PROF. ROBERTO ROMANO/Unicamp
Quando falamos em representações orgânicas ou mecânicas, não dizemos de
imediato que se trata de uma nota única e unívoca do pensamento. É possível que
um conjunto discursivo assuma características de um ou de outro paradigma,
chegando mesmo a inverter a sua hierarquia (o mecânico posto como o grau mais
baixo na ordem dos valores e da existência, ou no mais alto e de modo inverso).
Um autor pode usar figuras e enunciados de ambos os paradigmas, sem deixar de
ser unido ao pensamento que mais valoriza o racional ou que mais leva em conta
o volitivo ou emocional.
Carl Schmitt movimenta o paradigma orgânico da
existência e do mundo jurídico, mas nem por isso ele deixa de criticar alguns
elementos do pensamento romântico. Antes de Catolicismo Político,
seu trabalho mais notável no campo especulativo chama-se justamente Romantismo
Político, onde ele ataca a ironia romântica, a perene relativização do
mundo em favor do Ego absoluto, como diz Hegel, do "absoluto em
négligé" ou, na fórmula das Lições sobre a Estética : "o
verdadeiro conteúdo do romântico é a interioridade absoluta, enquanto a forma
correspondente é a subjetividade espiritual na medida em que ela colhe a
própria autonomia e liberdade. Este em si infinito e em si e para si universal
são a negatividade absoluta de todo particular, a simples unidade consigo, a
qual absorve toda exterioridade recíproca, todos os processos da natureza com
as suas fases de nascimento, morte e ressurreição, toda limitação da existência
espiritual". (1)
Esse juízo é retomado por Hegel nas Lições
sobre a História da Filosofia, especialmente quando discute figuras
nucleares do romantismo conservador, como é o caso de Novalis. "A
subjetividade" adianta Hegel ao falar do poeta especulador, "se
estabelece na falta de algo fixo, mas como impulso (Trieb) naquele rumo,
conservando assim a marca da nostalgia (Sehnsucht). Esta nostalgia,
próprio de uma bela alma (einer schönen Seele) surge nas obras de
Novalis. Esta subjetividade permanece nostálgica, não entra no que é
substancial, se esfumaça dentro de si mesma e se apega a este ponto de vista,
rodeando a si mesma. É uma rede que tece a si mesma, para si mesma; é a vida
interna e o falatório sobre toda a verdade. A extravagância da subjetividade se
torna com frequência em loucura (Verrücktheit); quando se percebe joga
no pensamento, se percebe raptada por um torvelinho (Wirbel) do
entendimento que reflete, sempre negativo em relação a si mesmo". (2)
O desarrazoado romântico se aproxima do
desarrazoado germânico. Desde o texto sobre a Constituição da Alemanha,
Hegel dignostica a perda de um centro poderoso que poderia dar um sentido
efetivo às vidas particulares, às subjetividades alemãs. A Alemanha, cindida de
alto a baixo, enfrenta três problemas objetivos: um espaço territorial em
estilhaços com múltiplos principados onde predomina a Kleinstaatarei e
no plano econômico multiplicidade de moedas, impostos aduaneiros,
atividades produtivas não coordenadas, sendo marcantes as diferenças entre a
Prússia agrícola dos Junkers e a Renânia industrializada. E as diferenças
religiosas: além das seitas e igrejas protestantes, os católicos continuam na
defesa da supremacia do Sumo Pontífice sobre as consciências. Os choques das
várias confissões aumentam com a querela dos casamentos mistos, a disputa sobre
os bens eclesiásticos, etc.
No plano jurídico institucional a Alemanha também
estava dividida. É a esse ponto que Hegel mais se refere em A
Constituição da Alemanha. Haveria uma correspondência entre a perda do
sentido do universal e os estilhaços a que estava reduzida a vida política.
"Na Alemanha", diz Hegel, "o poder do universal, fonte de todo
direito, desapareceu, fragmentou-se, passou ao estágio do particular".
Assim, adianta ele, "os poderes legislativo, judiciário, religioso,
militar, são misturados, divididos e reunidos de modo desordeiro e desigual,
com a mesma diversidade que a apropriação privada das pessoas". Ora, o
Estado exige um centro comum cujos dirigentes têm o poder indispensável de
afirmar decisões, mantendo os diferentes elementos sob sua
dependência".(3)
A crítica ao romantismo, em Hegel, ataca o
palavrório, como vimos acima, e a supremacia da subjetividade, que ajuda a
dissolver os laços que fortalecem o Estado. Já Kant indicara que na forma
estatal moderna é permitido ao funcionário o exercício do Räsonnieren (o
pequeno uso da razão privada) desde que não se dissolva a obediência às leis e
ordenamentos do soberano. (4) Hegel desde cedo combate o apego ao
particularismo e ao sentimento. No âmbito romântico, afirma ele quando discute
Schleiermacher, "tudo é cifrado pela subjetividade particular" (5)
Schleiermacher e os românticos fornecem boas razões para a crítica hegeliana.
Nos Monólogos, texto manifesto do hermenêuta, é afirmado alto e
bom som que "só encontro a mim mesmo no ato interior; no exterior, só
encontro o mundo" físico, espacializado. Como o tempo e o conceito foram
banidos da interioridade, o referido "mundo" é dito "uma
lentidão preguiçosa", ou "movimento sem força". (6)
Na mesma ordem de Hegel, Schmitt recusa o culto do
Ego e a falta de seriedade moral dos românticos alemães. Ele acusa o sestro dos
que se limitam ao "interessante", ocasião ao exercício da fantasia.
Deste modo, os românticos, no entender de Schmitt, não pensam a política e
jamais chegam a uma decisão (a decisão, no texto hegeliano Die Verfassung
Deutschlands é o núcleo de todo Estado). Eles sempre fogem da
contradição política (e demais contradições) quando procuram um "terceiro
mais elevado" do que os oponentes em choque. Esse terceiro elemento não
brota do choque mortal entre tese e antítese, cujo movimento de dissolução
resulta numa síntese. Como ele não reside no Ego nem no mundo, é apenas e tão
somente um ideal, anelo, nostalgia. O romantismo nega a causalidade que marca
os embates políticos. Muitos dos românticos atacados por Schmitt eram
conservadores convertidos ao catolicismo no fim de suas vidas. (7) O seu
embasamento paradigmático é o organicismo que enxerga no Estado e na sociedade
grandes corpos. Segundo Schmitt, tais visões eram recusáveis, bem como a de
seus contemporâneos como Othmar Spann, no delírio de retomar os estamentos
medievais, numa sociedade orgânica. Segundo o jurista, não apegado ao
sentimento e ao culto da interioridade, as revoluções européias e as guerras a
elas ligadas dizimaram a pretensão de legimitidade baseada no pretérito
medieval, mesmo que idealizado.
O romantismo foi caracterizado, na vertente
conservadora, como doutrina aristocratizante. A própria noção de genialidade
traria as marcas do privilégio espiritual do indivíduo dotado dos poderes
poéticos da fantasia. Mas o termo "romântico" não é unívoco e se
aplica também aos setores democráticos europeus e germânicos. Assim, pode-se
caracterizar Heine, Marx, Bruno Bauer, Feuerbach e outros como presos às formas
liberais de visão jurídica e social. Este último romantismo se torna o alvo
predileto de crítica, em Schmitt. Romântico e liberal se recobrem em seu texto,
especialmente pela exaltação da individualidade e pela mania de adiar decisões,
com recurso a uma longa discussão (Räsonnieren, ou em termos mais
brutais, Geschwätz, parolagem desprovida de sentido). O esteticismo em
política também é condenado por Schmitt, o que foi elogiado em tempo certo por
um escritor que também se preocupava com o político, em fronteira diversa ao do
jurista, György Lukács, que elogiou bastante o Romantismo Político. (8)
É na recusa da subjetividade informe e na crítica
do liberalismo que se perderia em eterno palavrório, que Schmitt empreende a
redação de A ditadura, forma de decisão política inexorável,
remédio para a fragmentação do Estado e da sociedade, já presente em Catolicismo
Romano e Forma Política.
O que busca Schmitt na Igreja Católica? Não
exatamente o que nela procuravam os românticos como Novalis, que enxergavam na
sua estrutura um modelo (Muster) de sociedade medieval a ser restaurado.
Schmitt não tenta retroagir ao pretérito, mas está premido pelas tensões
políticas e pela fragmentação do Estado na Alemanha, fragmentação causada tanto
pelos conservadores quanto pelos revolucionários socialistas e anarquistas. A
causa da reiteração perene dos conflitos encontra-se no presente, com um
ideário de burgueses e trabalhadores que enfatizam o peso do econômico sobre o
político, neutralizando a ação do Estado. Schmitt encontra no catolicismo uma
espécie de matriz para a estabilidade jurídica e para a obediência política.
A escrita de Schmitt busca compreender a política,
tanto em sua natureza quando na sua significação. É o que ele indica como
"o político". Após grande número de textos, porque ler hoje em dia O
Catolicismo Romano e Forma Política, um ensaio de 1923 ? Desde logo,
precisamos nos referir novamente ao livro fundamental de Schmitt sobre as duas
pontas ideológicas, o liberalismo e o socialismo, que tecem a estrutura de A
Ditadura em 1921. Alí, diante do remédio amargo contra o poder
ordinário do Estado moderno, a ditadura, ele estuda as mais variadas formas
daquela função, da Idade Média a Maquiavel, deste aos jacobinos parlamentares
francêses e ao pensamento de Lenine sobre a ditadura do proletariado. No
interior da estrutura argumentativa de A Ditadura está uma
análise arguta do poder pontifício, que acompanha a instauração da moderna
Igreja, onde os poderes mais baixos da Ecclesia foram despossuídos de
seu direito à propriedade dos meios de salvação e de governo do organismo
salvífico. Schmitt aproveita a explicação de Max Weber sobre o nascimento e
reforço do poder central, na Igreja, em privilégio da Santa Sé e do Papa e em
detrimento dos bispos, abades, nobreza dona de igrejas e conventos. Trata-se da
famosa noção de Trennung entre o indivíduo que exerce um cargo e os
próprios meios daquele cargo. Como sabemos, Weber retira a noção de Marx, onde
o operário e os meios de trabalho são separados pelo nascente capitalista.
Assim como o operário é despossuído dos meios de trabalho (da terra aos
utensílios, máquinas, etc), assim também, pensa Weber, o funcionário é
despossuído da posse dos meios de administração (e na Igreja, administração e
salvação). Ao analisar a prática do legado papal, Schmitt mostra o que, para
ele, significa representação. o legado do papa é uma pessoa que representa o
Sumo Pontífice, como se fosse realmente uma encarnação do Sumo Sacerdote.
Assim, quando é feita uma visita do legado à uma diocese, não importa se o
legado é um simples padre, ou frade, e o visitado é um cardeal ou arcebispo. O
legado representa o poder do Papa, sem contestação. Só esta pequena lembrança
faz recordar o peso de A Ditadura sobre o escrito intitulado Catolicismo
Romano e Forma Política, e vice-versa.
Segundo Ulmen a pressuposição de Schmitt, no Catolicismo
Romano, é que os Estados soberanos, cuja origem residiria nos séculos
16 e 17, e nos quais temos as bases do ius publicum Europaeum, com uma
lei internacional europocêntrica (este lado será desenvolvido, e muito, em O
nomos da Terra, que também examinaremos) começam a declinar no fim do
século 19.
Tal forma de Estado seria um dos principais agentes
da secularização e do racionalismo. Aqui, podemos resumir uma longa e tortuosa
história, que joga suas raízes nas emboscadas de Felipe o Belo contra o Papa,
sendo seguido por outros monarcas como Henrique I, da Inglaterra. A luta
anterior pela soberania legítima, no fim da Idade Média, teve como emblema os
dois sinais do poder. Tanto o rei quanto o papa disputaram as almas e os
corpos, exigiram a espada para a sua soberania que, por sua vez, recebeu o nome
jurídico de plenitudo potestatis, superlativa auctoritas, plenaria potestas,
summa potestas, etc. Com a premissa de que a sociedade seria inteiramente
cristã — a Respublica christiana — o coletivo resumia-se à comunhão
religiosa, em especial nos cargos dirigentes. Como os reis cristãos tinham
dignidade eclesiástica, sobretudo após instaurada a sagração dos reis franceses
em 751 por Pepino o Breve — cerimônia que se espalhou pela Europa — eles
deveriam seguir as ordens do papa. A sagração deixava bem clara esta
dependência do rei ao pontífice nas próprias roupas que ele envergava
cerimonialmente: a túnica do subdiácono, a dalmática do diácono e a casula do
presbítero. O rei estava na Igreja, mas não era superior ao Corpus
mysticum. Ele recebia um anel semelhante ao episcopal, mas isto não significava
que seu elo com a Ecclesia era semelhante ao do bispo e do papa. Estes últimos,
na ordenação, tornavam-se esposos da comunidade, o que explica a fórmula
segundo a qual “o bispo está na Igreja e a Igreja está no bispo”.
Grandes pensadores na Idade Média e começo da Moderna, no entanto, apontavam a plenitudo potestatis em proveito do poder laico. Como em Guilherme de Ockham: para ele o Estado é legítimo quando aceito pelos cidadãos. A Igreja é infalível em matéria de fé, constituindo a multidão dos fiéis que se retoma do Antigo Testamento aos últimos tempos. Cabe ao príncipe leigo reprimir fisicamente a heresia e defender a Igreja. Mas ele nega os plenos poderes do pontífice nas duas ordens, secular e religiosa. Já Cristo disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Grandes pensadores na Idade Média e começo da Moderna, no entanto, apontavam a plenitudo potestatis em proveito do poder laico. Como em Guilherme de Ockham: para ele o Estado é legítimo quando aceito pelos cidadãos. A Igreja é infalível em matéria de fé, constituindo a multidão dos fiéis que se retoma do Antigo Testamento aos últimos tempos. Cabe ao príncipe leigo reprimir fisicamente a heresia e defender a Igreja. Mas ele nega os plenos poderes do pontífice nas duas ordens, secular e religiosa. Já Cristo disse: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Precisamos analisar o conceito de representação na
tradição católica. Durante certo tempo o termo "repraesentare"
significou "tornar presente" literalmente, como "pagar em
dinheiro" ou conduzir um novo Papa diante da multidão que o espera. (9)
Para que alguém seja representado, é preciso que esteja presente de certo modo,
no ou através de um intermediário.(10) Como diz Franco Todescan ao comentar
Guilherme de Ockham, "Não obstante as múltiplas oscilações dos juristas e
teólogos no uso do termo ´repraesentare´ (entre um significado genericamente
alegórico de figuração simbólico-profética, e outro mais rigorosamente
técnico-jurídico, de relação vicária entre mandatário e mandante, entre tutor e
e pupilo) se poderia justificar a identificação entre o Concilio Geral e Igreja
universal e a consequente superioridade do Concilio sobre o Papa". (11)
O pressuposto para a aplicação ao concílio da idéia
de representação no sentido jurídico é a idéia da Igreja como corpo,
congregatio fidelium. Esta congregatio contem em si mesma todos os direitos, de
modo originário. Tal enunciado só pode surgir com a leitura de Aristóteles
feita a partir do século 13. Soberania do povo e representação surgem pela
primeira vez com João Quidort, quando se discutia a destituição do papa pelo
concilio. Assim, a reunião dos bispos agiria loco totius populi (em
lugar do povo). Mas não só em defesa do concilio contra o papa é usado o
conceito de representação. O conceito, no entanto, serviu bastante para os
adversários do Sumo Pontífice. É o caso de Marsilio de Pádua. Para ele, a
representação perde o sentido antigo e passa a significar delegação do povo
soberano, sendo o Concilio não mais um encontro de chefes da Igreja, os bispos,
mas dos representantes do povo, os padres e leigos.
Assim, os defensores do concilio usam a idéia de
representação para subordinar o papa ao concilio, pois este último
"representa" o consenso eclesial de maneira mais unívoca do que o
papa. O cardeal Ratzinger, hoje Bento 16, contra a idéia democrática da Igreja
e do concilio diz que um concilio, antes de ser a representação da Igreja é a
"assembléia dos que têm cargo de direção. Na ordem concreta da Igreja, são
evidentemente os bispos". (12) Nota-se a conotação vertical da idéia de
"representação", bem oposta ao seu significado horizontal, com os
conciliaristas e os que entendem a Igreja e o Estado em sentido democrático.
Não predominando na vida eclesiástica a tese
conciliarista de representação, torna-se hegemônica a outra, que concede ao
Papa supremacia sobre o corpo eclesial e sobre os Concilios. A representação,
assim, passa pelo enunciado segundo o qual "im omni ierarchia in qua
praesidens et gubernatur tribuit alteri potestatem ac iurisdictionem, est
superior illo cui atribuitur potestas" ( Em toda hierarquia na qual o que
preside e governa atribui aos outros poder e jurisdição, é superior ao que se
atribui o poder). (13) Assim, segundo o jurista e teólogo Tubeta, o Papa successorem
Petri gerentem vices eius cum plenitudine potestatis, usufrui de suprema
auctoritas e da potestas praesidentiae sobre toda a Igreja.
