eles, mas em con­di­ções di­re­ta­mente dadas como he­rança do pas­sado. A tra­dição de todas as ge­ra­ções mortas pesa como um fardo de­ma­si­a­da­mente grande sobre o cé­rebro dos vivos. E mesmo quando eles pa­recem ocu­pados em trans­formar por si mesmos as coisas, criar algo novo, pre­ci­sa­mente em tais épocas de crise re­vo­lu­ci­o­nária eles in­vocam me­dro­sa­mente os es­pí­ritos do pas­sado, em­prestam seus nomes, suas pa­la­vras de ordem, cos­tumes, para apa­recer em nova cena da his­tória sob dis­farce res­pei­tável e lin­guagem em­pres­tada”.  (18 Bru­mário de Luís Bo­na­parte).

Nas elei­ções de 2018 pesou sobre os cé­re­bros bra­si­leiros a tra­dição das ge­ra­ções mortas desde a Colônia, o cos­tume de des­truir ideias de­mo­crá­ticas e re­pu­bli­canas, o vezo de pa­ra­sitar o tra­balho de toda a so­ci­e­dade, o ab­so­lu­tismo atá­vico que se­para o ci­dadão do poder pú­blico, co­lo­cando o pri­meiro como algo in­fe­rior, mero su­porte de oli­garcas.

Cor­reio da Ci­da­dania: Por que a di­reita não cons­truiu com mais afinco uma chapa e uma al­ter­na­tiva po­lí­tica de perfil mais de­mo­crá­tico e menos bé­lica em sua re­tó­rica?
 
Ro­berto Ro­mano: Não existe di­reita no Brasil. É também di­fícil enun­ciar que existe uma es­querda. A nossa pa­leta ide­o­ló­gica é mais ar­caica e atra­sada. Ve­jamos o sig­ni­fi­cado his­tó­rico da­queles termos. Na As­sem­bleia que gestou a Re­vo­lução Fran­cesa os de­pu­tados postos à di­reita da sala, os gi­ron­dinos, de­fen­diam um Es­tado re­pu­bli­cano, mas sem rup­turas vi­o­lentas com o An­tigo Re­gime. Eles pos­tu­lavam a igual­dade ju­rí­dica, mas não a ponto de chegar à po­lí­tica. De­se­javam a abo­lição dos pri­vi­lé­gios cle­ri­cais e da no­breza, mas não de­fen­diam o voto po­pular amplo e ra­di­ca­lismos na de­fi­nição das pro­pri­e­dades.

No lado es­querdo, os ja­co­binos de­fen­diam uma re­pú­blica igua­li­tária, com a so­be­rania po­pular. Nos mo­mentos mais ra­di­cais ela chegou a pra­ticar elei­ções para os cargos de juiz e ou­tros. As duas cor­rentes her­daram as teses das Luzes, con­trá­rias ao ab­so­lu­tismo e ao poder es­tatal ili­mi­tado. Ambas her­daram os frutos da re­vo­lução in­glesa do sé­culo 17. Nesta úl­tima exis­tiam duas cor­rentes prin­ci­pais: a dos Le­vel­lers (os Ni­ve­la­dores), li­be­rais, e a dos Dig­gers (os Ca­va­dores) que pro­pu­nham mesmo o fim da pro­pri­e­dade pri­vada. Es­querda e di­reita na Re­vo­lução fran­cesa não que­riam um Es­tado oni­po­tente, como no ab­so­lu­tismo, mas uma forma ad­mi­nis­tra­tiva con­tro­lada pela ci­da­dania. A dos ja­co­binos era mais ra­dical do que a dos gi­ron­dinos.

No Brasil, desde o sé­culo 18, as teses da di­reita e da es­querda re­vo­lu­ci­o­ná­rias fran­cesas foram proi­bidas, cen­su­radas, com­ba­tidas, re­pri­midas a ferro e fogo pelos exér­citos e po­lí­cias, afo­gadas pela água benta ecle­siás­tica. Quando o prín­cipe João trouxe a Corte para cá, com ele veio o horror sa­grado contra as cor­rentes re­vo­lu­ci­o­ná­rias in­glesas e fran­cesas, cujos frutos aqui mais te­midos ti­nham ger­mi­nado na Amé­rica do Norte. A res­pon­sa­bi­li­zação dos go­ver­nantes (ac­coun­ta­bi­lity), era um deles: com a res­pon­sa­bi­li­zação, foram cor­tadas as ca­beças do rei in­glês e do francês.

