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sábado, 25 de fevereiro de 2017

No Blog do Padre Telmo Figueiredo

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O que é decoro?

Indecoro
Roberto Romano
Professor de Filosofia e Ética
Se as mãos de muitos políticos estão sujas, ao menos limpem a língua.
Com muito sabão!
Quando a realidade política e social se degrada e atinge o insuportável, o discurso apodrece, evidencia sinais de morte. As formas administrativas do Brasil agonizam. Contra o que dizem muitos colegas da universidade, seguidos por inúmeros jornalistas, discordo da tese segundo a qual as nossas instituições “funcionam normalmente”. A menos, claro, que o critério da normalidade seja o hábito de formar quadrilhas para o roubo das riquezas físicas ou espirituais de um povo.
Mesmo em situações de crise a instituição e os indivíduos que a manejam devem manter o decoro. Esse é um cálculo difícil. Um gramático inglês do século 16 exemplifica: se a duquesa vai à corte, ela não pode usar roupas mais brilhantes do que a rainha. Mas se a mesma pessoa usa vestimentas inferiores às de suas iguais, é indecorosa. No cálculo do aceitável em sociedade, consideram-se o corpo próprio e os demais. E cada um merece tratamento relativo à sua dignidade.
O decoro surgiu na Grécia e recebeu um nome: Aidós. Trata-se da vergonha imposta a quem não se comporta em público. Penas severas eram aplicadas aos que, por educação falha ou vício de caráter, desrespeitavam os cidadãos de Atenas. Sem a vergonha os valores democráticos empalidecem porque o corpo e a língua indecorosos mostram que a lei foi corroída pela selvageria.
PÁRTENON - ATENAS (GRÉCIA)
Este templo dedicado à Atenas foi construído entre 480 e 323 a.C.
Na Idade Média o decoro foi retomado pelos monges. A roupa e os gestos não poderiam depor contra um religioso que, supostamente, tinha optado pela pobreza. Frades vestidos como barões eram a prova de que os votos sagrados haviam sido desobedecidos. Daí o uniforme das ordens, sem enfeites de prata, ouro, pedras preciosas. A “dama pobreza”, segundo Francisco de Assis, exige que seus pretendentes vivam como ela, vestida apenas pela graça divina. A língua deveria seguir a mesma regra.
Da Renascença em diante, o decoro passou a nortear as palavras, as roupas, os gestos dos reis, dos nobres, dos burgueses. Ele é um exercício de respeito aos outros e meio de garantir o respeito a si mesmo. Quem não tem prerrogativas, mas quer exercê-las, é indecoroso. Um hóspede que toma o papel da dona da casa, indicando aos demais o lugar onde devem tomar assento, é indecoroso. E se a anfitriã deixa o indiscreto fazer o gesto inconveniente, ela é indecorosa. Sua prerrogativa não deve ser negada sequer pelo marido, pelos filhos, pais, etc. Se um bispo comum, numa visita papal, ousa dar a bênção Urbi et Orbi... ele não apenas enlouqueceu, mas seu ato é indecoroso.
Uma regra que ajuda a decidir as inclinações à moda chinesa, quando pessoas estão diante da porta: não é a mais jovem, mais bonita, mais velha a ceder a passagem. Dá o lugar quem o possui. Se o mais jovem é presidente da República, ele cede a passagem, primeiro aos velhos, depois às mulheres, depois aos demais. Não é falta de respeito um inferior na escala governamental passar primeiro.  É indecoro do que detém o mais alto cargo não ceder a passagem, mostra que ele ignora a etiqueta e as verdadeiras prerrogativas do seu posto.
Assim, na escrita, diz o citado gramático inglês do século 16: se um autor não usa imagens no texto, é indecoroso por desprezar a fantasia e o gosto do leitor. Se as usa aos borbotões, é indecoroso, pois despreza inteligências e culturas. O poeta decoroso jamais dirá algo como “a face rosada e fina do general”. É indecente um general ter faces que só cabem às crianças e às raparigas em flor.
Se uma autoridade quer ser respeitada, deve respeitar o povo (que fica chocado com palavrões e outras marcas de indecoro). Certas falas devem ser evitadas. Não por causa do hipócrita “politicamente correto”. Trata-se de algo sério. Os reitores são “magníficos”, mesmo se não ostentam magnificência. A comunidade acadêmica é a proprietária do título, usado em seu nome. Deputados, senadores, edis são “excelentíssimos” não porque sejam dotados de excelência. O título pertence ao soberano, o que possui a maiestas, termo latino para designar o ente mais elevado no coletivo. Na monarquia, a maiestas é apanágio do rei, que usa o título em nome do povo. Na democracia é o próprio povo que a empresta, a cada eleição, aos representantes. É assim que o decorum exige tratar o povo com respeito. Não por “boa educação”, mas por subordinação da “autoridade” diante de quem a “autoriza”. E a regra funciona para todos os Poderes, incluindo o Judiciário e o militar. Sem tal respeito, temos larápios da soberania, não representantes. 
CONGRESSO NACIONAL - BRASÍLIA (DF)
Sede da Câmara dos Deputados e do Senado Federal

A expressão “soberania popular” e o termo “majestade” incomodam ouvidos indecentes. Mas eles permitem reconhecer a força das normas democráticas. Somos herdeiros do mundo grego e latino em práticas e valores. O Direito e a política não fogem à regra. No Estado moderno as ideias de soberania e majestade, contra o exercício ditatorial ou aristocrático do mando, aplicam-se à totalidade dos cidadãos (Thomas, Y., L’Institution de la Majesté, em Revue de Synthèse, julho/dezembro de 1991).
Faltar com o decoro diante da maiestas é destruir a fé pública. Um político não tem o direito de ser leviano. Seu ofício exige ponderação, a gravitas. Para os romanos, a gravitas comanda uma atitude “que não se curva em proveito do sucesso político passageiro" (Yavetz, Z., La Plèbe et le Prince).
O representante não pode tratar os cidadãos como crianças. Ele deve ser o portador de uma gravitas dicendi. “Suruba”, “canalha” e quejandos são termos levianos. A boca suja pode ser aceita entre malandros, na sua vida íntima. Mas na língua de quem decide sobre os bens públicos, com repercussões vitais sobre o País, semelhantes vocábulos indicam apenas... levitas indigna de qualquer democracia.
Se as mãos de muitos políticos brasileiros estão sujas, que eles pelo menos limpem a língua. De preferência com muito sabão.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Terça-feira, 21 de fevereiro de 2017 –Pág. A2 – Internet: clique aqui.

Democracia e Luzes. Aula Magistral, programa de aulas da Unicamp.

Democracia e Luzes. Aula Magistral, programa de aulas da Unicamp.

http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/76B3RH83KYNO/

Razão de Estado, Roberto Romano

Razão de Estado. Roberto Romano

RAISON D´ÉTAT
Roberto Romano
Maquiavel se movimenta na vida efetiva e na História, imagem desta vida. Ele é um escritor cuja superioridade sobre os demais de seu campo é inegável. Ao contrário dos autores que seguem o paradigma ideal para indicar tarefas aos governantes e ao Estado, ele pensa segundo princípios diferentes, pois julga mais útil seguir a efetividade das coisas em vez de um modelo imaginado. Ela nada diz sobre repúblicas nunca vistas na ordem histórica. Se fossem seguidos semelhantes modelos imaginários, o governante aprenderia mais a arte de perder o poder do que o conservar. Pois um homem de bem, imerso na multidão dos que não são bons, perece necessariamente.

O juízo de Fichte sobre Maquiavel, parafraseado acima, é lembrança direta do Tratado Político redigido por Spinoza. “Os filósofos concebem as emoções que se combatem entre si, em nós, como vícios em que os homens caem por erro próprio; é por isso que se habituaram a ridicularizá-los, deplorá-los, reprová-los ou, quando querem parecer mais morais, detestá-los. Julgam assimagir divinamente e elevar-se ao pedestal da sabedoria, prodigalizando toda a espécie de louvores a uma natureza humana que existe em parte alguma e atacando através dos seus discursos a que realmente existe. Concebem os homens, efetivamente, não tais como são, mas como eles próprios gostariam que fossem. Daí, por consequência, que quase todos, em vez de uma ética, tenham escrito uma sátira, e não tenham relativamente à política concepções que possam ser postas em prática, devendo a política, tal como a concebem, ser tomada por quimera, ou pertencente ao dominio da Utopia ou da Idade do Ouro, ou seja, a um tempo em que nenhuma instituição era necessária. Assim, entre todas as ciências que têm uma aplicação, é a política o campo em que a teoria passa por diferir mais da prática, e não há homens que se pense menos adequados para governar o Estado do que os teóricos, os filósofos. (TP, I).

Não se deve julgar Maquiavel, afirma Fichte, usando conceitos que ele desconhece, numa lingua que ele não fala. O pior é quando são citados os seus escritos como se formassem uma espécie de tratado de direito constitucional contemporâneo, colocando-o, séculos depois de sua morte, numa escola onde, ainda vivo, ele não teve condições de frequentar. Fichte refere-se, neste ponto, à confraria de má fama dos pensadores postos na rubrica infame: raison d´État.

Com certeza O Príncipe, escreve o idealista alemão do século 19, foi ideado com o desejo de introduzir alguma estabilidade e duração nas turbulentas repúblicas italianas. Por isso, o primeiro dever do principe exige a conservação de si (Selbsterhaltung) e sua virtude suprema e única é o espírito de consequência. Maquiavel não diz, alerta Fichte, “seja um usurpador, ou tome o poder por meios canalhas. A sua primeira obrigação é refletir se a tomada do poder pode ser bem sucedida. Ele diz ao governante em nome dos governados: ´se você é um usurpador, ou se você se apossou do poder usando meios canalhas, é preferível para nós conservar o seu poder, em vez de nos submeter a um novo usurpador ou esperar que uma nova canalha (Buben) lhe suceda e suscite novos tumultos ou canalhices novas. Devemos desejar que você seja mantido, mas isto só pode ocorrer de tal ou tal maneira´”. ( )

Não admira o apreço de Fichte ao Florentino. Entusiasta da Revolução Francêsa e admirador, naquele movimento, do partido mais radical, o jacobino, o filósofo enfrenta a difícil tarefa de justificar os atos revolucionários (execução do rei, Terror, etc) e a manutenção do Estado democrático francês. Como pensa num instante em que a Revolução entra em refluxo, suas esperanças são destruídas e ele passa a se interessar pela nação alemã, fragmentada como a Itália do tempo maquiavélico em inúmeros pequenos Estados (a chamada Kleinstaatarei). A história do pensamento político europeu, após Napoleão, é a crônica das lutas pelo poder de Estado, as tentativas de impôr limites aos governos, as revoluções liberais e socialistas cujos fracassos levam ao reforço do Executivo em detrimento das outras faces estatais. No final desse período, após as aventuras de Napoleão 3 (narradas com lucidez extrema por Karl Marx, no 18 Brumário de Luis Bonaparte), surge a figura impar de Bismarck, a personificação primorosa da Raison d´État. Antes de analisar o peso do Chanceler de Ferro nas representações.