Não foi essa a via assumida pelos seguidores dos
poderes civis. A Igreja, no seu entender, é apenas a universitas fidelium não
implicando poderes temporais para o papa. Com as reivindicações de soberania
espiritual do rei acentuou-se a imagem de seu casamento com o Estado, inter
principem et rempublicam matrimonium morale et spirituale contrahitur et
politicum, no dizer de Lucca de Penna. Tal enlace mimetiza o “matrimônio” do
bispo com a Igreja, o que faz Lucca de Penna insinuar, citando Sêneca, que no
rei respira a alma da res publica (14) enquanto esta última é o seu corpo (15)
Temos a gênese do Estado enquanto corpo místico do
rei. Este último não se integra mais na Igreja, sob o papa, mas é a Igreja que
a ele seria subordinada. O soberano laico tem o direito de ostentar o báculo
porque o uso exclusivo e legítimo da espada ele o conquistara, contra o papa.
Ainda em termos religiosos, nota-se a ambição de que o rei seja um com a
Igreja, um com o Estado. O signo da plenitudo potestatis é a espada. Na Contra-Reforma
a polêmica antihobbesiana foi bem executada por Roberto Bellarmino e não é sem
motivos que Hobbes estabelece com aquele cardeal uma guerra cuidadosa e
virulenta. Com Hobbes, o corpo místico eclesiástico é atacado porque deve
submeter-se ao corpo da república, cujo soberano detém as duas “espadas”, a
espiritual e a material.
A figura do Leviatã ameaça o imaginário
teológico-político e defende o predomínio da laicidade sobre a hierarquia
religiosa. Esta revolução no pensamento tenta apagar antigas doutrinas
católicas. Devemos retomar o pensamento católico medieval para compreender em
maiores detalhes o nosso tema. Em Tomás de Aquino o universo desce do Senhor,
atravessa os arcanjos e anjos, chega aos sacerdotes e passa aos leigos
poderosos para atingir os leigos comuns, o que define a espinha dorsal do
catolicismo político. Essa é a doutrina neoplatônica haurida em Dionísio, o
Pseudo-Areopagita. (16) Deus encontra-se além dos sentidos e apenas por
intermediários entre Ele e nós recebemos as suas bênçãos. A hierarquia
encontra-se no próprio ser.
Segundo Paul Tillich, em Dionísio o “sistema
sagrado possui graus referidos ao saber e à eficácia (…). Isto caracteriza o
pensamento católico em grande extensão; ele não é apenas ontológico, mas também
epistemológico; existem graus no ser e no conhecimento”. Há uma via para cima e
para baixo da escala e cada ente encontra-se num lugar certo e fixo. Deus está
além dos nomes que a teologia lhe atribui, além do espírito, além do Bem, numa
“indizível obscuridade”. Dada esta transcendência absoluta, a hierarquia
celeste é a emanação de sua luz. Quanto mais próxima d’Ele, mais a entidade é
luminosa. quanto mais distante, mais escura. Note-se que reside nesta doutrina
a tese de Inocêncio III sobre o Papa. Este, na Bula Unam Sanctam, tem as duas
espadas, uma temporal e outra espiritual. "E quem nega que a espada
temporal pertence a Pedro, interpretou de maneira errada as palavras do Senhor,
quando Ele disse: ´coloca a tua espada na baínha´. Assim, as duas estão em
poder da Igrejam a espiritual e a material; uma deve ser empunhada em prol da
Igreja, a outra pela Igreja; a segunda pelo clero, a primeira pelas mãos do rei
ou dos cavaleiros, mas segundo o comando e a condescendência do clero, porque é
necessário que uma espada dependa da outra e que a autoridade temporal seja
submetida à espiritual. (...) Pois segundo Santo Dionisio é lei divina que o
inferior seja reconduzido por meio do superior. Portanto as coisas não são
reconduzidas à sua ordem imediatamente, segundo a lei do universo, mas as
ínfimas pelas intermédias e as inferiores pelas superiores. Mas é necessário
que afirmemos claramente que o poder espiritual é superior a todo poder terreno
em dignidade e nobreza, como as coisas espirituais são superiores à
temporais". (17) Em outro documento, o Sicut universitatis conditor
(1198), Inocêncio III proclama que “O Criador do universo estabeleceu duas
grandes luzes no firmamento dos céus; a maior para iluminar o dia, a menor para
dirigir a noite. Ele fez o mesmo para o firmamento da Igreja Universal, da qual
falamos como se fosse um céu, e definiu duas grandes dignidades; a maior para
proteger e governar as almas (estas são os dias), a menor para proteger e
governar os corpos (as noites). Tais dignidades são a autoridade pontifical e o
poder real. A lua retira sua luz do sol, sendo inferior a ele em tamanho e
qualidade, em posição bem como em eficácia. O poder real deriva sua dignidade
da autoridade pontifícia: e quanto mais ele escapa da esfera daquela
autoridade, menos luz o adorna; quanto mais dela se aproxima, mais aumenta seu
esplendor” (18) Os homens não podem perceber imediatamente a luz divina, porque
ela os cega. Os intermediários angélicos são o caminho para o fulgor Eterno. É
impossível quebrar a escala hierárquica dos anjos aos homens. ( 19)
Agostinho apresentou a sua fórmula: non essent
omnia, si essent aequalia (se todas as coisas fossem iguais, nada seriam).
Cada coisa ocupa um lugar na escada dos seres, da mais humilde à excelsa. Da
hierarquia celeste, segue-se a terrestre e política. Aquino endossa os escritos
de Dionísio: “um soldado está sujeito ao seu rei e ao seu chefe de exército; em
sua vontade ele pode buscar o bem de seu chefe, e não o de seu rei, ou o
contrário. Mas se o chefe recusa a ordem do rei, a vontade do soldado será boa
se recusar a vontade do chefe em favor da real; ela será ao contrário má, se
obedece a do chefe contra a do rei, pois a ordem de um princípio inferior
depende da ordem do princípio superior.”
O universo, dos anjos aos governantes, obedece a
hierarquia. “A bondade da criação não seria perfeita sem uma hierarquia dos
bens segundo a qual alguns seres são melhores que os demais; sem isto todos os
graus do bem não seriam realizados e nenhuma criatura seria semelhante a Deus
por sua preeminência sobre as outras. Assim a bondade última dos seres
desapareceria com a ordem feita de distinção e disparidade; bem mais a
supressão da desigualdade dos seres arrastaria a supressão de sua
multiplicidade: um é o efeito melhor do que o outro pelas próprias diferenças
que distinguem os seres uns dos outros, como o vivente e o inanimado e o
racional do não racional”. A escala continua na soberania política: “a
perfeição para todo governo é prover os seus súditos no que diz respeito à sua
natureza, tal é a noção mesma de justiça nos governos. Do mesmo modo, pois, que
para um chefe da cidade, opor-se — se não for apenas de maneira momentânea em
função de certa necessidade — a que os súditos cumpram sua tarefa, seria
contrário ao sentido de um governo humano, do mesmo modo a sua natureza seria oposta
ao sentido do governo divino.”
O neo-platonismo de Dionísio Areopagita indica a
realidade como hierarquia de entidades e formas, todas organizadas sob e
subordina a uma última unidade. Esta forma de pensar encontra-se em Aquino e em
outros pensadores da Igreja, como é o caso de Egidio de Roma, no tratado De
potestate ecclesiastica (1.4, páginas 18-19). A idéia de representação na Idade
Média tem sido analisada em trabalhos que indicam ter ela nascida no interior
da Igreja, em união com os conceitos de plenos poderes dados por consentimento
e de corporação. (20) A representação eclesiástica medieval não era, como em
nossos tempos, uma delegação , mas de personificação : o dirigente, rei ou papa
incorpora em sua pessoa o grupo que ele representa. Ao conduzir os assuntos da
Igreja ou do Reino à distância, criando uma justiça uniforme controlada do
centro poderoso, por uma autoridade, tal é o aspecto essencial da
representação. (21) A representação, assim, é interpessoal, mas não supõe
delegação de poderes. O papa e o rei tinham poder de cima, não de baixo, ou
melhor, de praecipua pars.
Enquanto o Estado manteve o monopólio do político
—enquanto era notável a distinção entre Estado e Sociedade— , a fórmula que
enuncia ser o Estado igual à política era efetiva. Quando o Estado e a
Sociedade começaram a se misturar, o que se deu por volta de 1848 e atingiu seu
apice na revolução de 1918, a equação passou a ser falsa. Não se trata de saber
qual forma política poderia substituir o Estado, e qual nomos ou ordem poderia
ser estabelecida. A pergunta é a seguinte: como entender a política neste
contexto histórico novo.
Schmitt assevera que "todos os conceitos
significativos da moderna teoria do Estado são conceitos teológicos
secularizados". (22) É bom recordar que a sequência do enunciado, que diz
ser o estado de exceção o análogo do milagre na teologia política, tem sua
origem no Discurso sobre a Ditadura, de Juan Donoso Cortés. (23)
A passagem do teológico ao político ocorre no
processo de secularização. É preciso compreender o enunciado significa. O
evento moderno que marca o processo de "secularização" ocorre em
1789. No mesmo tempo em que a sociedade hierarquizada em "estados"
(Ständgesellschaft) do Antigo Regime cai por terra, cai o seu outro
complementar, a Igreja feudal e a Igreja de Estado (galicana). O Estado
absolutista desejou integrar a Igreja no Estado, como entidade cooperativa. O
Estado constitucional liberal pós-revolucionário exige o contrário, em nome da
garantia da liberdade individual e uma integração auto-reguladora dos grupos
sociais na sociedade para conseguir as relações capitalistas, eliminando
antigas estruturas sociais que entravariam aqueles elos.
Para tal fim era preciso deslocar a Igreja,
poderosa societas perfecta de direito próprio e concorrente do Estado na
integração social. Seria preciso reduzi-la ao estatuto de instituição privada,
neutralizando a ação dos sacerdotes e deles fazendo funcionários controláveis.
Nesta situação, algo inédito ocorreu: a Igreja, praticamente uma síntese de
todas as culturas do Mediterrâneo, estou quase parafraseando Nietzsche, não
conseguiu assimilar o liberalismo e o capitalismo. Em vez de seguir sua milenar
prática de assimilação do diverso cultural que a envolve, ela se crispou
centralizando sua potência burocrática. Tal centralização ocorre com o dogma da
infalibidade papal, instituído pelo Concílio Vaticano I (1869-70), convocado
por Pio 9º. O documento Pastor Aeternus, aprovado em 18 de julho de
1870, proclama a primazia do papa sobre toda a Igreja e define sua
infalibilidade na doutrina da fé. No mesmo passo, a Igreja tentou conduzir,
graças a representações românticas que entendiam restaurar um Estado e uma
sociedade não mais vigentes, uma pacificação social. A fórmula intermediária
entre a antiga estrutura feudal ou absolutista e a nova sociedade capitalista e
liberalizante, ela a achou no corporatismo.
O que se passa no Catolicismo Romano e Forma
Politica? Alí se defende a política contra análises como as de Marx
Weber, cuja ênfase maior em A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo é a razão econômica que brotaria da fé irracional, mas que
rotiniza e estereotipa o carisma em prática calculáveis e controláveis no
interior do tempo e do espaço. O encômio da política serve como antídoto ao pensamento
econômico e tecnológico, cujos pressupostos encontram-se no mecanismo do Estado
e sua neutralização nas resoluções dos conflitos sociais e jurídicos.
Schmitt indica na Igreja Católica algo que os
românticos queriam mas eram incapazes de obter, dada a sua imersão na
interioridade: a Igreja consegue ser o terceiro mais elevado nas contradições
ocorridas entre as partes sociais, políticas, econômicas. Ela é o chamado complexio
oppositorum e sua racionalidade jurídica seria superior à razão mecânica e
instrumental do liberalismo e do socialismo modernos. Na Igreja existe uma
teoria e uma prática da representação de uma idéia na qual o Papa representa o
Cristo. Uma representação, pensa Schmitt, deve ser necessariamente pessoal e
deve envolver crenças substantivas, ideiais e mitos. Representar, neste
sentido, é representar diante do povo, não para o povo. A representação vem do
Eterno para o tempo, de cima para baixo, e não como no pensamento liberal ou
socialista, do tempo para a idéia, do econômico para o político. (24)
O Catolicismo Romano e Forma Política
(25) põe a questão da idéia política do catolicismo, a sua forma. Desde o
início Schmitt constata a sua espantosa elasticidade da política eclesiástica,
tomada por oportunismo pelos seus adversários. Ela se alia a correntes e grupos
opostos, com muitas coalizões que testemunham contra uma suposta integridade da
instituição. Numa terra ela patrocina a reação contra revolucionária, e se
torna inimiga declarada de toda liberdade burguesa. Em outra, ela exige a mesma
liberdade, a exemplo da liberdade de ensino. (26) Segundo Schmitt, todas as
correntes e tendências são instrumentalizadas, desde que ajudem a encarnar as
formas eclesiásticas. A mesma experiência poderia ser encontrada no Império
Romano, um complexo de opostos de todas as culturas mediterrâneas, da Europa e
mesmo da Asia. Nele, todas as religiões, formas políticas, administrativas,
filosóficas eram aceitas, desde que reconhecessem a supremacia do direito e da
autoridade romana.
O mais particular na Igreja, entretanto, é que
parece não existir oposição que ela não englobe, a começar com a sua estrutura
mesma, que reúne elementos democráticos, aristocráticos e monárquicos
absolutistas. E nela, também, se harmonizam transcendência e imanência,
intransigência e tolerância, princípio masculino e feminino, paterno e materno,
natureza e espírito, natureza e razão, natureza e arte, etc. Citando Schmitt:
"Do ponto de vista da idéia política do catolicismo, a essência do
complexio oppositorum católico-romano reside numa superioridade especificamente
formal da vida humana sobre a matéria, tal que nenhum imperium não a conheceu
até hoje. Aqui foi bem sucedida uma forma substancial da realidade histórica e
social, que, apesar de seu caráter formal, subsiste na existência concreta,
cheia de vida e no entanto racional no mais elevado ponto. Esta particularidade
formal do catolicismo romano repousa sobre a aplicação estrita do princípio de
representação". A Igreja representa a civitas humana, manifesta a cada
instante o elo histórico entre a encarnação e o sacrifício da cruz, representa
o próprio Cristo, pessoalmente, o Deus que se tornou homem na realidade
histórica. É nesta forma representativa que está a sua superioridade sobre uma
época dominada pelo pensamento econômico". (27)
Carl Schmitt dá uma força particular ao último
enunciado: o racionalismo da Igreja "que capta moralmente a natureza
psicológica e sociológica do homem" tem, no seu entender, mais peso do que
o racionalismo da indústria e da técnica orientada para o domínio e uso da
matéria para fins produtivos e de consumo, que pensa e age segundo polaridades
(em especial a oposição entre economia e política) e que gostaria de usar a
Igreja enquanto "instituto higiênico para os sofrimentos da luta
concorrencial" ou como "polaridade espiritual ou ausência de
espírito" como negócio privado, como se compatível à propriedade privada.
O racionalismo da Igreja é fundado em plano institucional, sendo essencialmente jurídico. Nela o sacerdócio é um ministério, que se refere (por sua dissociação do carisma) por uma cadeia contínua à pessoa e à missão de Cristo, que, segundo Schmitt, é o mais espantoso complexio oppositorum. Erasmo de Rotterdam, católico, já falara do Cristo como a união mais espantosa dos opostos. Basta reler o Adágio Sileni Alcibiadis. Cristo é um Sileno mirífico: por fora era a impotência pura, os seus pais eram gente sem meios, os discípulos idem, mas sob a crosta abjeta, uma pérola rara, altitude vertiginosa, na extrema pobreza a máxima riqueza, na debilidade uma força incrível, na mais baixa ignomínia a glória excelsa, na morte precoce uma perene imortalidade. Obviamente, diz Erasmo, estava em poder do Cristo instalar certa monarquia e atingir a meta que os imperadores romanos perseguiram em vão, ter um cortejo mais numeroso do que o de Xerxes, uma riqueza maior do que a de Creso, impor silêncio aos filósofos. Mas quis assumir uma outra imagem. (28)
O racionalismo da Igreja é fundado em plano institucional, sendo essencialmente jurídico. Nela o sacerdócio é um ministério, que se refere (por sua dissociação do carisma) por uma cadeia contínua à pessoa e à missão de Cristo, que, segundo Schmitt, é o mais espantoso complexio oppositorum. Erasmo de Rotterdam, católico, já falara do Cristo como a união mais espantosa dos opostos. Basta reler o Adágio Sileni Alcibiadis. Cristo é um Sileno mirífico: por fora era a impotência pura, os seus pais eram gente sem meios, os discípulos idem, mas sob a crosta abjeta, uma pérola rara, altitude vertiginosa, na extrema pobreza a máxima riqueza, na debilidade uma força incrível, na mais baixa ignomínia a glória excelsa, na morte precoce uma perene imortalidade. Obviamente, diz Erasmo, estava em poder do Cristo instalar certa monarquia e atingir a meta que os imperadores romanos perseguiram em vão, ter um cortejo mais numeroso do que o de Xerxes, uma riqueza maior do que a de Creso, impor silêncio aos filósofos. Mas quis assumir uma outra imagem. (28)
A Igreja é uma representação concreta e pessoal de
uma personalidade concreta. Tanto no representante quanto no representado está
presente um princípio pessoal de autoridade pelo alto. É por tal motivo que ela
encarna uma ideia política, capaz de resolver as oposições que sequer são
percebidas pelo pensamento mecânico da indústria e da técnica. "Este mundo
da representação tem sua hierarquia de valores e de humanidade. É nele que vive
a ideia política, bem como sua energia para realizar as três formas principais:
1) a forma estética, isto é, a simbólica representativa que consiste na capacidade retórica, num discurso que não discute, não arrazoa (ao modo do Räsonnieren), que é pré e anti burguêsm um discurso cuja percussão vem da fé na representação reclamada pelo locutor
1) a forma estética, isto é, a simbólica representativa que consiste na capacidade retórica, num discurso que não discute, não arrazoa (ao modo do Räsonnieren), que é pré e anti burguêsm um discurso cuja percussão vem da fé na representação reclamada pelo locutor
2) a forma jurídica da societas perfecta, que torna
a Igreja que torna a Igreja capaz de negociar com o Estado como figura de
representação igual
3) A forma de potência histórica mundial que
representa o Cristo reinante, soberano, triunfante, e funda a força política do
catolicismo. Ela produz a eterna oposição entre justiça e a glória, a potênciam
que só pode ser adquirida no próprio Deus. Em seu imperialismo mundial, a
Igreja, se ela atinge seu fim, trará paz ao mundo.
