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quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Considerações sobre o princípio ético da responsabilidade. Roberto Romano, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Considerações sobre o princípio ético da responsabilidade 

https://www.fcm.unicamp.br/fcm/relacoes-publicas/saladeimprensa/11o-cpem-roberto-romano-faz-conferencia-de-encerramento-sobre-etica-e-responsabilidade
 
Prof.Dr. Roberto Romano
 
 Ao ser convidado gentilmente para falar nesta competentee graveFaculdade de Medicina, separei vários temas trazidos pela ética, bioética, educação e política. Precisei, no entanto,efetivar uma escolha, a qual recaiu sobre anoção deresponsabilidade. Tenho publicações próprias sobre o problema. Mas, sem me preocupar em ser original nosconsiderandos, decidi seguirextensamente dois trabalhos de colegas europeus sobre o tema. Os ouvintes ou leitoresportanto, a partir dos links que indico abaixo notas 7 e 10podem recuperar a totalidade daquelas análises, mais ricas do que sugere omeu aproveitamento. A inspeção daqueles textos mostrará que deles fiz amplo uso, quase uma paráfrase, porque estou mais inclinado a com eles concordar doque discordar, dados os pontos que atraem minha atenção no delicado momento universitário brasileiro
 
“ O homem só pode se tornar homem pela educação. Ele só é o que dele fez a educação. É preciso bem notar que o homem só é educado por homens e por homens que foram igualmente educados. Eis porque a falta de disciplina e de instrução (...) em alguns homens faz deles péssimos educadores deseus alunos”. (Imanuel Kant, Tratado de Pedagogia). Ao discutir os “ profetas da cátedra” e o suposto direito que possuiria o professor de apresentar opiniões pessoais na sala de aula,Max Weber afirma que “a lição (Vorlesung) deve ser diferente da conferência (Vortrag)”. A primeira exige o rigor 2calmo, o apego aos fatos, a sobriedade. Tais itens se perdem se nela são aceitos discursosao estilo da opinião públicacomo na imprensa. O controle externo é apropriado nas qualificações docentes especializadas. Mas “não existe qualificação especializada para a profecia pessoal” que livre os mestres do controle. Como todo mundo, eles têm outros meios para propagar seus ideais continua Weber, mas sem exigir o bastão do governante ou reformador no seu bornal. “Na imprensa reuniões públicas, associações, ensaios, em toda avenida aberta para qualquer cidadão elepode e deve agir comoexigem o seu Deus ou demônio”.  
 
O professor deve incentivar no aluno a força de cumprir tarefas de modo correto, identificar fatos, mesmo os pessoalmente desconfortáveis, distingui-los das próprias avaliações, subordinar a sua pessoa à faina e refrear o impulso de exibir desnecessariamente o gosto próprio ou demais sentimentos. Não é verdade diz Weberque uma pessoa seja ferida quando não pode mostrar a si mesma em toda ocasião. Idiossincrasias como ódio e amor precisam ser controladas no ensino da ciência. É gosto pobre misturar questões pessoais com análises especializadas. Se o culto da personalidade domina a cátedra, o ofício público se torna superficial, as consequências são nocivas. (1) 
O pior, no pretenso direito de professar valorações em sala de aula, é que assim ficam desacreditadas as instâncias políticas e culturais, as discussões públicas. Embora crítico de I.Kant, Weber partilha a tese kantiana sobre o uso público e privado da razão. “Por uso público da própria razão entendo o que qualquer um, enquanto letrado(Gelehrter), dela faz perante a assembléia do mundo também letrado. Chamo uso privado àquele que alguém pode fazer da sua razão num certo cargo público ou função a ele confiada”.(2) O professor, no uso público da razão, pode e deve se pronunciar sobre temas que movem o coletivo, governo, religião, etc. No uso privado, não lhe cabe emitir juízos de valor.Um médico do SUS, um engenheiro de trânsito, um general, e todos os que movem serviços, podem e devem analisar em público o funcionamento daquelas instituições. Mas no momento em que operam como funcionários eles não podem definir normas ad hoc, oriundas apenas de seu querer, ou de seus colegas. Pelo uso público eles têm o direito de sugerir outro funcionamento, outras regras, até mesmo a ampliação institucional ou restrição. No uso privado, enquanto a própria instituição não for alterada pelo Estado com base na sociedade,cometem uma falta se negligenciam regras ou criam outras, por eles inventadas. Se desejam mudar a vida social, exerçam o juízo público, assumam os riscos das controvérsias, dos interesses contrariados, das angústias inevitáveis. Mas quando se trata de aplicar o saber no cargo, que tal coisa seja feita da maneira a mais conforme às regras de direito constitucional
 