Razão de Estado é termo nascido no Renascimento tardio. Em nossos dias a palavra significa o recurso da força ou instrumento excepcional a serviço do poder político que busca conservar o mando ou garantir a ordem social. De Giovanni Botero (1589) até Scipione Chiaramonti (1635), o termo adquire uma polissemia estonteante, mas sempre com a permanência da idéia central de conservação do poder e disciplina da coletividade humana concreta. O ápice do prestigio usufruído pela fórmula encontra-se no Estado absoluto, posto acima e fora das instituições comuns da sociedade e mesmo dos procedimentos jurídicos tradicionais, seja no setor do direito romano modificado pela Igreja, seja no campo do direito natural antigo ou moderno. Como a própria expressão indica, o poder absoluto não possui nenhuma amarra que o prenda aos ritos religiosos e jurídicos anteriores ao seu surgimento.
A doutrina do absolutismo encontrou muitos representantes na Europa moderna. O modelo mais perfeito, no entanto, foi ideado por James I, para quem o soberano não deve satisfações aos parlamentos, aos juízes, aos súditos. Esta tese foi combatida desde longa data na Inglaterra. No tempo de Bacon e de Hobbes, Edward Coke defendeu a independência dos juizes contra a Igreja Anglicana e contra James I. Ao replicar ao rei que defendia suas prerrogativas contra “os advogados”, Coke afirma que o soberano “não foi educado no conhecimento das leis da Inglaterra”. James I, mais do que ofendido, afirmou que se Coke tivesse razão, ele deveria estar sob a lei, “ traição evidente”. E o governante cita Bracton : “Rex non debet esse sub homine sed apud Deo et lege”. O autor do Basilicon Doron e do tratado The True Law of Free Monarchies or the Mutual Duty Betwist aa Free King and His Subjects, escrevera que “um bom rei enquadra todas as suas ações segundo a lei; mas ele prende-se a ela só pela sua boa vontade e para dar exemplo aos súditos. Ele é o senhor sobre todas as pessoas, tem poder de vida e morte. Embora um principe justo não tire a vida de nenhum súdito sem uma lei clara, a mesma lei com a qual ele tira a vida é feita por ele mesmo ou por seus predecessores”. Além de pai do povo, o rei, segundo Jaime, seria o professor universal, pois os súditos são fracos e ignorantes. E assim, ele é em tudo independente do judiciário: “A ruindade de um rei nunca pode fazê-lo ser julgado pelos juízes que ele próprio ordenou”.

Na fala ao Parlamento de 1616, ele proclama que “os reis são justamente chamados deuses; pois eles exercem um modo de semelhança do Divino poder sobre a terra. Porque se forem considerados os atributos de Deus, ve-se o quanto eles concordam com a pessoa de um rei. Deus tem poder de criar ou destruir, fazer ou desfazer ao seu arbitrio, dar vida ou enviar a morte, a todos julgar e a ninguém prestar contas (to be accountable). O mesmo poder possuem os reis. Eles fazem e desfazem seus súditos; têm poder de erguer e abaixar; de vida e morte; julga acima de todos os súditos em todos os casos e só deve prestar contas a Deus (yet accountable to none but God). Eles têm o poder de exaltar as coisas pequenas e rebaixar as altas e fazer de seus súditos como fazem os jogadores com as peças de xadres”.

Ainda em 1616 o monarca assim se dirigiu aos juízes da Star Chamber: “não usurpem a prerrogativa da Coroa. Se aparecer uma questão ligada à minha prerrogativa ou mistério do Estado, trato que não lhes diz respeito, consultem o rei ou o seu conselho, ou ambos; porque tais matérias são transcendentes. As prerrogativas absolutas da Coroa não é assunto para a lingua de um advogado, nem é legal disputar sobre elas”. Coke em companhia de outros juristas foi preso na Torre de Londres por nove meses, devido à resistência à referidas prerrogativas. Não é por acaso que James I evocou Bracton para afiançar o seu poder. Mas dele fez uma leitura unilateral ao acentuar o seu mando em trato com o ser divino. ( )

Bracton ( ), em vez de garantir um poder sobrenatural absoluto do rei, recolhe o debate sobre as bases pelas quais os dirigidos devem e podem obedecer aos reis e magistrados. No De legibus et consuetudinibus Angliae Bracton vai ao ponto: “o poder do rei refere-se à geração da lei e não à injúria.” ( ) Gerador da Lei, o rei define-se como o seu intérprete maior. “O rei é filho da lei, mas torna-se pai da lei” e sua legitimidade requer a base teológica. “O rei”, afirma Bracton, “não tem outro poder, desde que ele é o vigário de Deus e seu ministro na terra, exceto isto apenas, que ele deriva da lei”.

E mais: “o próprio rei deve estar, não sob o homem, mas sob Deus e sob a lei, porque a lei faz o rei…Porque não existe rei onde domina a vontade arbitrária e não a lei”. Se o círculo do rei como maior et minor se ipso se quebrar e se desaparecer a interpretação correta da lei, o governante tomba na situação de puro tirano. Em termos teológicos Bracton chega à solução : o rei é semelhante a Deus (sobre a lei) quando julga, legisla e interpreta a lei. Ele é sob a lei porque a ela se submete. O nexo entre rei e Deus prolonga o mandamento de que Nullum tempus currit contra regem (o tempo não corre contra o rei), o que implica no enunciado de que Longa possessio parit ius (a longa possessão gera o direito). Tudo o que se liga aos bona publica é integrado no registro a-temporal e são res quasi sacrae. Na teologia jurídica os Bona patrimonialia Christi et fisci comparantur (pode-se comparar os bens patrimoniais do Cristo e do fisco). Cristo e Fisco tornam-se comparáveis quanto à inalienabilidade e à prescrição. O sacratissimus fiscus torna-se alma do Estado. Como Cristo, Fiscus ubique praesens.

James I afirma o “mistério do Estado”. O segredo, no entanto, não pode ser atribuído apenas à instituição estatal. Os momentos decisivos do Estado moderno, a sua inauguração enquanto poder secular e sem a tutela religiosa, se inicia com a necessidade urgente de saber sobre o que e sobre quem reinava o principe.

A razão de Estado afasta os conceitos teológico-politicos e assume a linguagem do interesse de Estado. Neste processo, juristas e teólogos como Botero, em resposta ao desafios de Maquiavel, definem o uso legítimo dos poderes tendo como alvo manter e expandir os bens públicos. ( ) A nova razão de Estado incorpora o segredo para garantir o gabinete real, lugar onde não são admitidos os homens comuns.

Do gabinete onde se oculta, o príncipe nota o que para a maioria dos cidadãos passa desapercebido. Este ideal do governo que tudo enxerga, tudo ouve, tudo alcança, é a base histórica dos atuais serviços de informação. O governante acumula segredos e deseja os súditos sejam exposto a uma luz perene. Desse modo se estabelece a heterogeneidade entre governados e dirigentes. Na aurora dos tempos modernos “a verdade do Estado é mentira para o súdito. Não existe mais espaço político homogêneo da verdade; o adágio é invertido: não mais fiat veritas et pereat mundus, mas fiat mundus et pereat veritas. As artes de governar acompanham e ampliam um movimento político profundo, o da ruptura radical (…) que separa o soberano dos governados. O lugar do segredo como instituição política só é inteligível no horizonte desenhado por esta ruptura (…) à medida que se constitui o poder moderno. Segredo encontra sua origem no verbo latino secernere, que significa separar, apartar”. ( ).

A palavra razão de Estado surge na Itália durante a segunda metade do século 16. No Del reggimento di Firenze, Francesco Guicciardini por volta de 1523, fala numa “ragione degli Stati”, designando a razão “pouco cristã e pouco humana” do mundo político. Um interlocutor do diálogo, Bernardo, afirma que se em questões de governo surge um mal, é dificil saná-lo sem medicação forte, sem crueldade. Impossível governar com os preceitos evangélicos, as normas do Sermão da Montanha.

Ragion di Stato aparece na Orazione a Carlo V (1547) de Giovanni Della Casa dirigida ao imperaror espanhol para pedir a restituição da cidade de Piacenza ao duque Ottavio Farnese. Della Casa distingue a voce barbara e fiera da ragion di Stato da ragion civil e argumenta que não podem existir duas práticas opostas, o útil distinto do honesto, a moral separada da política. Duas razões diversas são alegadas, mas a primeira, a razão de Estado “opera com a fraude e a violência”. Em todos estes autores, a crítica à razão de Estado é ligada ao horror pela soberania laica do Estado contrária à moral religiosa, em especial a católica, a qual também estava imersa em questões de Estado, com os territórios pontifícios.

Razão de Estado, após o século 16, passa a recolher o tema da conservação política. Vejamos numa rápida inspeção, os principais autores que dissertaram sobre o tema. O primeiro autor relevante é Giovanni Botero. O livro Della Ragione di Stato (1589), surge como a primeira elaboração teórica do projeto de conservação do Estado.”Estado é um domínio firme sobre os povos; e Razão de Estado é notícia dos meios aptos a fundar, conservar, e ampliar um dominio assim feito. É verdade que, embora absolutamente falando a razão de Estado liga-se às três partes mencionadas, parece no entanto, que abrace mais estreitamente a conservação do que as outras; e além disso ligue-se mais à ampliação do que à fundação”.

Ragion di Stato é a busca dos instrumentos idôneos para conservar o que se realizou, as situações de poder político adquirido. Trata-se de “manter firmemente, quando cresceram, sustentá-las de tal modo que não se degradem e não se precipitem, é empreendimento de um valor singular, e quase superhumano”. A prudência política é o centro da reflexão de Botero. Trata-se de uma forma de ars practica, no sentido aristotélico, a capacidade de usar o conhecimento dos fatos e dos saberes diversos para os fins da ação política. O governo deve contar com notícias aprofundadas das coisas e da prática. Com tais notícias acumuladas, são estabelecidos códigos de comportamento. O governante identifica problemas que exigem a sua intervenção para fins técnicos ou disciplinares aos governados. Com as noticias e os comportamentos, os governam ganham tempo na ação, garantindo a conservação do coletivo. As práticas políticas prudenciais abreviam o tempo, trazendo o futuro para o presente. O dominio do tempo regula-se segundo a prudência, na fórmula de Botero, “non fare novità”. O governante deve reduzir ao mínimo as situações de excepcionalidade, definindo padrões habituais de intervenção.

Entre as técnicas de governo, a Razão de Estado privilegia o tempo oportuno. O poder deve usar a dissimulação para isolar o objeto a ser tratado dos demais a ele relacionados. Com semelhantes estratagemas, o governante ganha tempo e pode acelerar ou retardar atos, ficando menos sujeito às pressões cronológicas, o que permite a previsão que lhe garante a iniciativa em situações de conflitos ou dificuldades econômicas.

A razão de Estado procura, no interior do corpo social e político, os setores que mais ganham ou perdem com a conservação do poder. Aos primeiros, ela arrebanha e aos segundos, procura afastar. Com isto, define o consenso que lhe fornece a legitimação. Claro que, neste ponto, o governante deverá diminuir o poder dos muito fortes e promover os “mezani”, os que possuem interesses médianos, que não são muito ricos ou muiro pobres. Os muito pobres são “pericolosi alla quiete pubblica” pois não têm interesse algum para salvar : “deve dunque il Re assicurarsi di costoro, il che farà in due maniere, o cacciandoli dal suo Stato, o interessandoli nella quiete di esso; … s’interesseranno con l’obligarli a far qualche cosa, cioè ad attendere, o all’agricoltura, o all’arti; o ad altro essercizio, col cui emolumento possano mantenersi”. Afinal, “ragion di Stato è poco altro, che ragion di interesse”.

O governo da razão de Estado busca organizar a cidade na qual são reconhecidas as razões de interesse e os artifícios que permitem a obediência civil. Contra Botero, Fabio Albergati, no livro La republica regia (1627), recusa a ragione e l’interesse do Estado, em prol das razões naturais e morais que sustentariam o poder político: “o saber operar por razão de Estado absolutamente, o que ocorre com todos os Estados e repúblicas, é obra do legislador universal (…) prudente civil que, conhecendo toda forma de governo sabe conformar a forma ao mode de operação. Operar por razão particularizada deste ou daquele Estado, é próprio do legislador desta ou daquela república. Razão de Estado absoluta é a regra, pela qual o legslador absoluto opera em cada Estado segundo a sua forma”.

Ragion di Stato, instrumento de governo usado por todos os governantes, deve unir-se à prudência civil que garante o elo (explicitado por Aristóteles) entre o que é honesto e o que é útil. Embora de fundamento católico, a base da doutrina de Albergati não é transcendente : “as razões do político modernos devem ser refutadas não com termos da fé, mas com a razão natural”. Mesmo Albergati, no entanto, admite a prática da dissimulação pelo governante, o que apresenta problemas para a sua idéia do honesto em política.