Esses três pontos formais, no pensamento de
Schmitt, trazem uma importante compreensão do catolicismo, ou melhor, de sua
autocompreensão.
À crítica dos protestantes, endereçada aos
fundamentos da Igreja (ela seria um mecanismo, um aparato burocrático) responde
Schmitt que, na verdade, são os protestantes os genitores do mecanicismo em
política e sociedade.
Lutero ao mesmo tempo proclama o sacerdócio
universal dos fiéis, nega a divisão hierárquica ao modo de Dionisio o
pseudo-Areopagita e declara nulas as distinções entre clero e laicato.
"Lutero não poderia, nem fez, da Igreja uma ordem distinta, hierarquizada
e centralizada neste mundo, análoga a outros Estados, porque sua doutrina da
igreja tinha antes assumido uma forma fixada por sua teologia. A forma da
verdadeira Igreja, a invisível (ecclesia invisibilis) no Reino de Deus era o
igualitário sacerdócio dos crentes, governado apenas pelo Cristo". (29)
Lutero nega à Igreja toda autoridade mundana independente. Mas ele também nega
que o igualitarismo deveria ser a forma visível da Igreja (ecclesia
visibilis). O igualitarismo se atenua nos projetos de um ministério
estruturado, cujo destino é complexo e não segue em sentido único, sobretudo
não segue no plano de imitar a Igreja romana.
Lutero, portanto, proclama a invisibilidade da
Igreja. Esta não é mais um organismo externo dirigido por uma autoridade, mas comunidade
espiritual formada pelos crentes, só conhecidos pelo Cristo, a sua cabeça,
diretor e senhor. As funções eclesiásticas (pregação, sacramentos) não indicam
autoridade que permitam a quem os administra legislar em matéria religiosa e,
sobretudo em campo civil. "Quem nos mostrará a Igreja, dado que ela se
esconde no Espírito Santo, sendo simplesmente objeto de fé?" diz Lutero em
1522. Com a Guerra dos Camponeses, Lutero atenua a invisibilidade da Igreja.
Esta ainda é invisível, em grande parte, mas ele determina mais acentuadamente
alguns prismas visíveis de sua organização. Com o tempo, a visibilidade
eclesiástica se acentua, porque as igrejas passam a ser definidas pelos
Estados, deles dependendo estreitamente. Contra o Iluminismo, Lutero aumenta os
poderes eclesiásticos em favor da Igreja mãe, a de Wittenberg: pastores e
pregadores devem ser submetidos a exames doutrinários, segundo os padrões de
Wittenberg. (30) Mas na base teórica, é mantida a divisão entre o visível e o
invisível, os dois reinos, "o temporal, dirigido pela espada e visto com
os olhos, e o espiritual, governado pela graça e perdão dos pecados". (31)
A ambiguidade da eclesiologia luterana estourou no Terceiro Reich, quando os
crentes que aderiram ao nazismo lutam para que sinais visíveis da Igreja
(cultura comum, raça, etc) surgissem como elemento essencial. Também não entro
agora no debate, embora ele seja muito próximo ao problema apresentado por
Schmitt. (32)
No pensamento filosófico e político germânico a
distinção entre o visível e o invisível é seguida de maneira habitual. Em Kant
ocorre a separação entre os dois campos, o da Razão Teórica, campo dos
fenômenos (o que vem à luz) e a Razão Prática, determinada pela consciência
invisível. (33) No mundo da física não existem atos livres, nele impera a
necessidade; no da ordem livre rege a liberdade do sujeito. A religião não pode
ser algo externo, visível, imposto como necessária, sobretudo em se tratando da
autoridade. Resta, claro, o problema de como unir necessidade e liberdade. Tal
ponto é encaminhado por Kant na Critica da Faculdade de Julgar, o
que não é nosso tema agora. (34)
" A ideia sublime, nunca plenamente
alcançável, de uma comunidade ética mingua muito em mãos humanas, a saber, para
chegar a ser uma instituição que, capaz em todo o caso de representar somente a
forma daquela, está, no tocante aos meios de erigir semelhante todo, muito
restringida sob condições da natureza sensível do homem. Mas como pode
esperar-se que de um lenho tortuoso se talhe algo de plenamente recto?
Instituir um povo de Deus moral é, portanto, uma obra cuja execução não se pode
esperar dos homens, mas somente do próprio Deus. Contudo, não é permitido ao
homem estar inactivo quanto a este negócio e deixar que a Providência actue,
como se a cada qual fosse permitido perseguir somente o seu interesse moral
privado, deixando a uma sabedoria superior o todo do interesse do género humano
(segundo a sua determinação moral). Pelo contrário, há- de proceder como se
tudo dele dependesse, e só sob esta condição pode esperar que uma sabedoria
superior garantirá ao seu esforço bem intencionado a consumação.
O desejo de todos os bem-intencionados é que o
Reino de Deus venha, que se faça a sua vontade na Terra"; mas que devem
eles organizar para que isto lhes aconteça? Uma comunidade ética sob a
legislação moral divina é uma Igreja, que, na medida em que não é objeto algum
de experiência possível, se chama a Igreja invisível (uma mera ideia da união
de todos os homens retos sob o governo divino imediato, mas moral, do mundo,
tal como serve de arquétipo às que devem ser fundadas por homens). A visível é
a união efetiva dos homens num todo que concorda com aquele ideal. Na medida em
que toda a sociedade sob leis públicas traz consigo uma subordinação dos seus
membros (na relação dos que obedecem às suas leis com os que se atêm à
observância das mesmas), a multidão unida naquele todo (a Igreja) é a
congregação sob os seus superiores, que (chamados também mestres ou pastores de
almas) administram somente os negócios do seu chefe invisível e se chamam
conjuntamente, a este respeito, servidores da Igreja, do mesmo modo que na
comunidade política o chefe visível se denomina a si mesmo, de vez em quando, o
supremo servidor do Estado, embora não reconheça decerto acima de si nenhum
homem (em geral, nem sequer a própria totalidade do povo). A verdadeira Igreja
(visível) é aquela que representa o reino (moral) de Deus na Terra, tanto
quanto isso pode acontecer através dos homens. Os requisitos, por conseguinte,
as notas características, da verdadeira Igreja são os seguintes:
1. A universalidade, por conseguinte, a sua unidade
numérica; deve em si conter a disposição para tal, a saber, embora dividida em
opiniões contingentes e desunida, encontra-se, apesar de tudo, quanto ao fito
essencial, erigida sob princípios que devem necessariamente levá-la à universal
unificação numa única Igreja (portanto, nenhuma divisão em seitas
2. A característica (qualidade) de tal Igreja;
i.e., a pureza, a união sob nenhuns outros motivos a não ser os morais.
(Purificada da imbecilidade da superstição e da loucura do fanatismo.)
3. A relação sob o princípio da liberdade, tanto a
relação interna dos seus membros entre si como a externa da Igreja com o poder
político, ambas as coisas num Estado livre (por conseguinte, nem hierarquia,
nem iluminismo, uma espécie de democracia mediante inspirações particulares,
que podem ser diferentes de outras, segundo a cabeça de cada qual).
4. A modalidade de tal Igreja, a imutabilidade
quanto à sua constituição, com a reserva, porém, dos ordenamentos contingentes,
respeitantes só à administração da Igreja, as quais podem mudar segundo o tempo
e as circunstâncias, embora ela tenha para tal de conter já a priori em
si mesma (na ideia do seu fim) os princípios seguros. (Portanto, sob leis
originais, como que prescritas publicamente por um código, não sob símbolos
arbitrários que, por lhes faltar a autenticidade, são contingentes, expostos à
contradição e mutáveis). Por conseguinte, uma comunidade ética considerada como
Igreja, i.e., como simples representante de um Estado de Deus, não tem, em
rigor, nenhuma constituição análoga, quanto aos seus princípios, à constituição
política. Tal constituição não é nela nem monárquica (sob um Papa ou
Patriarca), nem aristocrática (sob Bispos e Prelados), nem democrática (como de
iluminados sectários). Quando muito, poderia ainda comparar-se a uma comunidade
doméstica (família) sob um pai moral comunitário, embora invisível, enquanto o
seu filho santo, que conhece a sua vontade e, ao mesmo tempo, está em parentesco
de sangue com todos os seus membros, ocupa o seu lugar de maneira a tornar
conhecida mais em pormenor a sua vontade àqueles que, por isso, nele honram o
pai e deste modo ingressam uns com os outros numa voluntária, universal e
duradoira união de coração". (35)
Como enuncia Alexis Philonenko, a obra de Kant significava "liberar o ético do jugo teológico, fazer a lei moral boa em si mesma e não suspensa ao arbítrio de um Deus onipotente". O mesmo Philonenko indica o sexto capítulo das Contribuições para Mudar o Juízo do Público sobre a Revolução Francesa, de Fichte, como resultado consequente de uma recusa persistente de uma igreja visível. (36) Para Fichte, Deus sendo imanente à consciência e formando o todo das consciências éticas uma cadeia, a ordem moral do mundo, a "Igreja, simplesmente considerada em si mesma, só tem força e direito num mundo invisível; no visível ela não possui força e direito" (37)
Como enuncia Alexis Philonenko, a obra de Kant significava "liberar o ético do jugo teológico, fazer a lei moral boa em si mesma e não suspensa ao arbítrio de um Deus onipotente". O mesmo Philonenko indica o sexto capítulo das Contribuições para Mudar o Juízo do Público sobre a Revolução Francesa, de Fichte, como resultado consequente de uma recusa persistente de uma igreja visível. (36) Para Fichte, Deus sendo imanente à consciência e formando o todo das consciências éticas uma cadeia, a ordem moral do mundo, a "Igreja, simplesmente considerada em si mesma, só tem força e direito num mundo invisível; no visível ela não possui força e direito" (37)
Um ponto relevante na atitude de Fichte, no
entanto, é essencial na cruzada de Schmitt em prol da Igreja visível, a
católica. Para o especulativo do século 19, seguidor radical de Kant, não
existe direito de propriedade para a Igreja, ou para os integrantes da Igreja
enquanto tais. Eles só podem exigir seus direitos neste mundo, não lhes sendo
facultado nenhuma posse de bens (e demais vantagens da vida civil) como
integrantes da comunhão eclesiástica. Se isto não bastasse para minar as bases
do pensamento católico e luterano (que Fichte acusa de falta de consequência em
relação ao seu princípio essencial, a invisibilidade da consciência) o filósofo
baseia toda a sua argumentação no contrato, algo inimaginável para a
eclesiologia de tipo dionisíaco. (38) Ampliando ao mundo religioso a base
contratual, Fichte aponta a inconsistência das reivindicações de poder visível
eclesiástico, pois quando um fiel contrata com a Igreja a sua salvação eterna,
o conteúdo do contrato está fora do tempo e do espaço, fora do mundo
fenomênico. Como diz um comentador, "um contrato de troca só é válido
quando ocorre no mundo dos fenômenos e se as duas partes cumprem sua promessa.
Ora, nesta vida, um contrato de troca de bens terrestres contra bens celestes
jamais tomba no mundo dos fenômenos. O possuidor dos bens terrestres executa
sem dúvida o contrato de seu lado; mas a detentora dos bens celestes não o
executa do seu.". (39)
O exemplo de Fichte é importante porque reúne os elementos combatidos por Carl
Schmitt na ordem liberal moderna: a privatização do político e do religioso, a
sua redução ao plano do mercado e do contrato, o que joga por terra toda e
qualquer ideia de representação hierarquizada e visível do mundo, figurada pela
Igreja Católica. Resta indicar, no sistema filosófico alemão do século 19, a
posição de Hegel. Até os anos de Francfurt (1797-1800) o jovem pensador assumiu
a tese kantiana sobre a Igreja. Em carta a Schelling ele afirmara que
"razão e liberdade são a nossa divisa, a Igreja invisível nosso ponto de
união". Neste momento, como para Kant, Cristo é no entender de Hegel
"um ideal da virtude". A fé no Cristo é um ideal personificado. (40)
Ainda em 1816 Hegel considera que "a função
central do protestantismo consistia na ´formação geral do Espírito´, onde
escolas e universidades seriam institutos ´religiosos´ do saber. As ´igrejas´ protestantes
seriam as escolas e as universidades e não a Igreja no sentido propriamente
católico do termo. Privilegia-se, assim, a atividade racional e não os atos de
fé, a submissão a determinados dogmas. A razão é elevada à posição de árbitro supremo
de todas as questões, inclusive religiosas, contando, para isto, com o apoio de
uma religião determinada. Ou seja, a função de ligar as pessoas entre si por um
credo determinado, função eminentemente religiosa, é também atribuída ao
trabalho da razão, à atividade propriamente filosófica".( 41)
Nas Lições sobre a Filosofia da História
temos uma análise ampla e completa de Hegel sobre a Igreja. O filósofo insiste
sobre o caráter externo das práticas e da estrutura eclesiástica antes da
Reforma. Hegel chega ao ponto de afirmar que na Igreja a imagem fez esvanecer a
adoração de Deus em espírito, afastando o próprio Cristo. (42) Na forma dos
sacramentos e na confissão, "a Igreja tomou o lugar da consciência; ela
guiou os indivíduos como crianças e lhes disse que o homem pode se liberar dos
tormentos merecidos, não modificando a si mesmos, mas por atos externos, opera
operata —atos não da boa vontade , mas executados por ordem dos servidores da
Igreja (...) Assim se produziu uma perfeita inversão de tudo o que é
reconhecido como bom e moral na Igreja cristã: são pedidas aos homens coisas
exteriores às quais se satisfaz de maneira totalmente exterior. A ausência
absoluta de liberdade foi, deste modo, introduzida no próprio princípio da
liberdade".
A divisão (Trennung) entre o ser humano e o
conhecimento do bem, algo reservado a uma casta de pessoas (a hierarquia) torna
o homem presa do externo (os tormentos infernais, etc). Esta separação liga-se
a uma outra, absoluta, a separação (Trennung) entre o princípio
espiritual e o temporal. Assim, a piedade só pode se dedicar ao exterior, à
história e sem história, pois "a história é o império do espírito presente
a si mesmo em sua liberdade subjetiva, como reino ético do Estado (als
sittliches Reich des Staates). Com a Reforma o princípio espiritual,
interior, assume a preponderância. "A doutrina de Lutero", diz Hegel,
"é simplesmente que o isto (das Dieses), a infinita subjetividade,
a verdadeira espiritualidade, Cristo, não é de nenhum modo presente no efetivo
exterior, mas que ele se adquire como espiritualidade, de maneira geral, apenas
na reconciliação (Versöhnung) com Deus, na fé e na comunhão. Estas duas
palavras dizem tudo. Não é a consciência de uma coisa sensível que seria Deus,
nem tão pouco uma coisa simplesmente representada (noch auch eines bloss
Vorgestellten), que não é nem efetiva (wirklich) nem presente, mas
de um efetivo (Wirklichen) não sensível. A exterioridade é assim
descartada, todos os dogmas são reconstruídos e toda a superstição na qual, em
consequência se desagregou a Igreja se esvaneceu". A doutrina luterana
diz, adianta Hegel, que o nascimento da Igreja vem apenas do Espirito Santo e
não depende de uma individualidade particular. Neste ponto, Lutero guarda algo
da Igreja Católica, mas sem a exterioridade desta última.
Sabendo o indivíduo agora que ele está cheio do
espírito divino, desaparece toda condição externa e não mais existe a diferença
entre padres e leigos. "O conteúdo da verdade não é mais detido
exclusivamente por uma casta". Deste modo, "o espírito da verdade
pode aparecer na vontade subjetiva, na ação particular da vontade; quando o
espírito livre subjetivo, em sua intensidade, se decide pela forma da
generalidade, pode aparecer o espírito objetivo. É neste sentido que precisamos
compreender que o Estado se fundamenta na religião. Estados e leis são apenas
fenômenos da religião nas condições da efetividade".
Com a Paz de Westfalia, arremata Hegel, a independencia da Igreja protestante foi reconhecida, para vergonha da Igreja Católica. Mas a mesma Paz de Westfalia fragmentou a Alemanha, definindo o mais perfeito particularismo e determinação, segundo o direito privado, de todas as relações. "É a anarquia constituída, como nunca antes tinha sido vista no mundo". (43) Importa sublinhar, agora, uma coincidência importante entre as teses hegelianas e as de Carl Schmitt.