O professor tem o dever de Estado de levar os estudantes aos seus próprios juízos, ensinando sobretudo os métodos de pesquisa e análise, de modo que os alunos dele não dependam para pensar. De certo modo, o mesmo diz Hegel sobre o ensino do saber: “Quando escrevo na lousa teoremas matemáticos, não estou jogando pedras na cabeça dos alunos. Penso com os teoremas e convido os estudantes a com eles pensar”. O que mais se deve temer em sala de aulas é a invocação de valores que se digladiam na vida social. Numa sociedade moderna, ao contrário do monoteísmo, ocorre o politeísmo axiológico. O professor que assume as vestes do profeta não cumpre sua missão e,por outro lado, usurpa um mister que não lhe cabe. A sala de aula e o laboratório, não se equiparam ao palanque nem ao púlpito. Em tal ponto entra o princípio da responsabilidade na docência e pesquisa. 
 
 No pretérito as pessoas perguntavam se a culpa pelas desgraças seria dos deuses. Hoje, elas interrogam a ciência, a técnica, os alvos humanos. A busca de culpados mostra que tais problemas são discutidos sob o signo das paixões e do medo. Para desculpar oser divino foi criada uma doutrina teológica, a Teodicéia. Nela são discutidas questões clássicas: se Deus é bom, como pode existir o mal no mundo é uma delas.Leibniz escreveu uma Teodicéia e nela adianta que o mal é ilusão de ótica humana. Como não podemos abarcar o infinito, o vemos pelo prisma da finitude. Aí,a nossa carência ótica nos dá a falsa impressão do 4 malefício. Se bem praticarmos o cálculo, chegaremos ao resultado da nulidade do mal. Os homens teriam desculpa
 
 Hans Jonas reflete sobre a tragédia de Hiroshima e Nagasaki. Longe de terem sido fatalidade guerreira, tais eventos revelam horror no uso irresponsável das técnicas. Após a energia nuclear o mundo passou a ser radicalmente alterado pelos homens. O que antes era um nexo externo entre a nossa espécie e a natureza agora tem acréscimo da técnica e resulta em desastres. Daí a proposta do princípio responsabilidade” em nova ética. O título do livro publicado por Jonas,O Princípio de Responsabilidade, à procura de uma ética para a civilização tecnológica(3), merece análise. Quando falamos em “responder”, de imediato vêm à tona formas jurídicas. Responder no direito latino significa “garantir em troca, assegurar”. Trata-se da responsabilidade diante de alguém que possui direitos. O vocábulo se aproxima da fórmula democrática sobre a accountability. Com os Levellers do século 17,autoridades do Estado e profissionais têm o dever de prestar contas à cidadania. Os modernos Estados democráticos foram instaurados naquela base. Após Napoleão, a ordem ética arrefeceu, fortalecendo a irresponsável razão de Estado em vigorantes das revoluções inglesas do século 17 e das suas congêneres norte americana e francesa, no 18. A ética da responsabilidade é essencial na ordem efetivamente democrática de nossos dias.  
 