Federico Bonaventura, no Della Ragion di Stato et della prudenza politica (1623), procura demonstrar, baseando-se em Aristóteles e na escolástica, que a ragion di Stato pertence à virtude moral e à prudência civil. Seu papel seria especialmente consultivo : “hábito prático de bem consultar e resolver segundo a reta razão as coisas mais importantes da república”. Esta capacidade consultiva não se vincula às obrigações das leis ou à administração impessoal da justiça ; nos casos particulares que tratam do que é justo mas não escrito e nas questões duvidosas , a ragion di Stato “muda e altera sempre, e corrige segundo a necessidade”. A razão de Estado não restringe a lei, mas a interpreta ou a dilata , logo ela não vai contra a lei, “mas está sobre a lei”. Ragion di Stato é a disciplina política necessária a todos os governantes para realizar a saúde e a manutenção do Estado. Para tal fim, ela utiliza as insidie lecite contra os inimigos e artimanhas contra os cidadãos, para eccitare qualche virtuoso affetto.

A razão de Estado, em suma, é a mentira do poder. O resto que se diga sobre ela constitui apenas variação da pseudologia.

09/05/2016 Jornal da Unicamp Para Romano, acomodação da esquerda está na gênese da crise

09/05/2016

Jornal da Unicamp

09/05/2016

Jornal da Unicamp

Para Romano, acomodação da esquerda está na gênese da crise

Professor da Unicamp critica atuação do STF e prevê cenário político turbulento

Roberto Romano é graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Filosofia pela École des hautes études en sciences sociales (EHESS-Paris). É professor titular do Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É autor de diversas obras, entre as quais Moral e Ciência - AMonstruosidade do Século XVIII; O Caldeirão de Medéia, (São Paulo, Imprensa Oficial); Cidadania – Verso e Reverso (Editora Guanabara); Lux in Tenebris (Meditações sobre Filosofia e Cultura), (Cortez Editora); Silêncio e Ruído (Editora da Unicamp); Brasil, Igreja contra Estado (Editora Kayrós); e Conservadorismo Romântico (Editora Brasiliense).
Doutor em filosofia e professor de Ética Política no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Roberto Romano diz que, em boa parte, a crise política atual é resultado de uma acomodação da esquerda em relação ao esquema dominante do Estado brasileiro e suas raízes absolutistas. “É estranho se falar, hoje, em golpe da direita contra um sistema de esquerda. Boa parte dos ministros de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff pertence à direita. E tais alianças foram instituídas tendo em vista o realismo, a governabilidade”. E arremata: “Quem se alia a notórios defensores de golpes e de governos autoritários espera apoio fiel a políticas democráticas?”.
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Em entrevista ao Jornal da Unicamp, o filósofo examina o atual cenário político a partir de uma perspectiva histórica. “Não tivemos, como povo, experiências duradouras de ordem democrática”, observa. Romano também analisa a polarização política e ideológica, a atuação da mídia, o papel do Supremo Tribunal Federal e a Operação Lava Jato. E traça um quadro turbulento para o futuro: “O nosso problema se localiza no Estado antidemocrático, na sociedade idem, na ausência de qualquer accountability nos três poderes. O concreto mesmo é que em pouco tempo estaremos às voltas com crises mais graves do que a de hoje”.
Jornal da Unicamp – Desde a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, na Câmara e agora no Senado, a sociedade convive com dois discursos antagônicos. Os contrários ao processo afirmam que se trata de um “golpe”. Os que defendem a saída da presidente garantem que se trata de um processo constitucional. Em sua opinião, quem está com a razão?
Roberto Romano – É difícil encontrar alguma “razão” se a crise geral bate à porta de todos. Erich Auerbach, ao analisar a propaganda política no livro intitulado Mimesis, enuncia que o universo social é como um palco onde muitas cenas se apresentam. O propagandista coloca o holofote sobre algumas cenas, deixa as demais na penumbra. Assim, o público testemunha atos verdadeiros, mas não totalmente imersos na verdade. Para a verdade, diz ele, é preciso toda a verdade e nos momentos de luta e crise não sobra tempo para inspeções amplas.
Sim, tem motivos certos quem afirma ser o impeachment algo legal. Mas eles deixam nas sombras todo o jogo de interesses políticos, econômicos, religiosos que também deveriam ser considerados. Desde que o governo federal abriu as portas dos cofres para empresários, com juros baratos e larga margem de manobra, os donos do capital julgaram que tudo lhes é devido, sem riscos. Como disse um conhecedor do empresariado, este último vive do alimento estatal. Ademais, a ética golpista integra o universo de nossos supostos empreendedores. Sua presença foi essencial em 1964 e ao longo da ditadura.
Como todos os presidentes posteriores ao regime autoritário lhes deram o que puderam e não puderam, até o primeiro governo Dilma eles não retornaram ao seu antigo sestro. Quando perceberam que os cofres estavam vazios, para eles e para todos, iniciaram a campanha, de início sigilosa e depois aberta, para derrubar a governante.
Também do lado político, muito se agiu no segredo nos últimos tempos. Com a ameaça da Operação Lava Jato, surgiram no Congresso vários projetos de lei que pretendem preservar a corrupção e penalizar seus críticos. Eles poderão vigorar, como normas legais, com a mudança de governo. Medidas para coibir ações do Ministério Público estão na Câmara dos Deputados, e outras iniciativas que buscam preservar os representantes da população, contra ela. O sigilo vigorou também em reuniões preparatórias do impeachment.
JU – O sr. poderia exemplificar?
Roberto Romano – O parlamentar Heráclito Fortes (Arena, depois PFL, agora socialista!) deu uma longa entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, na qual narra as reuniões reservadas a poucos com o alvo de elaborar o impedimento da presidente. Os cenários jurídicos foram idealizados e expostos pelo ex-presidente do STF, Nelson Jobim (ministro de Luiz Inácio Lula da Silva), com a presença de outros juristas, políticos e mesmo de integrantes do PT (Henrique Fontana, Arlindo Chinaglia). Pergunto: quando parlamentares e juristas se reúnem sigilosamente, por mais de um ano, discutindo estratégias para o impeachment, inclusive com a presença de partidários do governo, não estaríamos diante de uma estratégia preparatória? Some-se a atividade da Fiesp a tal iniciativa, e teremos um quadro conspiratório efetivo, não um fantasma de golpe.
Agora, chegam as perguntas incômodas: o governo e seu partido, tendo nas mãos instrumentos de vigilância, foram tomados de surpresa ou receberam advertências sobre o rumo das coisas? Como os partidários do governo conviveram com tais atos visando a sua destituição? A resposta está na jaula das alianças encetadas desde o primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva.
O governo teve diante de si as tratativas para seu impedimento, boa parte delas lideradas por aliados. É estranho se falar, hoje, em golpe da direita contra um sistema de esquerda. Boa parte dos ministros de Luis Inácio da Silva e de Dilma Roussef pertence à direita. E tais alianças foram instituídas tendo em vista o realismo, a governabilidade. Temos aí resultado da acomodação da esquerda ao esquema dominante no Estado e na sociedade brasileira.
Quem se alia a notórios defensores de golpes e de governos autoritários (ACM, José Sarney, Jader Barbalho, Gilberto Kassab, Katia Abreu, Romero Jucá e outros, a lista é extensa) espera apoio fiel a políticas democráticas? No caso da Fiesp, a fábula de La Fontaine sobre o lobo e o cordeiro não foi lembrada: o lobo não se contenta com as concessões do cordeiro, ele exige tudo. Finanças e poder tendem para o absoluto e o convívio com poderosos nos dois campos é muito simples: tudo lhes é devido. O partido do governo imaginou ser possível partilhar com oligarcas regionais poderosos e com os suportes das finanças nacionais e internacionais o mando e os recursos. No início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, José Genoino disse algo importante: “estamos no governo, mas não temos o poder”. O esquecimento de tal realidade só poderia terminar em fim melancólico. O resultado aí está.
O impeachment é constitucional, mas a Constituição ou é um sistema de normas que regulam umas às outras, ou é apenas um ajuntamento de regras desconexas e ineficazes. Por exemplo: a determinação do impeachment, sobretudo por crime de responsabilidade, deve ser conectada ao mandamento do Capítulo VII, artigo 37. “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”.
Vejamos as cenas escondidas com o processo de impeachment. Este é contra um dos operadores do Estado, a presidente. Mas lancemos os olhos sobre parlamentares que autorizaram o procedimento. Boa parte deles, algo em torno de 135 deputados federais, estão na mira da Justiça ou já respondem processo judicial, protegidos pela prerrogativa de foro. Eduardo Cunha é réu estabelecido e alvo de vários processos por improbidade.
O Senado não tem situação diferente, a partir do parlamentar que o preside. Mesmo setores da oposição têm contra si investigações policiais e do Ministério Público. Qual legitimidade resta ao Congresso Nacional para impedir a dirigente do Executivo? Do ponto de vista estritamente legal, pode ser enunciada a validade do procedimento. Mas no horizonte da legitimidade – as cenas escondidas indicadas por Auerbach – que vai muito além e aquém da norma, seria preciso destituir ao mesmo tempo os que integram o Legislativo e, mesmo, setores do Judiciário. Talvez seja tempo, não de convocar eleições gerais, mas uma Assembleia Nacional Constituinte, dissolvendo-se o atual Congresso, eivado de vícios devidos aos piores procedimentos partidários e corruptos.
JU – Outro argumento presente no discurso dos governistas é que o processo de impeachment, tal como foi aprovado, implicaria num Estado de Exceção e, portanto, num risco para a democracia. Afinal, nossa democracia corre perigo?
Roberto Romano – Estranho que só agora tenha sido descoberta a lógica que define a máquina estatal brasileira. A nossa forma política e jurídica, desde o século 19, vive em perene estado de exceção. No Império e nas Regências, a força física (um dos monopólios mais abusados em nosso país pelos governos) e as normas legais não valiam para os donos das regiões, os coronéis, e para os proprietários do poder central. Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei.
No século 20, duas ditaduras sanguinárias impediram qualquer atividade livre e democrática. No regime de 1964 mesmo decretos secretos foram promulgados. Não tivemos, como povo, experiências duradouras de ordem democrática. E o suposto protetor da Constituição, o cimo da Justiça, o STF, sempre coonestou os piores abusos e arbítrios do Executivo, não raro apoiado pelo Legislativo. Somos um Estado absolutista anacrônico e ainda não chegamos à República. É bom recordar que governantes de centro-esquerda e de esquerda, tendo em vista as alianças pela governabilidade, ajudaram a manter o mando oligárquico e os privilégios dos que operam o Estado.
Sinto muito recordar, agora, um fato marcante. Quando José Sarney usou helicóptero público para passear em sua ilha da fantasia, e foi denunciado, Luiz Inácio Lula da Silva decretou que “Sarney não é um homem comum”. A República exige que todos sejam comuns. As exceções jamais devem ser toleradas. Enquanto o realismo político, em leitura tosca de Maquiavel, encobrir os oportunismos da hora, a democracia corre perigo, como hoje. Quando chegou ao governo federal, a liderança de esquerda deveria conhecer o modo de funcionamento da máquina repressora e perenemente ditatorial do Brasil. Mas ela abraçou justamente os que mantiveram ditaduras direitistas no século 20.
JU – O senhor se preocupa com o atual momento brasileiro no que diz respeito à segurança das instituições?
Roberto Romano – Um mantra repetido, sobretudo à direita, mas também aceito pela esquerda, reza que “nossas instituições funcionam normalmente”. É o mundo da fantasia que, uma hora ou outra, sofre a resistência da realidade. Como pode funcionar normalmente um Legislativo à beira das celas, e onde os seus presidentes são fortes candidatos à cadeia? Como pode funcionar normalmente uma Justiça que ainda julga, no STF, casos de roubo de doces (o último deles foi relatado pelo juiz Fux, semanas atrás) e demora anos e anos para julgar políticos corruptos e confessos? Se as instituições brasileiras funcionam segundo normas, estas últimas devem ser abolidas incontinenti.