Com a Paz de Westfalia, arremata Hegel, a independencia da Igreja protestante foi reconhecida, para vergonha da Igreja Católica. Mas a mesma Paz de Westfalia fragmentou a Alemanha, definindo o mais perfeito particularismo e determinação, segundo o direito privado, de todas as relações. "É a anarquia constituída, como nunca antes tinha sido vista no mundo". (43) Importa sublinhar, agora, uma coincidência importante entre as teses hegelianas e as de Carl Schmitt.
Primeiro, no relativo a um aspecto da crítica
Schmittiana ao romantismo, cuja intersecção com os argumentos hegelianos é
patente. O romantismo, para ambos, é o campo da subjetividade sem freios do
mundo objetivo e do Ideal que pode reconciliar as contradições, sobre as do Ego
e do campo social e político. A segunda coincidência, se pudermos usar a
expressão, vem no mesmo tom de crítica ao romantismo e ao seu elogio da
sensibilidade.
Segundo Hegel, a mulher, ser sensível por
excelência, é inepta e inapta para a política. Vejamos a tese passo a passo.
(44) Dos dois sexos, diz ele, "um é o elemento espiritual que divide a si
mesmo em independência pessoal para si, em saber e querer (Wissen und Wollen)
da livre universalidade, a consciência de si do pensamento conceptualizador e o
querer do alvo final objetivo. O outro sexo é o elemento espiritual que se
mantem na unidade como saber e querer do substancial, mas sob a forma da
individualidade concreta e do sentimento (Empfindungung). Em relação ao
exterior o primeiro é poderoso e ativo (Mächtige und Betätigende). O
segundo é passivo e subjetivo. É por tal motivo que o homem tem sua vida
substancial efetiva no Estado, na ciência e coisas similares, logo, na luta e
no trabalho (Kampfe und der Arbeit) que o colocam em choque com o mundo
externo e consigo mesmo (mit der Aussenwelt und mit sich selbst). É
apenas ao preço de uma tal separação (Entzweiung) e por seu combate (Kampf)
que ele pode conquistar a unidade verdadeira consigo mesmo. Na família, ao
contrário, ele tem o sentimento tranqüilo desta unidade com a vida ética
subjetiva, sob a forma do sentimento. Na família a mulher encontra seu destino
(Bestimmung) substancial, sendo a piedade que para ela constitui a
convicção (Gesinnung) da vida ética".
Hegel fornece, aqui, uma interpretação já dada por
ele na Fenomenologia do Espírito. Em sua exegese, a figura
feminina surge em Antígona (Sófocles) que, no seu entender, é a
"piedade apresentada na forma a mais sublime, a lei da mulher, a lei da
substancialidade subjetiva sensível, da interioridade que ainda não (noch
nicht) chegou à sua completa efetivação, a lei dos antigos deuses, dos
seres subterrâneos, a lei eterna da qual ninguém sabe de onde veio e que é
exposta (dargestellt) em oposição à lei revelada a todos, a lei do
Estado. Esta oposição (Gegensatz) ética suprema, que, por conseguinte, é
a oposição trágica no mais alto grau, a que se individualiza na oposição entre virilidade
e feminilidade. Cf. Fenomenologia do Espírito (trad. Hyppolite,
T. II, página 15 e seguintes)."(45)
Duas forças, a do sentimento, subjetiva e a do
entendimento somado à razão. A primeira tem como apanágio o feminino e a
segunda, o masculino. A tragédia Antígona é consequente, porque nenhum daquelas
duas forças cede à outra. Mas fica bem claro que a política é o elemento
masculino e público, aberto, a luz contra as trevas do sentimento. Se é verdade
que em Hegel a síntese das antíteses acima é o caminho da razão
("Sentido", diz ele, "é esta palavra maravilhosa que reúne o
sensível e o pensamento"), também é verdade que no seu sistema político a
mulher ocupa o lugar da casa, do intimo, do não público. A mulher é destinada,
essencialmente, ao casamento, e o homem tem, "fora da família, outros
domínios onde pode exercer sua atividade ética" (Filosofia do
Direito, §164, acréscimo).
E chegamos à divisão entre mulher e homem, no plano
mais profundo da estrutura espiritual e política. Esta última atividade,
definitivamente, não cabe à mulher. Vejamos a Adição ao § 166 : "Mulheres
podem muito bem ser cultas, mas não feitas para as ciências superiores, nem
para a filosofia ou para certas formas de arte, que exigem um universal.
Mulheres podem ter inspiração (Einfälle), gosto, elegância, mas não tem
o Ideal (Ideal). A diferença (Unterschied) entre homem e mulher é
a que existe entre animal e planta. O animal (Tier) corresponde ao
caráter masculino, a planta ao da mulher. Pois a mulher tem mais um desdobramento
tranqüilo, cujo princípio é a unidade indeterminada da sensibilidade. Se as
mulheres estiverem no topo do governo (Regierung), o Estado (Staat)
corre perigo, pois elas não agem segundo as exigências do universal, mas sob a
inclinação de opiniões contingentes. A educação (Bildung, também
formação) se faz não sabemos como (man weiss nicht wie) por impregnação
da atmosfera que difunde a representação (Vorstellung), ou seja, pelas
cirscunstâncias da vida e não por aquisição de conhecimentos (Kentnissen).
O homem se impõe pela conquista de seu pensamento e por numerosos esforços de
ordem técnica".
O pano de fundo, a crítica ao romantismo que exalta
a mulher e o feminino, é comum entre Schmitt e Hegel. Mas vejamos, antes a ideia
de Hegel sobre um elemento "feminino" por excelência, a opinião
pública. Mostrarei que a depreciação deste elemento segue pari passu em Hegel o
desprezo pela soberania popular. Antes, alguns considerandos estratégicos.
"Povo", como crise e política, é um
conjunto tenso e polissêmico de relações, interesses, vontades, saberes e
projetos. Ele não se resume a uma das facetas sociais, como foi o caso do
Terceiro Estado burguês ou do proletariado socialista. O povo constitui muitos
públicos com interesses contrários, contraditórios, convergentes. Faz-se mister
falar de "públicos de cidadãos, que se constituem para politizar um
problema específico e se desagregam para renascer em outras cenas e de modo
diferente, sobre um mesmo problema. Há, pois, descontinuidade dos públicos e heterogeneidade
de sua composição sociológica e política, segundo os diferentes problemas que
eles politizam".
O que nos leva ao ponto crucial, a partir dessa
heterogeneidade dos públicos. A própria definição do espaço público não pode
"se reduzir à definição da publicidade, ao simples jogo da liberdade de
expressão. Esta liberdade, com certeza, é o elemento preliminar do espaço
democrático, mas não é o seu horizonte.". Existem e existiram autores para
os quais a "opinião pública" é apenas um fantasma. Entre eles, W.
Lippman (46) Este caráter fantasmagórico viria, segundo ele, do seguinte fato:
a opinião dos cidadãos jamais atinge o estatuto de um verdadeiro juízo
político, pois ela apenas manifesta um ponto de vista privado e limitado sobre
a realidade social e política. Assim, diz o autor, a democracia não tem como
alvo garantir um espaço em que se desenvolve a opinião pública. Tal opinião, ao
contrário, é obstáculo a ser vencido. Assim, é preciso controlar a opinião por
meio de procedimentos governamentais que fabriquem o consentimento dos
cidadãos: "a fabricação dos consentimentos será o objeto de refinamentos
substanciais (...) graças aos meios de comunicação de massa", diz o mesmo
Lippmann em outro livro, agora o famoso Public opinion. (47)
A essa clara suspeita, hoje ainda mais dirigida
contra o sistema democrático, indicado por vários escritores, se acrescenta um
ódio contra a opinião pública. Tal idiossincrasia, diríamos, é velha como o
Ocidente. Em Platão ela foi sistematizada na tese de que a competência
científica ou técnica é tarefa que não pode, nem deve, ser obra de discussão,
debate, opiniões. No pensamento platônico, a epistême deve ser distinta,
absolutamente, da mera doxa. Tal ideário é encontrado ao longo da história e
tem como ápice o pensamento autoritário do século 19 e do século 20. Basta
recordarmos o refrão perene de Carl Schmitt e de seus discípulos atuais, de
esquerda ou direita, contra a democracia parlamentar, na qual muito se
debateria e pouco se decidiria (48).
E também é suficiente citar as ideias do jurista
autoritário sobre o controle da opinião pública e a fábrica de legitimidade a
ser conseguida para o poder. Citando Schmitt: "Atrás da fórmula do Estado
total se esconde este conhecimento exato: o Estado atual possui novos meios de
potência e possibilidades de uma intensidade extraordinária, do quais
pressentimos dificilmente a amplitude e os efeitos últimos, porque nosso
vocabulário e nossa imaginação ainda se enraízam no século 19". Assumindo
o Estado na era da técnica (o enunciado é de J.F. Kervégan) o jurista afirma
que no seu mister de formar a opinião pública, a imprensa estaria prestes a ser
destronada pelo audiovisual (rádio e cinema), percebidos como técnicas de
influenciar massas. A mídia não seria um espaço de liberdade de expressão, mas
de ameaça ao Estado, concorrente na sua tarefa de moldar o pensamento coletivo.
Assim, pensa Schmitt, o Estado efetivo deve responder à ameaça por um controle,
direto ou indireto) daquelas técnicas, interpretadas como instrumentos de
propaganda. "Não existe ainda", acrescenta Schmitt, "um Estado
tão liberal que não tenha reivindicado em seu proveito pelo menos uma censura
intensiva e um controle sobre filmes e imagens, e sobre o rádio. Nenhum Estado
pode permitir deixar a um adversário estes novos meios técnicos de dominação
das massas, sugestão das massas e formação da opinião pública". Estado
total, no sentido dado por Schmitt, será o que tem o controle dos meios de
comunicação. Assim, "os novos meios técnicos pertencem exclusivamente ao
Estado e servem para o aumento de sua potência". O Estado total,
acrescenta o autor, "não deixa surgir em seu interior forças inimigas que
o obstruem ou o desagregam. Ele não pensa deixar que seus inimigos disponham de
meios técnicos, deixando também sapar sua potência por um slogan qualquer como
Estado de direito, liberalismo ou um nome outro. Ele sabe distinguir entre
amigo e inimigo. Neste sentido ele é, como se diz, um Estado total. Sempre foi
assim e a novidade reside apenas nos meios técnicos, cuja importância política
deve ser levada em conta". (49)
Schmitt tem alguns mestres na arte ditatorial. Um
deles é Donoso Cortés. No Discurso sobre la dictadura (1849),
diz o espanhol que mais desce o nível da fé em Deus na sociedade, e mais o
poder precisa emprestar a onisciência divina, além da onipotência. Chega um dia
em que o governo diz: “temos um milhão de braços, mas não bastam. Precisamos
mais, precisamos de um milhão de olhos. E tiveram a polícia e com ela um milhão
de olhos. Apesar disto (...) o termômetro político e a repressão política
deviam subir, porque, apesar de tudo, o termômetro religioso baixava, e
subiram. Não bastou aos governos um milhão de braços, não lhes bastou um milhão
de olhos. Eles quiseram um milhão de ouvidos, e os tiveram com a centralização
administrativa, pela qual vieram parar no governo todas as reclamações e todas
as queixas. (...). Mas os governos disseram: não me bastam, para reprimir, um
milhão de braços; não me bastam, para reprimir, um milhão de olhos; não me bastam,
para reprimir, um milhão de ouvidos; precisamos mais, precisamos ter o
privilégio de nos encontrar ao mesmo tempo em todas as partes. E tiveram isto,
pois se inventou o telégrafo”. (50) Chegamos hoje à internet, aos meios
eletrônicos de busca e controle, além da espionagem dos próprios cidadãos, com
uma eficácia que recorda os procedimentos descritos na imaginação que gerou o
romance 1984. A razão de estado impulsiona a perda quase absoluta do espaço
individual pelas ações comandadas (seja em clima de guerra a países, seja na
luta contra o terrorismo) pelos governos poderosos, em detrimento das
liberdades e dos direitos humanos.
Tomemos Hegel nas Lições sobre a Filosofia do
Direito (§ 317 e seguintes). A opinião pública se efetiva na forma
primitiva do bom senso, ao qual não podemos aplicar o selo da racionalidade.
Nele existem todos os preconceitos (Vorurteilen). Na opinião pública, ao
lado de raciocínios com base em fatos reais, assistimos a contingência da
opinião, falta de conhecimento científico ou conhecimento falso, um modo de
enxergar as coisas ao contrário, juízos errôneos e inapeláveis. Assim, seriam
verdadeiras simultaneamente, diz Hegel, a frase "Vox populi, vox dei"
e o enunciado de Ariosto : "Que o vulgo ignorante a todo mundo repreenda,
e mais fale do que menos entenda" (Orlando Furioso, canto
28, estrofe 1). Erro e verdade moldariam a opinião pública.
Logo, escreve Hegel, ela "merece ser ao mesmo
tempo apreciada (geachtet) e desprezada (verachtet). A independência diante
dela é condição para que se faça algo importante, universal, tanto na ação
quanto na ciência. E segue-se o nosso problema: a liberdade de comunicação
pública (na imprensa e nos discursos, os dois meios conhecidos no século 19)
tem sua garantia, diz Hegel, em leis e ordenamentos que tanto antecipam quanto
punem os excessos. Mas a sua principal garantia é o fato de que ela é inócua,
desde que fundamentada numa constituição sábia e num governo estável e na
publicidade das Assembléias de representantes. Hegel ataca a tese de que a
liberdade de imprensa é permissão para publicar o que se deseja. Para ele, esta
reivindicação é própria de um pensamento grosseiro e inculto, mera
superficialidade.
O objeto da imprensa, ataca Hegel com a maior
dureza, é constituído do mais passageiro, mais particular, mais contingente na
opinião, a infinita diversidade de conteúdos e modos de expressão. É a arte de
caluniar por meias palavras e insinuações, o que dá à imprensa seu caráter
indeterminado de conteúdo e forma e impede as leis de cumprir seu papel
punitivo, visto o caráter altamente subjetivo dos personagens em jogo, em
especial o jornalista. Este último pratica, não raro, "ofensas à honra dos
indivíduos, a calúnia, a difamação, a falta de consideração para com o governo,
autoridades, e particularmente para com o príncipe, desvia as leis e incita o
povo à revolta".
A opinião pública, movida pela imprensa, é ao mesmo
tempo falsa e verdadeira, já as ciências "quando são de fato ciências, não
se situam no terreno das opiniões e formas subjetivas. Seu modo de exposição
não consiste na arte dos torneados, das alusões, das meias palavras, dos
subentendidos, mas numa expressão sem equívocos, precisa, sincera do
significado e do conteúdo. É por tal motivo que elas não entram na categoria da
opinião pública. (51)
O mesmo juízo negativo é dado por Hegel sobre a
soberania popular. No § 279, no adendo que o segue, o filósofo discorre sobre a
soberania do povo. Esta expressão, diz ele, pode ser empregada corretamente se
com ela entendermos que um povo é independente e constitui um Estado. Mas a
soberania pertence apenas ao Estado. "É opondo à soberania que existe no
monarca que se colocou a falar, em data recente, da soberania popular. Vista
nesta oposição, a soberania do povo integra os pensamentos confusos que têm por
base uma representação grosseira do povo. Sem o seu monarca e sem o organismo
que a ele se apega necessária e imediatamente, o povo é massa informe (formlose
Masse) que não é mais um Estado (...) se a república for entendida como
soberania popular e, de modo mais preciso, a democracia (...) não temos mais
lugar para esta representação". E Hegel remete ao § 273, onde ele critica
a república e exalta a monarquia constitucional.
Antes dessa observação negativa sobre a soberania popular, Hegel apresenta a sua ideia dos poderes e do seu nexo no interior do Estado. Ele ataca o desconhecimento do Estado pelos que repetem, de maneira irrefletida, a tese de Montesquieu sobre os três poderes. De fato, anui Hegel, "o princípio da separação dos poderes (Teilung der Gewalten) contem o elemento essencial da diferença, da real racionalidade (der realen Vernünftigkeit) ". Mas o entendimento abstrato (abstrakte Verstand) (52) entende aquela divisão como absoluta autonomia dos poderes (der absoluten Selbständigkeit der Gewalten) uns em relação aos demais e como limitação negativa recíproca. O medo de um poder diante de outro exigiria que o Estado fosse definido como balança, na qual funcionam os poderes como contrapesos (Gegengewichte) que fabricam um peso igual universal (Gleichgewicht), mas nunca uma unidade viva (eine lebendige Eiheit). (53) O Estado repõe o silogismo da Razão no qual a Idéia (Idee) e seus conceitos concretos se determinam abstratamente como momentos do universal, do particular, do singular. Mas o todo é o concreto.