Voltemos a H. Jonas. Antes das recentes inovações tecnológicas, o sujeito humano não podia alterar o mundo, apenas partes dele.Autores comoKarl Marx, negaram interpretar o universo, exigiram a sua alteração. A profecia de Marx, imoderado admirador da técnica, foi realizada na era atômica. Com ela surge enorme aporia jamais antes proposta às mentes humanas. Não se trata apenas do sentido de nossa existência, mas da própria existência. É possível, com o simples manejo de botão, arrancar a vida do planeta,aniquilar a Terra, torná-la totalmente outra. 
 
o só no campo bélico se instala a busca de impor outras formas ao mundo, chegando à sua destruição. Emsetores da pesquisa e da práticaexiste o desejo de alterar a estrutura do próprio ente humano. No controle dos comportamentos, na medicação, exercício da engenharia e medicinas urgem fatos que atraem os atentos. Cito, escolhendo entre muitos, Jonathan Moreno. Especialista em bioética, consultor do Congresso e do governo nos EUA, vem dele o alerta para as vias da pesquisa, quando setenta modificar corpos e almas visando a"melhoria" do padrão humano. (5) Realizamos
tais projetos, mas nada garante que eles estão à nossa altura, ou que temos o direito de os efetivar.Não podemos manter atitude despreocupada diante de façanhas técnicas. Temos o dever de preservar a vida humana e a do planeta contra experimentos e aparelhos que não garantem o nosso patrimônio biológico ou espiritual. Jonas não segue Rousseau e menos ainda os ecologistas místicos. Nele não ocorrem frases ridículas sobre a "mãe natureza" ou sentenças tolas como "os terremotos e tsunamis têm origem no abuso humano". Seu diagnóstico é matizado e admite que a técnica possui valor inquestionável. O perigo reside na imprudência. Responsáveis diante de quem? Tal é a pergunta de Jonas. Não perante a natureza, pois ela não é portadora de direitos. Somos eticamente responsáveis pela nossa vida no uso dos recursos naturais. Não sendo possível interromper o movimento científico e técnico, importa lutar contra a tecnocracia. É preciso que administradores e políticos respondam diante dos governados e de toda a humanidade. Urge que eles sigam o mandamento o qual manda agir "de tal modo que os efeitos de tua ação sejam  compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana na Terra, durante o maior tempo possível". 
 
Jonas não tem fé em governos que se regem pelos alvos do poder, mas interpela a responsabilidade de todas as pessoas. O imperativo categórico é universal."A tecnologia, ao contrário da ciência, justifica a si mesma apenas pelos seus efeitos, não por si mesma e, assim, dados certos efeitos, avanços posteriores podem se tornar indesejáveis". (Jonas). Diante de situações dolorosas, a responsabilidade define tarefas para os que, sem misticismo ecológico, desejam ser sucedidos por seres humanos na partícula do universo cujo nome éTerra, "no maior tempo possível". Sem responsabilidade, morre a esperança. A noção de responsabilidade, antes do século XX, significava atribuir um ato a um agente, algo a alguém para uma sanção, negativa ou positiva. Apalavra adquiriu o sentido de um encargo: indivíduos ou grupos se encarregam de outros devido à fraqueza ou dependência, próximos ou não. Temosa ideia de precaução, atenuando-se a de reparação jurídica ou religiosa. Temos o princípio da responsabilidade pelos outros. Qual é a nossa responsabilidade na vida coletiva, eis a pergunta. Segundo Jonas, ela se extende para a humanidade inteira, no presente e no futuro.Quando falamos da responsabilidade como encargo, recuperamos a noção antigado vocábulo, grega e romana. Trata-se da solicitude para com os demais humanos,recuperar uma ordem anterior ou reparar um dano semque o tenhamos produzido. 
 