Sim, me preocupo porque as nossas instituições não servem aos contribuintes e aos cidadãos. Nossa sociedade amadureceu bastante, se urbanizou de modo célere desde os anos 60 do século 20, o que exige o aporte de serviços públicos complexos (água, esgoto, escola, hospital, lazer, etc) que não são atendidos pela enorme centralização das políticas públicas. Sessenta por cento dos municípios brasileiros não têm água e esgoto condignos. E nos demais setores, o descalabro é similar. As manifestações de 2013 tiveram o condão de chamar à consciência tais problemas.
Os operadores do Estado, em vez de seguirem para o rumo democrático, apresentaram projetos restritivos de direitos e privatizantes. Uma sociedade de 200 milhões de integrantes não recebe, do Estado, serviços públicos eficazes. E no plano da segurança, temos o descalabro policial e o elitismo autoritário dos juízes. Não por acaso somos campeões de assassinatos no mundo. Só existe garantia institucional quando a maioria do povo é assistida no cotidiano.
JU – Qual o efeito concreto que o eventual impeachment da presidente Dilma poderia ter nesse cenário?
Roberto Romano – Com o impeachment, teremos outro curativo no organismo do Estado brasileiro, o que, evidentemente, não vai melhorar o todo estatal formado sob o modelo absolutista, irresponsável, corrupto, oligárquico. No plano imediato, haverá certa “melhora” na economia, dado que os ditames do capital financeiro serão obedecidos e as empresas terão novamente os cofres públicos ao seu dispor. Mas o nosso problema se localiza no Estado antidemocrático, na sociedade idem, na ausência de qualquer accountability nos três poderes. O concreto mesmo é que em pouco tempo estaremos às voltas com crises mais graves do que a de hoje. As crises resultam da estrutura não democrática do Estado e da sociedade. Sem mudanças em ambos, o caos será sempre uma ameaça, mais abrangente.
JU – É possível identificar, do ponto de vista histórico, os fatos que deram início à atual crise política? Como o senhor vê essa crise sob uma perspectiva histórica?
Roberto Romano – Dom João trouxe para cá todo o ressentimento contrarrevolucionário, oposto às conquistas democráticas trazidas pelos movimentos políticos que mudaram o Estado inglês (os puritanos e a doutrina da accountability), ajudaram a instaurar o Estado norte-americano, e destruíram a monarquia francesa. Aqui, o Estado foi imposto como instrumento contrário às formas democráticas.
O princípio da irresponsabilidade do Chefe de Estado, na Constituição de 1824, simboliza o “poder divino” ainda outorgado ao soberano. À “gente ordinária de vestes”, o povo, restou muito pouco após o banquete dos funcionários e oligarcas. Com a República, quase nada mudou. Ainda subsiste entre nós a ambiguidade entre prerrogativas e privilégios dos que operam os poderes. Entremos em qualquer prefeitura: atrás do balcão existe sempre um cartaz enorme, avisando: “Insulto a funcionário, tantos anos de cadeia”. Mas não existe, ao lado, um outro quadro “desrespeito ao cidadão, tantos anos de cadeia”. Esta é a miniatura do que se passa no Estado maior.
No Antigo Regime o rei comprava o clero e os nobres com isenções, privilégios, empregos. Mas nunca foi registrado que o mesmo rei pagava as carruagens do cardeal ou duque. Aqui, dos vereadores aos senadores, passando pelos prefeitos, deputados estaduais, federais, secretários, etc. todos têm carruagem pagas pelo povo soberano. São bilhões que poderiam ser empregados em saúde, educação, etc.
E não falemos da excrecência, abençoada pelo STF, da prerrogativa de foro. Tais marcas foram adquiridas em séculos de ampla dominação política, econômica e social. Elas definem um modelo obsoleto e injusto. Que, se não for removido, trará ainda muito sofrimento.
JU – Analistas políticos de diversas tendências costumam fazer comparações históricas para tentar interpretar a crise atual. Alguns comparam o atual momento à crise que resultou no suicídio do presidente Vargas, em 1954. Outros evocam cenários internacionais, como o processo que levou à instauração do Reich e a ascensão de Hitler. O senhor vê paralelos?
Roberto Romano – Situações diversas exigem análises diversas, o truísmo é apenas de superfície. Eu mesmo indiquei algo similar quando disse, em data recente, que a ruptura beligerante entre o PT e o PSDB só tenderia a beneficiar a direita nacional. Fui criticado acerbamente pelos seguidores do PT, do PSDB e dos que seguem Olavo de Carvalho. Eu lembrava justamente as crises da República de Weimar, quando os maiores inimigos da social democracia eram os comunistas e vice-versa. O que abriu a porta para a radicalização das direitas, com o corolário nazista.
O certo é que as batalhas entre a centro-esquerda tucana e o PT, levaram a primeira a se enfraquecer dentro do PSDB e ao reforço das alianças entre os dirigentes do PT e setores à direita. Perdoem a boutade, mas quem semeia Sarney, ACM, e quejandos, colhe Bolsonaro e Feliciano.
JU – Crises recentes, como a do mensalão, não foram suficientes para atingir a figura da presidente. Em que medida a corrupção na Petrobrás acelerou os acontecimentos atuais?
Roberto Romano – É bom recordar o fato. Sim, a diferença entre as duas crises reside nos bilhões a mais da segunda. E o sistema de financiamento de parlamentares e empresários corruptos, desta feita, ronda as portas do Palácio do Planalto. Mas insisto: a quem aproveitou o saque, além dos empresários presos? Ele foi útil para boa parte dos que, hoje no Parlamento, pensam impedir a presidente. Inabilidade dela, pois Luiz Inácio Lula da Silva soube operar com os parlamentares de modo diplomático e astuto. Dilma insistiu na política do choque com os reais ou supostos representantes do povo. A chefia da Casa Civil, em seus governos, foi liderada por pessoas sem tino diplomático, e que se notabilizaram pelo estilo imperial de trato, o que trouxe muitos ressentimentos contra a presidente.
JU – Como o senhor analisa a Operação Lava Jato?
Roberto Romano – Ainda estamos longe de conhecer todas as cenas ocultas da Operação. O que vem à tona mostra um trato duro e tecnicamente correto com acusados ou réus de corrupção. Mas é bom lembrar, como disse acima, que leis de proteção aos corruptos estão sendo encaminhadas no Congresso, à semelhança do que ocorreu após a Operação Mãos Limpas, por iniciativa de Berlusconi.
JU – Os críticos à Operação Lava Jato acusam a Justiça e a PF de, deliberadamente, serem seletivas para prejudicar o governo e o PT. O senhor concorda?
Roberto Romano – Políticos cuja origem é exterior ao PT estão no cárcere ou respondem a processo. Empresários que beneficiaram todos os partidos, idem. Agora, uma pergunta: dizer que os “outros” também são praticantes de ilícitos desculpa um partido?
JU – Como o senhor analisa a atuação do Supremo Tribunal Federal nesse episódio?
Roberto Romano – O STF continua sendo a mais elevada amostra de arbítrio sob a capa do saber jurídico. Recordo uma entrevista que dei ao Jornal da Unicamp quando ocorreu o apagão de FHC. Arguida a constitucionalidade da multa, os magistrados decidiram que o povo não colaboraria sem multa. O chicote foi aplicado, doutamente, nos ombros do mais fraco. Joaquim Barbosa, ao julgar a reforma da Previdência apresentada por Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou em alto e bom tom que “não existem direitos adquiridos, caso contrário ainda vigoraria a escravidão”. Sofisma bisonho com o qual o juiz pagava sua indicação ao presidente da República. Não se tratava de gente escrava, mas de cidadãos trabalhadores que exigiam seus direitos. Hoje, o STF continua sua tradição de um tribunal político, no pior sentido.
JU – Que papel a mídia de massa, de um lado, e as redes sociais, de outro, estão desempenhando nessa crise?
Roberto Romano – Existem setores da mídia que usam muito a técnica do holofote, no sentido indicado por Auerbach. Eles iluminam uma cena ou duas, e nelas insistem de maneira forte. Mas deixam na sombra outras cenas. Neste sentido, têm motivos certos de queixa os que, apoiadores do governo, mostram seletividade de boa parte da mídia. Quase nada aparece, por exemplo, das ilicitudes praticadas por tucanos e políticos da direita. É como se os únicos heterodoxos no trato das coisas públicas estivessem na esquerda. Daí, vem a “indignação seletiva” que faz aquele setor da mídia perder credibilidade. Não raro, jornais e televisões estrangeiros trazem um quadro mais amplo, com mais cenas no sentido dado por Auerbach, do que os nacionais.
JU – Em meio ao tiroteio verbal, com notas marcadamente passionais a favor e contra o impeachment, como é possível ao cidadão comum discernir os fatos do jogo político, para formar uma opinião mais próxima da realidade?
Roberto Romano – Volto aos holofotes de Auerbach: para diminuir o número de slogans e meias verdades, apenas pesquisando as cenas escondidas pela propaganda. Neste sentido, a cidadania tem ao seu dispor a internet, alguns setores da mídia e a própria honestidade intelectual.
JU – Como o senhor analisa a atuação da população, em especial a polarização política e ideológica verificada nas manifestações pró e contra o impeachment?
Roberto Romano – Açulada pelos blogs fanáticos, de esquerda ou direita, e por palavras de ordem truculentas, boa parte da classe média brasileira tem se comportado com selvageria. O tom latrinário aparece, de início, nos “comentários dos leitores” dos blogs, revistas, jornais. Ali não se fala, mas são expelidos os mais baixos sentimentos de ódio. Mas parte da população, sobretudo a mais jovem, mostra sinais importantes de politização responsável, sem ataques pessoais, calúnias, exclusões.
JU – Quais as principais diferenças entre a polarização atual e a verificada em outros momentos de crise política no País?
Roberto Romano – À diferença de 1964, agora as esquerdas têm um apoio popular mais amplo, embora não organizado. Os anos de poder petista não serão facilmente extirpados da opinião pública, como ocorreu após o último golpe civil militar.
JU – Como explicar o atual nível de tensão verificado em ambos os lados. Em muitas situações, o embate político ultrapassa, em muito, o terreno das ideias. A corda não parece estar esticada demais?
Roberto Romano – A radicalização do preconceito é comum em crises políticas, econômicas e sociais. Receio que se alguns limites forem ultrapassados, passaremos às vias de fato, o que seria o fim da política.
JU – Como o senhor analisa a atuação do ex-presidente Lula na atual crise política?
Roberto Romano – Luiz Inácio Lula da Silva é um dos poucos líderes populares do Brasil. Com os fatos recentes da Operação Lava Jato, ele está na defensiva, sem maiores condições de propor alternativas ao possível governo Temer. Isto mostra um erro grave, interno ao PT: para garantir a hegemonia de Lula, nenhuma outra liderança nacional surgiu na sigla. O PT possui lideranças regionais (Tarso Genro, Jacques Wagner, os Viana, etc), mas está tão carente quanto os demais partidos, de lideranças nacionais.
JU – Em caso de impeachment, como deverá se definir o mapa das forças políticas no país?
Roberto Romano – O PMDB estará no comando, dividido como sempre. O governo estará na dependência de bancadas parlamentares retrógradas e, na sociedade civil, dos grandes proprietários. Os ruralistas já exigem a mudança do estatuto das Forças Armadas, para colocá-las a serviço da guerra contra os sem-terra. A turbulência de hoje será retomada em breve.
JU – Corremos o risco de, com a crise econômica atual, perdermos os avanços sociais que tivemos nos últimos anos?
Roberto Romano – O vice-presidente Michel Temer afiança que não. Mas as exigências dos conservadores, para não dizer truculentos, será no sentido de abolir ou atenuar ao máximo os avanços sociais. A promessa de privatização ampla e irrestrita, comum nos pronunciamentos dos que apoiam Temer, indica tal senda.
JU – Como o senhor vislumbra o Brasil nos próximos seis meses?
Roberto Romano – Instabilidade, autoritarismo, intolerância vitoriosa, contestação virulenta. Nenhum clima ameno.

