Flores

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sábado, 17 de junho de 2017

Um cidadão decepcionado.



Ao
Presidente Nacional do PSDB
Senador Tasso Jereissati

Reformas, que reformas
O que se pretende, contribuir para o país ou a projetos pessoais?
O que se pretende, salvar cabeças ou resgatar a ética pública?
Havendo dúvidas, nada melhor do que revisitar a razão de ser, do existir

“Longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas, nasce o novo partido”, o PSDB, fundado no combate à corrupçõo e ao fisiologismo representados à época pelos métodos quercistas do PMDB paulista. Liderado por grandes democratas, mas sem caciques, nomes de dimensão hoje rarefeita, evoluiu grangeando respeito junto à população. Partido de coragem cívica, pautou suas administrações iniciais pelo compromisso com projetos fundamentais, nem sempre simpáticos, mas fiel ao que considerava ser o melhor para o país.

Igual compromisso assumiu, após o impeachment da Dilma, com a recondução ao bom rumo, apoiando desde o inicio a solução constitucional representada pelo Temer. Passado um ano, apesar da economia mostrar alguns sinais de progresso graças a competência da equipe economica, assiste-se o governo perder a cada dia credibilidade, consequência dos hábitos e costumes disseminados na prática politica e importados para dentro do governo pelo presidente e seu staff politico, viciados no hábito do cachimbo. Engolfados nos malfeitos, como em areia movediça, mais atolam-se a cada movimento, consequencia das maus costumes, exponencialmente agravados pelo negacear incompetente. A falta de grandeza para sobrepor o interesse nacional ante os próprios, faz o governo priorizar a propria sobrevivência, mercandejando apoios através da troca de benesses incompatíveis com a esquecida proposta inicial de reconduzir o país aos trilhos.

Somente não vê quem não quer, o sentimento de repúdio por toda a população que já cravou sua repulsa a esse governo inconsistente e desonesto liderado por gatunos.

Daí todos, adeptos e adversários, se voltam à expectativa de qual atitude tomará o PSDB, muleta maior de um governo em decomposição.

Após muito protelar imerso na indecisão, por confundir propostas nacionais com projetos pessoais, a Executiva Nacional resolve permanecer no governo, d
ecisão subordinada a cálculos menores de manutenção de projetos políticos personalistas e no salvamento de reputações naufragadas nas mesmas práticas antônimas à sua razão de ser, do seu existir.
E todos perguntam se ouvidos moucos não percebem mais o pulsar das ruas ou, escravos da própria pequenez, preferem trair os ideais dos muitos que já não estão entre nós.

Que ilusão essa, pensar que haveria alguma chance para a traição a princípios, a candidaturas sem mensagem.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

O sectário mantem seu sectarismo, mesmo quando supostamente deveria ser um ilustrado pesquisador dos fatos e dos feitos. Dei uma entrevista para Juremir Machado, como ele mesmo comenta no trecho que reproduzo abaixo. Era, diz ele, "para contrabalançar"as opiniões dos outros convidados, "de esquerda". Assim, subrepticiamente, o entrevistador que supostamente não é sectário, me colocou no plano da direita. Falta de ética mínima, porque ignorou que, apesar de minhas críticas ao PT (e quem disse que o PT é totalmente de esquerda? Sua união com a direita nacional, inclusive Maluf, Sarney e outros, mostram o quanto é mentirosa sua posição à esquerda. Eu teria surpreendido a todos ao dizer que existe um golpe. Se o entrevistador tivesse lido uma só linha do que escrevi em 40 anos de vida pública, se tivesse consultado meu curriculum desde 1969, quando fui preso e torturado pela ditadura, seria um pouco menos....sectário e tolo. Da próxima vez que ele me pedir entrevista, vou dizer na hora: "não falo com pessoas sectárias que enceguecem com slogan e preconceitos contra pessoas". Com uma esquerda assim, desonesta, quem precisa da direita? Triste. Roberto Romano

Na segunda-feira, no Esfera Pública, na Rádio Guaíba, entrevistamos Roberto Romano, professor de ética da Unicamp. Era para contrabalançar o peso dos outros convidados, ambos de esquerda, Roberto Amaral e Renato Rabelo. Romano, crítico ferrenho dos desmandos petistas, surpreendeu a todos declarando que houve um golpe no Brasil. Ele tinha dito isso outra vez para nós. A sua posição amadureceu com os fatos.

