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sexta-feira, 5 de maio de 2017

Mudanças em reforma política devem ter efeito limitado sobre custo de campanha e representatividade

Mudanças em reforma política devem ter efeito limitado sobre custo de campanha e representatividade

Reuters
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Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - As mudanças propostas na reforma política em discussão no Congresso para as eleições de 2018, com o financiamento público e a lista pré-ordenada para cargos proporcionais, podem ter efeitos limitados no custo das campanhas e dificilmente vão garantir uma maior representatividade da Câmara dos Deputados, segundo a avaliação de especialistas ouvidos pela Reuters.
O filósofo Roberto Romano, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), destacou que não dá para confiar nas projeções apresentadas pelos parlamentares sobre o custo potencial das campanhas políticas com a adoção do fundo público para financiá-las.
Segundo ele, o país não tem tradição de "accountability", isto é, rigor na prestação de contas e lembrou as "fajutas" informações sobre receitas e despesas pelos partidos que são aprovadas pela Justiça Eleitoral.
Romano, professor de Ética e Filosofia, também não acredita que a lista pré-ordenada, apesar de ser um bom modelo, vai servir para reoxigenar os partidos, com novos quadros disputando cargos eletivos.
"Estão produzindo esse simulacro de reforma política e vendendo gato por lebre. Os parlamentares são especialistas em conservar o poder", disse o professor, que há muito tempo acompanha a política brasileira.
Na lista fechada os eleitores não votam diretamente em candidatos, mas em nomes escolhidos por uma ordem estabelecida pelo próprio partido.
Para a socióloga Fátima Pacheco Jordão, ainda não há garantias que a lista vai permitir, por exemplo, uma maior participação feminina no Congresso e reduzir o que ela considera de "desproporcional" participação de determinadas categorias no Legislativo, como a dos ruralistas.
"A questão não é só a busca de diminuir custos, mas tem que garantir que representações sejam mais equilibradas, sobretudo de mulheres e setores mais amplos da sociedade", disse Fátima, fundadora e conselheira do Instituto Patrícia Galvão.
O cientista político norte-americano David Fleischer concorda que a adoção da lista pré-ordenada poderá reduzir, em muito, o custo das campanhas, uma vez que, segundo ele, grande parte dos gastos vem da campanha a deputado.
Fleischer, contudo, acredita que haverá mecanismos para atuais parlamentares se reelegerem por meio da lista, mesmo enrolados em escândalos como a Lava Jato.
"A pegadinha é se esconder dentro da lista fechada, embora os partidos terão de ter cuidado para não sujar as listas", disse Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB).
O cientista político defende que a adoção do voto distrital para deputados baratearia ainda mais o custo das campanhas. Por esse modelo, um determinado Estado brasileiro seria dividido por regiões e candidatos a deputado disputaria o voto nele.
Fátima Pacheco Jordão disse também que não há garantias que haverá redução do caixa 2 nas próximas eleições com a eventual aprovação dessas propostas. Ela destacou que essa prática tornou-se tradição na forma de fazer campanha.
"Há um risco forte de tudo ficar parecido ou equivalente", disse. "Não tenho esperança que nesse clima político uma reforma vá aumentar a representatividade."

PDF Tese de J. Vaidengorn sobre a gênese da Unesp/

repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/253829/1/Valdergon,%20Jose.pdf

"A Lava Jato nos deixará a herança de um judiciário incontrolável". Entrevista especial com Cândido Grzybowski

"A Lava Jato nos deixará a herança de um judiciário incontrolável". Entrevista especial com Cândido Grzybowski

Revista ihu on-line


  • “Ameaças e ataques anti-indígenas ocorrem nos três poderes do Estado”, denunciou Dom Roque Paloschi na Assembleia Geral dos Bispos

Por: Patricia Fachin | 05 Maio 2017
As decisões do STF de libertar Eike Batista, réu na Operação Eficiência e, dias depois, José Dirceu, réu na Operação Lava Jato, indicam que o “tribunal não tem demonstrado total imparcialidade em todo o processo da Lava Jato” e “essa decisão de libertar uns é feita para poder libertar outros mais adiante”, avalia o sociólogo Cândido Grzybowski à IHU On-Line.

Embora muitos especulem que a liberdade concedida ao ex-ministro chefe da Casa Civil tenha como objetivo evitar uma possível delação de Antonio Palocci, Grzybowski aposta que “o STF vai receber um pedido para soltar [EduardoCunha”.

Na avaliação do sociólogo, “o tribunal está constrangido” e “dá compensação a quem banca o ‘dedo-duro’, mas a pessoa não pode dizer tudo o que ela sabe, ela precisa informar somente o que eles querem saber. Na verdade, o que parece é que o tribunal não quer que determinadas informações venham à tona. Se se trata de uma delação, a pessoa deveria dizer tudo o que ela sabe. Diante dessas ‘solturas’, nos perguntamos qual é o critério para que ocorram, porque fica sempre a dúvida”.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Cândido Grzybowski avalia a greve geral que aconteceu na última sexta-feira, 28-04-2017, comenta a atual conjuntura brasileira e afirma que hoje o país está “pagando o preço de ter optado por um Congresso constituinte ao invés de uma Constituinte”. Para ele, “sem uma reforma política, não se vai mudar o modo de fazer política”.

Cândido Grzybowski | Foto: Ibase
Cândido Grzybowski é graduado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí, Rio Grande do Sul, mestre em Educação pela PUC-Rio e doutor em Sociologia pela Sorbone, Paris. Foi diretor geral do Ibase de 2000 a 2014 e, desde então, integra sua direção colegiada.

Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como está analisando a conjuntura política neste momento?
Cândido Grzybowski – Vejo duas novidades na conjuntura. Primeiro, que a greve geral foi mais importante do que o governo reconhece. Tanto é que a pesquisa Datafolha, feita dias antes da greve, captou que 71% das pessoas são contra a reforma da previdência. Os meios de comunicação disseram, no dia da greve, que se tratou de uma “meia greve”, mas se analisarmos a oposição que existe à reforma, veremos que ela é gigantesca, porque 71% da população é muita gente. Além disso, 61% das pessoas são contra a reforma trabalhista.

A segunda novidade que percebo é que se criou um fosso entre a cidadania e o governo, e com isso podemos sair de uma trincheira defensiva para uma trincheira mais ofensiva. O governo tem baixíssima popularidade, e o presidente está cercado de corruptos e depende de um Congresso também muito corrupto. Além disso, a propaganda que está sendo feita sobre a reforma, não está convencendo a população e esse é um sinal interessante.