Manuscrito de onde saiu o artigo "indecoro"publicado outro dia no jornal O Estado de São Paulo, de minha autoria.


O decorum é exigência de toda coletividade humana, variando apenas segundo a cultura, o momento histórico, etc. Mas o referido decorum sempre impõe limites aos que falam, escrevem, exibem gestos corporais, quando exercem uma função pública. Spinoza alerta as autoridades para o seguinte fato: se desejam ser temidas e obedecidas, devem evitar toda fala ou ato somático que leve os cidadãos ao riso e à indignação contra as suas pessoas. Assim, diz ele, quem ocupa altos cargos não tem o direito de se exibir pelas ruas embriagado, sem roupas e na companhia de prostitutas. A mesma cautela deve ser seguida quando se trata dos discursos.

A etiqueta (a qual, segundo um membro do STF é a "ética de bolso" ) exige que nenhuma autoridade use palavrões ou insinuações baixas. Lembram-se dos xingatórios de Jacques Wagner, o eleito governador da Bahia? No dia seguinte, comentava este ponto com um tucano de vistosa plumagem. Ele mandou que eu calasse a crítica, porque "Jacques Wagner é o nosso homem de confiança no PT". Como já contei neste Blog, só não respondi de modo mais ríspido porque fui chamado imediatamente para ser entrevistado no estúdio de TV, pois ambos alís estávamos apenas para aquela função. Ao deixar a entrevista, o pássaro bicudo já deixara o estúdio. Não o vi desde aquele dia. E espero ter a benção de não o encontrar porque a minha primeira pergunta tocará no problema da frase : "nosso homem de confiança no PT". Entendi a mesma locução mais tarde, com as sucessivas "negociações" dos supostos opositores com Lulla. Como diz Alvaro Caputo, "tucano, que passarinho sem...".

Volto ao decorum. No século XVI, Aschram, um gramático e homem que sabia das coisas, indicava algumas cautelas para a vida pública decorosa. "Se a duquesa vai ao baile da côrte e se veste de modo mais rico do que a raínha, será indecorosa. Se ela for ao mesmo baile menos bem vestida do que as demais aristocratas, será indecorosa.". Porque? Porque o decorum é um cálculo, dos mais difíceis, que permite a alguém encontrar o seu exato lugar no mundo político, social, religioso. Ele é um exercício de respeito aos outros, e sobretudo, um meio de garantir o respeito a si mesmo, pelos demais. Quem não tem prerrogativas, mas quer exercê-las, é indecoroso. Imagine o leitor, se um hóspede, mesmo o mais querido e ilustre, no jantar a que foi acolhido toma o papel da dona da casa, e indica aos demais hóspedes o lugar onde devem tomar assento. Ele é indecoroso. E se a dona de casa abre mão do seu papel, e deixa o hóspede indiscreto fazer o gesto inconveniente, ela também é indecorosa. Sua prerrogativa não deve ser negada sequer pelo marido, pelos filhos, pais, etc. Assim também, se um bispo comum, numa visita papal, ousar der a benção Ubi et Orbi...ele não apenas enlouqueceu, mas seu ato é indecoroso. Uma regra que ajuda bastante a decidir as inclinações à moda chinesa, quando várias pessoas estão diante de uma porta: não é a mais jovem, mais bonita, mais velha, a ceder a passagem e fazer o gesto e a frase "O senhor, a senhora, você...primeiro". CEDE O LUGAR QUEM O POSSUI. Assim, se o mais jovem de todos é o presidente da república, ele cede a passagem, primeiro aos velhos, depois às mulheres, depois aos demais. Não é falta de respeito um inferior na escala governamental passar primeiro. É indecoro do que possui o mais alto cargo não ceder a passagem, mostra que ele ignora a etiqueta e as verdadeiras prerrogativas do seu lugar. Lembram-se a grosseria de Lulla, deixando o carro antes da sua espôsa, e fechando a porta do veículo? O erro manifesta o caráter aventureiro do governante. Pior, apenas o discurso diante de milhares sobre a macheza do pernambucano que "emprenhou a galega" logo depois das núpcias. O Brasil é o país da falta de decoro. Toda perua loira e gorda (e todo peru que se acha muito jovem) dá gritinhos histéricos quando escuta o tratamento de "senhora" ou "senhor". "Senhora---ou Senhor---está no céu". Com a frase ridícula, estes personagens hilariantes arrancam de si mesmos a própria dignidade, além de blasfemar contra dignidade divina. Na França, o ridículo mata, mas no Brasil, engorda".

Assim também na escrita, diz Aschram: se um escritor não usa imagens no seu texto, é indecoroso, pois despreza a fantasia e o gôsto do leitor. Se, pelo contrário, as usa aos borbotões, é indecoroso, pois despreza a inteligência e a cultura do mesmo leitor. Um poeta decoroso jamais dirá algo como "a face rosada e fina do general". A menos, claro, que esteja falando de um general Drag Queen. É indecente um general ter faces que só cabem às crianças e às raparigas em flor. E o vice-versa também é regra.

Se uma autoridade pública quer ser respeitada, deve respeitar o povo (que fica chocado com os palavrões e outras marcas de falta de decorum). Certas palavras, embora exatas, devem ser evitadas. Nao por causa daquela hipocrisia imperante, o famoso "políticamente correto". Trata-se de algo mais sério. Os reitores universitários são "Magníficos", mesmo quando nada ostentam de magnificência. A comunidade acadêmica é a proprietária do título, usado em seu nome pelo Reitor. Os deputados, senadores, edís e outras "autoridades" são chamados de "Excelência" não porque sejam pessoal e subjetivamente dotados de qualquer excelência. O título pertence ao soberano do país, aquele que possui a "maiestas", termo latino para designar o ente mais elevado no coletivo. Na monarquia, a "maiestas" é apanágio do Rei, que usa o título em nome do povo.

Na democracia é o povo, diretamente, o detentor da "maiestas" e a empresta, a cada eleição, aos que escolhe para representá-lo. É por este ponto que o decorum exige tratar o povo com respeito. Não por "boa educação", mas por subordinação da "autoridade" diante de quem a "autoriza", ou seja, o povo soberano.

E a regra funciona para todos os poderes, incluindo o judiciário e o militar. Certo dia, em Curitiba, um promotor público democrático contava um caso ocorrido em juízo. A velha senhora (mais de 80 anos) testemunhava, com a sua fala simples e não erudita, tratava-se de uma pessoa de cor negra, empregada doméstica durante toda a sua vida. Ignorando termos e jargões jurídicos, aquele latinório inculto dos juristas, ela cometeu alguns erros na fala. Foi grosseiramente advertida e censurada pelo juiz, moçoilo recém ingresso nas lides do Forum, arrogante como boa parte dos magistrados. O juiz exigia para si o tratamento de "Excelência" e humilhou o quanto pôde a testemunha. Quando terminou o ato, a velha e digna senhora dirigiu-se ao rapaz nestes termos :"Oía, moço. Vancê é bunito, bem vistido, istudado. Mais vancê num tem inducação! Num sabe falá cum os mais véio. Sua mãin num insinou bons modos?". O "Excelência" enrubesceu, de raiva, sobretudo porque nada poderia fazer contra uma pessoa de idade. E continuou o promotor: "O juiz pediu desculpas ao advogado da testemunha". Na hora, exclamei : "O decoroso seria pedir desculpas à senhora, aliás, o decoroso seria respeitar aquela integrante do povo soberano".

Enquanto "Excelências" agirem e pensarem a si mesmos como "superiores" ao povo, a democracia no Brasil será uma nauseante e fedorenta mentira.

Mais respeito decoroso à "simples" cidadania, certamente fará baixar a taxa de corrupção neste país lamentável. Mas os deuses querem sangue...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

« Relire la Révolution » de Jean-Claude Milner relu par D. Liotta : l’exact et le réel

Mezetulle

Blog-revue de Catherine Kintzler : politique, théâtre, danse, musique, opéra, lecture, philosophie…

« Relire la Révolution » de Jean-Claude Milner relu par D. Liotta : l’exact et le réel

Le lecteur du dernier livre de Jean-Claude Milner, Relire la Révolution (Lagrasse : Verdier, 2016), est d’abord saisi par sa richesse. Catherine Kintzler a rendu compte des « dérangements » intellectuels que le livre propose1. D’une analyse des ouvertures, des synthèses, des réflexions diverses que de tels dérangements produisent, on peut conclure que le livre est non seulement brillant mais, ce qui importe bien plus, profond. Nous souhaitons ici, d’une part, énoncer et justifier des désaccords et, d’autre part, expliquer ce qui nous semble être le principe constitutif du livre. Paradoxalement, les deux projets vont de pair : l’explicitation des désaccords acquiert sa signification au regard de ce principe et l’examen de ce principe est aiguisé par l’explicitation. C’est pourquoi nous nous permettons d’entrelacer la critique du livre et l’exposition de son mode de constitution.
Dans un premier moment nous proposerons des éléments de critique historique. Dans le deuxième nous nous efforcerons de déterminer la structure constitutive du livre. Dans un troisième moment nous en proposerons une critique politique. Enfin, nous achèverons notre lecture en considérant le mode d’intelligibilité spécifique des principes et des événements que le livre propose : il nous semble finalement mettre en jeu le statut moderne de l’« interprétation » et la distinction entre le philosophe et l’« analysant ».

