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sábado, 1 de julho de 2017

Por que a “greve geral” de sexta-feira não fez barulho

Por que a “greve geral” de sexta-feira não fez barulho

Explicar o esvaziamento das manifestações, tanto de esquerda como de direita, não é trivial. Veja avaliações

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google PlayPara ler reportagens antecipadamente, assine EXAME Hoje.
A pinguela presidencial nunca balançou tanto como nesta semana. O presidente Michel Temer foi atingido pela denúncia da Procuradoria-Geral da República — que o acusa de corrupção passiva por ser destino final de propina paga a seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), o responsável por receber 500.000 reais em dinheiro vivo de executivos-delatores do grupo J&F — e mergulhou no seu mais profundo poço de impopularidade: apenas 7% avaliam o governo em ótimo ou bom, segundo o instituto Datafolha. Ainda nesta semana, escolheu uma opositora de seu novo desafeto, o procurador-geral Rodrigo Janot, para sucedê-lo no comando do MPF — ainda que o preferido dos procuradores da República fosse Nicolao Dino, vice-procurador-eleitoral que buscou cassá-lo no Tribunal Superior Eleitoral. Pela lei, nada repreensível, não fosse o encontro na noite anterior, fora da agenda oficial mais uma vez, com o ministro Gilmar Mendes. De segunda a sexta, uma sucessão de falhas éticas permeou o governo. Um escândalo, certo? Não exatamente.
A reação aos eventos foi nula. Nas ruas, a “Greve Geral” chamada por centrais sindicais contra as reformas trabalhista e previdenciária não fez barulho. Um dia antes, inclusive, a trabalhista passava incólume na Comissão de Constituição e Justiça da Senado, por 16 votos favoráveis a 9. Na semana que vem, deve ser aprovada em Plenário e sancionada pelo presidente. Nem assim os sindicatos de transporte público de São Paulo, presentes sempre em manifestações do tipo, mostraram-se dispostos a comprar a briga. A maior manifestação aconteceu em Brasília, onde pararam ônibus e Metrô, mas os atos de protesto passaram longe da adesão e do agito das manifestações de 24 de maio, quando três ministérios foram incendiados. Naquele dia 24 maio, havia 150.000 manifestantes, segundo organizadores. A PM contou 25.000. Na última sexta-feira, foram apenas 5.000.
Do outro lado do espectro político ficam as promessas. O empresário Rogério Chequer, em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, prometeu tirar de casa o movimento Vem Pra Rua. Ao lado do Movimento Brasil Livre, o grupo foi capitão das manifestações que pediam o impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e 2016, colocando mais de 1 milhão de pessoas na Avenida Paulista (ou 220.000, segundo o instituto Datafolha) na maior passeata pública da história. “Para que as reformas sejam retomadas, o melhor é que o presidente seja afastado imediatamente, para poder ser julgado o mais rapidamente possível”, diz.
Chequer chama ainda o presidente de “refém do Congresso” e afirma que “agora sim” há “fatos concretos” contra Temer que justifiquem a investigação e seu distanciamento do Planalto. Não sem antes fazer ressalva: “Defender a queda de Temer, que fique claro, não significa defender o irracional ‘Fora Temer’ que os petistas que o elegeram gritam desde que ele assumiu, por puro desequilíbrio emocional, dor de cotovelo e oportunismo, sem quaisquer argumentos legais”.
O Vem Pra Rua e o MBL tentaram uma nova incursão nas ruas durante o governo Temer, exatamente um ano depois da manifestação recorde de março de 2016. Com pautas difusas, como a defesa da Operação Lava-Jato e o fim do foro privilegiado — sem mirar no presidente Michel Temer —, os protestos foram um fracasso. Segundo os próprio manifestantes, havia 55.000 manifestantes em todo o Brasil. A tentativa de apagar a lembrança amarga de três meses atrás está marcada para o dia 27 de agosto. O MBL não se manifestou a respeito de reforçar o quórum do protesto, nem foi localizado nesta sexta-feira pela reportagem.