A Rede Globo noticiou que a aprovação do governo Temer é baixa, mas não noticiou que 71% da população é contra a reforma, porque a própria Globo é a favor da reforma. A Globo, por exemplo, teve um papel importante no impeachment, pois criou um ambiente para que houvesse aquelas mobilizações de direita que assistimos e isso ajudou a criar um clima que levou ao golpe. Mas isso está começando a se desmantelar de alguma forma, porque a população está percebendo que caiu num engodo.

De outro lado, tenta-se passar a imagem de que a conjuntura econômica está boa, mas o número de desempregados ainda é de 14 milhões. As 300 empresas de acionistas, aquelas que são obrigadas a divulgar seus balanços na Comissão de Valores Imobiliários, tiveram um crescimento do seu lucro em 9,4%. Isso significa que as empresas estão bem e o desemprego persiste. Esse balanço é puxado, de um lado, pelos bancos, que tiveram altos rendimentos, e, de outro, pelo setor da construção civil. A Vale passou de um déficit de 40 bilhões em 2015 para um lucro de 12 bilhões em 2016. Então, há setores que estão crescendo. A Petrobras, de outro lado, ainda não saiu do buraco, mas está quase lá.
Vejo ainda outra novidade, que é o fato de o Bolsonaro estar crescendo nas pesquisas de opinião.

IHU On-Line – Mas ele seria uma possibilidade para a eleição presidencial de 2018?
15% da população já é a fatia do eleitorado que é de extrema direita, a mais reacionária e conservadora
 
Cândido Grzybowski – Possibilidade ou não, o fato é que 15% da população já é a fatia do eleitorado que é de extrema direita, a mais reacionária e conservadora, a qual votaria nele. Essa é uma cara nova que a sociedade brasileira revela. Isso nos põe em sintonia com o mundo, onde o conservadorismo de Trump, Marine Le Pen e outros está crescendo. Isso é grave porque o Brasil era exemplo de uma democracia dinâmica, que tentava ser inclusiva. Claro que ela foi menos do que esperávamos e, inclusive, eu achava que estávamos encurralados com os governos do PT. Porém, como tínhamos um governo favorável, nos satisfazíamos pelo fato de poder ir às conferências, de sermos consultados, mas no fim das contas nada do que sugeríamos era feito; havia um transformismo leve, como diz o [André] Singer. Mas, de todo modo, se avançou na questão racial, na questão das mulheres, no aumento do salário mínimo. Então, era uma democracia que apontava para novas possibilidades ao emancipar algumas pessoas.

IHU On-Line – Quais são as alternativas a uma possível candidatura de Bolsonaro?
Cândido Grzybowski – Dado que querem destruir o Lula, o único que aparece é o Ciro Gomes, e depois a Marina, mas ela é essa figura camaleônica, que para ganhar o poder faz de tudo. Nós temos o Lula, que aparece com 30% das intenções de voto. Isso demonstra que ele é independente do PT, porque o partido está em frangalhos. Lula é o maior líder que produzimos no início do século XXI, um líder de dimensão mundial, ou seja, é uma figura de grande presença, basta compará-lo a Temer. Pessoas como eu, críticas ao PT, estamos falando não de um vinho excelente, mas de um vinho razoável, comparado ao vinagre – nesse caso, Bolsonaro é um ácido.

IHU On-Line – Muitos têm criticado o fato de a esquerda estar apostando boa parte das suas fichas na volta do ex-presidente Lula em 2018. Não há uma alternativa ao ex-presidente?
Cândido Grzybowski – O que seria uma alternativa? Num período curto, só surgiria um salvador da pátria, porque nós não criamos novas lideranças significativas. Estamos ainda lidando com o sindicalismo, que está virando velho, e o PT renunciou àquilo que lhe dava total distinção no mundo como um partido de esquerda. Compare o PT e o PSOL: o PSOL surge de cima para baixo, e é formado por um pessoal que saiu do PT, enquanto o PT foi contra tudo e contra todos e surgiu como um movimento baseado em grandes massas. Essa foi a força do PT e o principal líder do partido foi o Lula. Vamos demorar no mínimo mais uns 30 anos para criar um movimento como esse. De uma hora para outra pode aparecer uma espécie de Emmanuel Macron, como ocorre na França. O que é aquilo? É um mal menor.

IHU On-Line – Mas, no caso brasileiro, Lula não seria um mal menor também?
Cândido Grzybowski – Não, seria uma inversão, ou seja, seria mais do que um mal menor. Lula representaria uma inversão de direções. Se ele tem ou não condições de ganhar, não sei.

IHU On-Line – Nessa altura, vale a pena apostar numa candidatura de Lula com uma perspectiva de virada à esquerda, para se fazer o que poderia ter sido feito e não foi?
Cândido Grzybowski – Não, eu não estou apostando nisso. Eu apenas estou dando dados para mostrar como ainda é surpreendente que, apesar de tudo que aconteceu e do que estão fazendo, Lula ainda aparece como o favorito e bate todos os outros possíveis candidatos no segundo turno
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Agora, dizer que os que vêm como alternativa são melhores do que Lula, isso não posso dizer, porque não vejo nenhum. O Ciro Gomes vem de onde? É cria do Tasso Jereissati, e é um “vira-casaca”, como o Garotinho. Por quantos partidos o Ciro já passou? Como confiar numa figura assim? Quem realmente tinha uma raiz popular era a Marina, mas ela jogou isso no lixo com suas opções e seu individualismo. Porém obviamente ela representa uma fatia do eleitorado. Na minha opinião, será difícil agregar tanto de um lado quanto de outro.

O que vejo é uma derrocada e quando há um vazio, como o que nós estamos vivendo - porque esse é o maior fato político -, aparece o salvador da pátria. Eu citei o exemplo do francês que está disputando o segundo turno. Ele é um funcionário de Estado, nunca foi de partido e se apresenta quase como o Doria, só que ele não vem do mundo empresarial, mas ele diz: “Não tenho nada a ver com os partidos”. No que vai dar isso? Não sei. Tudo indica que ele vai ganhar. Antes ele do que a Le Pen, que é anti-imigrante, é racista. No entanto, ela estaria mais afinada com Trump, pois ela também defende abertamente a saída da França da União Europeia - UE, que virou, também, uma arapuca para os países membros. Isso porque a UE está servindo, basicamente, para a ascensão da Alemanha como potência; a Alemanha é que impõe as políticas à União Europeia, dizendo “vamos dividir o mundo em nosso benefício”.