1 – Quatre critiques historiques

Celles-ci ont pour objet un manque d’exactitude. Laissons le mot en suspens pour l’instant. Il faudra le reconsidérer. Voici les affirmations qui nous semblent contestables.
a) La fuite de Varennes : elle a effectivement lieu les 20-21 juin 1791 mais Milner précise : « On était en guerre » (p. 105). Or la guerre, contre la Hongrie et la Bohème, est déclarée le 20 avril 92 ; fin avril les armées françaises franchissent la frontière belge ; et Frédéric-Guillaume II mobilise en mai 92.
b) « Un légiste scrupuleux trouvera peu à dire sur le procès du roi. » (p. 111). Or Les députés durent déclarer leur vote publiquement, l’un après l’autre, et le motiver. Et non seulement il n’y a pas de secret de délibéré mais, selon Emmanuel de Waresquiel (dans sa biographie de Fouché, Fouché. Les silences de la pieuvre) et selon bien d’autres historiens, le procès se déroule devant une salle pleine, vociférant, toute entière acquise à la condamnation à mort. Souhaitons que tout procès ne se déroule pas ainsi afin que les droits de la défense soient pleinement reconnus comme cela est nécessaire juridiquement. Nous pouvons ajouter que le procès était « surdéterminé » ; il visait entre autres choses à engager la Convention dans une rupture radicale ; ceux qui ne votaient pas la mort seraient définitivement suspects, ceux qui la voteraient définitivement liés.
c) On repère ce qui nous semble être un coup de force théorique, voire un sophisme. Analysant le passage des massacres de septembre 92, commis par les foules, aux exécutions légales décidées au nom du peuple, Milner déclare : « La foule avait mis la mort au poste de commandement ; précisément parce que le pouvoir de la foule a pris fin et pour qu’on voie distinctement qu’il a pris fin, la mort demeure.» (p. 143). Bref : afin de manifester distinctement la différence, il faut affirmer le même. Le lecteur pense : pour montrer que, désormais, l’État impose sa différence, il convient que la peine soit différente ; mais le « précisément » justifie et impose un coup de force « logico-ontologique » : la différence est proclamée dans le maintien de l’identité. Et donc on continue de tuer.
Cependant cette critique est encore inattentive à la pensée de Milner. En effet celui-ci repère le mouvement par lequel « le peuple se disjoint de la foule » et il précise : « Mais afin qu’on voie clairement le transfert, il faut un référent constant ; cette fonction revient au « faire mourir » lui-même. Le pouvoir doit se matérialiser à l’identique ; alors seulement on rend sensible le changement de décideurs et d’exécutants.» (p. 143). Ce propos nous interdit-il d’invoquer un coup de force ? Il est très contestable. La voie la plus courte et la plus directe, la solution la plus économique et la plus simple pour rendre « clair » le « transfert », pour « rendre sensible le changement » est de superposer à la différence entre la foule et le peuple la différence entre le « faire mourir » et le respect de la vie : que, désormais, le pouvoir du peuple cesse de mettre à mort comme le faisaient les foules. Le « référent constant » souffre au contraire d’une double déficience. D’une part, il est la cause d’un effet paradoxal qui manque de « clarté »: donner l’apparence du même, c’est-à-dire continuer de tuer, pour manifester la différence. D’autre part, du point de vue d’une logique de l’action, il n’est pas économique : il suppose que l’on « clarifie » la différence entre la foule et le peuple grâce à un invariant, alors que la seule superposition des différences suffit à produire cette clarté. Les défauts de ce mode de clarification nous déterminent à douter de son existence ; or Milner ne cite aucun texte d’acteur de la Révolution qui permette de prouver sa réalité historique.
Dès lors le lecteur peut suspecter une ressemblance avec ce que l’épistémologie nomme une « hypothèse ad hoc » et condamne. L’hypothèse ad hoc est inventée dans le seul but de résoudre le défaut manifeste d’une théorie sans mettre en question les présupposés de celle-ci ; elle est très précisément ajustée (trop précisément ajustée, pouvons-nous dire) à une fin : maintenir une théorie malgré les déficiences que celle-ci présente. Or ériger le « faire mourir » en référent constant est admirablement ajusté à une fin : rendre logiques les mises à mort au nom du peuple en les distinguant des massacres sauvages, et ainsi maintenir l’idée selon laquelle la Terreur, malgré ses indéniables violences, ne produit pas de massacres. Mais de la sorte une question se pose : n’a-t-on pas opéré une certaine minimisation des violences de la Terreur ? Elles sont le nécessaire prix à payer pour que le peuple se substitue aux foules.
d) Milner remarque que le « despotisme » de la Terreur est tel que le « soupçon suffit » pour être condamné (p. 147). De plus il condamne à juste titre le « démon de l’analogie » (p.236). Mais n’est-ce pas céder à ce démon que « rapprocher » des « états d’urgence » aussi dissemblables que la « loi des suspects » de la Terreur, l’état d’urgence français et le Patriot Act ? Précisément, pouvons-nous fonder le « rapprochement » sur la « suspension des libertés » (p. 156) ? Nous ne connaissons pas assez les modalités du Patriot Act pour nous prononcer mais comparons la « loi des suspects » aux récentes mesures d’urgence de l’État français. La loi du 20 vendémiaire an II se réfère non seulement aux immigrés et aux royalistes mais, entre autres, à ceux « à qui on a refusé des certificats de civisme » et à ceux « qui n’ont pas constamment manifesté leur attachement à la Révolution » ; le décret du 22 prairial An II supprime de fait toute défense aux personnes déférées devant le Tribunal révolutionnaire et ne laisse aux jurés que le choix entre l’acquittement et la mort. Le présent état d’urgence français limite les possibilités de manifester, il permet d’assigner des individus à résidence sans autorisation préalable du juge judiciaire mais sous le contrôle du juge administratif, il autorise les perquisitions administratives sous le contrôle d’un juge indépendant (administratif pour la perquisition, judiciaire pour ses éventuelles conséquences). Peut-on alors évoquer un « rapprochement » ? D’un certain point de vue, la chose est aisée : on fait jouer des différences de degré et il est alors toujours possible de légitimer in fine le point de vue qui « rapproche » les deux politiques. Le jeu est donc permis. Retire-t-il toutefois de la valeur au point de vue adverse et à ce qui attesté empiriquement et juridiquement ? La catégorie de « suspect » et « la » suspension de libertés possèdent des sens très différents pendant la Terreur et dans la France de 2016. Le texte est cependant sauvé : précisément la « ressemblance » n’est déterminée ni par un retour de la peine de mort ni par le statut juridique du « suspect » mais par la « réapparition » de ce dernier (p.156). La gêne ne cesse cependant pas. La dangerosité qui fait le « suspect » n’a jamais cessé d’être présente, différemment modulée certes, par les politiques normatives qui travaillent au sein des politiques de la loi. Les analyses développées par Foucault et les historiens qui ont travaillé en son sillage ont analysé ce fait : la norme depuis le XVIIIe siècle ne cesse de « coloniser », selon le mot du généalogiste, la loi. Les figures de l’« anormal » et du « dangereux » se sont continuellement développées en contradiction avec le formalisme juridique. De ce point de vue, les états d’urgence n’inventent rien et ne renouent pas, par-dessus les siècles, avec la Terreur. L’un des intérêts d’une généalogie de la délinquance et des « urgences » politiques est de dissiper le mirage selon lequel le suspect « réapparaît ». L’affirmation d’une continuité s’impose, non celle d’une courbure présente du temps politique.
Quelles sont les conséquences de ces erreurs ? Minimiser les violences des institutions révolutionnaires (points b et c), accentuer la faute du roi (a), ce qui revient in fine, et derechef, à minimiser ces violences et, enfin, interpréter sur un mode excessif la puissance de pouvoirs étatiques présents (d). On pourrait dire : minimiser la violence de l’État révolutionnaire qui prétend travailler pour les droits des l’homme. On doit ajouter : jouer l’État révolutionnaire contre des États présents, en transférant excessivement sur ceux-ci la violence indument minimisée de celui-là.

2 – Le principe du livre : un mouvement de torsion

Deux questions se posent alors. D’une part, comment penser et « situer » les références historiques et donc les forçages auxquels elles sont parfois soumises? Dans ce livre qui prétend relire la Révolution, quel statut est accordé à la lecture des réalités historiques et donc aux erreurs (s’il en existe) de lecture ? D’autre part, le lecteur est habitué à ces moments de « précipitations » de la pensée qui produisent souvent, outre un bonheur d’écriture, des effets de vérité et des fulgurances remarquables mais aussi, parfois, disions-nous, des erreurs. Une deuxième question apparaît alors : peut-on interpréter celles que le livre nous paraît présenter ? Quelle signification accorder aux inexactitudes ?
Puisque le livre est à la fois historique et politique, afin de tenter de répondre à ces questions il convient d’articuler le discours historique qui, parfois, nous semble manquer d’exactitude, au discours politique. Il convient donc de saisir ce qui pourrait être le principe constitutif du livre.

Torsion entre intérieur et extérieur

Reportons-nous à l’analyse de la Déclaration des droits de l’homme et du citoyen, précisément à un de ses moment clefs : « les droits de l’homme sont extérieurs à une collectivité politique constituée, mais ils ne peuvent être définis que de l’intérieur d’une telle collectivité et après qu’elle a été constituée. L’extérieur provient de l’intérieur » (p.194). Et cette extériorité permet de juger l’intérieur : les droits de l’homme permettent de l’extérieur, en qualité d’étalon, de juger la légitimité des droits des citoyens. Or ce « mouvement de torsion », dit Milner, ne produit « aucune contradiction » (p. 194-195). La linguistique saussurienne en fournit en effet une homologie : la relation du signifié et du signifiant, nécessaire à l’intérieur d’une langue donnée, ne peut être qualifiée d’arbitraire qu’à la condition de passer de cet intérieur à l’extérieur de toute langue, et cette extériorité fait retour à l’intérieur afin de définir en vérité le signe, « l’extérieur de la langue est construit depuis l’intérieur, pour permettre en un second mouvement, de revenir de l’extérieur vers l’intérieur ». (p. 195).
Le statut de la référence linguistique – toujours majeure chez Milner – doit sans doute alerter le lecteur : ici se joue un mouvement essentiel de la pensée. Peut-être, cependant, la référence linguistique est-elle seconde ou en tout cas nouée à une autre référence implicite – à savoir la psychanalyse. Que permet de penser la psychanalyse ? Que la vérité inconsciente ne peut être saisie, à titre d’effet, que de l’intérieur d’un discours et d’un « savoir » qu’elle déchire (pensons par exemple au lapsus) ; or cette vérité, grâce à cette déchirure, s’impose toutefois comme irréductiblement extérieure au savoir qu’elle fait vaciller et elle dont dénonce, en retour, le caractère de semblant. Ce qui implique que la vérité soit corrélée au savoir. Précisément savoir et vérité sont disjoints dans la mesure où ils sont corrélés, ils sont donc articulés, comme le sont nécessairement l’intériorité et l’extériorité en cette relation dynamique de torsion2. La « topologie » (p. 195) à laquelle Milner fait allusion fut méditée par Lacan afin de donner un statut enfin intelligible au « sujet de l’inconscient ». La référence, énoncée dans la Conclusion (p. 239), à la différence lacanienne entre « réalité » (ordre du savoir, de l’exactitude) et réel (ordre de la vérité) fait système avec les références à Freud et Lacan qui déplient une analogie, entendue ici au sens précis d’un rapport identique entre termes différents (pp. 194-195) : non seulement l’homme est au citoyen ce que les droits de l’homme sont à ceux du citoyen, mais, doit-on préciser, ce que le réel est à la réalité, et la vérité au savoir d’exactitude. La page 262 explicite les pages 194-195 en situant, dans la lignée de Freud, l’homme du côté du réel. Il semble ainsi que toutes ces analogies sont fondées en raison dans le mouvement de torsion qui constitue la structure matricielle du texte.
De la sorte la maxime éthique – ne jamais opposer exactitude et vérité, qui sont radicalement différentes (p. 246) – doit être réfléchie en maxime politique (et l’inverse) : ne jamais opposer homme et citoyen, droits de l’homme et droits du citoyen, qui sont radicalement différents. Ces maximes dessinent ainsi un trajet de pensée analogue, qui situe la vérité et les corps parlants en extériorité active au savoir et au citoyen, et en font des principes d’injonction : ne jamais céder sur ce qui est hétérogène à la fois au savoir et aux montages constitutionnels. Injonction qui n’a de pertinence qu’à la condition de ne pas opposer les premiers et les seconds, qu’à la condition donc de ne jamais perdre la conjonction au profit de la disjonction (et l’inverse). Ne jamais céder ni sur le réel ni sur l’exactitude. Notre gêne peut alors être mieux comprise ; il nous semble que nous pouvons répondre à notre première question et situer les erreurs que nous avions attribuées à Milner : il a trop cédé sur l’exigence d’exactitude. Peut-on alors répondre à la deuxième question ? S’achemine-t-on vers une lecture possible des inexactitudes? Considérons donc la critique politique que l’on pourrait adresser à Milner.