Explicar o esvaziamento das manifestações, tanto de esquerda como de direita, não é trivial. Três tópicos, contudo, são determinantes, apontam pensadores consultados por EXAME Hoje: o distanciamento entre lideranças dos movimentos sociais e a população, a descrença com os partidos políticos e — surpreendentemente — a própria Lava-Jato.
Os movimentos sociais ganham força em momentos bastante específicos, de indignação da população com o governo. No caso de Dilma, houve a conjunção de fatores que soma deterioração do ambiente econômico eenvolvimento profundo em esquemas de corrupção, revelados pela Operação Lava-Jato. O empresariado sofria em uma ponta, enquanto as classes mais baixas de trabalhadores passavam aperto no orçamento doméstico pela disparada da inflação ou perdiam os empregos. Jogar com essa indignação deu legitimidade ao Vem Pra Rua e MBL para reunir as vozes contra o PT. Derrubada a presidente, porém, ambos os movimentos tiveram dificuldades de formar propostas para manter a coesão. O que chegou mais perto disso foi o MBL, usando a máquina de partidos políticos para eleger representantes, como o vereador Fernando Holiday (DEM-SP), na capital paulista. Mas a “falta de assunto” pós-PT resultou nos manifestos esvaziados de março passado.
As frentes de esquerda sofrem com desânimo e o estigma. A impressão de que nada acontece mesmo com seguidas manifestações e há sempre a repetição da “narrativa de golpe”, usada em todo protesto sem resultados. Com a inflação mais baixa, a insatisfação com a economia alivia, ainda que o desemprego esteja alto. Enquanto o movimento está nas ruas, o Congresso segue votando a agenda Temer. Guilherme Boulos, um dos líderes do movimento, tem até um termo para definir a atuação dos parlamentares: “legislam de costas para o povo”. A coordenação, porém, não tem ideias para fazer com que suas ideias sejam ouvidas.
“Mesmo os mais conservadores estão divididos e sem uma estratégia para a frente, com movimentos mal organizados e pequenas ‘lideranças-estrela’, cuja vontade define o movimento como um todo”, afirma a EXAME Hoje o filósofo da Unicamp Roberto Romano. “A situação leva a uma confusão e choque de ideias, sem que o movimento se torne em ação propositiva e mais profunda”.
O desencanto com os partidos
A procura por movimentos sociais que garantam a participação política é uma lacuna deixada pelos partidos políticos. É tradição no Brasil que o eleitor não se identifique com nenhum partido. A constante mudança de agenda, atrás de coligações, é o principal motivo para a falta de identificação. É só lembrar do barulho que houve na aliança entre de Fernando Haddad (PT) e Paulo Maluf (PP) nas eleições de 2012. Em março de 2013, a pesquisa Datafolha mostrou o menor índice registrado de indivíduos que declaram não ter preferência por nenhum partido desde a redemocratização, índice de 41%. Ou seja, na melhor das hipóteses, dois a cada cinco brasileiros não tinham algum partido de preferência.
O PT, partido que angaria o maior número de votantes fiéis desde 1999, chegou no máximo a 31% dos eleitores, em 2012. Hoje, o partido de Luiz Inácio Lula da Silva tem 18% das preferências, mas o índice cresceu desde que se intensificaram as investigações contra o ex-presidente na Operação Lava-Jato. A narrativa do partido, de que Lula é um perseguido político e que os procuradores têm por objetivo inviabilizá-lo, ajudou a trazer de volta o apelo com a militância. O envolvimento de Michel Temer nos esquemas e a recuperação da economia que não saiu como esperado depois do impeachment contribuíram também.