Estadão Notícias’: Desarticulação da esquerda alivia Temer, analisa Roberto Romano

Estadão Notícias’: Desarticulação da esquerda alivia Temer, analisa Roberto Romano

Gustavo Lopes Alves
16 Junho 2017 | 05h25
Edição desta sexta-feira, 16, apresenta a segunda parte da entrevista com o professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano, que analisa a crise no governo de Michel Temer. Para Romano, apesar de a situação ser grave, a desorganização da esquerda pode representar um alívio para o presidente. Ouça no player abaixo.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

https://www.facebook.com/estadao/videos/1990314427650276/
-29:16


Estadão was live.
22 hrs ·
Estadão Discute: O programa desta quarta-feira faz análise das condições de governabilidade do presidente Michel Temer após absolvição da chapa Dilma-Temer pelo TSE. Para discutir estes temas, Haisem Abaki recebe o professor de Ética e Filosofia da Unicamp Roberto Romano e o repórter de Política Pedro Venceslau #estadao

‘Estadão Notícias’: Situação de Temer ainda é muito grave, analisa Roberto Romano 0 0 Gustavo Lopes Alves 15 Junho 2017 | 05h49 Edição desta quinta-feira de feriado, 15, entrevista o professor de Ética e Filosofia da Unicamp, Roberto Romano, para debater o atual contexto do país, especialmente no âmbito do poder. Para Romano, Michel Temer enfrenta “o drama de todos os presidentes da República desde Getúlio Vargas”, fruto do modus operandi do sistema político brasileiro. “Um sistema que nem é plenamente presidencial nem parlamentar, e que exige essa compra permanente da base no Congresso”, avalia. Ouça no player abaixo.

http://brasil.estadao.com.br/blogs/estadao-podcasts/estadao-noticias-situacao-de-temer-ainda-e-muito-grave-analisa-roberto-romano/

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Sociedades onde reinam a corrupção....bom kant

"Sociedades onde reinam a corrupção, o engôdo e o não respeito das promessas não permitem viver (...) mesmo os bandidos conhecem o valor da palavra dada, como notou Agostinho. A sinceridade é um valor, como a Verdade é um ideal regulador. kant, immanuel.

Empresas de deputados e senadores devem 372 milhões de reais ao INSS

Empresas de deputados e senadores devem 372 milhões de reais ao INSS

Revista ihu on-line


13 Junho 2017
Congressistas que debatem a reforma da Previdência são sócios ou administradores de companhias que devem ao INSS. Saiba quem são os 86 parlamentares.

A reportagem é de Piero Locatelli, Ana Magalhães e Ana Aranha, publicada por Repórter Brasil, 13-06-2017.

Enquanto debatem a reforma da Previdência, deputados federais e senadores estão associados a empresas que devem R$ 372 milhões ao INSS. Segundo levantamento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), 73 deputados e 13 senadores estão ligados a grupos devedores da Previdência, um em cada sete congressistas.
As empresas presentes no levantamento têm parlamentares como sócios, presidentes, fundadores ou administradores. Casos em que os CNPJs estão vinculados aos CPFs dos congressistas. Entre elas, há redes de televisão e rádio, hotéis, frigoríficos, companhias siderúrgicas e até diretórios de partidos políticos.
Acesse aqui a íntegra do documento com os nomes de todos os deputados e senadores.