IHU On-Line – A que atribui uma desvinculação de Lula ao PT?
O PT se transformou numa máquina de poder, mas ao ganhar o poder, perdeu vitalidade

Cândido Grzybowski – O Lula se descolou do PT em certo sentido. Ele é uma figura por si própria. É claro que o PT está em frangalhos, mas ainda é um dos maiores partidos, embora eu ache que ele não se recupere mais, porque a opção feita desde 89 foi apostar em ser um partido para ganhar as eleições. Veja que no Rio de Janeiro o Vladimir Palmeira foi posto de escanteio porque o PT tinha que apoiar um candidato do PDT. Essas foram as complicações do partido em todo o país, ou seja, o PT se transformou numa máquina de poder, mas ao ganhar o poder, perdeu vitalidade. Ao mesmo tempo, com a eleição do PT, ganhou poder quem nunca votava no PT, que são as camadas mais pobres, porque os programas sociais chegaram a essas pessoas. Houve um aumento do salário mínimo, recuperando o seu valor, e se estendeu a previdência social, com a qual querem acabar agora.
 
Eu não sei como seria um novo governo Lula, porque sem a reforma política não se vai mudar o modo de fazer política. Mas não se sabe o que a Lava Jato vai fazer com o Lula. Aliás, ela foi montada justamente para acabar com o Lula; esse é o sentido dessa operação. Ela não tem o objetivo de acabar com a corrupção em si, mas com uma determinada corrupção. Inclusive, o próprio Odebrecht disse que esse tipo de corrupção já existe há mais de trinta anos, mas é estranho que só venha à tona agora.

IHU On-Line – Apesar de a corrupção já existir há muitos anos, não diria que há uma decepção maior justamente porque o PT tinha um discurso diferenciado dos demais partidos?

Cândido Grzybowski – Sim, de fato há essa decepção e já em 2004 eu dizia que, enquanto cidadãos, nós estávamos encurralados e tínhamos entrado numa fria, porque embora parte da militância estivesse participando do governo, essas pessoas estavam nos ministérios mais fracos, pois os ministérios importantes foram entregues aos banqueiros, aos empresários, aos ruralistas. Se fez menos reforma agrária nos governos do PT do que no governo FHC, mas havia um mal-estar do movimento em enfrentar essas questões.

IHU On-Line - Como o senhor reage diante das últimas delações tanto dos executivos da Odebrecht, que denunciam o sistema político como um todo, quanto das delações dos marqueteiros das campanhas do PT, que revelaram o pagamento de propina por parte da Odebrecht às campanhas presidenciais da ex-presidente Dilma, em 2010 e 2014, e na campanha do ex-prefeito Haddad, e ainda sobre os pagamentos de propina feitos à cúpula do PMDB?
Cândido Grzybowski – Diante dessas delações, não sobra muita gente no sistema político. É por isso que a reforma política começa a entrar em discussão no Parlamento, mas que reforma eles farão? Uma com a qual possam se manter no poder. Eu vejo a Lava Jato entrando em contradições que começam a fugir ao controle dela, e as investigações alcançaram o judiciário, que é o poder mais corrupto.

IHU On-Line – Que contradições percebe?
Cândido Grzybowski – O ponto é que o judiciário não tem como segurar as delações, mas nas delações também devem aparecer acusações contra juízes. Antes eles conseguiam “direcionar” as delações, mas agora não tem mais como. Alguns diretores da Petrobras dizem que a corrupção já existia no governo FHC, mas nisso não se toca. No entanto, agora que a situação chegou na Odebrecht, aparece o modo como todos os políticos estão envolvidos nesse sistema de corrupção, porque a empresa apoiava todos os políticos com chances de se elegerem e era o baú da felicidade dos partidos.

IHU On-Line – Nas últimas semanas saíram da prisão o ex-tesoureiro do PP, João Claudio Genu, o empresário Eike Batista e, nesta semana, José Dirceu. Como o senhor avalia esses casos e que implicações isso pode ter para a Lava Jato?
O judiciário nunca pode ter protagonismo político; ele é um poder passivo, que tem como finalidade dirimir dúvidas quando ocorrem conflitos
 
Cândido Grzybowski – Eu pessoalmente acredito que a Lava Jato extrapolou. Essa equipe que está conduzindo a Lava Jato é contra habeas corpus, ou seja, contra uma conquista fundamental. De outro lado, essa equipe deu um protagonismo político ao judiciário, mas que o desmoraliza, pois o judiciário não pode ter protagonismo político; ele é um poder passivo, que tem como finalidade dirimir dúvidas quando ocorrem conflitos. Cabe ao judiciário avaliar se houve alguma falta ou não, mas não cabe a ele ser protagonista. Esse é um dos maiores problemas que temos, e a Lava Jato vai nos deixar uma herança de um judiciário incontrolável.

Um ponto fundamental da reforma política seria o enquadramento do judiciário. Uma vez que os membros do judiciário são concursados, quem os tira de lá? Eles são julgados pelos seus próprios pares. Eles falam em corrupção, mas vai ver o contracheque do [Sérgio] Moro. É algo em torno de oitenta e tantos mil reais. Mas não gira na casa dos 30 mil reais o limite de salário para o funcionalismo? Então, como isso é possível? O único pequeno avanço que a Constituição de 1988 fez foi dar um papel novo ao Ministério Público, mas não deu a ele os contrapesos. Com isso surge essa garotada que está aí, que tem um discurso interpretativo e que já julgou todo mundo, e agora só busca argumentos para deixá-los definitivamente na prisão.

Eike Batista está em prisão domiciliar, mas o menino pobretão que roubou um celular está preso, sendo preparado para ser criminoso nas prisões brasileiras. O Eike não roubou também? Não sonegou impostos? No caso do Cunha, por exemplo, não tem como dizer que o dinheiro que ele recebeu foi para caixa dois. O [Sérgio] Cabral também não recebeu dinheiro para a eleição; esse dinheiro foi para o bolso dele.

IHU On-Line – Mas há diferença se a propina recebida foi usada para benefício pessoal ou para benefício dos partidos que receberam esse dinheiro para financiar suas campanhas de modo ilegal?
Cândido Grzybowski – A diferença é que as empresas podiam doar dinheiro para as campanhas legalmente. Se elas extrapolaram fazendo do jeito que fizeram, foi porque elas não podiam declarar a origem do dinheiro, isso é crime, mas é um crime de rico com rico. Nesse caso funciona habeas corpus, funciona o uso de tornozeleira para ficar gozando o que se roubou. O pobre, ao contrário, nem advogado tem para defendê-lo. Por que o Ministério Público não vai defender essas pessoas? É essa contradição, que é mais estrutural, que não vai mudar.