 O sentido mais amplo da noção encontra reúnedois elementos importantes: o Estado e a cultura.Aresponsabilidade tem dupla face: aimpessoal (partilha funcional das tarefas) e a subjetiva(seres humanos vulneráveis que devo ajudar). Na primeira, assumimos ounão as tarefas a nós atribuídas e por nós aceitas. Podemos cumpri-las com competência ou imperícia, mas éanossa função pública. Se as executamos com competência, mantemos a vida pública. Se as cumprimos de modo imperfeito, prejudicamos o Estado e a sociedade. Além da competência precisamos garantir o trato responsável diante das pessoas concretas que temos diante de nós.  
 
Volto a Max Weber. Na sociedade burocrática, organizada de modo racional, os profissionais podem reduzir sua operação, como indivíduoou grupo, ao funcionamento mecânico, automático. Quem assim opera segue normas e regras, by the book, sem olhar para casos singulares com maior cautela. Na sociedade e ou Estado burocratasjuizes, diz Weber, operam como a máquina que distribui refrigerantes : postaa moeda, vem a garrafinha. Ditaa lei, segue a sentença, sine ira et studio. O juiz máquina impõe sua figuramaquinal ao cidadãosem outras consideraçõessobre a validade ou sentido legítimo da lei. O mesmo paraprofissões rotinizadas: perde-se nelas a responsabilidade pelo outro. Aplicadas as regras, tudo o mais tem valor menor. Ojuiz máquina perdeo sentido da justiça. O pensamento jurídico anterior ao nossocorrigia o defeito da lei mecânica com a prática da epikéia. Esta últimajulga caso a caso e procura verificar os motivos de uma ação errada oucriminosa. Sem abandonar a lei, ela corrigeexcessos ou defeitos do ordenamento normativo. Por exemplo: num convento todos os frades devem acordar as 4 da madrugada para as rezas. Mas se algunsficam até aquela hora no estudo ou trabalho, estão dispensados do exercício coletivo. Seria legal os punir, mas injusto. É com base na epikéiaque se considera, nas decisõesjudiciais, os atenuantes de um ato. Écom base nelaque se concedeprêmios aos que fazem mais e melhor do que manda a lei. Prudência e precaução determinam a justiça e a responsabilidadedosagentes. Daí,seguimos para um antigo preceitoético, a liberdade em limites objetivos e subjetivos. 
 
A liberdade profissional em todo campo relevante, não consiste apenas na escolhade opções possíveis. Ela tem origem na ação válida científicamente, com a mediaçãode pessoas livres que devem consentir num trato. Os primeiros códigos de ética médica, por exemplo,surgem com mudanças importantes na pesquisa e no ensino, na modernidade. (8)Tais códigos são escritos por John Gregory (1725-1773) e Thomas Percival (1804). De semelhantes escritos surgem os códigos das associações médicas americana e canadense, criados em 1847 e 1867. Partindo do princípio de que a medicina seriavocação altruísta, eles insistiam sobre a partilha da responsabilidade entre médicos, pacientes, sociedade, criando uma identidade de coesão coletiva. Na época e mesmo hoje,críticos enxergam naqueles documentos algo que visa proteger os médicos da concorrênciae do controle externo efetivados por leigos ou Estado. Outros os defendem, pois eles insistiriam sobre a boa moral, o saber científico, as competências técnicas e a compaixão, ordenada pelo juramento hipocrático. Os dilemas do ensinoempenham numerosos atores e campos: antropológicos, doutrinários, financeiros, políticos, econômicos, sociais, éticos. Cada terreno é um leque de posições conflitantes. Na educação técnológica atual, a escolha de uma via é mais cheia de riscos do que nos tempos passados. Decidir reanimar uma pessoa queimada em demasia pode lhe trazer sequelas ou grave desfiguração. Entramos no território da antropologia, da ordem social, dos preconceitos, das doutrinas religiosas, sem falar nos custos. Reanimar um bebê de 24 semanas pode acarretar sequelas neurológicas. Conceber uma criança para salvar o irmão atingido pelo câncer, pode trazer resultados psicológicos, por ela não ter
 seu nascimento desejado por si mesmo. A medicina determinaos cuidados mais própriospara certo doente, em certo contexto, em tal momento, numa decisão partilhada com o doente ou seus próximos. O problema é o de permanecer humano, num procedimento científico. 
 