Dívidas milionárias

Entre os devedores, quatro senadores e 11 deputados têm empresas que somam dívidas superiores a um milhão de reais. O líder do ranking é o senador Fernando Collor (PTC-AL). O ex-presidente está associado a cinco empresas que devem 112 milhões de reais, todas elas no ramo da comunicação. A TV Gazeta, retransmissora da TV Globo, tem Collor como sócio e deve R$ 46 milhões ao INSS.
A assessoria de imprensa do senador afirmou, por e-mail, que “o senador não participa diretamente da gestão das empresas de comunicação de sua família, mas acompanha os esforços da diretoria para, mesmo diante do quadro de grave retração econômica, assegurar a continuidade da atividade e garantir o emprego de funcionários, ainda que sacrificando momentaneamente a pontualidade no cumprimento de algumas obrigações de natureza fiscal”.
Entre os deputados federais, a maior dívida é de Marinaldo Rosendo (PSB/PE), com 105 milhões de reais. Somente a PR Distribuidora de Bebidas e Alimentos, da qual ele é sócio, deve 99 milhões de reais ao INSS.
Rosendo não retornou os e-mails e ligações da reportagem. A Repórter Brasil enviou mensagens e ligou para o gabinete de todos os deputados federais e senadores com dívidas superiores a 1 milhão de reais.
O senador Cidinho Santos (PMDB-MT) informou por e-mail que a dívida de 3,2 milhões de reais foi parcelada e está sendo paga. Ele diz ainda que está afastado da administração das empresas desde que assumiu o mandato.
O deputado Alfredo Kaefer (PSL-PR), associado a cinco empresas que devem 24 milhões de reais, alega que as dívidas são fruto de um erro judicial. Segundo ele, uma de suas empresas entrou em falência e teve os efeitos das dívidas estendidos a outras companhias. “Foi um ato arbitrário de um juiz, depois anulado pelo Superior Tribunal de Justiça”. Ele diz estar aguardando a reintegração dos proprietários para parcelar a dívida.
Na mesma linha, o deputado Newton Cardoso Junior (PMDB-MG) disse, por meio de sua assessoria, que “é um direito de qualquer cidadão discutir na justiça tributos considerados cobrados indevidamente”. Embora declare não mais atuar na direção das empresas devedoras, ele consta como fundador e administrador de seis grupos – entre eles um hotel e uma companhia siderúrgica – que acumulam dívida de mais de 20 milhões de reais com o INSS.
O deputado Celso Russomanno (PRB-SP) informou que a dívida de 1,6 milhão de reais referente ao Bar e Restaurante do Alemão está parcelada e sendo paga. Ele disse acreditar que em 60 meses os débitos estarão quitados. Russomano alega que o empreendimento foi fechado e que era sócio minoritário do restaurante, detentor de 20% do negócio.
Os outros deputados federais e senadores procurados não responderam à reportagem.

As dívidas contabilizadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional incluem aquelas consideradas como em “situação regular”: foram parceladas, suspensas por decisão judicial ou garantidas de alguma forma pelo devedor. Além das cobranças em andamento sem nenhum tipo de garantia, consideradas como em “situação irregular”.
Apesar dos parlamentares localizados alegarem que suas dívidas estariam em situação regular, 75% do total devido está em situação irregular.
Há três principais maneiras de uma empresa entrar na dívida ativa da União como devedora da Previdência: quando ela não repassa a contribuição previdenciária do trabalhador ou do empregador ao INSS ou quando ela paga essas contribuições sobre um valor inferior ao salário real.
Os dados foram consolidados pela procuradoria em abril deste ano, e foram obtidos através do portal da Controladoria-Geral da União , onde são disponibilizados todos os pedidos de acesso à informação feitos ao Executivo Federal e suas respostas.

terça-feira, 13 de junho de 2017

Os mineiros, com certeza, se divertem numa loja de flores e árvores de São Paulo, com a placa abaixo :


Roberto Romano: "Vejo sombras espessas no horizonte"

Roberto Romano: "Vejo sombras espessas no horizonte"

Roberto Romano:
“A classe política está mais preocupada com os seus privilégios do que com o bem-estar do país”.
Por LUANA MELODY BRASIL-Correio Braziliense/Antonio Scarpinetti/Unicamp - 31/05/2017 - 10:54:12
Professor de Ética critica a demora na troca de comando na pasta da Justiça e a saia justa do Planalto com Gilmar Mendes.
 