De fato, é de interesse do Congresso limitar a Operação Lava Jato, mas que há abuso de autoridade na operação, isso há
 
Outra questão é o abuso de autoridade. De fato, é de interesse do Congresso limitar a Operação Lava Jato, mas que há abuso de autoridade na operação, isso há. O ministro [EdsonFachin talvez seja a figura mais decente naquele Supremo. Mas o Gilmar Mendes, “meu Deus do céu”, é um representante do agronegócio no STF. Mesmo no Tribunal há um toma lá dá cá. Essa decisão de libertar uns agora é feita para poder libertar outros mais adiante. O tribunal não tem demonstrado total imparcialidade em todo o processo da Lava Jato; ele é muito direcionado.

IHU On-Line – A decisão de libertar José Dirceu, por exemplo, indica que o STF poderá libertar quem na sequência?
Cândido Grzybowski – O Eduardo Cunha, por exemplo. Acho que o STF vai receber um pedido para soltar o Cunha.

IHU On-Line – Alguns já comentam que a defesa de Palocci também entrará com um pedido de habeas corpus no STF para libertá-lo. Outros ainda especulam que isso poderia acontecer para evitar uma possível delação dele, a qual atingiria outros setores, como os bancos, os meios de comunicação e inclusive membros do STF. Essas especulações têm algum sentido?
Cândido Grzybowski – Eu imagino que quando o próprio tribunal é objeto das delações, os ministros não irão aceitá-las. A decisão sobre aceitar ou não as delações é dos juízes, então se uma delação envolve o tribunal, eles irão aceitá-la? O tribunal está constrangido. Ele dá compensação para quem banca o “dedo-duro”, mas a pessoa não pode dizer tudo o que ela sabe, ela precisa informar somente o que eles querem saber - esse é o viés que o tribunal está dando. Na verdade, o que parece é que o tribunal não quer que determinadas informações venham à tona. Se se trata de uma delação, a pessoa deveria dizer tudo o que ela sabe. Diante dessas “solturas”, nos perguntamos qual é o critério para que ocorram, porque fica sempre a dúvida. Será que não tem coisa por trás? Além disso, há aqueles casos em que as delações não são aceitas.

IHU On-Line – Depois que o STF decidiu pela liberdade de Dirceu, o procurador Deltan Dallagnol publicou um texto comparando a atuação do STF no julgamento de outros crimes semelhantes, ou inclusive menores, nos quais os ministros que votaram pela liberdade de Dirceu votaram a favor da condenação desses outros casos.
Cândido Grzybowski – Mas aí entra toda aquela história de a pessoa poder ter um advogado que faça sua defesa. Nós estamos falando de uma elite, tanto dos delatores quanto dos corruptos, e todos eles têm advogados e podem pagar por eles. Mas 1/3 das pessoas que estão presas no país não têm condições de pagar bons advogados para tirá-las da prisão. No Brasil se sabe que basta ter um bom advogado para que seja possível postergar uma decisão judicial por vinte anos.

IHU On-Line - Outra denúncia feita pelos executivos da Odebrecht diz respeito à relação da empresa com o movimento sindical. Lula e Paulinho da Força são citados por terem apoiado interesses da construtora durante greve de trabalhadores. Como o senhor vê esse tipo de denúncia, que envolve não só os políticos, mas o movimento sindical que se apresenta como defensor dos direitos dos trabalhadores?

Cândido Grzybowski – Eu não sabia desse fato, mas não o acho estranho, porque as lideranças sindicais são parte do sistema político na medida em que são uma representação política também. Esse sistema está sentado em cima da corrupção e temos que combatê-la radicalmente em todas as frentes: não se trata de destruir ou prender somente esse ou aquele ou só aquela organização, mas de encontrar uma forma para que a corrupção não possa ser feita. Mas isso é parte da reforma política: é preciso, via a reforma política, encontrar um modo de resgatar a política, e isso passa, ao meu ver, por uma reforma da mídia.

A mídia privada nunca vai defender o interesse público, seus interesses estão acima do interesse público; esse é um problema. Nós não temos um canal público, como a BBC, que poderia fazer um contraponto e obrigar os veículos a fazerem outro tipo de jornalismo. Durante sua gestão, o PT criou a EBC, que já está sendo destruída.

IHU On-Line – Como as últimas delações envolvem praticamente todo o sistema político, que implicações a Lava Jato pode ter na política?
Cândido Grzybowski – A questão está dada. Agora, desse antro de corrupção que é o nosso Congresso, não vai sair nada. Então, no limite, nós temos que voltar a uma constituinte para fazer uma reforma do judiciário, uma reforma da política e uma reforma da mídia. É preciso zerar o jogo e recomeçar, pois no quadro em que estamos, não será possível enquadrar nem o judiciário, nem os partidos.

Estamos com um grande problema e a nossa democracia não vai gerar, em si, uma solução. Portanto, precisaremos fazer uma pregação, como fizemos durante 20 anos, para ir conquistando “beirada por beirada”, “comendo pelas bordas”, para que do seio da sociedade civil possam surgir forças novas capazes de criar um movimento irresistível por uma constituinte soberana, autônoma de partidos, definindo como serão e atuarão os partidos, como serão as eleições, com será o Executivo, como substituí-lo caso ele não corresponda ao que prometeu na eleição, como enquadrar o judiciário. Embora ele deva ter autonomia, será que ele tem que ser vitalício? Essa é condição para poder julgar?
Nós estamos pagando o preço de ter optado por um Congresso constituinte ao invés de uma Constituinte, embora ela tenha representado uma base pela qual nós poderíamos avançar com emendas constitucionais progressistas, mas as que estão sendo feitas são de desmonte.

Se achava – e eu continuo achando – que a democracia é o melhor método de transformação, mas para isso é preciso que o cidadão esteja consciente de que quem constitui e institui é ele e não o Estado, mas nós pensamos o contrário. Mas os movimentos constituintes não podem ser feitos da forma como o Nicolás Maduro está fazendo na Venezuela, via decretos – aquilo é um golpe aos seus moldes.

IHU On-Line – Voltando ao tema da greve geral, como percebe a movimentação dos bispos ao apoiar a manifestação? O que ocasionou essa manifestação crescente dos bispos?
Cândido Grzybowski – Existem mudanças na Igreja em razão do Papa Francisco. Há, portanto, uma virada depois de 30 anos de conservadorismo dentro da Igreja. O que está acontecendo agora é um certo movimento de se abrir, embora haja uma ameaça para a Igreja Católica nesse momento, porque quem acabou redesenhando o projeto que a Igreja teve nos anos 70 foram os pentecostais, que têm o projeto de serem a religião oficial. Eles não estão lutando por um Estado laico, mas por um Estado a sua semelhança. Basta ver como estão crescendo, criaram partidos, começaram a ganhar eleições.

De outro lado, sempre existiram correntes progressistas dentro da Igreja, mas elas estavam perdendo espaço por conta desses anos de conservadorismo. Mas agora mudou o colégio que elege a CNBB e a Igreja está mudando de postura.