Mas o desencanto com a política se mostra mesmo nos demais números. O PT chegou aos 18% nesta semana depois de ter 9% em dezembro de 2016, há seis meses. Naquele momento, declararam não ter preferência por partidos 75% dos eleitores, três a cada quatro, um recorde de toda a série da pesquisa. PMDB e PSDB, principais potências partidárias de oposição aos petistas, ganharam no período apenas 1 ponto percentual, de 4% para 5%. O crescimento pífio mostra que, como os movimentos de rua, os partidos sofrem com lideranças batendo cabeça e falta de proposição de saídas para os problemas do país. Não há exemplo melhor para ilustrar que a hesitação do PSDB em sair da base aliada de Michel Temer, com um racha de ideias internas no partido, mas com atitudes ligadas às vontades dos caciques. “Poderíamos defender as reformas de fora do governo, mas deixamos a moral derreter. Não se fala nem em afastar o Aécio Neves da presidência do partido. Isso é péssimo para nossa imagem”, afirma um congressista tucano.
“No Brasil, ninguém quer saber de partido político porque são bandidos, que vendem leis e horário de TV na campanha. Isso é partido político?”, diz em entrevista a EXAME Hoje o jurista Modesto Carvalhosa. “O PSDB é partido político? O PMDB? O PT? São organizações criminosas. Não sobrou nada”.
O papel da Lava-Jato
Ainda no espectro dos partidos políticos, a ação moralizante da Operação Lava-Jato distanciou ainda mais o eleitor das legendas. Os escândalos que atingiram primeiramente o PT, o PP e alas do PMDB, cresceram no partido do presidente Temer e chegaram ao PSDB. Conforme as denúncias batem nas lideranças, há uma crise de representatividade na relação eleitor/político. “As ações da Lava-Jato cumpriram também o papel de vingar a população. A indignação da população é, de certo modo, apaziguada pelas punições dadas aos agentes políticos”, diz Roberto Romano, da Unicamp. “A população continua indignada com o sistema político, mas esse papel tem sido cumprido por intermediários, que são os procuradores”.
Para a consultoria de risco político Eurasia, contudo, o horizonte deve permanecer em calmaria. Os consultores atribuem também à divisão de agendas dentro dos movimentos sociais e aos sinais ambíguos da economia — a inflação em baixa sem retomada do emprego — para a postura reticente da classe média e do empresariado. “Sem a pressão significativa dos mercados, das elites empresariais e das ruas, os legisladores não se sentirão obrigados a remover Temer do cargo”, diz relatório divulgado nesta sexta-feira. Segundo o relatório, a votação da primeira denúncia de Janot dará um panorama bom sobre a força parlamentar de Temer. Se houver boa margem, na casa dos 250 votos favoráveis, o presidente se cacifa com o empresariado sobre sua capacidade de aprovar reformas fiscais, como a da Previdência. Se passar raspando, o empresariado pode virar as costas ao presidente, buscando alternativa que reaglutine o Congresso.
Para que as manifestações voltem a fazer pressão é preciso um estopim social que gere revolta. Independente da bandeira que o movimento carregue, uma analogia explica o atual momento: quando uma sala está em chamas, não importam as maneiras, o importante é sair para sobreviver. Contava-se que o incêndio na sala Brasil seriam as delações de Rocha Loures, o homem da mala, e do operador Lúcio Funaro, aliado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) como elementos bombásticos. Rocha Loures foi solto pelo ministro Edson Fachin nesta sexta-feira e a denúncia vinculada a Michel Temer tem poucas chances de prosperar. A impunidade da dupla pode ser essa faísca, que queimará o pavio das outras duas denúncias que serão aprovadas por Rodrigo Janot. Funaro segue no vaivém ao negociar com o Ministério Público Federal. Quer que sua delação seja devidamente premiada. Com o perdão dado a Joesley Batista, seu irmão e colegas de J&F, o poder de barganha de Funaro é altíssimo. Suas revelações podem dar os nós finais na denúncia contra o presidente. As cartas estão postas à mesa. Cabe aos movimentos sociais e partidos políticos saberem jogar.