A longa crise política enfrentada pelo Brasil não dá sinais de trégua. Pelo contrário: o violento protesto em Brasília e a demissão do ministro Osmar Serraglio, substituído pelo jurista Torquato Jardim na pasta da Justiça, sacudiram o país. Em meio a esse caos, o filósofo e professor de Ética Política da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano busca respostas e critica a demora na troca dos ministros e a saia justa do Planalto com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes. Romano também comenta a falta de lideranças políticas e reprova os excessos cometidos nos últimos anos pelos Três Poderes. Confira a seguir os principais trechos da entrevista de Roberto Romano ao Correio:
 
Professor, qual sua percepção sobre a substituição do ministro Osmar Serraglio pelo ministro Torquato Jardim na pasta da Justiça?
É uma estratégia própria de um governo que sente o perigo se aproximar. Retirou um ministro extremamente fraco, que tem grande abertura para o mundo jurídico, e colocou alguém que tem grande experiência com os tribunais e, sobretudo, com aquele que no momento é essencial: o TSE. Mas é uma estratégia que vem um pouco tarde. Essa medida deveria ter sido tomada há muito tempo, porque uma série de passos foram dados com base nas informações obtidas com o Serraglio. Ela vem tarde e mostra justamente a falta de coesão, de rapidez e eficácia nas decisões do presidente Temer.
 
Se o ministro Torquato intervir, não vai ficar exposto?
Não, se ele seguir o processo legal. Quem fica exposto é o TSE, porque a decisão fica mais delicada agora. Vão negociar com alguém que é da casa. O ministro Gilmar Mendes, que vai presidir o processo, está furibundo com o Palácio do Planalto, porque estão querendo fazer o TSE de peteca. O ministro é conhecido por não dar ponto sem nó. Criou uma rede de insegurança tanto para o TSE quanto para o STF (Supremo Tribunal Federal). Isso vai trazer fios desencapados para o relacionamento do presidente Temer com a Justiça. Isso pode piorar a situação do Temer.
 
Num cenário em que o TSE pede vista, dando sobrevida ao governo, o que se pode esperar? 
O presidente Temer está criando a ilusão de que ele está no governo, mas o país está sendo governado pelo ministro da Economia, do Planejamento, agora da Justiça. Ele está cuidando quase que exclusivamente de si mesmo e do seu mandato e isso paralisou o país até agora. Quem acompanha desde Getúlio Vargas a agonia de presidentes da República, esse desmanche dos aliados no Congresso é muito sintomático: um dia o PSDB diz que está estudando desembarcar, outro dia diz que dá apoio. São esses sinais que mostram a fragilidade estrutural do governo. Comprar briga com a Justiça, neste momento, é um atestado de óbito, ainda mais tendo uma base desidratada a cada instante. A não ser que o ministro Jardim consiga fazer um milagre.
 
O senhor vê saída para a crise brasileira?
Creio que sim. Nós temos potencial para deixar de lado a situação atual, mas eu vejo sombras espessas no horizonte. Em primeiro lugar, para que você possa encontrar uma saída, é preciso que tenha lideranças. Praticamente não temos lideranças nacionais. Há 20 anos, contávamos com um quadro de, pelo menos, umas 50 lideranças. Hoje não. Temos partidos políticos destroçados. Instituições que estão anacrônicas, antiquíssimas. A reforma política não aparece no horizonte e a classe política está mais preocupada com os seus privilégios do que com o bem-estar do país.
 