Eu acho que as igrejas são uma variável política muito mais importante do que admitimos. Não quer dizer que entre os pentecostais só existam pessoas que têm uma perspectiva conservadora. Ao contrário, entre eles há muitos que lutam contra o racismo, a favor da igualdade, porque se há uma coisa que une todas as igrejas é a luta antiaborto, relacionada à emancipação feminina, porque as igrejas têm dificuldade de lidar com essa agenda. Os bispos, cardeais, padres e pastores são todos homens, então como eles vão entender as questões das mulheres?

IHU On-Line – Nesta semana o Comando Vermelho fechou a Avenida Brasil. Por que isso aconteceu? O senhor pode nos dar algumas informações sobre o caso? Qual é a situação neste momento?

Cândido Grzybowski – Nós estamos num esgarçamento total no Rio de Janeiro e a crise aqui tem uma particularidade por conta do Estado, que se assentou na corrupção, como o fez o Cabral, e inclusive o Tribunal de Contas do Estado está envolvido como parte no esquema de corrupção. Então, o Estado está falido, não tem dinheiro, e no contexto político geral do país, em que há violência em todos os estados, há uma atitude condescendente, ou seja, há uma situação favorável para que a violência ressurja com força.

A Av. Brasil foi fechada na terça-feira pelo Comando Vermelho, mas amanhã ela poderá ser tomada de novo, ou seja, não sabemos onde vão acontecer os próximos conflitos
 
No Rio de Janeiro há um descontrole, a polícia não tem dinheiro nem para abastecer os carros, os equipamentos nem sempre funcionam, ou seja, há um Estado incapaz de dar conta das tarefas mínimas, como garantir segurança e saúde. Nesse contexto ressurge a violência de uma forma escandalosa. Aqui no Rio nos perguntamos todos os dias onde terá um novo conflito, porque eles acontecem diariamente. A Avenida Brasil foi fechada na terça-feira pelo Comando Vermelho, mas amanhã ela poderá ser tomada de novo, ou seja, não sabemos onde vão acontecer os próximos conflitos. Os traficantes ocuparam a Av. Brasil à noite e durante a manhã toda. Foi apreendido um arsenal de vinte fuzis com os traficantes. Diante disso, eu me pergunto qual é a diferença entre nós e a Síria, porque nós estamos vivendo uma situação de guerra civil, sem ter uma disputa de poder, porque o que há aqui é uma disputa por territórios para poder fazer negócios.

Há uma disputa entre as facções dentro e fora dos presídios, em âmbito nacional, mas em alguns locais a situação estoura com mais força. No Rio de Janeiro há muito mais mortes hoje do que há dois anos. A violência é geral, e se mata por qualquer coisa. Há um estado de total insegurança na cidade. Nesse contexto esses grupos ligados ao tráfico se sentem mais liberados para agir, dado que a polícia tem menos capacidade de ação, e muitos policiais morreram neste ano, assim como muitos inocentes.

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Sobre a bandidagem travestidade de militância política.

O clima de ódio em todos os setores sociais e políticos brasileiros cresce e, com ele, aumenta a burrice dos militantes de todos os horizontes ideológicos. Militante de hoje não pensa, reage. Nào fala, rosna. Não discute, agride a honra alheia. Militante e bandido são, hoje, infelizmente, sinônimos. Logo não teremos outra saída senão a guerra de todos contra todos. E o advento do Leviatã que mata a todos os que não seguem a lei. Triste destino! RR

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Não há o que questionar", diz professor de ética sobre liberdade de Dirceu


  • O professor Roberto Romano
A decisão dos ministros da 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) de determinar a libertação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu foi acertada, na opinião de Roberto Romano, doutor em Filosofia e professor de Ética Política do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Romano lutou contra a ditadura militar na década de 1960 ao lado de integrantes da Igreja Católica na mesma época em que Dirceu militava no movimento estudantil, à frente da UEE-SP (União Estadual dos Estudantes de São Paulo). "Não tive trato direto com ele [Dirceu]. Eu fui a uma série de passeatas que ele também participou, ajudei na segurança, mas não militei diretamente com ele", conta.

Para o professor da Unicamp, "do ponto de vista da obediência jurídica, não há o que questionar" sobre a soltura de Dirceu, já que um dos direitos conquistados com fim da ditadura foi a capacidade de o Supremo fornecer a garantia do habeas corpus.

Ele afirmou, no entanto, que o logro da defesa de Dirceu é uma prova da "desigualdade elitista" do Estado que faz com que uma minoria seja atendida "em um prazo razoável" em comparação a milhares de presos provisórios que permanecem encarcerados, sem uma decisão do supremo.
"Essa questão levanta um problema sério na estrutura da política e do Estado brasileiro, que não é democrático na sua essência", afirmou.

Romano afirmou que o juiz Sérgio Moro é "honesto, competente", mas que "pisou na bola" em algumas decisões tomadas no âmbito da operação Lava Jato. Veja os principais trechos da entrevista.
UOL: O senhor concorda com o argumento do STF para soltar Dirceu, de que ele pode responder em liberdade enquanto aguarda um julgamento de segunda instância?
Roberto Romano: Sim. Algo que nós conquistamos a duras penas, depois de duas ditaduras do século 20 --a de Vargas e a que teve início em 1964-- foi garantia do habeas corpus. Uma das garantias que o regime civil trouxe foi a capacidade de o Supremo fornecer essa liberdade, quanto o processo não está acabado. Do ponto de vista da obediência jurídica, não há o que questionar.
O problema não estar aí, ao meu ver. Mesmo que não haja o que criticar do ponto de vista legal, a atividade pública do [Dias] Toffoli e de Gilmar [Mendes] causam estranheza à população.
No caso do Toffoli, que trabalhou na AGU [Advocacia-Geral da União], foi indicado pelo governo petista, no mínimo tem um problema não tão premente, mas importante, de conflitos de interesses.

Alan Marques/Folhapress
Ministro do STF, Gilmar Mendes 
 
O senhor Gilmar Mendes tem se notabilizado por frequentar mais a mídia que os artistas da Globo. Tem estado com políticos de todos os partidos, criticando a operação Lava Jato.

Dar liberdade a Dirceu gerou indignação e sensação de impunidade em grupos da sociedade. O senhor concorda que soltar Dirceu passa uma imagem de descrédito em relação ao Judiciário?
Vários analistas têm notado que há bom tempo o Supremo não fala mais como colegiado, mas como indivíduos ou grupos de indivíduos dentro da instituição. Isso que cria incerteza. Para uma decisão grave dessas, não pode esperar unanimidade, mas tem que ter uma doutrina que justifique a medida.
A população brasileira desconfia enormemente do Executivo, do Parlamento. Quando tem a esperança de que a uma instância tenha posição firme de Estado e não dos indivíduos quer o integram, a insegurança jurídica explode.