Gazeta do Povo Curitiba, 29/06/2017

Existe algo a temer com Raquel Dodge no comando da Lava Jato?

Subprocuradora escolhida por Michel Temer para chefiar o Ministério Público prometeu ampliar investigação do petrolão, mas apoios recebidos durante campanha deixaram ponto de interrogação


Os rumos da Operação Lava Jato não devem mudar com a indicação de Raquel Dodge para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR). Se for aprovada na sabatina do Senado, a escolhida pelo presidente Michel Temer para assumir o comando do Ministério Público Federal (MPF), a partir de setembro, deve seguir com os trabalhos do antecessor Rodrigo Janot. É o que pensam especialistas consultados pela Gazeta do Povo.
Raquel tem 30 anos de experiência no Ministério Público. É subprocuradora-geral da República e membro do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). Ao indicar Raquel, reconhecida como uma rival de Janot dentro da corporação, Temer tenta fragilizar o poder do atual procurador-geral no fim de seu mandato, que se encerra em 17 de setembro. Mas todos concordam que ela tem uma carreira sólida no MPF, com destaque para a atuação de combate à corrupção, e, por isso, deve dar sequência às investigações da Lava Jato, sem prejudicar a operação. 
Durante a campanha pela PGR, Raquel afirmou que pretendia ampliar o número de investigadores na Lava Jato e a estrutura disponibilizada para eles, caso fosse necessário. 
O professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, explica que Raquel estará sob “200 mil lentes” e que vai precisar tomar decisões “diplomáticas” para reduzir os ruídos por não pertencer ao grupo de Janot.
O que gera dúvida sobre eventual prejuízo da Lava Jato é o suposto apadrinhamento dela por membros do governo. Segundo o jornal O Globo, ela teve apoio de investigados na Lava Jato: o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Também era a preferida do ministro da Justiça, Torquato Jardim, e do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). 
Para o professor da Unicamp, a forma como Raquel foi anunciada não foi adequada. Ele menciona o encontro de Temer com Gilmar Mendes na noite de terça-feira (27). Nos bastidores especula-se que a conversa serviu para que o magistrado do STF desse seu aval para escolha de Raquel. 
“É muito complicado você aplaudir o que foi feito ontem. Isso trará muitas sobras sobre o começo do trabalho dela. Vai trazer a suspeita de ter sido indicada de maneira política [e não técnica]”, opinou Romano. O professor pondera que não necessariamente ela tem culpa desse apadrinhamento, mas que a circunstância a coloca numa posição de observação da opinião pública.

Encontro

Na quarta-feira (28), logo após ser anunciada, Raquel esteve com o presidente Temer. Depois, ela se encontrou com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para esclarecer os ritos da sabatina a qual será submetida na Casa. Para o professor da Unicamp, essa “ritualística” deveria ser evitada porque vivemos um momento delicado de crise e denúncias graves. “Ela pode visitar quem quiser após a posse, mas no calor da decisão é complicado.”
Raquel era a segunda colocada na lista tríplice que foi elaborada com base em eleição interna do Ministério Público Federal. O candidato mais votado entre os pares foi Nicolao Dino, que defendeu a cassação da chapa Dilma-Temer no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral e é mais alinhado a Janot. Mesmo antes da nomeação de Temer, já se sabia que Dino teria menos chances de ser o escolhido do presidente.
Para Rafael Cortez, consultor político da Tendências, o fato de o peemedebista não escolher o mais votado indica que a tensão entre Temer e o MP deve continuar. 
David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), afirmou que Raquel não deve impedir o andamento das investigações, mas que será mais comedida. “Eu não vejo mudança, vejo menos estilo contundente como o de Janot, com menos manchete [nos jornais]”, opinou.