O Es­tado que surgiu com Dom João era pro­gra­ma­ti­ca­mente con­trar­re­vo­lu­ci­o­nário. Não por acaso a Carta de 1824 pro­cla­mava a ir­res­pon­sa­bi­li­dade do Chefe de Es­tado. Tal ir­res­pon­sa­bi­li­dade foi her­dada pelos mo­narcas e pre­si­dentes e deles se es­praiou para todos os ope­ra­dores do poder pú­blico. Em toda re­par­tição ofi­cial pode ser lido o se­guinte aviso: "in­sulto ao fun­ci­o­nário dá ca­deia". Mas não existe um aviso si­milar di­zendo "des­res­peito ao ci­dadão dá ca­deia". A ir­res­pon­sa­bi­li­dade é o apa­nágio das "au­to­ri­dades bra­si­leiras", as "ex­ce­lên­cias".

Se os Chefes da Nação e seus apa­ni­guados pagam o preço de sua ir­res­pon­sa­bi­li­dade, em verbas e cargos para os oli­garcas re­gi­o­nais, da in­dús­tria e co­mércio, ele per­ma­nece no cargo. Caso oposto, cai. Nele, não havia lugar para es­querda ou di­reita.

No Im­pério, os li­be­rais não eram adeptos da re­vo­lução, mo­de­rada ou ra­dical. O Es­tado im­pe­rial man­teve o ab­so­lu­tismo da con­trar­re­vo­lução, proi­bindo até mesmo o li­be­ra­lismo po­lí­tico. Tal apa­relho es­tatal re­forçou sua es­tru­tura re­a­ci­o­nária nos go­vernos de ex­ceção do sé­culo 20. As massas bra­si­leiras foram edu­cadas para servir se­me­lhante Es­tado e os ins­tru­mentos para tal pe­da­gogia foram o ex­cesso da força fí­sica, a pro­pa­ganda, o pavor di­ante do poder. In­di­ví­duos não têm di­reitos, disse Vargas, eles têm de­veres para com o Es­tado e a so­ci­e­dade.

Aqui, desde 1500, a ci­da­dania não con­trola o Es­tado, mas é por ele con­tro­lada e re­pri­mida. Pelas urnas de 2018, sa­bemos que ela aprendeu a lição: obe­di­ência a quem pro­mete força para impor a dis­ci­plina au­to­ri­tária, des­truindo a “ba­derna” de­mo­crá­tica: lição en­si­nada por Vargas, pelos lí­deres de 1964 e agora.

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O livro que Ro­mano pu­blicou em 1981.
 
Cor­reio da Ci­da­dania: Quanto aos se­tores pro­gres­sistas, que ba­lanço pode ser feito a fim de se olhar para o fu­turo com oti­mismo?
 
Ro­berto Ro­mano: Creio que o pri­meiro passo seria ler e reler o es­crito de Vol­taire de­no­mi­nado “Can­dido, ou sobre o Oti­mismo”. E des­co­brir que ca­te­go­rias como oti­mismo e pes­si­mismo são apenas tra­du­ções edul­co­radas do medo e da es­pe­rança, velha dupla do con­trole po­lí­tico. Tais par­ceiros pre­cisam ser postos de lado em pro­veito de uma outra dupla evo­cada por Ma­qui­avel: a For­tuna e o livre ar­bí­trio.

Como diz o 18 Bru­mário, não fa­zemos a his­tória como nos ape­tece, mas se­gundo uma his­tória que de­vemos co­nhecer e de­sa­fiar. Mas para con­se­guir algo contra a For­tuna, de­vemos co­nhecer muito bem a so­ci­e­dade po­lí­tica em que nos mo­vemos. Mai­o­rias elei­to­rais, como ocor­reram nos úl­timos tempos, pouco ga­rantem em termos de pro­postas ino­va­doras e de­mo­crá­ticas.