O Supremo está atomizado e isso cria uma incerteza jurídica que pode prejudicar futuramente a credibilidade do STF, o que seria um desastre total.

A decisão do STF mostra que a Justiça tem "dois pesos e duas medidas" em relação aos demais presos provisórios do país, que correspondem a 34% do total da população carcerária?

Depois do escândalo do mensalão e das suas consequências, depois do Petrolão, lembro o então ministro José Eduardo Cardozo dizer que as prisões brasileiras eram medievais. Mas não é preciso começar a prender políticos para descobrir isso.

Tem umas coisas tremendas dentro do sistema carcerário, como a prisão especial para quem tem diploma. É uma desigualdade elitista, de quem tem não só mais recursos, mas mais poder, de quem tem uma capacidade maior de mobilização política, que consegue ser atendido em um prazo razoável. Essa questão levanta um problema sério na estrutura da política e do Estado brasileiro, que não é democrático na sua essência.

Outra questão é a prerrogativa de foro, nem na Constituição do Império isso existia, de repente, a Constituição tida como cidadã cria duas classes de seres humanos: quem administra o Estado e os cidadãos comuns.

O senhor acredita que essa decisão pode ameaçar os rumos da Lava Jato, que a impunidade pode prevalecer?

Depende do STF e depende da Lava Jato. Diante dessa situação é preciso ter a máxima prudência. Digo prudência na condição de professor de Ética, por ser um elemento essencial da vida ética, que não significa ter medo de fazer algo, mas de saber pesar o que está em jogo.

Minha convicção a partir da apresentação da denúncia [contra Dirceu apresentada ontem] foi que o MPF está fazendo propaganda e forçando decisão do STF, e isso é imprudente.


Marcelo Camargo - 22.jun.2016/Agência Brasil
Deltan Dallagnol afirmou que nova acusação contra Dirceu divulgada horas antes do julgamento do habeas corpus ocorreu em um momento "oportuno"
 
Está mais do que em tempo daqueles que estão encaminhando a crise do Estado entrarem na boa trilha ética da prudência, pesar atos e palavras de maneira rigorosa antes de fazer qualquer coisa. Se essa decisão [de soltar Dirceu] causa desconforto para os que esperam Justiça, esses procuradores estão se considerando tutores da vida pública e do Estado. Na República não há tutores.

É o mesmo problema que se dá na ordem da Justiça, de serem colocados como salvadores da pátria, como já foram considerados Collor, Jânio Quadros, o próprio Lula no primeiro mandato do seu governo, até os militares que deram o golpe para salvar o Brasil.

Não se vive um regime político democrático com salvadores.

Acha que com a decisão o STF deu um "puxão de orelha" no juiz Sergio Moro pelo fato de ter deixado preso por tanto tempo presos provisórios?

De certo modo, sim. O juiz Sérgio Moro é honesto, competente, sabe o que faz, teve boa parte das suas decisões corroboradas pelas instâncias superiores da Justiça, mas em várias ocasiões ele, digamos assim, pisou na bola, como no episódio das gravações do Lula e da Dilma.


Renato Costa/Estadão Conteúdo
Para Romano, Sérgio Moro é "honesto, competente", mas "pisa na bola"

Mas ele é um ser humano, que está trabalhando sob uma pressão monstruosa. Ele pode errar. Errar é elemento fundamental da vida humana.

Mas saber até que ponto essas prisões são sustentáveis é algo que vai ser definido pelo pleno do STF.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Agenda de ministro privilegia ruralistas e alvos da Lava Jato

Agenda de ministro privilegia ruralistas e alvos da Lava Jato


Pedro Ladeira/Folhapress
Em 55 dias, Serraglio teve cem audiências políticos e nenhum encontro com representantes indígenas
Em 55 dias, Serraglio teve cem audiências políticos e nenhum encontro com representantes indígenas
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Ligado ao agronegócio, o ministro da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB), teve sua agenda dominada por ruralistas e alvos da Lava Jato em seus 55 dias de mandato. 

Foram cem audiências com integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária e com políticos investigados. Não houve nenhum encontro com representantes indígenas

Além de ter a Funai (Fundação Nacional do Índio) como subordinada, a pasta tem papel decisivo no processo de demarcação de terras, reivindicação que se intensificou no governo de Michel Temer e tem provocado conflitos nas últimas semanas. Os ruralistas são adversários históricos dos índios em conflitos agrários. 

Segundo levantamento feito pela Folha, dos 305 encontros oficiais marcados, 82 foram com ruralistas e 18 foram com deputados e senadores que entraram na lista do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo. 

Na última terça (25), quando policiais e índios entraram em confronto durante protesto em frente ao Congresso, Serraglio recebeu dois ruralistas, segundo sua agenda, além do senador Fernando Collor (PTC-AL), um dos alvos do Ministério Público. 

Os manifestantes pediam a retomada das demarcações de terras indígenas e a saída do peemedebista do cargo. 

Poucos minutos depois de o conflito acabar, o ministro chegou a ir à Câmara para se encontrar com deputados da bancada ruralista.
Na quinta (27), lideranças indígenas foram ao Ministério da Justiça entregar suas reivindicações. A assessoria da pasta afirmou que Serraglio e o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) estavam lá para receber os representantes, que recusaram o encontro.

"Não vamos sentar nem com Padilha nem com o ministro da Justiça. Eles queriam nos dar cafezinho e água. Não queremos cafezinho, mas sim a demarcação das terras. Não vamos legitimar um governo que está massacrando nosso povo. Esse ministro da Justiça age em nome dos ruralistas", disse Kretã Kaingang, integrante da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin). 

No Dia do Índio, 19 de abril, Serraglio teve 11 compromissos, dos quais cinco foram com ruralistas.
Em entrevista à Folha logo que assumiu, o ministro criticou indigenistas e disse que os envolvidos em conflitos no campo deveriam parar com a discussão sobre terras, que segundo ele "não enche barriga de ninguém"

Cerca de 30% das doações de campanha de Serraglio em 2014 foram de empresas ligadas ao campo. Ele foi relator da PEC 215, uma proposta de emenda à Constituição que altera o sistema de demarcação de terras indígenas. 

OUTRO LADO
 
A assessoria de Serraglio disse que "não houve solicitação de lideranças indígenas para audiências com o ministro", mas que "vários grupos foram atendidos pela Assessoria Especial do Ministério da Justiça e pela Funai". 

A pasta disse ainda que Serraglio trata "constantemente" com o presidente da Funai sobre os assuntos debatidos com as lideranças indígenas. 