Impacto entre procuradores

O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, admite que Dino teria mais respaldo da categoria, pois recebeu mais votos. “Em hora nenhuma nós falamos que a ordem era desimportante, se fosse desimportante eu entregava uma lista alfabética. Não é tanto faz. Existe uma preferência, tanto que apresentamos o ofício indicando o primeiro, o segundo e o terceiro colocado”, declarou Robalinho. “Mas cabe ao presidente escolher”, ponderou.
Embora tenha sido a segunda na lista, é inegável que ela alcançou uma votação expressiva. Raquel conquistou apenas 34 votos a menos que o primeiro colocado, Nicolao Dino, que obteve 621 votos. Os 587 votos que ela recebeu indicam, em certa medida, algum respaldo da categoria. 
“Ela vai atuar com o mesmo rigor [que seu antecessor]. A colega tem histórico de liderança, tem qualificação técnica e obteve uma votação massiva na consulta da corporação”, declarou o procurador Bruno Calabrich, que já atuou na Lava Jato ao lado de Janot.
O apoio dos colegas é um ponto importante, pois pode interferir na forma como Raquel irá liderar ou não os trabalhos no MPF. 
Cortez explicou que, como ela não foi primeira escolha de seus pares, isso pode gerar tensão na corporação porque ela já chegaria ao posto com um rótulo de ser a preferida do governo, em detrimento da escolha da classe. “Por ser a segunda colocada, ela pode ser considerada uma dissidente, uma representante de uma fratura da corporação, da oposição. A força do MPF está na sua corporação”, disse Romano.
Temer justificou sua escolha defendendo que foi responsável pela nomeação da primeira procuradora-geral da República. Ele tentou assim amenizar o desgaste de romper com a tradição de escolher o nome mais votado. Para Cortez, essa iniciativa não terá efeito prático. Isto porque o governo do peemedebista praticamente não inclui mulheres no seu quadro e isso não irá convencer a opinião pública de que tenha ocorrido uma mudança de postura. O índice de rejeição de Temer na população é maior na parcela feminina. 

Polêmica sobre forças-tarefas

Em abril, Raquel apresentou um projeto de resolução no conselho da categoria que, se aprovado, limitaria a cessão de procuradores das unidades estaduais a operações em andamento. 
Com o argumento de que era preciso preservar o funcionamento das unidades do MPF, ela propôs que cada unidade do Ministério Público só poderia ceder 10% dos membros. À ocasião, Janot criticou a iniciativa e declarou que a medida afetaria a Lava Jato. Antes que fosse aprovada, ficou definido que a proposta só afetaria as novas operações, o que preservaria a Lava Jato. A análise da norma não foi concluída pelos conselheiros do MPF.
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terça-feira, 27 de junho de 2017

Jornal da Unicamp: 27/junho/2017. Crise Política Quatro visões sobre a denúncia de Janot ter, 27 jun 2017 | 21:12 Atualidades Armando Boito, Roberto Romano, Ruy Braga e Walter Belik opinam sobre a decisão do procurador-geral da República


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Quatro visões sobre a denúncia de Janot


Armando Boito, Roberto Romano, Ruy Braga e Walter Belik opinam sobre a decisão do procurador-geral da República

Armando Boito, Roberto Romano, Ruy Braga e Walter Belik opinam sobre a decisão do procurador-geral da República,  Rodrigo Janot, que denunciou criminalmente o presidente Michel Temer (PMDB) por corrupção.

Armando Boito – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp
Foto: Antoninho Perri

A denúncia de Rodrigo Janot contra Michel Temer, por corrupção passiva, é um episódio muito importante no contexto de um conflito que vem se arrastando desde que o governo atual assumiu o poder. Trata-se de um conflito no interior do campo das forças políticas que promoveram a deposição de Dilma Rousseff por meio de um golpe parlamentar. É uma instabilidade crônica que provém muito mais das contradições desse campo do que da luta do campo democrático e popular.
É óbvio que Temer, por não ter voto e por ser contestado pelo movimento sindical no que diz respeito às reformas trabalhista e previdenciária, fica vulnerável, mas o elemento ativo da instabilidade desse governo tem sido o sistema de justiça – o Ministério Público, a Lava Jato etc. Muitos imaginavam que as investigações parariam depois da deposição de Dilma, mas isto não ocorreu. Este é um primeiro elemento muito importante.
O segundo elemento, que tem ligação com este ao qual acabei de me referir, é que, por se tratar de uma luta interna a esse campo, quase que circunscrita às instituições do Estado, um tanto palaciana, o governo Temer dispõe de muitas armas, recursos e trunfos para evitar sua deposição. O mais evidente, neste caso, é que a denúncia do procurador geral da República terá de ser aprovada por 342 votos no Congresso Nacional para seguir em frente; do contrário, ela morre no nascedouro...
Nessa perspectiva, minha conclusão geral é a seguinte: como a instabilidade do governo é provocada muito mais pelas contradições no interior do campo político que promoveu o golpe, como o conflito está circunscrito às instituições do Estado, como já disse anteriormente, é plausível, infelizmente, a possibilidade de que o governo se arraste de crise em crise, até dezembro de 2018.
Essa perspectiva, obviamente, é muito negativa para o movimento democrático e popular. Em primeiro lugar, porque a deposição de Temer elevaria o moral do campo democrático. Segundo, porque resultaria em uma grande turbulência, que, em última instância, dificultaria a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária.