3 – Critique politique : le respect des corps parlants

Corps parlant et capacité de choix

La lecture de la Déclaration que propose Milner est l’objet d’un débat. À la lumière de cette belle et brillante analyse, faut-il distinguer, comme Milner nous y invite, l’homme et le citoyen ? Au contraire, selon des lectures « classiques », la Déclaration institue les droits identiques de l’homme et du citoyen, juridiquement identifiés, en maître étalon politique et en extériorité active aux politiques empiriques. Il existe cependant un principe commun à la lecture de Milner, qui disjoint et conjoint l’homme et le citoyen, et aux lectures classiques qui les identifient : une nécessaire et positive opération de désubstantialisation de la figure de l’homme et, ajoutent les classiques, du citoyen. La Déclaration dépouille l’homme – et le citoyen donc ? – des contingences empiriques pour l’élever à la hauteur d’une heureuse abstraction. Un des enjeux de la différence de lecture est la position du curseur normatif : convient-il de situer ensemble les droits de l’homme et du citoyen qui fondent un droit de critique à l‘égard des politiques empiriques, ou bien convient-il de situer les droits de l’homme en position d’étalon et les droits du citoyen en position de figure empirique, comme s’y emploie Milner ? Mais là n’est peut-être pas le seul enjeu.
Partons de ce qui se présente apparemment comme un détail. Évoquant Calais et ce qui avait été nommé sa « jungle », Milner se réfère à « ceux qui y ont été regroupés depuis 2000 » (p. 259). Bonheur de la voix passive. Les corps parlants ici évoqués ont quitté des territoires car ils ne pouvaient supporter des conditions de vie politiques, économiques, voire climatiques, réellement mortifères. Ils ont fait le choix de venir non dans tel ou tel pays situé dans l’Espace Schengen mais en Grande-Bretagne, et se sont heurtés à une impasse. Ils ont subi des conditions de vie terrifiantes auxquelles tout pouvoir politique doit mettre fin. Et certes à Calais, pouvait à bon droit écrire Milner, « l’on n’a pas réglé la question de l’eau, de l’hygiène, de la nourriture, de l’espace personnel » (p. 260). On doit ajouter : l’on n’avait pas réglé la question des violences physiques faites au plus faibles, dont des femmes, des enfants et des membres de minorités ethniques, violences parfois commises par des individus extérieurs à ceux qui sont nommés des « migrants », parfois par des migrants eux-mêmes. Or, bien avant que le « camp » soit démantelé (pour combien de temps ?), l’État français avait proposé à ces migrants de demander l’asile. Le dépôt de cette demande permettait d’être hébergé loin de Calais. Certains avaient accepté ce départ, d’autres avaient fait le choix de rester. Notre gêne ici ne vient nullement de l’insistance sur les besoins et les exigences corporelles. Elle ne vient pas de l’insistance très légitime de Milner sur le devenir des corps. Cette insistance est toujours justifiée et il faut la rappeler alors que des migrants et des nationaux sont présentement confrontés aux grands froids de l’hiver. Notre gêne porte sur la minimisation, de fait, d’une propriété des corps parlants : des corps doués de parole, donc doués de raison et de capacité de choix, y compris lorsque les alternatives sont effrayantes.
La question de la passivité et de l’activité est centrale. Un corps parlant, en effet, est un mélange de passivité et d’activité. Tel est son réel, que l’on doit toujours considérer. L’activité n’est jamais totale mais, lorsque la parole est totalement éliminée – anéantie matériellement ou tenue pour un néant –, la passivité est totale ; alors le corps est livré à toutes les menaces et la place est faite pour que l’horreur puisse surgir. Précisément, lorsque la parole est niée de telle sorte qu’est niée sa puissance de refuser et d’interdire ce qu’on veut fait subir au corps – le sujet est traité comme une bête, Milner a raison de le rappeler (p. 264) et parfois comme on n’ose pas traiter des bêtes, pourrions-nous ajouter. Mais inversement, lorsque le corps est mis entre parenthèses, le sujet devient illusoirement un ange et les droits angéliques ; Milner a également raison le rappeler (p. 261). Or, qu’est-ce qui est dû à tout corps parlant ? D’être respecté comme corps parlant, c’est-à-dire comme sujet. Être respecté comme corps parlant : ici, les pages de Milner sont d’une grande puissance. Être respecté comme corps parlant c’est être respecté comme pouvoir matériel d’articuler des choix et d’en être responsable, c’est-à-dire d’en répondre, en tous les sens du terme. Les quatre droits sur lesquels insiste Milner – la liberté, la propriété, la sûreté, la résistance à l’oppression – enveloppent certes ce respect des corps parlants, et donc de leurs paroles, et donc de leur responsabilité. Milner envisage le cas terrifiant dans lequel le sujet est radicalement nié dans son corps, dans sa parole et donc en son humanité. Mais il ne dit mot, explicitement, des choix dont le corps parlant est responsable. Ainsi il semble ne pas prêter attention au choix dont les migrants, dans des conditions terribles, portaient la responsabilité : accepter ou refuser le dépôt d’une demande d’asile. Ces migrants eux-mêmes avaient souvent énoncé leur volonté de rejoindre la Grande-Bretagne et leur choix de ne pas déposer une demande d’asile. Encore fallait-il les écouter et ne pas les réduire à des objets de piété sociologique ou politique. Milner ne cède nullement à ce défaut mais il ne nous semble pas reconnaître pleinement le réel de ces corps parlants en ne considérant ni leur choix ni leur responsabilité.
Parlant, le corps s’affirme être celui d’un sujet et il doit être reconnu comme tel quoi qu’il dise, taise (ce qui est une manière de dire) ou fasse. Il s’affirme ainsi être celui d’une individualité responsable. Telle est une des leçons de la psychanalyse qui articule la thèse sur le mode singulier de la torsion : aussitôt que le corps parlant est dessaisi de la maîtrise de la parole – dans la surprise du lapsus, du silence ou de la sidération – par un mouvement nécessaire, il s’affirme comme responsable à la fois de cette dessaisie réelle et du leurre de la maîtrise. De l’intérieur du savoir, la dépossession surgit, mais elle doit être entendue comme l’extériorité qui défait le semblant et fait fulgurer le sujet. On connaît la version freudienne : le sujet est responsable de ses rêves. Ne pas entendre cette responsabilité, ou n’en dire mot, n’est-ce pas nier le réel en jeu ?

Des droits sans devoirs ?

Autre angle critique : ce livre sur les droits des corps parlants dit fort peu de choses sur leurs devoirs. Nous ne lisons qu’une seule remarque à ce propos, la formulation suivante à propos de la nécessité du « tour de parole » : « Chacun parle en sachant qu’il devra consentir, le moment venu, à se taire. » (p. 255). Ce consentement obligé au silence est insuffisant au regard des problèmes en jeu. En effet, que sont des droits sans devoirs ? Entendons non les devoirs – nécessaires et irréductibles – qui sont dus au corps parlants par les États et les institutions politiques mais ceux qu’ils se doivent les uns aux autres, en vertu du principe classique selon lequel le droit de l’un est la face positive du devoir auquel sont tenus tous les autres. Ce principe est-il donc si tautologique qu’il ne soit pas nécessaire de le développer ? Mais n’est-il pas nécessaire, au moins, de le mentionner ? La Déclaration disjoint-elle et conjoint-elle droits de l’homme et droits du citoyen, ou plus simplement les identifie-t-telle ? En tous les cas elle affirme, dans l’article 4, que « l’exercice des droits naturels de chaque homme n’a de bornes que celles qui assurent aux autres membres de la société, la jouissance des mêmes droits. Ces bornes ne peuvent être déterminées que par la loi.»
La loi – « expression de la volonté générale » à la formation de laquelle « tous les citoyens ont droit de concourir personnellement ou par leurs représentants » (art. 6) –, cette institution des citoyens, limite les droits naturels de chaque homme selon le principe de l’égalité. N’est-ce pas ce qu’il convient de penser ? Comment Milner entend-il la formulation selon laquelle les citoyens bornent ainsi ces droits ? Les lois positives sont-elles incontestables du point de vue des droits de l’homme lorsqu’elles inventent des modes de compossibilité entre les droits naturels de chacun ?
Tentons une dernière approche. Oui, « le réel disjoint, fracture, crée de l’hétérogène » (p. 239). Or les violences sexuelles commises par certains migrants contre des femmes à Cologne, la nuit de la Saint-Sylvestre 2015, constituent-elles une telle fracture ? Nous rencontrons une question essentielle : qui assure, et à partir de quel lieu, qu’une fracture dans l’ordre des réalités et dans l’ordre des savoirs a « eu lieu » ? C’est une question très vaste qu’on ne peut pas résoudre ici. Elle ne peut pourtant être évacuée, et ne saurait bien sûr être expédiée. Nous y reviendrons dans le quatrième et dernier moment. Qu’il suffise de remarquer ceci : on ne doit certes pas « offrir en cadeau » cet événement au Front national. À cette fin, la question des droits et des devoirs des corps parlants – et donc aussi des « migrants » – est stratégiquement essentielle. Le moment l’impose : ne surtout pas se satisfaire de la seule affirmation, absolument nécessaire et irrécusable, des droits universels des corps parlants, et singulièrement de ceux qui sont les plus fragilisés, dont les migrants font partie ainsi que certains nationaux. Mais aussi : affirmer leurs devoirs universels qui sont l’envers nécessaires de ces droits. Évidemment, ne pas se satisfaire des silences et des injonctions – bref : des discours – d’une certaine gauche, selon laquelle parler de ce qui s’est passé à Cologne serait faire le jeu du « racisme » et de l’ethnocentrisme. Les textes de Milner ont toujours manifesté un grand intérêt pour ces questions et furent parmi les premiers, nous semble-t-il, à repérer les faiblesses et les fautes politiques et intellectuelles du « progressisme ». Nous sommes alors d’autant plus déçus qu’il ne dise presque rien des devoirs et de la responsabilité de tous les corps parlants.

Une lecture des inexactitudes

Deux conclusions s’imposent donc ici.
En premier lieu il convenait, au moins, de faire mention de ces devoirs et de cette responsabilité : le réel des corps parlants l’impose, l’indissociabilité et l’égalité des droits et des devoirs le requiert, et la conjoncture l’appelle. Ainsi, nous aimerions connaître le statut que Jean-Claude Milner accorde aux devoirs et à la responsabilité des corps parlants. Précisons l’interrogation. Faut-il laisser le soin aux citoyens de déterminer, non les droits, mais les devoirs de l’homme ? Les citoyens jouiraient ainsi, disions-nous, de la possibilité d’inventer des compossibilités entre les droits naturels de chaque homme. Ou bien faut-il admettre que la détermination de ces devoirs relève d’une logique immanente des droits de l’homme – une logique à laquelle, certes, doit toujours être comparé l’édifice des droits du citoyen ? Mais l’alternative est peut-être contestable. Les droits de l’homme, bien qu’ils soient « invariables », sont « vides », remarque Milner, lorsqu’ils ne sont pas corrélés aux droits du citoyen (p. 212-213) : la logique immanente des droits et des devoirs n’est-elle pas soumise à des « évaluations » (p. 212) historiques qui actualisent les droits et les devoirs? – Ce sont autant de questions auxquelles nous espérons que Jean-Claude Milner propose des réponses. À la condition que ces questions lui semblent correctement posées.
En second lieu, il est possible de tenter une lecture des inexactitudes. Prendre au sérieux l’indissociabilité et l’égalité des droits et des devoirs des corps parlants impose que l’on soit attentif à l’institution qui peut garantir cette indissociabilité et cette égalité, l’institution assez communément appelée État. Nul n’est assez naïf pour penser que les États assurent nécessairement cette garantie. Mais l’on doit accorder une certaine considération à un État qui fait de cette garantie son principe et qui s’impose ainsi une tâche qu’il est présentement seul à pouvoir accomplir. Une nouvelle question se pose alors. Avouons qu’elle a son origine dans un sentiment de lecteur. Minimiser les violences de l’État révolutionnaire qui travaille pour les droits des corps parlants (et, avec Milner, ne disons pas pour leurs devoirs), proposer inversement une lecture excessive de l’état d’urgence de l’État français, n’est-ce pas dévaloriser au profit de l’État révolutionnaire la machine étatique actuelle ? Celle-ci travaille mal : non seulement elle fait l’épreuve d’une usure et d’une déformation de ses principes, mais elle confond trop souvent la loi et la norme. Elle travaille cependant et s’efforce d’assurer, tant bien que mal certes, l’indissociabilité et l’égalité des droits et des devoirs des corps parlants. De la sorte, ne peut-on pas lire dans les inexactitudes historiques qui minorent les violences révolutionnaires l’envers d’une certaine indifférence à l’égard des institutions étatiques présentes qui, pesamment et sans gloire, sans être auréolées du prestige de la Révolution, et non sans ratages effectifs, savent que le droit de l’un est le devoir de l’autre et s’activent à les égaliser ?
La seconde conclusion suppose la première, mais précisons que la première ne dépend nullement de la seconde et que la seconde ne prétend nullement livrer le « dernier mot » du texte ; elle prétend simplement proposer une lecture possible des inexactitudes : la pente facile qui dévalorise trop aisément la nécessité et l’activité de l’État présent au profit d’une certaine minimisation des violences révolutionnaires. Pente qui contraint à céder à la fois sur l’exigence d’exactitude et sur le réel.
Les questions précédentes ne sont pas de pure forme. Les critiques qu’elles enveloppent ne doivent pas masquer le mouvement de pensée singulier du texte de Milner, dont le repérage avait permis d’élaborer ces interrogations. C’est sur l’analyse de ce mouvement que nous souhaitons désormais revenir afin d’achever notre lecture.