O ministro respondeu que os encontros com ruralistas "são relativos a diversos temas, como pleitos de doações de equipamentos, destinação de emendas parlamentares para a área de segurança, convênio com a Força Nacional, construção de presídios (...), entre outros. Os pleitos que são exequíveis estão ou serão atendidos". 

Serraglio afirmou também que "jamais houve qualquer tratativa a respeito [da Operação Lava Jato]".

Ataque a grupo de índios deixa vítimas com mãos decepadas no Maranhão

Ataque a grupo de índios deixa vítimas com mãos decepadas no Maranhão

Revista ihu on-line

02 Maio 2017
Um grupo Gamela acabou brutalmente atacado na tarde desse domingo (30) no Povoado de Bahias, município de Viana no Maranhão. Os indígenas decidiram se retirar de uma área tradicional retomada e, enquanto saíam, sofreram uma investida de dezenas de homens armados de facões, paus e armas de fogo.  Pouco puderam fazer em defesa própria a não ser correr para a mata. Um carro de polícia estava junto ao grupo de fazendeiros e capangas antes da ação violenta.
A informação é publicada por por Congresso em Foco, 01-05-2017.

Pelo menos cinco indígenas feridos em estado grave foram internados no hospital Socorrão 2, Cidade Operária, na capital São Luís. Um deles levou dois tiros. Além disso, um teve as mãos retiradas a golpes de facão, na altura do punho, e outro, além das mãos, teve os joelhos cortados nas articulações. Os dois ainda permanecem internados em estado grave. Outros 13 foram feridos com golpes de facão e pauladas. Os dados ainda são parciais. Vários outros indígenas estão feridos.

Em alguns casos, há índios com ferimentos mais severos. Não há confirmação de óbitos. As vítimas estão recebendo os cuidados médicos nos hospitais de Viana, Matinha, Olinda Nova do Maranhão e Penalva – para onde foram levados.

“Estavam bêbados. Já tínhamos nos retirado da casa, estávamos tomando o caminho de volta. Chegaram atirando e dando com pau e facão. Foi muito rápido, muito rápido”, diz um indígena ouvido pela equipe de comunicação do Cimi (os nomes foram omitidos por se tratam de testemunhas da agressão). Com dedos fraturados e a cabeça atingida possivelmente por um facão, o Gamela estava ao lado de um outro indígena também com ferimentos no rosto e no braço.

No momento do ataque, de acordo com os Gamela, a Polícia Militar estava no local e não interveio. Por volta das 20h30, o delegado Mário, de plantão da Delegacia Regional da Polícia Civil de Viana, afirmou por telefone à equipe do Cimi que não sabia ao certo o número de feridos Gamela por entender que na região eles não são vistos como indígenas.

“Tem uma questão aqui, que eles (Gamela) não são aceitos pela população local como sendo indígenas. Tem uma grande questão aqui sobre isso, eu mesmo não sei se eles são indígenas ou não são, até agora a gente não sabe, entendeu?”, disse o delegado. O Governo do Estado foi informado do ataque contra os Gamelas por intermédio da Secretaria Estadual de Direitos Humanos.

Esse, no entanto, não é um caso isolado na região. Em 2015, um ataque a tiros foi realizado contra uma área retomada. Em 26 de agosto de 2016, três homens armados e trajando coletes à prova de bala invadiram outra área e foram expulsos pelos Gamela, que mesmo sob a mira de armas de fogo os afastaram da comunidade.

Ação premeditada

De acordo com farto material público divulgado em redes sociais e mídia, apoiadores do povo Gamela e as lideranças indígenas afirmam que o ataque foi premeditado. “Fazendeiros e gente até de fora aqui da região passaram o dia reunidos, fazendo churrasco e bebendo. O encontro foi convocado dias antes, logo após a nossa última retomada”, diz uma liderança Gamela.

Na última sexta-feira, 28, os Gamela retomaram uma área contígua à aldeia Cajueiro Piraí localizada no interior do território tradicional reivindicado pelo povo. Na ocasião, os Gamela trancaram a rodovia MA-014 em apoio à greve geral e em sincronia com o 14º Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorria em Brasília. Em seguida, retomaram a área incidente na terra indígena, localizada ao fundo da aldeia ova Vila, usada para a criação de búfalos e gado.

Parlamentar envolvido

Por meio de entrevista a uma rádio local, o deputado federal Aluísio Guimarães Mendes Filho (PTN/MA), que foi assessor presidencial de José Sarney e secretário de Segurança Pública na última gestão do governo de Roseana Sarney no Maranhão, após a retomada de sexta-feira (28), chamou os Gamela de arruaceiros e, em diversos momentos, emitiu opiniões com teor de incitação à violência. Num trecho o parlamentar percebe os excessos e tentar baixar o tom.

“Botou gasolina na fogueira que acenderam pra queimar o nosso povo. Não teve responsabilidade com as nossas vidas. As notícias que chegavam eram de uma concentração cada vez maior de fazendeiros pra nos atacar. Mobilizaram por celular e pelas rádios. Pegaram gente de outras regiões. Pensávamos que seria na (aldeia) Cajueiro, mas quando percebemos que seria no Povoado das Bahias, não tinha como ficar lá com tão pouca gente. Olha, foi um massacre”, destaca um outro Gamela presente na hora do ataque e que sofreu apenas escoriações.

A equipe de comunicação do Cimi teve acesso a áudios de ligações telefônicas, que serão encaminhadas às autoridades públicas. Em uma gravação, os policiais afirmam que os indígenas estavam invadindo fazendas e diz que a polícia estava “largando o pau” nos Gamela. “Estavam invadindo fazendas e a polícia estava largando o pau mesmo e parece que balearam dois, viu. (…) os índios tá botando bem curtinho. Vai dar morte ali. Já foi hoje já”. Em outro, o policial afirma: “não sabe se dá pra mandar gente lá (local do conflito) porque é a população contra os índios mesmo”.
Na região, os fazendeiros têm se revoltado com o movimento de “corta de arame” empreendido pelos Gamela por todo o território tradicional. A cada cerca levantada, os indígenas vão e cortam seus arames.

Ações contra o massacre

O Governo do Estado do Maranhão, por intermédio das secretarias de Segurança Pública e Direitos Humanos, já foi informado dos fatos. A Fundação Nacional do Índio (Funai) também foi notificada. O grupo pretende pedir apoio ao governo federal para garantir direitos humanos básicos e proteção. Os índios Gamela acreditam que as polícias Militar e Civil são próximas dos principais opositores da pauta indígena.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a 6a Câmara de Coordenação e Revisão, que cuida dos assuntos ligados aos povos indígenas e quilombolas na Procuradoria-Geral da República (PGR) já estão analisando formas de intervenção na situação.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a relatora da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, será comunicada nas próximas horas sobre o ataque contra os Gamela.

domingo, 30 de abril de 2017

Estado de São Paulo. Roberto Romano "Bolivarianismo"?