Urge que elas sejam de fato e de di­reito ino­va­doras e de­mo­crá­ticas. As sendas pri­vi­le­gi­adas pelos pro­gres­sistas nos úl­timos tempos foram li­gadas às mais ar­caicas formas de do­mi­nação: ali­anças com oli­garcas do tipo Sarney, ACM, Bar­balho e até mesmo Paulo Maluf. Em data re­cen­tís­sima, os Ca­lheiros. Cabe aos pro­gres­sistas pro­curar o ca­minho dos “ne­ga­ti­va­mente pri­vi­le­gi­ados”, hoje in­fe­liz­mente só­cios in­vo­lun­tá­rios do sis­tema que rei­tera a sua pró­pria ser­vidão.

A via dos Pa­lá­cios e do Es­tado, que venceu nas es­querdas a senda dos bairros po­bres, só conduz à For­tuna, aos golpes de Es­tado, às trai­ções como a ocor­rida em data re­cente. Tanto para os re­a­ci­o­ná­rios quanto para os pro­gres­sistas, o fu­turo nada pro­mete. Ele de­safia as mentes e os co­ra­ções. Rei­terar ilu­sões, li­de­ranças ca­ris­má­ticas, con­trole de di­re­ções par­ti­dá­rias, ali­anças em prol da “go­ver­na­bi­li­dade”, de­fi­niram de­lí­rios e de­va­neios. O des­pertar é do­lo­roso, mas per­mite lu­cidez.


Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

Setores à esquerda denunciam as manipulações da chamada imprensa burguesa. Mas são raros os jornais e sites de esquerda que deixam de tentar impor opiniões aos seus entrevistados.Quando não conseguem simplesmente não publicam entrevistas solicitadas, sem nenhuma satisfação aos que eles convidaram. É o caso da entrevista abaixo, pedida pelo Jornal Local, por intemédio de uma sua jornalista, a Sra. Sandra. Indignações e denúncias seletivas levam à perda de credibilidade. E boa parte das derrotas últimas da esquerda brasileiras se devem a tal fator sectário e maniqueísta.


 
·         Qual sua análise sobre a transferência de votos pelo ex-presidente Lula para ao candidato Fernando Haddad?

A transferência foi relevante, mas insuficiente para elevar o candidato Haddad até o primeiro planos das intenções de voto. Para tal resultado negativo foram decisivos alguns erros. Em primeiro lugar, a manutenção da candidatura de Luis Inácio da Silva até o último instante, sabendo perfeitamente o seu partido que não haveria autorização da Justiça para que ele concorresse. Tempo precioso foi perdido, para organizar uma campanha com um substituto de Lula e para torná-lo conhecido. Veja que digo "conhecido", porque ele era praticamente ignorado pelas grandes massas eleitorais do país, porque antes o máximo que desenvolveu, como vida política, foi ser ministro da Educação e prefeito não reeleito de São Paulo. Ele era praticamente um anônimo no país inteiro. O segundo erro, também devido ao próprio Luis Inácio da Silva e seu partido, foi tratar como força subalterna a ser cooptada apenas, o contingente eleitoral e a pessoa de Ciro Gomes. Dentre todos os erros, aquele foi o mais desastroso, visto que se houvesse maior entendimento e respeito diante de Gomes, o contingente de votantes no Nordeste e Norte estaria garantido. A hipótese de Ciro Gomes como cabeça de chapa, que traria um poder de conquistar votos mais do que relevante, foi tratada como algo sem maior importância pelos dirigentes petistas. A raiz de todos os erros, no entanto, encontra-se na busca de hegemonia absoluta na esquerda, por parte do Partido dos Trabalhadores. Outro erro gêmeo é o fato de Luis Inácio da Silva ter sido posto, em mais de trinta anos da agremiação, como a única liderança nacional, inconteste. Qualquer líder petista regional que ameaçasse a onipotência de Lula em plano nacional foi descartado: Eduardo Suplicy, Marina Silva, Tarso Genro, Jaques Wagner, Olívio Dutra, e muitos outros foram mantidos em seu plano inferior, não podendo jamais disputar a candidatura à presidência da República. Resultado: o PT, fora Lula, não tem lideranças conhecidas nacionalmente para eventuais candidaturas em plano majoritário. No caso presente, foi preciso improvisar um candidato que não tinha prática de campanha, sem liderança nacional e que precisou usar o nome de Lula nos primeiros momentos do embate. Assim, deu ocasião para os seus adversários o rotularem como "substituto", e não como um líder com capital político próprio. Se o PT não aprender a gerar um  número maior de lideranças, e se ficar restrito ao controle de sua direção burocrática e parlamentar, sofrerá derrotas significativas no futuro próximo e distante. Nenhum líder garante sua presença em todas as ocasiões, sobretudo nas crises maiores do país. Mas tal defeito não existe apenas no PT. Todos os partidos brasileiros estão carentes de lideranças nacionais e dependem de um indivíduo popular para vencer eleições. É preciso uma reformulação ampla e profunda das estruturas partidárias no país.