O senhor tem visto em uma nova Constituição a saída para toda essa crise?
As propostas trazidas pelo jurista Modesto Carvalhosa e seus companheiros devem ser examinadas. Uma nova Constituição é algo urgente para o Brasil e para redefinir os poderes, a prática política, os partidos e modificar pontos essenciais na estrutura do Estado. Essa é a tese e a urgência. O problema é com quais instrumentos nós podemos fazer isso. Do modo como estamos, que partido político terá legitimidade para liderar eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte? Acredito que não podemos deixar mais 10 anos com a atual Constituição, que se transformou numa colcha de retalhos, desfigurada por emendas. É preciso chamar uma Constituinte. Uma série de instituições que poderiam ajudar estão à margem, como, por exemplo, as universidades.
 
Em meio à crise de representatividade e da desconfiança com a classe política, como o senhor avalia as instituições?
Há um mantra, que venho criticando há um bom tempo e quase que sou voz solitária nisso, que insiste em dizer que as instituições brasileiras estão funcionando normalmente. Normal seria aquilo que atende ao intento inicial. Quando você tem presidentes da República que não conseguem estabelecer o período do seu mandato, essa normalidade no plano do Executivo se torna problemática. Quando se tem um Congresso que legisla em causa própria e quando a Justiça intervém em última instância sem prever situações de crise, como essa que nós estamos seguindo, isso também não é normal.

domingo, 11 de junho de 2017

03/06/2017 20h09 - POLÍTICA NACIONAL “A crise ainda está em pleno desenvolvimento”









ESPECIAIS


Jundiaí, 11 de junho de 2017



03/06/2017 20h09 - POLÍTICA NACIONAL

“A crise ainda está em pleno desenvolvimento”





Thiago Secco
tsecco@jj.com.br


© FOTOS: ANTONINHO PERRI/ASCOM/UNICAMP

“O povo brasileiro, na sua totalidade, não é corrupto. Mas ele tem no dia a dia, como espelho, péssimos exemplos”


Brasília. A Capital Federal vive dias tensos, em clima de cabo de guerra, sem rumo e sem previsão de fim. Os embates – inclusive os físicos - acontecem dentro e fora das casas parlamentares. Era início da noite de quarta-feira, 17 de maio, quando tornou-se pública pelo jornal ‘O Globo’ uma bomba de efeitos ainda imprevisíveis, capaz de detonar os alicerces do governo do presidente Michel Temer (PMDB). Gravações revelavam amiúde malas endinheiradas, compra de silêncio do ex-deputado federal e agora detento, Eduardo Cunha (PMDB), e sepultava as pretensões políticas do senador afastado pelo Supremo Tribunal Federal e então presidente nacional do PSDB, Aécio Neves.