Volto à sala de aula. O estudante tem o direito de ser assistido e mesmo socorrido pelos mestres. Estes últimos devem saber que excesso de confiança no próprio conhecimentopode se transformar em arrogância o trato educacional.Aí não há resposta na relacionamento, pois ocorre apenasuma fala, a do professor.A respostacom humanidade parte daspessoas mestre e alunocomo portadorasde multiplas potencialidades, e consideraos limites do serhumano, incluindosuaconivência com o piore o melhor. Aí se encontra o terrenomais árduo do ensinoresponsável, o lugar ondedecisões não podem ser tomadasby the book, masexigem do profissional o maior treino para a prudência. O professor que age de modo mecânico ou pretende transformar os alunos em suas réplicas, foge da responsabilidade. O comportamentoresponsáveladquire dimensões mais amplas do que no trato interpessoal. Hoje a técnicamodela corpos, tanto de indivíduos quanto de sociedades, transforma elos sociais,traçosde poder, instituições, autoridade. Nascimentoe morte, casamentos, esportes,assessoria policial, escolas, atividades profissionais, tratos entre indivíduos egrupos passam por crivospsicológicos oubiológicos. Mesmo empréstimos bancários exigemgarantia de vida o bastante para pagá-los, garantia dada por exames clínicos. Agestão coletiva da saúde governa a vida pública e se impõe como bem aoser discutido. Há um ideal de peso, de colesterol, tensão, equilibrio alimentar que assume o papel de norma social. A noção de bem estar se torna imperativo moral. Não seguir recomendações médicas assume as marcas do antigo pecado. Quem fuma, come, bebesem obedecer as normas, se torna “ responsável” por sua doença. 
 
Como diz uma especialista, Dominique Folscheid, “em vez da pessoa ser o fim da saúde a saúde passa a se tornar o fim da pessoa, no limite, a saúde é absolutizada de tal modo que não se faz mais a diferença entre o ‘salvamento’ médico e a salvação” religiosa. Tal culpabilização generaliza de modo imprudente o princípio da responsabilidade. No fim, todos são culpados e ninguém o é. (10)A tentação de transformar o aluno, nele inculcando os ideais do professor, resulta em desastres. Dei tais exemplos para sugerir que o aprendizado e o ensino se tornam ainda mais árduosem nossos tempos. Conhecemos tragédias recentes na história da investigação e trabalho médico, os dramas trazidos pela formação profissional competente, mas com pequeno peso da ética da responsabilidade. No plano macro, temos o triste exemplo e dos campos de concentração onde milhões foram abatidos. Daí, para os experimentos narrados por Jonathan Moreno em Risco Indevido, o passo é mais rápido. Mas a crítica de Weber aos professores que julgavam seu direito transformar a consciência dos estudantes mostrou toda acuidade nos anos duros vividos narepública de Weimar. A tarefa de fazer dos alunos seguidores de crenças professorais resultou no morticínio massiço e no espetáculo tremendo de alunos e docentes queimando livros em praça pública, nos auto da fé nazistas. “Usarei meu poder para socorro do adoecido, segundo o melhor da minha habilidade e juízo; evitarei, com ele, ferir ou enganar todo e qualquer homem”, diz o juramento de Hipócrates. Tal fórmula inclui o professor em sala de aula ou laboratório.  
 