Roberto Romano – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp
Foto: Antoninho Perri


O primeiro ponto a ser destacado é a crise geral do Estado brasileiro, marcada sobretudo pela perda de governabilidade. Se o presidente da República conseguir segurar o Congresso, em seu ponto limite de votos, será à custa de muito recurso público e de muitos cargos, o que não estão significando muita coisa – o dinheiro está sumindo... Henrique Meirelles e integrantes do Ministério do Planejamento, por exemplo, já estavam pensando em meter a mão no dinheiro do FGTS e do seguro-desemprego. O dinheiro não está resistindo, a não ser no BNDES, mas, se continuar fluindo, as consequências serão graves. Se Temer conseguir segurar nessa base, ele não vai ter efetivamente o poder de fato, vai ser apenas um dirigente formal. Vai lembrar muito os últimos meses do governo Sarney, quando ninguém mais governava o país.
O segundo ponto é prestar atenção no que o PSDB vai fazer. O problema não é o componente numérico, mas sim o simbólico, caso haja o desembarque. Se o partido que começou o processo de impeachment de Dilma, deixar o governo, haverá uma confissão de que o governo Temer é indefensável. Isso pode causar um abalo maior ainda na popularidade do presidente e desencadear fissuras na própria base aliada. Muita gente vai abandonar a rapadura.
Por fim, destacaria a crise nas instituições. Fui a um evento [na Fiesp] ontem (27) na Fiesp em que boa parte dos participantes era da opinião de que o governo Temer chegou em seu ponto limite. Por outro lado, no mesmo evento, Gilmar Mendes defendeu a política, os políticos e os partidos, alertando contra a ditadura de juízes e de procuradores, que, no entender dele, seria tão nefasta quanto o regime militar. A questão é que essa fala revela um racha no sistema de justiça, o que me leva a reiterar que o problema não é na Presidência, mas sim no Estado brasileiro, que não está conseguindo trabalhar minimamente em termos de republicanismo, de troca democrática e de respeito de um Poder pelo outro.
Tenho repetido, há muito tempo, que as instituições não estão funcionando normalmente. Em primeiro lugar, precisamos discutir o conceito do que seja a normalidade. O que é normal? Em se tratando de luta pelo poder, a normalidade tende sempre a ser desrespeitada – um poder tende a aumentar em detrimento do outro. Há um dito interessantíssimo do Maquiavel: “No mundo da política, quem não cresce, diminui enquanto o outro cresce”. Daí a importância do equilíbrio entre os poderes, tema recorrente dos pensadores clássicos, entre os quais Montesquieu. Aliás, Gilmar Mendes insistiu profundamente ontem na tese de que há um desequilíbrio na balança dos poderes no Estado brasileiro.
Outro ponto, nesse contexto, é a seguinte indagação: como pode ser normal, num regime político, que dois dirigentes máximos sejam afastados em tão pouco tempo, como ocorreu nos casos de Collor e de Dilma? Indo além: como pode ser normal que você tenha uma parte do Congresso sendo ameaçada de prisão? Mais: como pode ser normal que você tenha uma Corte Suprema dividida em equipes? Neste último caso, por exemplo, vários analistas têm chamado a atenção para o fato de que, há muito tempo, o STF não tem uma decisão coletiva. As contagens são sempre apertadas, com uma diferença de um ou dois votos. Não há, portanto, uma doutrina na esteira das decisões do Supremo.
É muito ruim você ter o direito público determinado pela presença de pessoas num sentido ou em outro. Não vejo normalidade nenhuma no funcionamento das instituições. Pelo contrário, vejo uma crise de Estado que se agrava a cada dia. O caso de Temer é típico: temos um presidente da República denunciado por corrupção no exercício do mandato. É um fato inédito na história do Brasil.
Quanto ao futuro de Temer, para além dos limites da distribuição de recursos à qual me referi, há um outro componente que não pode ser desprezado: a gente não conhece os limites do instinto de sobrevivência dos políticos...Elias Canetti, em Massa e Poder, dedica um capítulo ao poderoso como sobrevivente. Ele mostra que, quando o poderoso entra nessa lógica da sobrevivência, os limites são muito tênues, ele é capaz de tudo. Num momento de crise, o poderoso se revela. Há toda uma mitologia a respeito, a começar do tirano que comete atrocidades no palácio...
Se a Câmara dos Deputados aceitar a denúncia do procurador-geral, os deputados estarão admitindo que a Lava Jato é um superpoder do Estado, que se coloca acima dos outros poderes, ou seja, é um Estado dentro do Estado, o que não procede. Se passar a denúncia, esses políticos evidentemente estarão a perigo. Parece-me que o que mais pode fazer com que Temer continue até 2018, formalmente – e a questão do formal é importante –, 2018 é justamente o instinto de sobrevivência dos nossos políticos.
No meu entender, a crise perdura e tende a piorar, trazendo à tona mais fatos novos. A impressão que eu tenho é a de que, desde a saída de Dilma Rousseff, estamos num trem-fantasma.