4 – La distinction moderne entre l’analysant et le philosophe

En effet, en deçà des critiques que l’on peut lui adresser, le livre invite à affronter une question à laquelle il se confronte avec un courage certain. Qu’est-ce qui légitime à interpréter un événement en termes de fracture et de déliaison ?
Cette fracture est singulière ; elle est à la fois historique et non-historique. Elle est non-historique dans la mesure où l’histoire déploie des savoirs et, plus largement, des ordonnancements de discours et de choses que l’événement, précisément, fracture. Elle est historique pour deux raisons distinctes. D’une part, parce que le réel déchire le tissu historique et donc s’inscrit nécessairement en lui : la peste d’Athènes, les camps de la mort, la Révolution française peuvent ainsi être interprétés comme des « expériences du réel » (p.242). Il existe une historicité de la matière en laquelle s’inscrit la déchirure. D’autre part, la fracture est historique pour une raison différente, qui ici nous importe plus et qui met en jeu l’histoire de la pensée. En effet, la reconnaissance et l’intelligibilité du geste de fracture s’inscrivent dans une histoire de la pensée ; il existe une historicité de la pensée qui élucide et explicite ce mouvement de déchirure. Certes, « parler au nom du réel, c’est impossible » (p. 245), puisque le réel fracture les discours. Mais il n’est pas impossible de donner à entendre les fractures de ce réel. Ainsi la pensée s’impose d’affirmer les « expérience[s] du réel » (p. 242). C’est pourquoi l’on peut dire qu’elle travaille à fracturer le discours. Ce travail relève-t-il de la « modernité »?
Le terme est si équivoque qu’il peut condamner le propos à l’insignifiance. De plus, le geste qui fait saillir le réel avait jadis été effectué et médité par des théologies qui s’élèvent à Dieu à partir des savoirs pour, en un second temps « fracturer » et abaisser ceux-ci. Cependant, considérons le trajet du geste et non cette finalité-ci. Le geste fut aussi exercé, selon une finalité opposée à tout abaissement intellectuel, pour fonder en droit la scientificité et la vérité de certains savoirs. Le parcours des Méditations métaphysiques de Descartes– à partir de la preuve (ou des preuves) par l’effet de l’existence de Dieu dans la troisième Méditation – ne consiste-t-il pas, si nous modifions comme il convient la formule déjà citée de Milner, à « construire l’extérieur des représentations depuis l’intérieur, pour permettre, en un second mouvement, de revenir de l’extérieur vers l’intérieur » afin de fonder en raison la vérité de certaines représentations et ainsi fonder la science ?
Or, en opposition aux deux gestes que nous venons d’indiquer, nous pouvons envisager une des aventures de la modernité : il ne s’agit ni d’abaisser les savoirs ni de fonder des savoirs en vérité mais de disjoindre et de corréler les savoirs et la vérité afin de faire entendre le réel. Ceci grâce au mouvement qui, de l’intérieur des savoirs, affirme un extérieur – lequel n’est point une transcendance – afin de revenir, en un second temps, vers les savoirs et d’expérimenter l’inconsistance de leur vérité. Un des noms de ce mouvement est : l’interprétation.
De ce point de vue, il ne semble pas possible de réduire l’« interprétation » à une nécessité universelle expérimentée par tous les penseurs, un effet de dictée, une contrainte intellectuelle qui forcerait la pensée à penser. Pratiquée, assumée, et élevée à l’intelligibilité par le penseur, elle désigne un mouvement historique de pensée, torsion grâce à laquelle émerge de l’intérieur des discours l’effet de vérité qui fait rupture avec l’ordre des discours. C’est de ce point de vue que la psychanalyse est un des centres de la modernité. L’intelligibilité de ce geste appartient en effet, et pour une part, à l’histoire de la psychanalyse. Ou plutôt, la psychanalyse appartient à ce geste, car c’est par lui qu’elle s’est constituée en tentant de le rendre intelligible. La question « qu’est-ce qui légitime une interprétation ? » exige donc une réponse singulière, non réductible à la contrainte générale que subit la pensée. Or une réponse semble s’imposer : elle ne peut ici se fonder sur nul discours de principe, précisément parce que le discours se développe en savoir et parce que l’interprétation, au lieu de se stabiliser sur un savoir du principe, engage ce qui fracture le savoir. À la question, il ne nous semble donc exister qu’une réponse : un sujet s’autorise de lui-même à effectuer l’interprétation. Ce sujet peut expliciter ce geste : nous lisons ainsi la Conclusion du livre de Milner qui possède une sombre noblesse (malgré les désaccords qu’elle peut faire naître) ; mais il ne peut s’en décharger sur une autorité autre que lui-même. Ajoutons que, dès Les Noms indistincts, Milner est, avec Lacan et après Lacan, l’auteur qui a le plus instruit des nœuds, chicanes et paradoxes de cette torsion ; cet ouvrage, nous pouvons en témoigner, n’a cessé d’être pour certains un repère et une source de réflexions.
S’autoriser de soi-même pour faire valoir l’hétérogène est peut-être indiquer la place laissée en creux par la formule : écrire sur la révolution « à ma manière, qui n’est pas celle d’un historien, ni celle d’un philosophe et encore moins d’un écrivain » (10). À la manière, disons, faute de mieux, en jouant sur les mots, d’un analysant de la révolution. S’autoriser de soi-même s’effectue toujours à ses risques et périls, au fil du rasoir, sans garantie, sans métalangage, l’enjeu étant de ne céder ni sur l’exactitude ni sur le réel. Et il nous a semblé que l’auteur a, pour une part, cédé sur les deux exigences. S’autoriser de soi-même, c’est précisément se livrer à un exercice de haute responsabilité, responsabilité qu’il convient de reconnaître à tous les corps parlants. C’est pourquoi on doit considérer Milner comme un penseur non seulement « dérangeant » mais en danger pour lui-même d’abord – ce qui fait son intérêt – car le geste qui s’autorise de soi-même divise le même et ainsi l’engage dans une parole sans protection « intérieure » des discours. Notre étude, de ce point de vue, est une esquisse d’enquête sur ce devenir.

Le statut de la déliaison

Ce geste de pensée effectué par Milner, geste de déliaison des discours et des réalités, relève, ainsi que nous le disions, de la psychanalyse ; il est également (nous pourrions le montrer) l’héritage assumé d’un certain gauchisme, usons du mot selon un mode neutre, ni laudatif ni dépréciatif. Ainsi, à l’intersection de ce gauchisme et de la psychanalyse et d’autres pratiques encore (pensons à la linguistique), la pensée de Milner ne cesse de fulgurer et de se raconter.
Sur un mode singulier qui n’est pas philosophique, écrit l’auteur. C’est pourquoi il convient, pour finir, de distinguer l’« analysant » et le philosophe. Une fois de plus les deux principes – disjoindre et corréler- s’imposent. Nous pouvons aisément le vérifier en comparant son travail à celui de Catherine Kintzler. La comparaison est justifiée car les deux penseurs expérimentent une complicité intellectuelle et politique qui n’exclut cependant pas une différence essentielle. Les lecteurs des textes philosophico-politiques de Catherine Kintzler le savent : le mouvement qui, à la perpendiculaire des savoirs, les fracture et les ouvre sur l’hétérogène, la philosophe le déplace et le stabilise intellectuellement à titre de principe du lien politique. L’enjeu philosophico-politique est non pas d’accomplir le geste de déliaison en fracturant les savoirs, mais de situer la déliaison en principe de légitimité politique. Nous lisons ainsi le questionnement : « Comment penser un lien qui se constitue par la suspension de tout lien ? Ou encore :  »trouver une formule de liaison non seulement qui s’autorise de la déliaison entre eux des éléments qui la composent, mais encore qui la rende possible ».» (Qu’est-ce que la laïcité ? p. 40-41). Milner, analysant, fracturant, ne se préoccupe pas du « fondement » du lien politique et jamais il ne pense, dans Relire la Révolution, en termes de « fondement » (la page 212 est  très claire : les droits de l’homme ne constituent pas le fondement idéal du lien politique). Catherine Kintzler, philosophe et non « analysante », œuvre à élucider le fondement du lien politique légitime, grâce à une logique et une ontologie de la déliaison constitutive. Ce n’est pas elle qui s’autorise (au sens où l’analysant s’autorise), mais la déliaison qui – élevée à la hauteur d’un principe – autorise et rend possible la liaison politique, de sorte que cette liaison ainsi légitimée rend à son tour matériellement possibles et légales des déliaisons entre sujets politiques. On sait que cette déliaison fondatrice du lien politique est nommée « laïcité ».
Selon cette perspective, la question des rapports entre philosophie et pensée de l’analysant se présente ainsi : quel est le statut de la déliaison ? Celle-ci travaille-t-elle le discours pour le fracturer ou permet-elle de situer un discours (« laïque ») en position de fondement idéal ? L’interrogation peut aussi être articulée en termes de vérité : celle-ci n’est-elle identifiée que par ses effets de déliaison des savoirs et des discours, qui sont aussi des effets « réels » de justice, ou est-elle la propriété d’un savoir (le discours de la laïcité) qui permet de fonder la justice politique?

Notes

2 – Dans la Conclusion, Milner explicite avec une grande pédagogie ce que nous désignons ici en termes de disjonction et de corrélation. Le savoir a pour principe l’homogénéité et la régularité. Pensons aux mises en relations rationnelles des événements au sein du récit historique ; chaque événement est une réalité particulière parmi d’autres, qui peut être comparée et mise en liaison avec les autres. Pensons également au savoir médical qui distribue les symptômes et les pathologies en des classifications raisonnées et permet ainsi d’établir des nosologies et des nosographies qui différencient et décrivent les maladies. Mais, précise Milner, « la chambre à gaz, au-delà de sa réalité », touche au réel (p. 242) : elle doit être ainsi corrélée avec d’autres événements historiques mais sur un mode précis : briser les ressemblances et les ordonnancements du récit historique. Elle fait de la sorte vaciller de l’intérieur le récit et l’ouvre sur le dissemblable et l’hétérogène. La peste décrite par Thucydide, qui ravage la cité athénienne, défait de l’intérieur le savoir philosophique platonicien, dit Milner (p. 240-241). Nous pourrions ajouter qu’elle déchire aussi les tableaux médicaux et confronte la médecine à ce qu’elle tente de réduire par l’objectivité nosographique : le réel des cadavres et de la décomposition des corps. Les deux « épisodes » (p. 244) mettent en évidence que le réel fracture de l’intérieur ce que les savoirs travaillent à lier et à homogénéiser. C’est pourquoi la corrélation entre le réel et le savoir est aussi leur disjonction.
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URL : http://www.mezetulle.fr/relire-la-revolution-de-jean-claude-milner-par-d-liotta-lexact-et-le-reel/

A propos de Daniel Liotta

Professeur agrégé de philosophie, enseignant en classes préparatoires littéraires.