Antes dessa observação negativa sobre a soberania popular, Hegel apresenta a sua ideia dos poderes e do seu nexo no interior do Estado. Ele ataca o desconhecimento do Estado pelos que repetem, de maneira irrefletida, a tese de Montesquieu sobre os três poderes. De fato, anui Hegel, "o princípio da separação dos poderes (Teilung der Gewalten) contem o elemento essencial da diferença, da real racionalidade (der realen Vernünftigkeit) ". Mas o entendimento abstrato (abstrakte Verstand) (52) entende aquela divisão como absoluta autonomia dos poderes (der absoluten Selbständigkeit der Gewalten) uns em relação aos demais e como limitação negativa recíproca. O medo de um poder diante de outro exigiria que o Estado fosse definido como balança, na qual funcionam os poderes como contrapesos (Gegengewichte) que fabricam um peso igual universal (Gleichgewicht), mas nunca uma unidade viva (eine lebendige Eiheit). (53) O Estado repõe o silogismo da Razão no qual a Idéia (Idee) e seus conceitos concretos se determinam abstratamente como momentos do universal, do particular, do singular. Mas o todo é o concreto.
Hegel define o Estado como "organismo, isto é,
desenvolvimento da Ideia segundo o processo de diferenciação de seus diversos
momentos". Com a Revolução Francesa o social se fragmentou porque se
radicalizou o princípio civil e político da igualdade. Para salvar o lado
orgânico estatal ele retoma a velha fábula do estomago e dos membros:"o
organismo é composto de tal natureza que se todas as partes não concordarem na
identidade, se uma só delas torna-se independente das outras, ocorre a ruína do
Todo". Assim, "é preciso venerar o Estado como um ser
divino-terrestre". Como todo corpo, o ser estatal possuiria certa
"irritabilidade" interior, marca do governo civil. O exterior dessa irritação
volta-se contra os demais corpos reunidos em Estado, é "o poder
militar". Na Filosofia do Direito encontram-se enunciados cujo fruto é
negar a igualdade e a liberdade dos indivíduos. Quem fala em igualdade ou
liberdade, sem o Todo, assume o "ponto de vista da populaça".
O Estado é pensado, pois, como
"desenvolvimento da Ideia segundo o processo de diferenciação de seus
diversos momentos". Esta tese indica que o racional difere do intelectual,
justamente porque no primeiro existem momentos que são sintetizados num Todo. O
Estado é fruto de uma miríade de ações, cujo resultado é Ação coletiva. Esta
ação (Tat) é unidade essencial, a "unidade do distinto, o
concreto". Esta é a trilha do desenvolvimento (Gang der Entwicklung)
da Ideia "a qual consiste em ter o mesmo e o outro, e que ambos sejam uma
só coisa, que é a terceira, na medida em que um é no outro consigo mesmo e não
fora de si (nicht ausserhalb seiner). A Ideia é concreta quanto ao seu
conteúdo, tanto em si (...) quanto para si".
A Ideia é essencialmente concreta, pois ela
consiste na "unidade de distintas determinações (die Einheit von
unterschiedenen Bestimmungen). É nisto que o conhecimento racional se
distingue do conhecimento puramente intelectivo e a tarefa da filosofia, à
diferença do Entendimento (Verstand), consiste em demonstrar que a
verdade da Ideia, não pode ser cifrada em meras generalidades mas em algo geral
que é, por sua vez, particular, determinado. Quando a verdade é abstrata, não é
verdade". Para ilustrar o conceito de concreto Hegel usa o exemplo
orgânico por excelência, o do vegetal. "Embora a flor tenha muitas
qualidades como o cheiro, o sabor, o colorido, a forma, ela constitui uma
unidade: nesta pétala, desta flor, não pode faltar nenhuma de suas qualidades
próprias (Eigenschaften) e cada uma das partes da pétala reúne todas as
qualidades próprias da pétala ao mesmo tempo. O mesmo ocorre com o ouro, o qual
encerra em todos e em cada um de seus pontos, inseparadas e indivisas
(ungettrent und ungeteilt) todas as qualidades próprias daquele metal".
(54)
Segundo um comentador de Hegel, o termo
"concreto" exige as noções complementares de crescimento e
desenvolvimento. O concreto não é unidade estática mas ele se desdobra, sendo
essencialmente vivo. Os exemplos fornecidos pelo filósofo com maior
regularidade são os do organismo natural, como é o caso do crescimento de uma
planta ou árvore. Ele descreve aqueles desdobramentos com os conceitos
aristotélicos de dynamis e de energeia. "O que se desenvolve procede de um
estágio germinal (Keim) no qual toda planta, na sua diversidade de
determinações, encontra-se compreendida no estado latente, ainda informe e
indiferenciado, de simples disposição. Mas o germe é como tal ´tendência a se
desenvolver´, desdobrar toda sua riqueza interna, se exteriorizar e, assim, se
exibir numa série de momentos diferentes que se sucedem, o que implica ao mesmo
em alteração —a planta no seu desenvolvimento, passa por toda uma série de
estados diferentes, do germe ao fruto— e identidade, pois todo este
desenvolvimento na verdade estava compreendido no germe, envolvido em sua
simplicidade inicial. Logo, ela muda, se transforma e permanece, no entanto, a
mesma; o fruto é uma outra coisa do que o germe, mas ele é ao mesmo tempo aquilo
no qual o germe encontra seu fim, o alvo de todo desenvolvimento que se iniciou
com ele". Mas, de acordo com o próprio Hegel, todas estas são apenas
imagens, analogias e uma tarefa mais complexa deve ser encetada quando se fala
do fazer e do saber humanos, no chamado mundo do Espírito. (55)
No Estado (56) a Ideia manifesta os momentos da universalidade, da particularidade, da singularidade, todas num silogismo que determina uma figura orgânica espiritual. A populaça, que radicaliza os procedimentos do intelecto abstrato, pensa em termos de separação, ou independência dos momentos, e dos poderes, o que levaria, se o populacho fosse obedecido, "à ruina do Estado" (Zertrümmerung des Staats). O mesmo termo é usado por Hegel quando fala da consciência fanática em religião e política, que não se decide por uma atividade efetiva, e se acantona no plano subjetivo da vontade absoluta, aferrada à forma da opinião e do arbítrio (dein Meinen und dem Belieben der Willkür entschieden wird). "Em oposição à esta verdade que se envolve na subjetividade do sentimento e da representação (Vorstellung), o verdadeiro é constituído por este passo enorme [excessivo, ou monstruoso, ungeheure], que se faz ao passar do interior ao externo, da imaginação da Razão para a realidade (Realität) pela qual trabalhou toda a história mundial, trabalho pelo qual a humanidade civilizada ganhou a efetividade (Wirklichkeit) e a consciência da existência (Dasein) racional, das instituições políticas, das leis. Dos que procuram o Senhor e que, em sua opinião inculta (ungebildeten Meinung) se persuadem de tudo deter imediatamente, em lugar de se impor o trabalho de elevar sua subjetividade ao conhecimento da verdade, ao saber do direito objetivo e do dever, deles podemos esperar apenas a destruição de todas as relações éticas, tolice e abominação (nur Zertrümmerung aller sittlichen Verhältnisse, Albernheit und Abscheulichkeit ausgehen)". (§ 270, Nota).
No Estado (56) a Ideia manifesta os momentos da universalidade, da particularidade, da singularidade, todas num silogismo que determina uma figura orgânica espiritual. A populaça, que radicaliza os procedimentos do intelecto abstrato, pensa em termos de separação, ou independência dos momentos, e dos poderes, o que levaria, se o populacho fosse obedecido, "à ruina do Estado" (Zertrümmerung des Staats). O mesmo termo é usado por Hegel quando fala da consciência fanática em religião e política, que não se decide por uma atividade efetiva, e se acantona no plano subjetivo da vontade absoluta, aferrada à forma da opinião e do arbítrio (dein Meinen und dem Belieben der Willkür entschieden wird). "Em oposição à esta verdade que se envolve na subjetividade do sentimento e da representação (Vorstellung), o verdadeiro é constituído por este passo enorme [excessivo, ou monstruoso, ungeheure], que se faz ao passar do interior ao externo, da imaginação da Razão para a realidade (Realität) pela qual trabalhou toda a história mundial, trabalho pelo qual a humanidade civilizada ganhou a efetividade (Wirklichkeit) e a consciência da existência (Dasein) racional, das instituições políticas, das leis. Dos que procuram o Senhor e que, em sua opinião inculta (ungebildeten Meinung) se persuadem de tudo deter imediatamente, em lugar de se impor o trabalho de elevar sua subjetividade ao conhecimento da verdade, ao saber do direito objetivo e do dever, deles podemos esperar apenas a destruição de todas as relações éticas, tolice e abominação (nur Zertrümmerung aller sittlichen Verhältnisse, Albernheit und Abscheulichkeit ausgehen)". (§ 270, Nota).
A separação dos poderes, portanto, é tarefa do
intelecto ou da imaginação subjetiva, não do pensamento racional. Quando a
tarefa de dividir e separar do intelecto entra em cena, sem correções da razão,
o Estado tende a se desagregar, passando à ruina. "O primeiro princípio do
Estado em geral, qualquer que ele seja, é que não haja nenhuma Razão acima dele,
nenhuma consciência moral ou sentido do direito superior aos que o próprio
Estado reconhece. Um Estado verdadeiro não pode tolerar em seu interior, por
exemplo, pessoas como os quakers, os anabatistas, etc., que desconhecem e
recusam determinados direitos do Estado, como a defesa da terra natal. Este
liberdade miserável de pensar e crer o que cada um julgue melhor, não pode ser
admitida". (57)
Quem deseje forçar um povo à escolha de certa
constituição fabricada intelectualmente por indivíduos, sejam eles intelectuais
ou poderosos, fracassa necessariamente. Cada povo tem a constituição ao que seu
estágio de desenvolvimento atende. Impor constituições artificiais, por
melhores e com maior carga de racionalidade que elas apresentem, é tarefa sem
frutos. É o que se pode ler no § 274 e notas da Filosofia do Direito.
"Como o Espírito (Geist) só é como efetivo (wirklich) quando
conhece a si mesmo (er sich weiss) e o Estado, como Espirito de um povo,
ao mesmo tempo é a lei que penetra todas as situações da vida deste povo, os
costumes (die Sitte) e a consciência (Bewusstsein) de seus
indivíduos (Individuen), a constituição de um povo determinado depende
absolutamente da natureza ou grau de cultura da auto-consciência deste povo. É
nesta consciência que reside a liberdade subjetiva desse povo e, portanto, a
efetividade (Wirklichkeit) da Constituição. ". Hegel segue o dito
de Montesquieu : "le gouvernement le plus conforme à la nature est celui
dont la disposition particulière se rapporte le mieux à la disposition du
peuple pour lequel il est établi" (Espírito das Leis, I, 3). (58)
Segundo Hegel, o Estado se divide nas seguintes
diferenças substanciais: um poder de determinar o universal (legislativo), a
subsunção das esferas particulares e os casos singulares sob o universal, o
poder de governo, a subjetividade como poder último de decisão, o poder do
príncipe. Notemos bem a fórmula do último poder: a ele cabe a livre decisão
volitiva (Willensentscheidung). (§ 273). Cabe ao príncipe reunir os
diferentes poderes numa unidade individual. Logo, este poder é a ponta mais
elevada (Spitze) e ao mesmo tempo o começo de tudo, ou seja, é a
monarquia constitucional.
Quem deve fazer a Constituição? Pergunta errada,
segundo Hegel. "Ela supõe que não existe nenhuma constituição, mas apenas
certa massa atômica de indivíduos (ein blosser atomischer Haufen von
individuen)". (59) Como a massa poderia chegar a ter uma constituição,
seja por ela mesma, ou por uma ajuda externa "seja ela trazida pela
bondade, pela força (Gewalt) ou pensamento (Gedanken) ? É a esta
massa que seria preciso, nesta hipótese, deixar o cuidado de resolver tal
dificuldade, pois o conceito (Begriff) nada tem a ver com a massa".
Fica bem clara a recusa de Hegel do campo mecânico como paradigma da
Constituição. Assim como ele recusa a doutrina de Rousseau e de Fichte sobre o
contrato (60) também ele a recusa no caso da Constituição. A massa, por outro
lado, como a mulher, é alheia ao Conceito. Logo, não tem sentido apelar para
ela para determinar o fundamento do Estado, a sua Constituição. Logo,
desaparece a tese de uma soberania popular, como vimos acima.
O Estado em si e para si, afiança Hegel, é o Todo
ético (das sittliche Ganze), a afetivação da liberdade. "É um fim
absoluto da Razão tornar a liberdade efetiva. O Estado é o Espírito presente no
mundo e que se realiza (realisiert) conscientemente em si, enquanto na
natureza ele só se efetiva (verwirklicht) como o outro de si mesmo, como
Espírito adormecido (als schlafender Geist). Apenas na medida em que se
apresenta na consciência e conhece a si mesmo como objeto (Gegenstand),
o Espírito é o Estado. Quando se trata da liberdade, não se deve partir do
indivíduo, da auto-consciência individual, mas apenas da essência (Wesen) da
auto-consciência, porque, saiba o homem ou não, esta essência se realiza
(realisiert) por sua própria força e os indivíduos são apenas momentos de sua
realização". Interessa notar que, aqui, Hegel emprega dois conceitos de
origem mecânica, o conceito de força e de momento. ( 61) Como enuncia um
comentador, em Hegel a palavra "momento" é extraída da mecânica
(Conforme pode ser visto na Ciência da Lógica). Ele o emprega
para designar as forças opostas que são mutuamente dependentes e cuja
contradição forma uma equação. Assim a fórmula Esse=Nada. Aqui, Esse e
Nada são momentos que dão nascimento ao Werden, a existência. (62)
Importa notar que tais conceitos de mecânica, pela mediação do pensamento
germânico anterior, em especial de Leibniz, retoma Aristóteles numa formulação
imagética ao mesmo tempo mecânica e orgânica. (63)
Os indivíduos são momentos do Todo ético, eles se
chocam e se contrapõem, mas o Estado é o seu telos, o seu fim objetivo. Os
momentos sem o Todo perdem todo sentido. Voltemos ao texto da Filosofia
do Direito: os indivíduos são momentos na realização do Estado. Este
último manifesta o poder divino: "é a marcha de Deus no mundo que faz o
Estado existir (es ist der Gang Gottes in der Welt, dass der Staat ist)".
O fundamento do Estado é a força da razão que se torna efetiva como vontade. É
muito possível, como o fazem Friedrich Meinecke e Franz Rosensweig atribuir a
razão de Estado a Hegel. Alguns senões, no entanto, deveriam ser levados em
conta. Eu os considero na Introdução que escrevi para a tradução brasileira de
Hegel e o Estado, e também em outros escritos que publiquei sobre o filósofo.
(64) É possível criticar o Estado, mas não se deve ter, para a Idéia do Estado
"ter diante dos olhos Estados particulares, nem instituições particulares,
deve-se observar a Ideia, este Deus operativo para si" (die Idee,
diesen wirklichen Gott, für sich betrachten)".
O poder do príncipe, diz o filósofo no § 275, reúne
os três momentos (Momente, recordar o matiz mecânico da noção) da
totalidade em si (Totalität, note-se o termo latinizado, que poderia ser
Ganzheit, mas que Hegel usa para determinar o aspecto total do poder
principesco. (65) Ele reúne a universalidade da Constituição e das leis; a
deliberação (Beratung) que relaciona o caso particular ao universal; o
momento (Moment) da suprema decisão (letzten Entscheidung, Hegel
sublinha o último termo, Entscheidung) para a qual retorna todo o resto
e da qual ele (o resto) retira o começo de sua realidade (Wirklichkeit).
Nesta auto-determinação absoluta reside o princípio que distingue o poder do
príncipe enquanto tal. É pela exposição desse princípio que devemos começar.
Vejamos a adição ao § 275: "o poder do príncipe é o momento da
singularidade porque ele contem os três momentos (Momente) do Estado
como totalidade (Totalität). O eu é ao mesmo tempo o que há de mais
singular e o que há de mais universal. Na natureza, à primeira vista, um
singular. Mas a realidade (Realität), a não idealidade (nicht
Idealität) e a exterioridade recíproca não consistem em ser junto-de-si-mesmo
(Beisichseiende) e as diferentes singularidades subsistem uma ao lado da
outra. No Espírito, ao contrário, tudo o que é diferente só existe como algo
ideal (Ideeles) e como unidade. Enquanto tal o Estado é o desdobramento
de todos os seus momentos, mas a singularidade é ao mesmo tempo a alma e o
princípio da vida, a soberania (Souveranität) que contem em si todas as
diferenças".
Assim, o príncipe é a instância singular decisória,
que por decidir em nome de todo o organismo estatal é a alma daquele mesmo
corpo, é soberana. No feudalismo, o todo era apenas um agregado de partes. No
idealismo do Estado, que constitui a soberania, dá-se "a mesma
determinação da que faz com que, num organismo vivo, as chamadas partes não
sejam partes, mas membros, momentos orgânicos cuja separação e isolamento em
relação ao todo constituem a doença" (Hegel mesmo cita a Enciclopédia
das ciências filosóficas, § 293 e § 371).
Vejamos o papel das individualidades no movimento
estatal, ainda na nota do § 278. "Na paz, as esferas e os assuntos
particulares prosseguem seus alvos e empresas, mas é tanto a necessidade
inconsciente da coisa que transforma seu egoísmo num contributo à ao fim de
todos (des Ganzes) e ao dos outros, quanto a ação direta da autoridade
superior que dirige suas atividades ao serviço do fim do todo, os limita e
obriga a se empregar na conservação do todo (...) Mas no estado de perigo (Zustande
der Not), devido a acontecimentos internos ou exteriores (es sei innerer
oder äusserlicher) é a soberania quem fornece o conceito simples que
permite levar o organismo à unidade, a conservando em seus elementos
particulares. É a ela que se confia a salvação do Estado (die Rettung des
Staats), mesmo ao preço do sacrifício do que é legítimo em outras circunstâncias.