O esquema expôs, novamente, as entranhas de um modelo carcomido pelo compadrio e pelas relações nada republicanas envolvendo o poder público e as grandes corporações privadas - monopólios constituídos à base de dinheiro público via créditos do BNDES em governos petistas. Em paralelo a mais um escândalo político, a tímida retomada econômica, que parecia dar os primeiros sinais de trégua, está paralisada. As reformas trabalhista e previdenciária sucumbem a segundo plano, já que o governo tenta, agora, colar os cacos de sua base aliada no Congresso, que ainda não decidiu pela permanência ou desembarque do poder. Qual o horizonte possível num cenário de terra arrasada? O que esperar de 2018? Ao JJ Regional, o doutor em Filosofia e professor de Ética Política no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Roberto Romano, fala sobre os últimos acontecimentos e o que ainda pode estar a caminho. JJ Regional - O senhor acredita que essa é a maior crise política pela qual o Brasil já passou?
Roberto Romano - É preciso cautela com as determinações quantitativas. “Maior” ou “menor” exigem elementos de comparação. Na economia, política, religião, setores muito complexos porque incluem traços comuns e divergentes, não sabemos quais pontos poderão levar a consequências graves, ou de menor importância. Uma crise no mercado pode parecer pequena. Mas como se une à ordem social, política, ideológica ou mesmo religiosa, pode se alastrar. E uma crise que parece relevante, pode ser de pequena monta em prazo médio ou longo. A crise de hoje tem sinais de perigo institucional e preocupa quem possui responsabilidades pela sua família, emprego, cidade, país. Eu não colocaria o verbo no passado: a crise ainda está em pleno desenvolvimento, ainda não passou. Temos uma recessão econômica combinada com descontrole dos poderes. A presidência da república está acuada pelo Congresso Nacional e pela Justiça, o parlamento está sob suspeita da Justiça e da população, os partidos são frangalhos de organismos políticos, dominados por caciques mais preocupados com a própria sobrevivência do que em defender o País. A ideia de crise, que nos vem da medicina grega, indica que o organismo adoecido chegou a um instante limite no qual será decidida a vida e a morte. Ainda não atingimos o ponto final. Muito sofrimento do povo brasileiro ainda pode vir.
 
O modelo criado com a Constituição Brasileira de 1988 sobre representação política está fatigado?
Romano - O modelo anacrônico e fatigado é o que herdamos do absolutismo português, no qual todos os cargos do Estado eram distribuídos pelos favores, apadrinhamentos, compra de votos. No mesmo tempo em que a Europa e os Estados Unidos da América definiram formas de governo democráticas e responsáveis, nosso nascimento como país independente trouxe as marcas do privilégio de quem opera os poderes, em detrimento dos cidadãos que pagam impostos ou, na frase do futuro Dom João V, “da gente ordinária de vestes”. O modelo a ser discutido e mudado não reside imediatamente na Carta de 88, mas foi construído desde 1500 e piorado com o império e com a suposta república. A irresponsabilidade dos que administram o Estado se espraiou com a Carta de 88: o antigo privilégio do imperador hoje é partilhado pelos que recebem prerrogativa de foro. Um desaforo para com os que pagam impostos, “a gente ordinária de vestes”. Como o senhor vê estes inúmeros atos de corrupção, que incluem malas semanais de R$ 500 mil e interpretados pelos políticos como algo normal, cotidiano - como dito pelo presidente Temer em entrevista à Folha, afirmando que o deputado Loures é “pessoa de boa índole”?
Romano - Depende do que se entende por “normal”. A ética é uma pesquisa complexa que engloba muitas técnicas de análise. Ela não se limita a estudar atos e valores saudáveis e corretos, mas também analisa atos e valores incorretos, nocivos para os indivíduos e sociedades. Em coletivos dominados por valores péssimos temos uma ética nociva. E em tais aglomerados humanos, o “normal” se encontra o que há de pior. Em nossa sociedade, por exemplo, o “normal” é o motorista a pisar no acelerador quando alguém atravessa a pista dos pedestres. Normal é desobedecer aviso de vagas de idosos e deficientes (sobretudo se o desobediente possui um veículo de luxo). Normal é furar filas, vangloriando-se da esperteza. Normal é dar carteiradas, pervertendo o uso do cargo de parlamentar ou magistrado. Normal é praticar favores com o dinheiro público. Normal é legislar em causa própria, das Câmaras de Vereadores ao Senado. Dessa forma, uma pessoa “normal” em sociedade assim, só pode ser considerada de boa índole pelos seus iguais, ou seja, os que ostentam um caráter péssimo do ponto de vista moral ou ético.

