Flores

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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Existem pessoas que, ao falar deste seu amigo, colocam aspas em "filósofo", "intelectual", "professor de ética". Não desejo retirar das suas testas as aspas, pois para tais indivíduos elas são motivo de orgulho. Quem deseja uma pequena síntese do que produzi ao longo dos anos, segue abaixo uma lista de livros e artigos meus, comentados por mim. Quando eu não mais estiver por aqui, talvez o texto sirva de guia para jovens ou idosos curiosos de saber algo sobre uma pessoa comum, mas que pensou bastante. Roberto Romano

 

 Livros

 Brasil, Igreja contra Estado (São Paulo, Ed. Kayrós, 1979). Este livro é resultado de minha tese de doutoramento em Paris, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em 1978. O texto analisa as políticas da Igreja e do Estado no Brasil, definindo as estratégias de poder das duas instituições. Nele, indico que existe uma estratégia da Igreja contra todo Estado que não a reconheça como "soberana espiritual"dos povos. Em capítulos históricos, filosóficos e teológicos, disseco a essência do poder estatal e eclesiástico. Dois capítulos são importantes : um sobre a reforma agrária e outro sobre comunidades eclesiais de base. Neles, discuto os programas sociais e econômicos da Igreja e do poder estatal no Brasil, sobretudo no tempo da ditadura instaurada em 1964.
 
Como fui preso político durante bom tempo, no CENIMAR, DOPS, Presídio Tiradentes, conheço bem a política repressiva (censuras, torturas, exílios) aplicada contra os que se levantaram contra o regime de exceção. Boa parte dos temas éticos de Brasil Igreja contra Estado vem de reflexões sobre o arbítrio das instituições, civis ou religiosas.
 
O livro foi mal recebido pela esquerda e pela direita no Brasil da época em que foi lançado. A esquerda considerava a Igreja como "a grande aliada"na luta contra o regime ditatorial. Como eu provo que a maior parte da Hierarquia abençoou o golpe de Estado de 1964, e depois o Ato Institucional número 5, minha argumentação prejudicava a militância de esquerda desejosa de instrumentalizar as comunidades eclesiais de base. E também desagradou à direita, porque denuncio no livro os procedimentos violentos do capitalismo, sobretudo na zona rural, onde se escravizam ( e escravizam) pobres desprotegidos. Se os interessados procurarem  verão que o livro "não existe"na literatura de esquerda ou direita no Brasil. Ele é uma constante na bibliografia estrangeira.
 
Este é um dos problemas sérios da vida cultural e da ética brasileira: só tem direito a dizer e ser ouvido, quem está com a maioria. No Brasil é muito difícil a existência de debates e do simples diálogo. O maniqueísmo impera em todos os cantos e seitas. Poucos conseguem manter a liberdade de pensamento, a autonomia diante de sua própria consciência.
 
2) Conservadorismo romântico, origem do totalitarismo (SP, Brasiliense, 1981, reedição Unesp, 1997). Neste livro trato da teoria das cores de Goethe e de seu nexo com o pensamento conservador do século 19. Mostro como, mesmo um pensador como Karl Marx, depende do ideário romântico. Em capítulo estratégico estudo o fetiche da mercadoria em Marx, no Capital. Alí, mostro o quanto Marx era um autor refinado e atilado, que ainda hoje pode nos ensinar muita coisa sobre o mundo.
 
3) Luz in Tenebris, reflexões sobre Filosofia e cultura (SP, Cortez/Unicamp, 1987). Trato de vários assuntos, inclusive sobre o papel da mulher na filosofia ocidental. Ali, mostro o quanto os filósofos, a partir de Aristóteles, têm uma visão preconceituosa e machista das pessoas femininas. O título deste artigo é "A mulher e a desrazão ocidental". Se digitarem este título no Google, certamente encontrarão o texto inteiro do artigo.
 
4) Corpo e Cristal, Marx Romântico (RJ, Guanabara Ed. 1985) : coletânea de artigos onde denuncio o pensamento positivista, liberal e autoritário no Brasil
 
5) O Caldeirão de Medéia (SP, Ed. Perspectiva, 1999): coletânea de textos que inicia uma série de análises minhas sobre o tema da Razão de Estado. Se vocês digitarem "razão de Estado, Roberto Romano", encontrarão vários escritos meus sobre o assunto.
 
6) O desafio do Islã e outros desafios (Ed. Perspectiva), Razão de estado e outros estados da razão (Ed. Perspectiva), seguem a mesma linha de análise da razão de estado. Um tucano responsável (?) por uma revista acadêmica (?) encaminhou o livro para resenha de Kamel, o imperador da Globo. Os pontapés recebidos por mim e dados pelo seguidor de Roberto Marinho só me honraram. Ganhei o dia quando li as frases da pior má fé, bem no estilo Globo de pensamento (?).
 
7) Silêncio e ruído, a sátira e Denis Diderot (Campinas, Ed. Unicamp) trata do pensador das Luzes, Denis Diderot, e de seu pensamento político e estético.
 
8) Os nomes do ódio (ed. Perspectiva), trata do preconceito, do antissemitismo, etc.

9) Razão e desrazão de Estado (Ed. Perspectiva). O assunto é sempre atual, sobretudo quando os Estados entram numa crise inédita desde que o conhecemos no início da vida moderna.
 

 Existem outros livros mais, pessoais e em colaboração.
 
Bases do pensamento: são três os filósofos que me orientam os passos: Spinoza, Diderot, Platão.
 
Sobre Spinoza publiquei alguns artigos, por exemplo no site Foglio Spinoziano (Itália), os textos estão publicados no site, mas em português.É só colocar no Google, Roberto Romano Spinoza.  Sobre Diderot, publiquei vários artigos, por exemplo na Revista USP : "Diderot Penélope da Revolução" (também encontrável no Google). Sobre Platão, muitos textos meus trazem longas análises do maior filósofo ocidental.
 
Minhas reflexões se baseiam quase sempre em problemas de ética, estética, política.
 
Opinião sobre a importância da filosofia na educação:
 

Importa estudar a filosofia, em qualquer nível escolar. Mas não recomendo  a leitura de manuais de filosofia. É possível aprender filosofia com os próprios filósofos, nos seus textos, sem passar pela mediação de "explicadores". Ler Platão é uma festa para a alma. Nele, a filosofia se une à poesia, ao teatro, à política, etc. Certos diálogos de Platão, como dizia Diderot (um seu entusiasta) são verdadeiros quadros falados ou peças teatrais. Hegel partilha tal juízo. Eles são bonitos e interessantes. Já os manuais matam o pensamento e a escrita do filósofo, usurpam o pensamento do autor, impõem de modo autoritário ao leitor uma opinião pessoa do comentador.
 
Se não for possível (o que é...impossível!) ler os próprios filósofos, se comece a pensar a filosofia a partir da literatura, das ciências, das técnicas, da políticas, do teatro, cinema, etc. É possível fazer filosofia sem os manuais, que dão muito dinheiro às editoras, mas oferecem aos estudantes e outros leitores apenas o cadáver da filosofia.