A falta de responsabilidade ética acelera a imprudência. Assim,resta a receita de Platão nas Leis, quando se trata de formar jovens 1dedicadosa cuidar das mentes e corpos : é preciso mostrar a diferença entre a caça aos bichos e a caça aos homens. A primeira é permitidapara alimento. A segunda é proibida, inclusive e sobretudo a caça ao dinheiro e à ascensão social, ou escaladapolítica. Cabe aos magistrados e aos professores mostrar, com exemplos inequívocos, tal diferença. Aí começa a dificuldade do ensino, inclusive nas melhores instituições. Termino com o desafio de Max Weber,a diferença entrelição (Vorlesung) econferência (Vortrag). Até onde, no desejo detransformarestudantes e nelesestabelecer umanovaconsciência ética os docentes podem ir, ao apresentar seu ideáriosobre o mundo, a sociedade, a ciência. Não se deve impor opiniões pessoaisna lição (Vorlesung)porque éprecisoapresentar aos alunos o procedimento científicode acordo com o estágio em que se encontra o saber.Expostos os fundamentos, incentivar as interrogações, incertezas e certezas dos alunospara que eles encontrem,no horizonte esboçado pelo docente, o seu próprio itinerário. Omais relevante alvo do ensino, inclusive médico, é prepararestudantes para o juízo prudente e próprio, o maior esteioda ética. Já naconferência acadêmica, onde os pares que trabalham em diversos camposacadêmicosse reúnem em igualdade efetiva ou virtual, é dever apresentar novas teses, meios de intervenção, idéias, polêmicas.Sim, no exercício nas salas de aula e laboratórios, os estudantes também exercem o sentido da pesquisa e podem explorar novos aspectos de problemas. Os profissionais do ensinotêm a responsabilidade grave de ponderar com eles, lhes apresentardificuldades técnicas ou éticas semimpor ideários políticos, religiosos, ideológicos. São tarefas diante do Estado e da sociedade nas quais reside o múnus de ensinar sem moldar ou destruir consciências, o que faz dos estudantesautômatos que aprendem a seguir receitas by the book.Tal alvo não pertence à periferia do ensino, mas ao seu núcleo mais espinhoso.
 
 
 
Notas

(1) 1Max Weber: Wissenschaft als Beruf, 1917-1919, Politiks als Beruf 1919.(Tubingen, J.C. B. Mohr, 1994) p. 109 e ss 

(2)I. Kant: « Resposta à pergunta: O que é o esclarecimento? ».Textos seletosEdição Bilíngue.Trad. Raimundo Vier; Floriano de Sousa Fernandes. (Petrópolis: Vozes, 1985). 

(3)Existem várias traduções, a mais acessível é a norte-americana : The imperative of responsability, In search of an ethics for the Technological Age(Univ. of Chicago Press, 1985). 

(4) “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diversas maneiras, mas trata-se de transformá-lo”.“Die Philosophen haben die Welt nur verschieden interpretiert, es kommt aber darauf an, sie zu verändern”. 

(5) Cf. Jonathan M. Moreno : Mind Wars, brain researche and National Defensee também Undue Risk, secret experiments on humans. Sobre os mesmos temas, cfHans Jonas : "Philosophical Reflections on Experimenting with Human Subjects" in Daedalus, vol. 98, 2 1969, pp. 219-247).

( 6) Sobre o assunto, cf. Jerôme Goffete: “Modifier les humains, anthropotechnie versus médecine” in Jean-Noel Missa e L. Perbal (coord.) “Enhancement” éthique et philosophie de la médecine d ́amériolation(Paris, Vrin, 2009). 

(7) Éric Gagnon e Francine Saillant, “Sources et figures de la responsabilité aujourd ́hui” revista Éthique publiquevol. 6, numero 1, 2004.https://journals.openedition.org/ethiquepublique/2064(.2
(8)8Heather MacDougall, PhD, and G. Ross Langley, MD: L’Éthique Médicale d ́hier, d ́aujourd ́hui et de demain, localizável no endereço eletrônico seguinte : pdfall.com/.../Telecharger_PDF_7.php?...l'éthique_médicale 

(8)8Heather MacDougall, PhD, and G. Ross Langley, MD: L’Éthique Médicale d ́hier, d ́aujourd ́hui et de demain, localizável no endereço eletrônico seguinte : pdfall.com/.../Telecharger_PDF_7.php?...l'éthique_médicale9