É nesta situação que o idealismo do Estado atinge sua efetividade
própria".
Temos a decisão, a soberania, o príncipe e o estado de necessidade. O Estado repousa, portanto, no poder do príncipe, que é o seu momento mais elevado e constitui o ponto de união de todo o organismo. O príncipe decide no instante da paz e da guerra, seja ela interna ou externa. Ele decide e salva o Estado, mesmo à custa de direitos que, em outras situações, seriam legítimos e deveriam ser respeitados. Ele decide, pois, quais ocasiões determinam a necessidade de sua decisão em prol da totalidade, as situações excepcionais.
Temos a decisão, a soberania, o príncipe e o estado de necessidade. O Estado repousa, portanto, no poder do príncipe, que é o seu momento mais elevado e constitui o ponto de união de todo o organismo. O príncipe decide no instante da paz e da guerra, seja ela interna ou externa. Ele decide e salva o Estado, mesmo à custa de direitos que, em outras situações, seriam legítimos e deveriam ser respeitados. Ele decide, pois, quais ocasiões determinam a necessidade de sua decisão em prol da totalidade, as situações excepcionais.
Daí, a dedução do indivíduo, o príncipe, que salva
o todo, estar incluída na soberania. "Esta é, de início, apenas o
pensamento universal do idealismo do Estado e só existe como subjetividade que
tem certeza de si mesma, auto-determinação abstrata, logo sem fundamento, da
vontade, na qual reside o elemento último da decisão (in welcher das Letzte
der Entscheidung liegt)". Este é, precisamente, "o aspecto individual
do Estado e o que faz o Estado ser uno. Entretanto, em sua verdade a
subjetividade só existe como sujeito e a personalidade como pessoa. Na
Constituição que chegou à racionalidade real (reellen) cada um dos tres
momentos do conceito possui sua figura efetiva particular à parte. É por isto
que este momento absolutamente decisivo do todo (entscheindende Moment des
Ganzen) não é a individualidade em geral, mas um indivíduo, o
monarca". O monarca decide. Ele é "a instância suprema que conserva
todas as formas particulares no Si simples, põe fim à deliberação que pesa os
argumentos pró e contra, entre os quais não cessamos de hesitar, e decide (beschliesst)
por um ´eu quero´, com o qual se inicia toda ação efetiva". Como adianta
T. M. Cox, citado por Robert Derathé na sua tradução francêsa da Filosofia
do Direito, "como Deus no mundo de Aristóteles, o monarca é o que
põe em movimento a máquina do Estado, sem ser ele mesmo tomado neste
movimento".(66)
No § 281 Hegel insiste sobre o papel supremo do
príncipe, "o Si supremo da vontade, independente de todo fundamento e a
existência igualmente sem fundamento enquanto determinação que se origina na
natureza —esta idéia de que algo não seria movido pelo arbítrio, constitui a
majestade do monarca. Nesta unidade reside a unidade efetiva do Estado. É só
graças à sua imediatez interna e externa que esta unidade (do Estado) está
abrigada contra o perigo de cair na esfera da particularidade, de seu arbítrio,
de seus alvos e opiniões, também abrigada contra as lutas que opõem as facções
ao redor do trono e que provoca o enfraquecimento e a ruína (Zertrümmerung)
do poder estatal".
Abaixo desse "protetor da Constituição"
que decide e salva o Todo de qualquer esfacelamento, interno ou externo, opera
uma grande máquina para administrar e impor as decisões tomadas pelo monarca.
Trata-de do "poder governamental", chamado por Hegel de "classe
universal" (der allgemeine Stand). Entre o Si singular, o monarca,
e a diversidade do corpo social e político, este setor é o elo médio entre
singular e universal, o Mittelpunkt
que permite a operacionalização da lei no interior do Estado. "Nada sendo
politicamente, o funcionário é tudo na organização do Estado. Ele forma o
segundo poder, o poder governamental situado entre o poder soberano e o
legislativo. É verdade que o príncipe decide, é verdade que as Câmaras votam
leis e regulamentam as questões de alcance universal; mas é a administração que
vence os dois" (67) O funcionariato é o cume da hierarquia governativa que
entra em contato com o monarca.
Hegel compara a sociedade civil a um campo de batalha (Kampfplatz) dos indivíduos (Nota ao § 289) privados, uns contra todos os demais com seus interesses particulares. As corporações, ao reunir os indivíduos em defesa de interesses comuns, ajuda a enraizar o que é particular "no universal. No espírito corporativo reside a profundidade e a força que o Estado pode encontrar na disposição de espírito dos indivíduos". Agora, na divisão do trabalho para que se administre o universal, surgem os funcionários que se organizam de baixo até o alto da escala hierárquica, garantindo o poder de governo. Sua função é objetiva, embora ela seja exercida por indivíduos. Entre função e individualidade não existe nexo natural direto, pois os indivíduos não nascem funcionários deste ou daquele setor administrativo. Eles devem ser treinados e demonstrar conhecimentos, capacidades. Esta prova de saber garante o Estado de que ele pode atender as suas necessidades universais, particulares, individuais. Esta é a função dos que pertencem à classe universal.
Hegel compara a sociedade civil a um campo de batalha (Kampfplatz) dos indivíduos (Nota ao § 289) privados, uns contra todos os demais com seus interesses particulares. As corporações, ao reunir os indivíduos em defesa de interesses comuns, ajuda a enraizar o que é particular "no universal. No espírito corporativo reside a profundidade e a força que o Estado pode encontrar na disposição de espírito dos indivíduos". Agora, na divisão do trabalho para que se administre o universal, surgem os funcionários que se organizam de baixo até o alto da escala hierárquica, garantindo o poder de governo. Sua função é objetiva, embora ela seja exercida por indivíduos. Entre função e individualidade não existe nexo natural direto, pois os indivíduos não nascem funcionários deste ou daquele setor administrativo. Eles devem ser treinados e demonstrar conhecimentos, capacidades. Esta prova de saber garante o Estado de que ele pode atender as suas necessidades universais, particulares, individuais. Esta é a função dos que pertencem à classe universal.
Embora seja objetiva a tarefa mediadora universal,
os cargos são ocupados por indivíduos. Cabe, então, ao poder decisório e
político, o do príncipe, nomear os que irão exercer a função. Cito a frase
inteira de Hegel (§292) : "Lado subjetivo, esta ligação entre indivíduo e
sua função, elementos contingentes um diante do outro, pertence de direito ao
príncipe, enquanto poder soberano de decisão no Estado (als der
entscheidenden und souveränen Staatsgewalt)". Fica bem claro, em
Hegel, que a máquina dos funcionários exerce seu papel porque é autorizada pela
soberania do monarca, o indivíduo que decide. Assim, se a atuação dos mesmos
funcionários é um dever, suas atribuições partilham com o monarca "um
direito que escapa a toda contingência" (§ 293). Assim, "o indivíduo
que, por um ato do soberano (das durch den souveränen Akt) ocupa um
cargo público deve cumprir seu dever". Para tal fim, recebe um pagamento
que lhe permita a vida, sem que ele precise depender de influências subjetivas
que o afastem do cumprimento de sua função objetiva. (§294). Hegel ainda
sublinha que o nexo entre indivíduo e Estado não é o de um contrato (nota ao §
294). Eles, com o pagamento correto, são protegidos pelo Estado "contra o
outro lado subjetivo, as paixões dos governados cujos interesses particulares
são lesados pela prioridade concedida ao interesse geral".
Como os governados podem se defender dos abusos
cometidos por funcionários ? A resposta encontra-se na própria organização
funcional, hierárquica por excelência. De outro lado, as corporações servem
para fiscalizar, por assim dizer de baixo para cima, os abusos dos
funcionários. Qual seria a forma ideal do funcionário? Ele deveria ostentar
ausência de paixão, sentido de justiça e certa moderação no comportamento. Os
termos são claros: um bom burocrata possui Leidenschaftslosigkeit,
Rechtlichkeit. Estamos em pleno domínio da operação sine ira et studio, tal
como descrita por Max Weber. Os funcionários devem ser educados, portanto, para
aquela ausência de paixão e senso de justiça, para que possam fazer com que o
lado mecânico das ciências requeridas pelas várias esferas do Estado tenha um
contrapeso. "Mas o tamanho do Estado também é um elemento essencial que
atenua o peso das relações familiares ou de outras relações privadas e torna
também impotentes ou com menor força a vingança, o ódio e as outras paixões.
Quando se está encarregado dos interesses maiores no interior do grande Estado,
tais ângulos subjetivos passam ao segundo plano e se forma o hábito das visões
e negócios relativos ao interesse geral" (§296).
Os membros do governo e os funcionários do Estado,
arremata o § 297, "constituem a parte principal da classe mediadora (Mittelstand)
onde se encontram a inteligência cultivada e a consciência jurídica da massa de
um povo (der Masse eines Volkes). As instituições da soberania que agem
do alto (o poder decisório, RR) e os direitos das corporações que agem em
baixo, impedem esta classe mediadora de tomar posição isolada contra a
aristocracia, suprimem o perigo de uma transformação da cultura e da
competência em meios de exercer um arbítrio (Willkür) e se tornar uma
dominação (Herrenschaft).
É possível avançar que Carl Schmitt assume a defesa
da primeira parte do poder executivo, a decisão soberana que reside no
príncipe, e tenta exorcizar a segunda, o poder burocrático que também dele
emana segundo Hegel. Mas devemos nos deter na divisão dos poderes do Estado e
sua recusa pelo filósofo. Ele recusa, como afirma Franz Rosenzweig, "em
função da unidade do Estado, e porque à consciência do Estado não pode caber
desconfiança, aquela ´autonomia´e sua fundamentação liberal, que remontava a
Montesquieu —a recíproca limitação e supervisão dos poderes. A relação entre os
poderes não deve se dar em termos de equilíbrio, mas de ´unidade viva´ ; cada
um deve se constituir em ´totalidade´ , ou seja : deve possuir os outros
´ativos em seu interior´. Uma disposição como aquela incluída na Constituição
de 1791, que impedia o acesso ao ministério por parte dos membros da assembléia
legislativa e dos detentores de altas funções judiciárias, descreveria
aproximadamente o que Hegel pretendia excluir com sua doutrina da divisão dos
poderes". (68)
Schmitt se refere aos laços do pensamento legado
por Hegel à cultura jurídica e sociológica alemã posterior. Ao se referir ao
pensamento da direita, ele indica "uma outra linhagem de Hegel",
retomando assim a divisão entre a "esquerda" e a "direita"
hegeliana. John P. McCormick se refere à dialética, praticada por Lukács e
Schmitt na tentativa de sanar as deficiências do pensamento liberal weberiano
sobre a modernidade e a tecnologia. (69) Ainda McCormick cita Schmitt quando
este afirma que Hegel é o único pensador que ajuda a resolver a dualidade entre
conceito abstrato e ser concreto que reside na racionalidade da "visão de
mundo mecanística" praticada por Descartes, Hobbes e Kant. "Logo
cedo, em 1801, Hegel, com certeiro senso de gênio reconheceu a conexão entre o
racionalismo do século anterior e a inadequação histórica do sistema, que
reside na relação causal entre o ego e o não ego. Os românticos eram incapazes
deste tipo de intuição filosófica". (70) A retórica do
"concreto", diz Ernst Fraenkel, se instala na jurisprudência de
Schmitt, tendo sido arrancada de Hegel. Segundo Fraenkel "Schmitt subtraiu
de Hegel a tendência a usar a ´concretude´como arma contra a ´abstração´."
E conclui McCormick a citação de Fraenkel: "Segundo Hegel o princípio da
razão deve ser concebido como concreto de modo que a verdadeira liberdade possa
dominar. Hegel caracteriza a escola de pensamento que namora com o abstrato
como liberalismo e enfatiza que o concreto é sempre vitorioso contra o abstrato
e que o abstrato sempre abre falência quando se põe contra o concreto".
(71)
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1 Cf. Vorlesungen über die Ästhetik, Dritter Abschnitt, Vom Romantischen Überhaupt, in Werke in zwanzig Bänden (FAM, Suhrkamp, 1970) V. 14, II, páginas 129-130. Trad. italiana de Nicolao Merker e Nicola Vaccaro (Torino, Einaudi Ed., 1976), Volume I, páginas 583-584.
1 Cf. Vorlesungen über die Ästhetik, Dritter Abschnitt, Vom Romantischen Überhaupt, in Werke in zwanzig Bänden (FAM, Suhrkamp, 1970) V. 14, II, páginas 129-130. Trad. italiana de Nicolao Merker e Nicola Vaccaro (Torino, Einaudi Ed., 1976), Volume I, páginas 583-584.
2 "Novalis", in Vorlesungen über
die Geschichte der Philosophie, Werke in zwanzig Bänden (FAM, Surhkamp,
1971), volume 20, III, página 418.
3 Die Verfassung Deutschlands, in
Frühe Schriften (F.A. M, Werke in zwanzig Bänden, Suhrkamp, 1971, volume 1),
página 469; tradução francesa de Michel Jacob in G.W.F. Hegel, Écrits
politiques (Paris, Champ Libre, 1977), páginas 38-39.
4 .“Beantwortung der Frage: Was ist Aufklärung?”in
Kant Werkausgabe, Band XI, (F.A.M. Suhrkamp Verlag, 1968), p. 55. Cf. J.
Habermas, L. Espace Public (Paris, Payot, 1978) e R. Romano : “Universidade,
Estatuto e Constituição Política”in Lux in Tenebris, meditaçõe sobre Filosofia
e Cultura (SP, Cortez/Unicamp, 1987
5 Cf. Glauben und Wissen in Werke in zwanzig Bänden
(F.A.M., Shurkamp, 1971, volume 2) página 392. E também Vorlesungen über die
Geschichte der Philosophie (F.A.M., Shurkamp, 1971, volume 20, T.III), página
417.
6 Cf. R. Ayrault: La genèse du romantisme allemand (Paris, Aubier, 1976), p. 201 ss; também g. Stenzel (Ed.) : Die Deutschen Romantiker (Salzburg, Das Bergland-Buch, s.d.), página 320.
6 Cf. R. Ayrault: La genèse du romantisme allemand (Paris, Aubier, 1976), p. 201 ss; também g. Stenzel (Ed.) : Die Deutschen Romantiker (Salzburg, Das Bergland-Buch, s.d.), página 320.
7 Para uma análise do ponto, cf. Jan-Werner Muller:
A dangerous Mind, Carl Schmitt in Post-War European Thought
(Yale, University Press, 2003), página 20 e seguintes.
8 Indicado por Jan-Werner Muller, op.cit. p. 21 e 253.
9 Georges de Lagarde, "L´idée de représentation dans les Oeuvres de Guillaume d´Ockham" International Commitee of the Historical Sciences Bulletin (Dezembro, 1937), páginas 425-51. Citado em James Roland Pennock (Ed.): Representation (New Jersey, Transaction Publishers, 2007), página 41. Cf. também Franco Todescan, "Fermenti Galicani" in Luigi Lombardi Vallauri (Ed.) : Cristianesimo, secolarizzazione e diritto moderno (Milano, Giuffrè, 1981), página 585.
8 Indicado por Jan-Werner Muller, op.cit. p. 21 e 253.
9 Georges de Lagarde, "L´idée de représentation dans les Oeuvres de Guillaume d´Ockham" International Commitee of the Historical Sciences Bulletin (Dezembro, 1937), páginas 425-51. Citado em James Roland Pennock (Ed.): Representation (New Jersey, Transaction Publishers, 2007), página 41. Cf. também Franco Todescan, "Fermenti Galicani" in Luigi Lombardi Vallauri (Ed.) : Cristianesimo, secolarizzazione e diritto moderno (Milano, Giuffrè, 1981), página 585.
10 O conceito de representação recebe duplo veto em
Rousseau. O primeiro é o que surge com o liberalismo, no qual o povo é
representado "de baixo para cima" pela eleição ou transferência da
vontade (a qual não pode, jamais, ser transferida) e o segundo, subentendido, é
o religioso e católico, que supõe a desigualdade entre os homens, dada a
hierarquia cósmica e social nela implicadas. Comenta um autor do século 20:
"It is not without significance that Rousseau, who was never weary of
singing the praises of democracy, should have thought pure democracy fit only
for angels. Yet representative democracy was a last resource which he rejected
absolutely in principle. 1 In practice, the only form of democracy worthy of
the name, was, in his view, the direct democracy of a co whose citizens could
come together and debate and decide their own affairs. Rousseau recognised that
the size of most political communities and the complexity of their affairs
precluded the possibility of such immediate and personal self-government; but
he did not draw the natural inference that therefore some sort of
representative system is of necessity imposed upon most, if not all, democratic
communities." James Hogan: Election and Representation (Cork University
Press, 1945), página 106.
11 Todescan, página 585.
11 Todescan, página 585.
12 Le Nouveau peuple de Dieu (Paris,
1971), página 90. citado por H.-J. Sieben "Dimensions historiques de l
´idée de concile" Paris, CAIRN, 2005/2 Tome 93, página 195. Endereço
eletronico: http://www.cairn.info, acessado em 07/09/2009, as 16: 30, PM.