Bolivarianismo?

Dar a Chávez e Maduro o título de bolivarianos é falsificação, favor não insistir nessa piada
Roberto Romano*
30 Abril 2017 | 03h00 

O elogio da ignorância, no Brasil, resulta de uma síntese efetuada por intelectuais, políticos, clérigos. Tal operação tem nome comum: populismo. Não se trata apenas de ideologia, existem populistas de esquerda, de direita, católicos, protestantes, muçulmanos. A demagogia, doença antiga, já na Grécia democrática recebeu seu nome de batismo. Após a queda do Império Romano, o apelo ao povo como árbitro supremo de todo poder e saber definiu movimentos de massa, fracassados ou bem-sucedidos. O romântico Michelet evoca a chusma popular como figura Christi, presença do Messias.  

O populismo recusa a pesquisa para a descoberta do verdadeiro. A sua demagogia reúne em poucos chavões um arsenal tosco de propaganda. Os totalitarismos do século 20 levaram tal política ao absurdo. Goebbels, de um lado, os “jornalistas” do Pravda, de outro, abusaram do populismo em doses diárias, sorvidas pela multidão em padrões pantagruélicos. Afinal, “engolimos avidamente a mentira que nos lisonjeia, bebemos gota a gota a verdade que nos amargura” (Diderot). 

No Brasil, as ditaduras do século 20 moveram o terror contra a busca científica. Vem desses tempos o vezo de desqualificar quem se levanta contra as “verdades” estabelecidas. O uso das aspas estigmatiza indivíduos e grupos (“ditos” intelectuais) que pedem reflexão e ameaçam certezas. O povo, dirigido pelo Estado e seu partido, tem sempre razão. Duvidar é ato de lesa-majestade. Os donos das massas sentem-se à vontade para destruir saberes que abalam crenças. Autores e livros são aniquilados, nos autos de fé nazistas ou stalinistas.  

No Brasil, juízes populistas afirmam, sem pestanejar, que a prática da Federação vem do Estado norte-americano. Passam a borracha sobre a experiência romana, da qual surgiu o nome, foedus, que nutre Montesquieu, anterior à Constituição daquele país. Basta consultar o Livro X de O Espírito das Leis. Dou a seguir um só exemplo, muito falado em nossos dias. Trata-se do slogan que evoca o “bolivarianismo”.  

Quando se fala nos governos chavistas e similares, dá-se de barato que eles são inspirados nas lutas e teses de Simón Bolívar. Trata-se de estelionato, um a mais, populista. O herói do século 19 é um erudito. Seu modelo do regime ditatorial sai da história romana, algo comum entre os teóricos da modernidade, incluindo os que fundaram os Estados Unidos da América. Bolívar tem como paradigma Quinctius Cincinnatus, herói da ditadura latina. Aquele dispositivo jurídico previa seis meses de poder irrestrito para o titular, visando a recompor a ordem interna ou aumentar a força castrense contra inimigos da República. Com César, aquele mando temporário se alargou até se transformar em perene.  

Como os liberais de seu tempo, Bolívar admira as instituições romanas, sobretudo a ditadura, e segue o impulso de Jean-Jacques Rousseau. De 1799 a 1807 ele frequenta a elite europeia, em especial o salão de Fanny Dervieu du Villars, onde dialoga com Germaine de Staël e Benjamin Constant, liberais de quem é leitor atento. Na sua biblioteca estavam Maquiavel, Montesquieu, Rousseau (seu exemplar de O Contrato Social pertencera a Napoleão Bonaparte). Aqueles autores consideram admirável a magistratura ditatorial, pois ela permitira à República vencer graves crises.

Bolívar se apropria da tese e da prática, segundo os moldes romanos. Em sua peregrinação até o Fórum, onde pronuncia o Juramento do Monte Sacro, “ele enxerga nas ditaduras do tipo antigo um modo de instauração da ordem tendo em vista promover a liberdade” (cf. o excelente artigo de Marie-Laurie Basilien-Gainche Les pronunciamientos bolivariens: de la dictature à la république”, in Boutin, Christophe (Ed.), Le coup d’État, recours à la force ou dernier mot du politique?).  

Bolívar foi nomeado ditador por cinco vezes, nos 17 anos entre a guerra da independência e sua morte (1830). As causas dessa escolha, tanto pelo líder quanto pelos comandados, estavam na luta contra os espanhóis, na divisão constante entre os povos sul-americanos, nas fraquezas dos Estados nascentes. Bolívar aceita suas ditaduras como imperativo ético. “Apenas uma necessidade incontornável, unida à vontade imperiosa do povo, devia me submeter à terrível e perigosa tarefa de Ditador Supremo”. (Discurso ao Congresso de Angustura, 1819). Ele recebe aquele poder dos Congressos constitucionais da Venezuela e do Peru em 1813, 1816, 1824. O mito romano empresta ao ditador a legitimidade para manter ou mesmo instaurar Estados na América. Ele teve a adesão livre da maioria cidadã, à qual recorreu como garantia de poder soberano.  

Apesar de todas as teses hoje equivocadas, o “povo” designado por Bolívar “é um povo compreendido como Terceiro Estado em confronto com a nobreza espanhola, um povo que poderia ser olhado como origem das atuais oligarquias latino-americanas”(Basilien-Gainche). Entre o “povo” de Bolívar e o de Chávez-Maduro não existe continuidade social ou histórica. O Libertador usa e nomeia o regime que julga certo para manter a ordem nova da política: a ditadura. Chávez-Maduro, “bolivarianos”, silenciam o nome do poder que exercem. Abusam da retórica, escondem intentos e motivos próprios. Assim, dar-lhes o título de bolivarianos é falsificação. Bolívar aceitou a ditadura, eles a empolgam por querer próprio. Bolívar aboliu a escravatura, eles a restauram sob a capa do partido único. Bolívar define instituições, eles as usam em proveito próprio. Nos sonhos de Bolívar, a Venezuela, a Colômbia, o Peru, o Equador seriam terras livres com povos cultivados e bem nutridos de alma e de corpo. Os seus pretensos seguidores dominam uma gente sem liberdade, dignidade, comida. Bolívar ouve Maquiavel, Rousseau, Montesquieu. Maduro escuta passarinhos. Bolivariano? Não insistam na piada de péssimo alvitre, por favor! 

* PROFESSOR DA UNICAMP, É AUTOR DE 'RAZÃO DE ESTADO E OUTROS ESTADOS DA RAZÃO'