Os brasileiros estão mais indignados diante dos atos de corrupção? O povo brasileiro também é corrupto? Seria Brasília um microcosmo social do que acontece por esse Brasil afora?
Romano - Sim, os brasileiros estão mais indignados. A diferença é que hoje eles começam a encontrar meios para lutar contra a corrupção. Leis conquistadas pelas lutas da população, como a de Responsabilidade Fiscal, da Ficha Limpa, da transparência e outras, começam a dar frutos positivos para a ordem política. Não, o povo brasileiro, na sua totalidade, não é corrupto. Mas ele tem no dia a dia, como espelho, o péssimo exemplo de elites políticas, sociais ou econômicas, que exibem privilégios trazidos pelo status social ou administrativo. E agora volto à sua primeira pergunta, sobre a magnitude de nossa crise. Muitos analistas e jornalistas afirmam, sem prudência, que somos a sociedade mais corrompida do planeta. Sempre respondo com a necessária ponderação do quantitativo: para ajuizar o grau de corrupção de uma sociedade, não bastam números absolutos, mas relativos. Uma sociedade pequena, como a da Suíça, guarda nos cofres de seus bancos o dinheiro sujo e maldito do narcotráfico, do terrorismo, da venda ilegal de armas, da corrupção política mundial. O próprio Vaticano foi, até o papa Francisco, leniente com o dinheiro da máfia e de outras organizações criminosas, nos seus cofres. A corrupção econômica e política na Europa e nos EUA é muitas vezes maior, considerando-se as somas roubadas ao erário público e aos particulares, do que a do Brasil. A diferença está no seguinte ponto: naqueles países, existem formas de atenuar o fenômeno, como a regulamentação do lobby. No Brasil, não por acaso, temos 11 projetos de lei para controle do lobby. Mas nada ocorre porque, se regulada aquela atividade, a maioria dos nossos políticos, que exercem o lobby em seus mandatos, teria de escolher entre ser lobista ou parlamentar, prefeito, governador e… Até mesmo magistrado. As famosas “bancadas” no Congresso são apenas grandes lobbies nada disfarçados.
 
O senhor teme o fortalecimento de uma saída populista em uma futura eleição? Os outsiders têm sobrevivência política?
Romano - Quando a democracia representativa perde legitimidade, resta apenas ao povo a via do populismo. O líder pode surgir de maneira direta do próprio povo, ou ser gerado pela propaganda política, como ocorreu com Fernando Collor de Mello. Preocupa saber que as novas gerações são mais favoráveis a governantes carismáticos e autoritários. As mais velhas ainda dão crédito à democracia. Há uma falta dramática, no mundo e no Brasil, de lideranças democráticas. A falência dos partidos, o seu controle por gerontocratas, explica em parte tal vazio de lideranças.Uma nova eleição vai resolver o problema da crise de representatividade política?
Romano - Não. A crise reside na estrutura do Estado brasileiro, na ausência de reais partidos políticos, na ausência de republicanismo de nossas elites e dirigentes.

Qual é a sobrevida de Temer, em sua opinião? As reformas ainda são viáveis em um governo esfacelado?
Romano - Só uma bola de cristal poderia dizer algo sobre a permanência do presidente no Esplanada. Reformas que não foram pactuadas com todos os interessados sempre são traumáticas. As propostas pelo governo Temer (que, aliás, surgiram nos governos Lula e Dilma) vieram de cima para baixo, como é o costume absolutista brasileiro. Elas teriam dificuldades para serem aprovadas, mesmo sem crises virulentas como a de hoje. Na crise, elas se tornaram ainda mais árduas de aprovação política e social. Por fim, há possibilidade de nos livrarmos da corrupção endêmica a médio prazo? Como? Qual o horizonte possível de vislumbrar até 2018?
Romano - Nenhuma sociedade está livre da corrupção. Tempos atrás, um jornalista me perguntava se o Brasil era o mais corrupto em plano mundial. Disse que não e indiquei: estava sobre a minha mesa um relatório de licitação fraudulenta de uma rodoviária na Suécia, país louvado em prosa e verso pela honestidade de seus políticos. Costumo sempre lembrar que, após a expulsão do Paraíso, os homens vivem perenemente nos limites do bem e do mal. Não por acaso Santo Agostinho afirma, na Cidade de Deus, que os Estados são grandes quadrilhas. E todos possuem tal marca. Alguns Estados, os mais próximos da democracia e da responsabilidade, proclamam leis (como a regulamentação já citada) que atenuam a corrupção. A ONU luta contra o fato, mas os resultados, até agora, são irrelevantes. O nosso remédio é lutar para que a política se torne mais controlada pelos cidadãos. E para tal fim, devemos recusar a recusa da política que nos foi inoculada desde longa data. Se a cidadania honesta não vigia a política e não age politicamente, os larápios dominam os cofres públicos e as instituições.