13 Tubeta, De auctoritate Papae et Concilii,
citado por Todescan, página 587.
14 A metáfora ainda ocorre no democrático Spinoza.
Se não existem condições para que a democracia impere, que o rei seja “como a
alma do Estado, enquanto o Conselho servirá a esta alma como se dela fosse o
corpo e os sentidos exteriores; ele fará o rei conhecer a situação do Estado e
será o instrumento para executar o que for reconhecido como o melhor” (Tratado
político, VII, 19). Existe um problema na tradução do trecho para a
nossa língua. O termo latino é mens: “et absolute rex censendus est veluti
civitatis mens, hoc autem concilium mentis sensus externi, ceu civitatis
corpus, per quod mens civitatis statum concipit et per quod mens id agit, quod
sibi optimum esse decernit”. Mas traduzir mens por “intelecto”, “mente”, etc.
pode trazer contra- sensos. Cf. MOREAU, Pierre-François. Le vocabulaire
psychologique de Spinoza et le problème de sa traduction. Disponível
em: . Acesso em: 02 fev. 2008. Prefiro manter a palavra “alma”, especialmente
porque ela remete para a tradição do absolutismo.
15 Ernst Kantorowicks, The King´s two bodies,
1970, páginas 214 e seguintes.
16 David Keck: Angels & Angelology in the
middle Ages (Oxford, University Press, 1998) : "Most modern
studies of medieval angelology focus almost exclusively on the scholastic
treatment of angels. The impetus given to Christian philosophy and metaphysics
by Pope Leo XIII Aeterni Patris in 1879 led neo-Thomists such as Etienne Gilson
and J. D. Collins to explore the metaphysical and philosophical aspects of
scholastic angelology with great care. Gilson's chapters on the angelologies of
Aquinas and Bonaventure in his books on their respective Christian philosophies
are perhaps the most lucid treatment of scholastic angelology ever written.
Collins The Thomistic Philosophy of the Angels remains the most detailed
analysis of the origins and meaning of the Angelic Doctor's angelology
(tradition ascribes the origin of this epithet both to the purity of Aquinas's
teachings and to their heavenly character). These studies reveal that the
leading thinkers of medieval Christendom, theologians such as Aquinas and
Ockham, were fascinated with angels and explored their mysteries tenaciously.
To the scholastics, the universe required the existence of angels, and the
theologian had a special responsibility to uncover and describe their sublime
nature." página 4.
17 Cf. SS Bonifacius VIII, Unam Sanctam
(18/11/1302) in Documenta Catholica Omnia, endereço eletrônico
seguinte : http://www.documentacatholicaomnia.eu/, acessado no dia 12/04/2009,
as 10: 30 AM.
18 Bettenson, 1947, p. 158-59.
19 "The renewed study of Pseudo-Dionysius and
his Celestial Hierarchy that began in the middle of the twelfth century provided
medieval Christendom with an even greater authority for discussing the
hierarchies. 39 Because of their studies of the Areopagite's extensive
reflections on these spirits, Hugh of Saint Victor (who wrote a commentary on
the Celestial Hierarchy), Bonaventure, and Aquinas were able to explore the
angelic orders far more confidently than Augustine and Bernard could.
Nevertheless, some ambiguities and uncertainties remained. Ironically, the
precise identity of the most important angelologist of the Western church (and
perhaps of the Christian tradition as a whole) remains unknown. The author of
the Celestial Hierarchy, Ecclesiastical Hierarchy, The Divine Names, Mystical
Theology, and various letters claims to have been the Dionysius the Areopagite
converted by Paul in Athens ( Acts 17:34); he was probably a late fifth-century
Syrian monk. While some doubts existed about his claim even in the first known
reference to the Dionysiac corpus (532), by the thirteenth century he had
acquired the status of apostolicity. In its life of this saint, the Legenda
Aurea affirmed that Paul had taught his convert about the mysteries of the
heavens. 40 And since Paul himself had experienced the rapture of the splendor
of heaven ( 2 Cor. 12:2), the apostle must have taught Pseudo-Dionysius many
things concerning the spirits of heaven. Appropriately, in the Legenda, angels
escorted Pseudo-Dionysius to his final resting place after his death. In
Paradiso X, Dante places the Areopagite in the sphere of the Sun, the abode of
the theologians, along with Aquinas, Peter Lombard, Bede, Bonaventure, and
others.
Pseudo-Dionysius seems to have composed his works around 500. The earliest Latin translation of the Greek corpus was by Abbot Hilduin of Saint-Denis in Paris in 838 (according to the Legenda, these texts themselves healed several sick men). Hilduin also contributed greatly to the status of Pseudo-Dionysius by conflating three different persons--the author of the texts, the Dionsyius of Acts 17:34, and the Dionysius who was the first bishop of Paris-- thereby constituting a rather venerable authority indeed. At the request of Charles the Bald, John Scotus Eriugena completed a more useful translation in 862, and in 1165, John Sarrazin also translated the texts. While these translations were available for centuries, Pseudo-Dionysius remained an obscure figure until the cathedral schools of Laon and Saint Victor began to comment on his work. Cistercians and Benedictines took less interest in the Areopagite because the difficulty of his language and concepts required the environment of a school to be meaningfully utilized. Through these cathedral schools, Pseudo-Dionysius entered into the Sentences of Peter Lombard and hence irrevocably into academic theology in the Middle Ages and beyond. The number of texts and commentaries on the Areopagite available in Paris in the thirteenth century is impressive. Indeed, there seems to have been something of an industry around this figure. So popular was he that the thirteenth-century Franciscan Salimbene de Adam expressed his regret that he had not been named Dionysius in his honor.
Pseudo-Dionysius seems to have composed his works around 500. The earliest Latin translation of the Greek corpus was by Abbot Hilduin of Saint-Denis in Paris in 838 (according to the Legenda, these texts themselves healed several sick men). Hilduin also contributed greatly to the status of Pseudo-Dionysius by conflating three different persons--the author of the texts, the Dionsyius of Acts 17:34, and the Dionysius who was the first bishop of Paris-- thereby constituting a rather venerable authority indeed. At the request of Charles the Bald, John Scotus Eriugena completed a more useful translation in 862, and in 1165, John Sarrazin also translated the texts. While these translations were available for centuries, Pseudo-Dionysius remained an obscure figure until the cathedral schools of Laon and Saint Victor began to comment on his work. Cistercians and Benedictines took less interest in the Areopagite because the difficulty of his language and concepts required the environment of a school to be meaningfully utilized. Through these cathedral schools, Pseudo-Dionysius entered into the Sentences of Peter Lombard and hence irrevocably into academic theology in the Middle Ages and beyond. The number of texts and commentaries on the Areopagite available in Paris in the thirteenth century is impressive. Indeed, there seems to have been something of an industry around this figure. So popular was he that the thirteenth-century Franciscan Salimbene de Adam expressed his regret that he had not been named Dionysius in his honor.
The importance of Pseudo-Dionysius's angelology
becomes most clear in his arrangement of the nine hierarchies of angels. The
Fathers had disagreed on what belonged in the list of angels. Ambrose and
Gregory the Great each listed the nine orders but in different arrangements,
Jerome did not include the principalities or virtues, and the Apostolic
Constitutions (later 4th century) include "aeons" and "hosts"
(and display a highly unusual order). After the acceptance of the Areopagite's'
Celestial Hierarchy, his arrangement of the angels became standard. The
Areopagite provided his followers with an apostolic (and hence authoritative)
interpretation of a number of confusing passages and points about Scripture.
indeed, his authority determined what was and what was not an angel. By the
early Middle Ages, the celestial hierarchy of the nine orders of angels however
they were arranged, had become part of the traditional teaching of Christian
theology." Keck, páginas 55 e 56.
20 Arthur P. Monahan : From Personal Duties
towards personal Rights. Late Medieval and Early Modern Political Thought,
1300-1600 (MaGills-Queens University Press, 1994), páginas 50-51.
21 Monahan, op. cit. página 84.
22 Cf. "Todos os conceitos mais eficazes da
moderna doutrina do Estado são conceitos teológicos secularizados. Não apenas
com base em seu desenvolvimento histórico, porque eles passaram para a doutrina
do Estado vindos da teologia, como por exemplo o Deus onipotente que se tornou
o legislador onipotente, mas também na sus estrutura sistemática, cujo
conhecimento é necessário para uma consideração sociológica daqueles conceitos.
O Estado de exceção tem, para a jurisprudência, um significado análogo ao
milagre na teologia. Só com a consciência desta situação de analogia é possível
compreender o desenvolvimento súbito da idéia do moderno Estado nos últimos
séculos". Cf. Teologia Política, in Le categorie del
´politico´(Bologna, Il Mulino, 1972), p. 61.
23 Deus, fala Cortés no Discurso sobre a Ditadura
(1849) deixou aos homens, até certo ponto, o governo das sociedades. Ele
reservou para si o governo do universo. O doutrinário zomba dos liberais que o
escutam, dizendo que Deus governa de maneira constitucional o universo, com
leis precisas chamadas "causas secundárias". Estas são o análogo das
leis humanas. Ora, se Deus, em relação ao mundo físico, é legislador, Ele
governaria sempre com estas mesmas leis que Ele mesmo impôs em sua eterna sapiência
e com elas nos sujeitou a todos? Não, é a resposta de Cortés. Algumas vezes Ele
manifesta, clara e explícitamente, sua VONTADE soberana, quebrando as leis que
Ele mesmo se impôs e torcendo o curso natural das coisas. "Então,
senhores, quando opera assim, não se poderia dizer, se a lingua humana pudesse
ser aplicada às coisas divinas, que Ele opera ditatorialmente? ". Cf.
Discurso sobre la dictadura, in Obras Completas de Juan Donoso Cortés (BAC,
Madrid, 1970), tomo I, páginas 308-309. Cf. também o Discurso sobre a
Situação da Espanha, mesmo volume, p. 494.
24 Cf. Jan Muller, op. cit. p. 22.
25 Cf. para as análises seguintes, Ben van Onna:
"La désintegration du Catholicisme Politique, essai pour comprendre l
´évolution de l ´attitude du catholicisme face à la société bourgoise, in M.
Xhaufflaire (Ed.) : La pratique de la theologie politique (Paris,
Casterman, 1974), página 155 e seguintes.
26 Este aspecto foi analisado por
Maurice Merleau-Ponty, no artigo "Foi et Bonne Foi", reolhido na
coletânea Sens et Non Sens (Paris, Genebra, Nagel, 1948). O católico é sempre
um companheiro de estrada incerto, tanto para os conservadores quanto para os
socialistas, é a tese de Ponty.
27 Sobre o conceito diverso de representação, o
burgues ou liberal, é preciso notar nele pelo menos três pontos que diferem da
representação católica. Na forma liberal, a pretensão, como diz J. Habermas, é
a de não levar em conta a hierarquia dos privilégios, mas valorizar a
pressuposição da igualdade no debate. O segundo ponto é o domínio da preocupação
coletiva na qual, ao contrário da Igreja, não existe monopólio de
interpretação. O terceiro é o critério da inclusão: jamais o público pode ser
dirigido e orientado por uma seita ou igreja, menos ainda por grupos que formam
cliques. O debate define a forma de representação liberal ou burguesa, tal como
formulada nos tempos modernos. Cf. Strukturwandel der Oeffentlichkeit
(Neuwied, 1971), página 19 e seguintes.
28 Erasmo de Rotterdam, Sileni
Alcibiades in Adagia, sei saggi politici in forma di proverbi,
a cura de Silvana Seidel Menchi (Torino, Einaudi, 1980), página 67 e seguintes.
29 James D. Tracy, "Luther
and the Modern State in Germany" in Sixteenth Century Journal Publishers,
1986, página 37.
30 Cf. E. de Moreau, "Les doctrines de
Luther" in La crise religieuse du XVIe siècle, Histoire de l ´Église
(Paris, Bloud &Gay), 1950, volume 16, página 103 e seguintes.
31 Über das 1 Buch Mose, Predigten, citado por James D. Tracy, op.cit. página 33.
31 Über das 1 Buch Mose, Predigten, citado por James D. Tracy, op.cit. página 33.
32 Para uma leitura relevante, até os nossos dias
(ou especialmente em nossos dias), cf. Charles S. MacFarland: The New
Church and the New Germany: a study of Church and State (London, The
Macmillan Company) 1934. " National Socialism in Germany discovered little
difficulty in its complete transformation of the life and even the mind of the
nation, until it struck the Protestant Christian Church, or more particularly,
the pastors of the churches. At this point it has aroused a near
counter-revolution in which, unless the state is cautious, as at last accounts
it appeared to be, it may even meet its Waterloo, by arousing to resistance not
a few of the people in general who have thus far accepted it as inescapable,
but with reservation or resentment. Indeed, the Roman Catholic Church, at first
seemingly taken care of by a concordat, will perhaps be so encouraged by
Protestant resistance as to revise its terms or insist upon its own
interpretation of them. Adolf Hitler, while sympathetic with Christianity,
evidently did not know the Protestant genius and spirit, the fundamental
principles of the gospel, or the inner nature of the Protestant Church. As to
the Catholic problem, he had not adequately studied the experience of Bismarck.
To arouse both the Protestant and Catholic Churches was an extremely hazardous
venture. To understand the church situation in Germany one must contemplate the
amplitude of this political and social revolution in which it has become, for
the time being, a significant element. National Socialism aims at the
establishment of a "totalitarian" state, into the Gleichschaltung
(unification, harmonizing) of which every social institution, educational,
cultural, industrial, is to be assimilated. At the same time the political and
other divisions of the several German states are to be assimilated into a
unified Reich. The Church in Germany was envisaged as a public institution and
inasmuch as it was also divided into separate churches in these states, it came
within the scope of both these unifying processes. Not only, however, are these
institutions to be thus brought into conformity along the lines of their own
kindred traditions and affinities, but they must be greatly reshaped in their
readjustment to a political and social theory, National Socialism”.
33 Apresento este ponto, com detalhes, no artigo
"Kant e a Aufklärung" em Corpo e Cristal, Marx Romântico
(RJ, Guanabara Ed., 1985).
34 Cf. Gérard Lébrun: Kant et la fin de la
métaphysique (Paris, Le Livre de Poche, 2003 Collection Philosophie).
35 A Religião nos Limites da Simples Razão, IV, "A Idéia de um povo de Deus só é (sob organização humana) realizável na forma de uma Igreja", Tradução de Artur Morão in www.lusofobia.net, acessado em 12/02/2009, as 10: 30 AM.
35 A Religião nos Limites da Simples Razão, IV, "A Idéia de um povo de Deus só é (sob organização humana) realizável na forma de uma Igreja", Tradução de Artur Morão in www.lusofobia.net, acessado em 12/02/2009, as 10: 30 AM.
36 Em meu livro Brasil, Igreja contra Estado
(SP, Kayrós, 1979), discuto este problema, a partir do mencionado texto
fichteano.
37 Alexis Philonenko: Métaphysique et politique chez Kant (Paris, Vrin, ), página 18.
38 "A Igreja visível é uma verdadeira
sociedade, fundada sobre o contrato" (Fichte, "Da Igreja, em relação
ao direito de uma transformação do Estado, in Considerações sobre a Revolução
Francêsa, Cf. Bernard Gilson : L´essor de la dialectique moderne et la
philosophie du droit (Paris, Vrin, 1991) página 161 e seguintes.
39 Cf. Emilio Brito : J.G. Fichte et la
transformation du christianisme , Peeters Publishers, 2004 ) página
107.
40 Para uma análise detalhada do passo, cf. Edmilson Menezes : História e Esperança em Kant (São Cristóvão, Editora Universidade de Sergipe, 2000).
40 Para uma análise detalhada do passo, cf. Edmilson Menezes : História e Esperança em Kant (São Cristóvão, Editora Universidade de Sergipe, 2000).
41 Denis Rosenfield: "Moralidade e
protestantismo em Hegel" in Hegel, a moralidade e a religião
(Vários) (RJ, Jorge Zahar Ed.2002) página 178.
42 Vorlesungen über die Philosophie der
Geschichte, Vierter Teil, in Werke in zwanzig Bänden, 12, (FAM,Suhrkamp
Verlag, 1970), p. 455
43 Philosophie der Geschichte, ed. cit. volume 12, páginas 490 e seguintes.
43 Philosophie der Geschichte, ed. cit. volume 12, páginas 490 e seguintes.
44 Vorlesungen über die Philosophie des
Rechts, § 166, Adição. Ed. Werke in zwanzig Bänden, volume 7, página
318 e seguintes.