Ruy Braga – Departamento de Sociologia da USP
Foto: Reprodução

A absolvição de Temer no STE mostrou-se mostrou muito frágil, tendo em vista que a denúncia de Rodrigo Janot o acusa diretamente do crime de corrupção. Isto significa que a crise política se aprofunda e, ao se aprofundar, abre uma série de possibilidades. Tenho insistido na tese de que o governo Temer se mantém, basicamente, por duas razões. A primeira delas é que ele conta, até o momento presente, com o apoio e a confiança do empresariado brasileiro. E é isso que, através de interesses privados e empresariais no parlamento, representado pelos seus deputados, mantém o governo de pé. Claro que a amálgama disso tudo são as reformas levadas adiante – hoje, a trabalhista e, em breve, a previdenciária. Se o governo não conseguir aprovar a reforma trabalhista no plenário do Senado, muito possivelmente os setores empresariais tenderão a retirar o seu apoio. Consequentemente, isso teria um forte impacto na base parlamentar de sustentação do governo.
O segundo ponto que mantém o governo é porque, aparentemente, não há um interesse muito agudo de parte da oposição, em especial de setores do PT, em levar adiante uma campanha pelas diretas-já. Raciocina-se basicamente com os seguintes termos: é mais fácil bloquear as reformas trabalhista e previdenciária com um governo caótico e claudicante, como é o caso de Temer, do que num cenário de eleições indiretas que, eventualmente, poderia levar ao poder um governo com mais chances de aprovar essas reformas. Ademais, o PT está com a cabeça na defesa de Lula no âmbito da Lava Jato; por outro lado, Lula está com a cabeça na eleição de 2018. Ele sabe que tem grandes chances de ganhar.  No agregado, portanto, é isso que explica, na minha opinião, o fato de o governo manter-se de pé.
 No entanto, o elemento desestabilizador, nesse contexto, é que a profundidade e a gravidade das acusações da Procuradoria Geral da República contra o Temer podem alterar esse cenário com alguma brevidade, o que significaria um encurtamento do mandato, quer seja através da renúncia, quer seja por meio de um estratagema parlamentar qualquer. Neste último caso, Rodrigo Maia assumiria com a prerrogativa de convocar eleições indiretas via parlamento o que, de alguma maneira, tendo em vista a composição conservadora do Congresso, se constituiria num expediente para entronizar também um governo bastante conservador e, consequentemente, comprometido com o avanço dessas reformas antes de outubro de 2018, ou seja, quando estão previstas as eleições presidenciais.
Gostaria de acrescentar que não há solução para a crise política atual que não passe, necessariamente, pela soberania popular, ou seja, pelas eleições diretas. Isso depende muito do nível de mobilização popular, de um grande consenso entre setores de oposição. No atual momento, não apostaria nessa alternativa. No entanto, sempre é bom destacar, o movimento desestabilizador é muito marcante, como disse anteriormente. A denúncia de Janot é muito forte. Temos um relatório de 60 páginas muito contundente nas acusações. Isso pode trazer água para o moinho das diretas-já, galvanizando a população.