·         No seu entendimento, os sem votos devem migrar para qual candidato?

Pelas pesquisas de opinião, que devem ser acolhidas com prudência, o candidato do PSL recebeu muitas intenções de votos oriundas dos que iriam sufragar Luis Inácio da Silva. E, como é claro, muitos deles seguiram para o candidato do PT.

·         Dá para prever se haverá uma abstenção maior no segundo turno?

Creio que não. As intenções de voto mostram interesse no pleito. Creio que a abstenção, no fim, não irá superar a média histórica.

·         Historicamente, nunca houve um segundo turno, em que o segundo candidato, nesse caso o candidato Fernando Haddad, conseguisse virar o jogo, porém os resultados das urnas surpreenderam a todos. O senhor acha que podemos ter surpresas no segundo turno?

Creio ser muito difícil tal façanha. A menos que, dias antes da eleição, algo muito sério ocorra, não há engenharia política que permita tal mudança de perspectiva pelos motivos que já apontei. Na eleição de Luisa Erundina para a prefeitura de São Paulo, ocorreu algo de última hora (a intervenção em Volta Redonda) que indignou os eleitores paulistanos e deram vitória ao PT. Mas algo similar seria da ordem do milagre. A política, embora muito baseada nas paixões e nos eventos aleatórios, não costume oferecer tais surpresas.

·         Tanto a esquerda, quanto a direita questionam a confiabilidade das urnas eletrônicas. O senhor acha que o sistema é falho?  Qual seeria o motivo dessa desconfiança?

Há uma diferença entre indicar vulnerabilidade e usar a mesma vulnerabilidade como desculpa para uma campanha alarmista e cheia de oportunismo. Há um laudo redigido por peritos da Unicamp, instituição séria, que mostra algumas falhas nas urnas eletrônicas, permitindo a sua má funcionalidade ou, mesmo violação externa. Tal parecer não foi levado devidamente em conta pelo Judiciário, o que trouxe a desconfiança de setores à esquerda ou direita da paleta política. Cabe aos partidos, aos militantes, aos fiscais, aos juízes e promotores a tarefa de vigiar o funcionamento das referidas urnas, sem para tal fim gerar desconfiança naquele instrumento. Como ferramenta, ele tem vantagens e desvantagens, pois é obra de seres humanos e não expressam nenhuma perfeição divina. Erro é defender de modo absoluto o seu uso, sem cautelas, erro é rejeitar o procedimento, também de modo imprudente.
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Quem criou o mito Bolsonaro?

Mitos não são criados por indivíduos ou grupos. Eles expressam medos, esperanças, crenças e desejos de coletivos amplos. O máximo que o marketing político atilado faz é usar aquelas paixões humanas, que geram o mito, para as encarnar em um grupo ou pessoa singular. O mito é uma narrativa e ele narra justamente os impulsos de povos, crentes, militantes. Se tais mitos conseguem efetivar em parte o que é esperado pelos seus geradores, os povos, eles se enraízam na vida das massas humanas. Por exemplo, Dom Sebastião de Portugal, Getúlio Vargas, Perón, Churchill, e outros. Na Grécia antiga, Teseu. Em Roma, Júlio Cesar. Na França, Robespierre e Napoleão. Se, no entanto, eles não responderem aos anseios neles depositados, pelo menos em parte, são postos em pequenas notas de rodapé da História. É o caso de Fernando Collor.