45 "Antígona, uma das obras artísticas mais
sublimes, em todos os sentidos mais perfeitas de todos os tempos. Tudo nesta
tragédia é consequente; a lei pública do Estado (das öffentliche Gesetz des
Staats) está em conflito aberto com o amor intimo familiar e o dever diante
do irmão; o interesse familiar tem como pathos a mulher Antígona, a salvação da
cidade Creonte, o homem. Polinice, ao combater contra sua própria cidade natal,
caíra diante das portas de Tebas; Creonte o soberano, ameaça com a morte (...)
quem desse a honra da sepultura ao inimigo (Feinde) da cidade. Mas esta
ordem que diz respeito apenas à vida pública, ao bem do Estado, não preocupa
Antígona e como irmã ela cumpre o dever sagrado da sepultura, pela piedade do
seu amor pelo irmão. Ela invoca em tal caso a lei dos deuses; mas os deuses que
ela honra são os dos subterrâneos do Hades (Sófocles, Antigona,
V, 451), os internos do sentimento (die inneren der Empfindung), do amor do
sangue, não os deuses da luz, da livre e auto-consciente vida estatal e
popular". Vorlesungen über die Ästhetik ("Die alten
Götter im Unterschiede zu den neuen", Parte segunda, Werke in zwanzig
Bänden, Volume 14, II, página 52.
46 Cf. W. Lippmann, The Phantom Public (New York, Macmillan, 1925).
46 Cf. W. Lippmann, The Phantom Public (New York, Macmillan, 1925).
47 Public Opinion,
cap. 15, 4 (NY, Hartcourt Brace and Company, 1922), página 150. Argumentos de
Lenoir.
48 Cf. Jan-Werner Muller : A Dangerous Mind,
Carl Schmitt in post War European Thought (London/New Haven, Yale
University Press, 2003).
49 Schmitt, Carl: "Gesunde Wirtschaft im
starken Staat" Mitteilungen des Vereins zur Wahrung der gemeinsamen
wirtschaftlichen Interessen in Rheinland und Westphalen, Heft 21 (23 novembro
1932). Cf. Olivier Beaud: Les derniers jours de Weimar. Carl Schmitt face
à l´avènement duz nazisme (Paris, Descartes & Cie., 1997), página
61 e seguintes.
50 in Obras Completas de Donoso Cortés,
Madrid, BAC, 1970, v. 2, p. 318.
51 Grundlinien der Philosophie des Rechts,
in Werke in zwanzig Bänden, volume 7 (F.A.M., Suhrkamp Verlag, 1971), página
483 e seguintes.
52 O entendimento (Verstand) tem como função
dividir e classificar os elementos do saber e da prática. Seu príncípio não é o
da Razão, que sintetiza os opostos e suprime os contraditórios numa identidade
mais elevada.
53 Para maiores detalhes sobre
esta visão orgânica do Estado, cf. Roberto Romano, "A fantamagoria
Orgânica" in Corpo e Cristal, Marx Romântico (RJ, Guanabara,
1987).
54 "Der Begriff des Konkreten" in Vorlesungen
über die Geschichte der Philosophie (Vol. I) Werke in zwanzig Bänden
(18) (FAM, Suhrkamp Verlag, 1973), página 42 e seguintes. Hegel insiste no
conceito ao apresentar a filosofia de Platão, que "constitui um ponto
nodal em que se unem verdadeiramente, de forma concreta, todos os princípios
abstratos e unilaterais. Ao descrever a noção geral da história da filosofia,
vimos que que na sua trajetória e desenvolvimento progressivo do pensamento
filosófico é preciso dar-se, necessáriamente, certos pontos nodais onde o
verdadeiro aparece de modo concreto. O concreto é unidade de distintas
determinações e princípios, para se desdobrar, para que se revelem à
consciência de modo claro e preciso é preciso que os comecem estabelecendo para
si" (Werke in zwanzig Bänden, volume 18, página 23).
55 Gilbert Gérard: Le
concept hégélien de l´Histoire de la Philosophie (Paris, Vrin, 2008)
página 36 e seguintes.
56 "Hegel écrit dans sa Logique
: ´L’abstraction n’est pas vide, elle est le concept déterminé. Mais tout
concept déterminé est vide dans la mesure où il ne contient pas la totalité,
mais seulement quelque chose d’unilatéral.´ Même s’il a par ailleurs un contenu
concret : homme, État, animal, il reste un concept vide dans la mesure où sa
caractéristique ne donne jamais le principe de ses différences. Quand
l’intuition ou la pensée ne désignent pas seulement l’un des termes mais la
totalité structurée on peut dire qu’elle est une pensée concrète parce qu’elle
offre en même temps le mouvement qui la constitue.". "La pensée
abstraite détourne-t-elle de la réalité?", documento sem indicação de
autoria, no endereço
http://www.editionsosiris.fr/victor/pensee%20abstraite.doc. Acessado no dia
08/10/2009, as 9:38 AM.
57 Vorlesungen über die Geschichte der
Philosophie (I) in Werke in Zwanzig Bänden [18] (FAM, Suhrkamp Verlag),
página510.
58 Hegel, em nota, cita o caso da
Espanhe e de Napoleão
59 O termo Haufen pode significar
"agregado, massa, multidão".
60 Rousseau teve o mérito de estabelecer o princípio da vontade como base do Estado. "Mas como ele concebeu a vontade apenas sob a forma determinada da vontade individual (Fichte fará o mesmo mais tarde) e a vontade geral não é o racional em si e para si na vontade, mas apenas o que deduz como o interesse comum em cada vontade individual consciente de si mesma, a associação dos indivíduos no Estado se torna, em sua doutrina, um contrato. Este contrato tem por fundamento o livre arbítrio dos indivíduos, sua opinião (Meinung) seu consentimento livre e explícito. O que, por consequência lógica, tem por resultado destruir (o termo é Zerstörung, o mesmo usado por Lukács para falar da razão estraçalhada pelo irracionalismo) o divino existente e si e para si, sua autoridade e majestade absolutas". Uma vez chegadas ao poder "tais abstrações ofereceram o espetáculo monstruoso (ungeheure Schauspiel) que foi possível assistir desde o início da Humanidade: a tentativa de recomeçar inteiramente a Constituição de um Estado, destruindo tudo o que existia e se apoiando no pensamento para dar uma base a este Estado que supunha-se ser racional. Mas ao mesmo tempo, porque se tratava de abstrações sem Idéia (Ideenlose Abstraktionen) esta tentativa trouxe a situação mais terrível e a mais cruel". §258, nota.
60 Rousseau teve o mérito de estabelecer o princípio da vontade como base do Estado. "Mas como ele concebeu a vontade apenas sob a forma determinada da vontade individual (Fichte fará o mesmo mais tarde) e a vontade geral não é o racional em si e para si na vontade, mas apenas o que deduz como o interesse comum em cada vontade individual consciente de si mesma, a associação dos indivíduos no Estado se torna, em sua doutrina, um contrato. Este contrato tem por fundamento o livre arbítrio dos indivíduos, sua opinião (Meinung) seu consentimento livre e explícito. O que, por consequência lógica, tem por resultado destruir (o termo é Zerstörung, o mesmo usado por Lukács para falar da razão estraçalhada pelo irracionalismo) o divino existente e si e para si, sua autoridade e majestade absolutas". Uma vez chegadas ao poder "tais abstrações ofereceram o espetáculo monstruoso (ungeheure Schauspiel) que foi possível assistir desde o início da Humanidade: a tentativa de recomeçar inteiramente a Constituição de um Estado, destruindo tudo o que existia e se apoiando no pensamento para dar uma base a este Estado que supunha-se ser racional. Mas ao mesmo tempo, porque se tratava de abstrações sem Idéia (Ideenlose Abstraktionen) esta tentativa trouxe a situação mais terrível e a mais cruel". §258, nota.
61Na Encyclopédie de Diderot
"Moment, s. m. dans le tems, (Méch.) est une partie très-petite &
presqu'insensible de la durée, qu'on nomme autrement instant. Le mot instant se
dit néanmoins plus proprement d'une partie de teins non seulement très-petite,
mais infiniment petite; c'est à-dire, plus petite qu'aucune partie donnée, ou
assignable. Voyez Tems. Moment, dans les nouveaux calculs de l'infini, marque
chez quelques auteurs, des quantités censées infiniment petites. (...) C'est ce
qu'on appelle autrement & plus communément différences; ce sont les
augmentations ou diminutions momentanées d'une quantité considérée, comme dans
une fluxion continuelle. Voyez Différentiel & Fluxion. Moment ou Momentum,
en Méchanique, signifie quelquefois la même chose qu'impetus, ou la quantité du
mouvement d'un mobile. Voyez Mouvement. Dans la comparaison des mouvemens des
corps, la raison de leurs momens est toujours composée de celles de la quantité
de matiere, & de la vitesse du mobile, de façon que le moment d'un corps en
mouvement peut être regardé comme le produit sait de sa quantite de matiere
& de sa vîtesse; & comme on sait que tous les produits égaux ont des
facteurs réciproquement proportionnels, il s'ensuit de là que si des mobiles
quelconques ont des momens égaux, leurs quantités de matiere seront en raison
inverse de leurs vîtesses; c'est-à-dire, que la quantité de matiere du premier
sera à la quantité de matiere du second, en raison de la vîtesse du second à
celle du premier: & réciproquement, si les quantités de matiere sont réciproquement
proportionnelles aux vìtesses, les momens sont égaux. Le moment de tout mobile
peut aussi être considéré comme la somme des momens de toutes ses parties;
& par conséquent si les grandeurs des corps & le nombre de leurs
parties sont les mêmes, ainsi que leurs vîtesses, les corps auront les mêmes
momens. " Em outro verbete a Encyclopédie remete, no plano do momentum,
para a filosofia de Leibniz, em consonância à de Aristóteles: "En 1711 il
adressa à l'académie des Sciences sa théorie du mouvement (...) & à la
société royale de Londres, sa théorie du mouvement concret. Le premier traité
est un système du mouvement en général; le second en est une application aux
phenomenes de la nature; il admettoit dans l'un & l'autre du vuide; il
regardoit la matiere comme une simple étendue in différente au mouvement &
au repos, & il en étoit venu à croire que pour découvrir l'essence de la
matiere, il falloit y concevoir une force particuliere qui ne peut gueres se
rendre que par ces mois, mentem momentantam, seu carentem recordatione, quia
conatum simul suum & alienum contrarium non retineat ultro momentum,
adeòque careat memoriâ, sensu actionum passionumque suarum, atque cogitatione.
Le voilà tout voisin de l'entéléchie d'Aristote, de son système des monades, de
la sensibilité, propriété générale de la matiere, & de beaucoup d'autres
idées qui nous occupent à présent. Au lieu de mesurer le mouvement par le
produit de la masse & de la vitesse, il substituoit à l'un de ces élémens
la force, ce qui donnoit pour mesure du mouvement le produit de la masse par le
quarré de la vîtesse. Ce fut-là le principe sur lequel il établit une nouvelle
dynamique; il fut attaqué, il se défendit avec vigueur; & la question n'a
été, sinon decidée, du-moins bien éclaircie depuis, que par des hommes qui ont
réuni la Méthaphysique la plus subtile à la plus haute Géométrie. Voyez
l'article Force. ". Quem deseja maiores informes sobre o pensamento de
Diderot sobre Leibniz, veja o verbete inteiro intitulado "Léibnitzianisme
ou Philosophie de Léibnitz".
62 Cf. Daniel Brown, Gerard Manley Hopkins: Hopkin´s
idealism: philosophy, physics, poetry ( Oxford, University Press,
1997), páginas 186-187.
63 "Encontramos nas teorizações sobre a
natureza, a sociedade, o homem, paradigmas extraídos especialmente do nosso
próprio corpo, ou dos instrumentos por nós produzidos. Ou projetamos o cosmos e
o social como imenso corpo, e ampliamos ao máximo o modelo do organismo, ou
ideamos o universo na figura de refinada máquina, construída por um demiurgo, cujo
ato devemos repetir. À linhagem mecânica, de Platão a Hobbes e aos philosophes
das Luzes, contrapõe-se a seqüência orgânica, seguindo de Aristóteles aos
estóicos, e deles aos românticos. Evidentemente, nenhum desses paradigmas foi
utilizado, sempre, de modo unívoco ou sem "contaminações" pelo seu
oposto. Nem tudo em Aristóteles é "orgânico". Georges Canguilhem
mostra as dificuldades encontradas, nesse sentido, para se definir uma ou outra
perspectiva. (...) Devemos, na realidade, fazer descer até Aristóteles a
assimilação do organismo a certa máquina (...) Aristóteles encontrou, na
construção das máquinas de guerra, como as catapultas, a permissão de assimilar
a movimentos mecânicos automáticos os movimentos dos animais. (...) Ele
assimila efetivamente os órgãos do movimento animal aos `organa', ou seja,
partes de máquinas de guerra, por exemplo, o braço de uma catapulta que vai
lançar o projetil (...) Ele foi fiel, neste ponto, a Platão, o qual, no Timeu,
definiu o movimento das vértebras como se fossem os de gonzos". Cf.
Canguilhem, G. "Machine et organisme", in: La connaissance de
la vie. Paris: Vrin, 1980, pp. 107-108. “ Cf. Roberto Romano : “A crise
dos paradigmas e a emergência da reflexão ética, hoje” in Revista
Educação e Sociedade, volume 19, número 65, dezembro de 1998.
64 Cf. Roberto Romano: "Prefácio" a Franz
Rosenzweig, Hegel e o Estado (São Paulo, Ed. Perspectiva, 2008);
"A dança e a Lira: notas sobre a Guerra e a Paz en Hegel, Empédocles e
Hölderlin" e também "Hegel e a Guerra" in O Caldeirão de
Medéia (São Paulo, Ed. Perspectiva, 2001), páginas 87 a 101.
65 O Dicionário Hegel
de M.J. Inwood pode ser de alguma ajuda neste ponto. Diz o autor que Hegel
distingue entre um agregado (no qual as partes são anteriores ao todo) e no
qual o todo só pode ser conhecido se entendermos cada uma das partes. Tal
agregado, diríamos, seria a massa atomizada de indivíduos que não podem
responder pela Constituição do Estado. Já Das Ganze é usado para um todo
como o Espírito, um organismo ou sistema, cujas partes não podem ser removidas,
ou só podem ser removidas com prejuízo para as partes restantes. Tal todo não é
feito por agregação, mas por desenvolvimento de seu conceito. O todo é anterior
às partes e estas só podem ser compreendidas nos termos do todo. Cada parte
serve ao telos do Todo. "A verdade é o todo. Mas o todo é apenas a
essência (Wesen) que aperfeiçoa a si mesma em seu desenvolvimento".
Ele usa muitas vezes o termo Teile de semelhante todo, mas prefere com
frequência a palavra Glieder (membros), Organe ou Momente
(momentos) que não sugerem ser a parte separável. Este conceito aparece em
Aristóteles, místicos como Böhme e Kant. Ele pode ser comparado ao to pan
da Metafísica aristotélica (o todo, a totalidade) das partes e to
holon (o todo). Um holon para Aristóteles não é apenas o todo das suas
partes, mas ele tem uma causa interna de unidade, uma forma. O latim para ganz
é totus, que deu nascimento, na escolástica, ao totalis e à totalitas.
No século 16 alemão eles se tornaram total e Totalität. Este último termo
significa "totalidade" tanto no sentido de completude, inteireza e de
uma totalidade, um todo. Ele difere de Ganzheit em dois aspectos: ele
não precisa sugerir a articulação interna característica de um todo, mas deve
referir à Allheit (ou to pan). Kant fala de uma absoluta Totalität das
condições das entidades condicionadas que está sob as idéias transcendentais ou
uso especulativo da razão (CRP, A 407, B434ff). Aqui ele sublinha
a inatingível completude, Allheit, das condições, não suas iterrelações
sistemáticas. Totatität marca mais enfaticamente do que das Ganze
a completude do todo, o fato de que nada é deixado fora dele. Um indivíduo
integra o Estado, o seu todo como totalidade. O uso de Hegel da palavra Totalität
varia. Ele vai de um simples agregado químico como "a totalidade das
reações (de um elemento quimico e de outros) presente apenas numa soma total,
não como infinito retorno a si mesmo (Enciclopédia, II, § 336A).
Mas com maior frequencia é o todo que a tudo envolve. Totalidades são entes que
pertencem "essencialmente à razão, ao pensamento do que é concreto,
universal: alma, mundo, Deus (Enciclopédia I, § 30). O princípio
de totalidade proibe aplicar a semelhantes entidades um par de predicados
opostos, que excluiria o outro (Enciclopédia, I § 32A). Cf. M.J.
Inwood: A Hegel Dictionary (Wiley Blackwell, 1992) página 309 e
seguintes.
66 Cf. Robert Derathé, nota 42 des Leçons sur la Philosophie du Droit (Paris, Vrin, 1975), p. 294.
66 Cf. Robert Derathé, nota 42 des Leçons sur la Philosophie du Droit (Paris, Vrin, 1975), p. 294.
67Eric Weil, no livro Hegel e o Estado,
citado por Robert Derathé, op. cit. página 299.
68 Franz Rosenzweig: Hegel e o Estado
(São Paulo, Ed. Perspectiva, 2008) páginas 474 e 475. Para uma exposição do
poder executivo em Hegel, conferir na mesma obra as páginas 476 e seguintes.
69 McCormick cita o artigo de Schmitt intitulado
"Die andere Hegel-Linie: Hans Freyer zum 70. Geburtstag" in Christ
und Welt 30 (25 de julho, 1957). Cf. Carl Schmitt´s Critique of
Liberalism, against politics as technology (Cambridge, University
Press, 1997), página 37, nota 19.
70 Mcormick, página 47.
71 O texto de Fraenkel tem como título The
Dual State: a contribution to the theory of dictatorship (New York,
Octagon Books, 1969). A primeira edição é de 1941. McCormick, página 247.