Walter Belik – Professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp
Foto: Antoninho Perri

Já foi destacado que é a primeira vez que um presidente da República em exercício é denunciado, no Brasil, por atos de corrupção, o que é gravíssimo. Quando isso acontece em outros países, o presidente ou renuncia imediatamente ou abre espaço para investigação. Aparentemente, não é o que vai ocorrer no Brasil. Temer dá todos os sinais de que vai resistir e tentar se manter no poder, e isso é muito complicado, refletindo até no dia a dia das pessoas.
Esperava-se, dentro de um quadro de normalidade, que as reformas seriam aprovadas e as eleições para 2018, convocadas, no transcurso natural da política. Teremos, ao que tudo indica, o oposto do esperado. Provavelmente, o ambiente ficará muito conturbado. Não sei a gente chega a 2018 nesse estado de turbulência, radicalização, intransigência e nervosismo que paira sobre a economia e a sociedade.
As negociações acerca da permanência do presidente no cargo devem resultar em concessões para vários setores da economia de uma forma bastante contraproducente. Havia uma expectativa sobre o restabelecimento da vida econômica do país, e aqui não estou dizendo apenas no que diz respeito às reformas. Elas são necessárias, mas devem ser negociadas com a sociedade e não ficar condicionadas a cargos e à manutenção de poder. A discussão que vinha sendo travada no Congresso era positiva e saudável e, a partir de agora, estará contaminada por essas questões de curtíssimo prazo.
Do ponto de vista da previsão econômica e da precificação que vinha sendo feita pelos agentes econômicos sobre o nosso destino nos próximos meses, a confusão é generalizada. Isso já está refletindo na questão fiscal, porque não está ocorrendo a recuperação que se imaginava na arrecadação. A situação está se agravando. Como nós vamos fechar as contas, que era o objetivo principal desse governo que se pretendia estabilizador?
Está ocorrendo um movimento inverso. Estamos vivendo um período de incerteza crescente. Não se sabe o que vai acontecer daqui para a frente em termos de mudanças fiscais. Muito provavelmente, as agências de classificação devem rebaixar o Brasil ainda mais. Devemos ter instabilidade do ponto de vista cambial, do ponto de vista do mercado de trabalho, além de um período de agitação social maior, o que certamente afetará as companhias que estavam conseguindo melhorar a sua situação.
 Se o grupo político que apoia Temer pensasse um pouco mais no país, haveria um movimento para que ele renunciasse ou, em última instância, que propusesse a sua substituição ou convocação de eleições. Poderíamos ter uma articulação, caso houvesse maturidade por parte do Congresso, visando uma transição que evitasse uma convulsão. Como cidadão, estou muito preocupado.
A manutenção de Temer, nesse contexto, vai depender do apoio político que ele conseguir. Enquanto o PSDB sustentar o governo, certamente Temer se mantém no cargo. O partido [PSDB] é hoje a principal força de equilíbrio. Seus integrantes têm uma visão míope do que pode se passar na economia e, para além disso, não estão vendo que as coisas podem respingar para o lado deles na eleição de 2018.
Se Temer permanecer no cargo, nesse cenário, a crise sem dúvida vai se aprofundar. Virão certamente outras denúncias. As chances de novas crises institucionais também são grandes. Dizia-se que as instituições estavam segurando o Brasil e eram mais fortes do que a crise econômica. Mas, não. As instituições estão demonstrando uma fragilidade enorme. Não conseguem sequer tirar o presidente do poder. Pior: são manipuladas por ele. Há claramente uma crise entre poderes.
O impeachment de Dilma Rousseff foi articulado em nome de uma “necessária estabilidade” e/ou da promoção de reformas. Foi feito por conta de uma, digamos, tecnicalidade jurídica no campo da política fiscal. No entanto, o que se vê hoje é um absurdo, é muito pior. Passa um elefante em cima e a sociedade está letárgica. As forças de oposição também estão totalmente desarticuladas.

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