ACM escreve, Roberto Romano responde
Brasília, 16 de abril de 2001
Senhor Professor Roberto Romano
Assisti as manifestações de Vossa Senhoria em programa
televisivo da GloboNews sobre corrupção. levado ao ar no último final de
semana.
Embora respeite os seus pontos de vista, incumbe-me dizer-lhe que,
quanto a mim, está completamente enganado. De logo registro que a
comparação com o Senador Jader Barbalho é injusta e despropositada.
Entendo o que o teria levado a isso. O senhor fala por ouvir dizer, mas
não com conhecimento de causa.
A minha liderança na Bahia, perdoe-me a modéstia, está sempre
retratada pelas pesquisas de opinião, inclusive a mais recente, em
Salvador, realizada no mês passado, me dá mais de 80% da aprovação dos
baianos.
Além de basear-se nas pesquisas, sugeriria que Vossa Senhoria também,
na feitura de uma análise sobre determinada pessoa, como professor
diligente, ouvisse os escritores da terra. No meu caso, nomes como Jorge
Amado e João Ubaldo; ou os compositores da terra, como Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Jerônimo, Vevé Calazans e dezenas de outros; ou os
artistas plásticos, todos eles. E, em se tratando de um professor,
valeria a pena consultar, ainda, a população de 16 a 24 anos. Sob esse
aspecto, devo dizer também que, na sua própria Universidade, alunos têm
feito teses as mais variadas sobre o meu comportamento político e, em
sua maioria, apresentando resultados positivos.
Se um dia Vossa Senhoria for à Bahia, ouvir o povo, andar pelas ruas,
será lisonjeiro para mim acompanhá-lo. Ai sim, o Professor de Política e
Ética fará uma observação correta.
Na minha idade, as injustiças, por mais que sejam repetidas, não
mudam a rota de atuação. Continuarei trabalhando pela Bahia e, a ser
verdadeira sua afirmação de que 400 escolas têm o meu nome, o que não
creio, terá sido porque, indistintamente, nos nossos 417 municípios
existe a minha presença através do trabalho e de obras pelo
engrandecimento do Estado. Seja como for, achei o número exagerado e
procurarei averiguar sua observação.
Vê Vossa Senhoria que a minha discordância é salutar, pois tem o
objetivo de bem informá-lo a meu respeito, especialmente porque acredito
na sua sinceridade de propósitos e dedicação ao conhecimento histórico
sobre a política e os políticos de nosso país.
Atenciosamente, Senador Antonio Carlos Magalhães
***
São Paulo, 2 de maio de 2001
Ao Senador da República, Antonio Carlos Magalhães
Quando ocorreu o golpe de Estado, em 1964, eu tinha 19 anos.
Em amargos anos aprendi, na universidade, a disciplina e o rigor da
pesquisa. O livro que publiquei em 1979, fruto de um doutorado (Brasil, Igreja contra Estado,
SP, Kayrós Ed.), sintetiza milhares de documentos recolhidos num
processo lento e longo de investigação no qual as informações foram
analisadas, confrontadas entre si e com os dados estatísticos,
históricos, sociais, econômicos.
Todos os elementos do trabalho vieram de fontes sociais, arquivos,
bibliotecas especializadas, laboratórios. Aprendi, portanto, a só
apresentar um juízo após minuciosa observação de comportamentos, fatos,
dados. Nunca escrevi um só livro ou artigo "por ouvir dizer".
Essa frase, cujo conteúdo é a mim atribuído pelo senhor, foi
extraída, como deve ter ouvido dizer Vossa Excelência., de Spinoza. No Tratado sobre a Reforma do Intelecto,
aquele é o modo mais baixo na hierarquia dos saberes. Vossa Excelência,
afeito à produção de dossiês, com base em recortes de jornais (e nossa
imprensa, infelizmente, não se notabiliza pela investigação isenta e
cautelosa) confunde o vosso modus operandi com o comportamento
científico habitual.
Não foi este modo opinativo que me levou aos considerandos sobre o
comportamento público de senadores, na atual quadra da vida brasileira,
que faz enrubescer até as pedras.
Voltando à minha pequena história, mencionada acima: durante a
ditadura eu lutei pela democracia e pelo Estado de Direito. Fui preso
político por bom tempo. Sofri, como os brasileiros em geral, o peso dos
censores, dos atentados cometidos contra os que não tinham o comando de
batalhões. Verifiquei toda a arrogância dos políticos que se
fortaleceram à sombra da exceção. Não foi "por ouvir dizer" que formei
uma idéia bastante negativa dos que apoiaram a tirania.
E foi como cidadão que segui o procedimento de Vossa Excelência., que
sempre apoiou os mais lamentáveis atentados à democracia, como o
fechamento do Congresso, as pressões contra o Judiciário, a intimidação
sobre a sociedade civil através dos Atos Institucionais, os decretos
secretos etc. Testemunhei tudo isto de um lugar privilegiado, a
cidadania violentada, pagando caro os desmandos do regime do qual Vossa
Excelência foi campeão.
Quanto à presença de vosso nome em escolas, minhas afirmações também
não se originaram "no ouvir dizer". Elas se baseiam em pesquisas
cuidadosas como a publicada pelo saudoso baiano, Dr. José de Oliveira
Arapiraca (nome de uma só escola no seu Estado). Tive a honra de
homenagear aquele grande homem na Câmara dos Vereadores de Salvador,
discursando como convidado da Casa, no momento certo. O Dr. Arapiraca,
após levantamento feito na Bahia, chegou aos números alarmantes a que me
referi na GloboNews, no relativo aos estabelecimentos públicos de
ensino. O nome de Vossa Excelência, ultrapassa numericamente, em muito, o
de vultos pátrios como Rui Barbosa, Padre Vieira, Tiradentes etc. O
dito livro pode ser encontrado com facilidade nas boas bibliotecas
universitárias baianas. Não é preciso um levantamento especial para
identificar este desvio.
Finalmente, fico surpreso com o rol dos artistas e intelectuais
apresentado por Vossa Excelência em sua missiva. São os mesmos nomes
inscritos no Manifesto em vossa defesa, lançado nestes dias. A
coincidência indica um fato: existem pessoas, no âmbito da cultura,
dispostas às zumbaias e aos rapapés. É triste, mas normal num país ainda
não afeito à liberdade. Sua lista e Manifesto trouxeram-se a lembrança
do célebre escrito de Julien Benda sobre a traição dos intelectuais.
Desconheço os trabalhos universitários favoráveis à Vossa Excelência
feitos na Universidade de Campinas. Acho bizarra esta vossa afirmação,
porque pesquisas sérias não são ideadas para definir juízos de partidos e
de seus líderes. O rigor e a análise isenta constituem o único
fundamento da ciência. E a Unicamp é uma pequena universidade que prima
por estes prismas do rigor e da cautela, longe das seitas e das
preferências ideológicas. É isto o que lhe dá credibilidade ética e
científica, justamente porque nela não se confia o destino da sociedade e
dos indivíduos ao "ouvir dizer" ou aos recortes de jornais, mas na
lenta e dura pesquisa.
Grato pela sua missiva, digo a Vossa Excelência que tenho pela Bahia e
pelo seu povo o maior respeito e admiração. Justo por isto, não tomo
uma parcela, por mais expressiva que ela seja, pelo todo.
Atenciosamente, Roberto Romano