·         O senhor afirmou no site "Observatório das Eleições" que no segundo turno é difícil que o candidato Bolsonaro vença o pleito, pois tem um índice de rejeição elevado, especialmente entre as mulheres. Essa afirmação continua, após o resultado do primeiro turno? Qual sua expectativa do resultado?

As observações continuam válidas, tanto no que refere à rejeição geral quanto a experimentadas pelo eleitorado feminino. Mas o atentado sofrido pelo candidato e os erros estratégicos e táticos do PT e da esquerda mais ampla, o ajudaram muito a manter as intenções de votos e, mesmo, as ampliar. Nenhuma pesquisa ou pesquisadores expressam a onisciência divina: os acontecimentos e as falhas dos partidos e candidatos suprem as incertezas ou certezas dos prognósticos.

·         Sobre as atuações do TSE no combate a fake news nas eleições, o senhor acredita que eles estavam preparados para a onda de propagação de mentiras? Isso pode influenciar os resultados das eleições? A Folha de São Paulo do dia 18 publicou uma matéria sobre a fábrica de fake news montada pelo candidato Jair Bolsonaro, bancada por empresários, o que configura crime eleitoral. O senhor acredita que o TSE vai punir o candidato? E qual seria essa punição?

Como boa parte da máquina chamada Justiça, no Brasil a que se dedica às eleições é emperrada, burocrática, arrogante. Se nos cursos de Direito não existe formação para as ciências e as técnicas dignas de tal nome, juízes e promotores também estão despreparados para a tecnosfera (o termo é do grande etnólogo André Leroi- Gourhan) e para seus desafios. Eles no máximo se acostumaram a fiscalizar e punir o que se passa no rádio, na televisão, na imprensa tradicional. São impotentes para regular o funcionamento da internet com todos os seus instrumentos de comunicação rápida e monstruosa em termos numéricos. Alías, a própria Justiça Eleitoral é uma instituição sui generis, pois praticamente inexiste no mundo. Feita a denúncia de um fato, os juízes não têm técnica (e técnicos) para punir o delito ou crime. Resulta que a própria instituição perde a confiança do povo, base essencial de toda democracia e república.

·         Como será a governabilidade do novo presidente? Se Bolsonaro for eleito, a esquerda vai pressionar para que ele não fique no poder. Se vencer Haddad os bolsonaristas não vão aceitar a decisão das urnas. Como o senhor analisa o pós eleição e a governabilidade de cada candidato.
A eleição não é um milagre divino que resolve os problemas de uma sociedade. Tensões surgirão, sempre mais fortes, com lutas entre setores antagônicos. Precisamos tudo fazer para que tais conflitos não se transformem em algo mais sério. Lutas sem diálogo podem seguir para massacres e ódios que impedem o convívio cidadãos e permitem a quebra da autoridade. Se chegarmos a tal ponto, decisões de força, como a ocorrida no Estado Novo e em 1964 podem ser previstas. Cabe às lideranças e aos cidadãos responsáveis exemplificar com o respeito democrático aos outros. Num país civilizado, após as eleições, todos voltam a partilhar a pátria comum, da qual ninguém tem a propriedade exclusiva. 
·         Se esse quadro se mostrar desfavorável ao novo presidente, o senhor acredita que poderemos sofrer um novo processo de impeachment?
 Tentativas de impeachment e golpes podem ocorrer. Mas o mais salutar, para o país e para os seus habitantes é o convívio democrático com a diferença.
·         Se sim, a economia já fragilizada devido a crise econômica e política suportaria  mais esse desgaste?
A crise econômica não é brasileira apenas, mas planetária. Ela é concomitante a outras crises gravíssimas. Sem a união de todos os brasileiros, nenhuma daqueles crises mortais poderá ser vencida.