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Programa Roda Viva, 04/06/2007. Transcrição na íntegra da entrevista pela Fapesp.


site da FAPESP

Roberto Romano

4/6/2007

Prestação de contas do Estado, a atuação partidária e a autonomia da universidade pública são temas tratados nesta entrevista

    
     
Paulo Markun: Boa noite! No Brasil a corrupção custa um bilhão e quinhentos milhões de reais por ano, só em perdas indiretas. Em cada real desviado, um real a menos em obras públicas, saneamento básico, educação e outras tantas ações que poderiam melhorar a qualidade de vida da população. Escândalos sucessivos pioram a avaliação do país no exterior e os negócios sofrem com a falta de credibilidade. A ausência de transparência nos três poderes é apontada como um dos principais entraves no combate à corrupção no Brasil. Para o convidado desta noite do Roda Viva a solução para o final da corrupção está em uma mudança radical na estrutura do Estado brasileiro. Para debater este assunto o Roda Viva recebe Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Unicamp, Universidade Estadual de Campinas em São Paulo. O Roda Viva começa em instantes.

[intervalo]
Paulo Markun: A máxima de sempre levar vantagens custa caro aos cofres públicos brasileiros. O chamado jeitinho brasileiro atrapalha os negócios e é apresentado como um dos principais culpados pela corrupção no país. A lista de personagens é imensa e cresce a cada dia. Os mais recentes surgiram a partir da nova operação da polícia federal apelidada de “Navalha”. Uma coisa é certa, esta não será a última, outros casos de corrupção estão aparecendo e ainda irão acontecer.

[Comentarista]: Um levantamento feito pela ONG Transparência Internacional deixou claro que o Brasil não aplica recursos devidamente e ainda desperdiça verbas. Pelo índice de percepção de corrupção, divulgado no ano passado, Finlândia, Islândia e Nova Zelândia lideram o ranking como os países mais honestos numa medida que vai de zero a dez. O Brasil caiu oito posições e ocupa agora a posição número setenta com uma pontuação de apenas 3,3 pontos. O Haiti está na última colocação com 1,8 pontos. O brasileiro ficaria 23% mais rico se o país conseguisse equiparar nosso índice de corrupção ao do Chile, a nação menos corrupta da América Latina, constatou a FIESP. Parte da opinião pública só enxerga corrupção nos poderes do Estado, mas há desvios em muitas áreas. Ao pagar propina, contratar serviços sem notas e com desconto, subornar o guarda da esquina, estamos todos auxiliando a máquina da corrupção. O entrevistado do Roda Viva desta noite é o professor de ética e filosofia política da Unicamp, Roberto Romano. Ele é autor de inúmeros artigos sobre ética, democracia e direitos humanos e participou de conferências e palestras no país e no exterior sobre o tema. Romano defende alteração na estrutura do Estado para combater a corrupção. Para Romano, as mudanças deveriam começar pelo foro privilegiado para políticos. Roberto Romano considera também que a estrutura dos partidos políticos precisa mudar, já que, segundo ele, eles são fracos e altamente oligartizados.
Paulo Markun: Para entrevistar o filósofo e professor da Unicamp, Roberto Romano, nós convidamos Carlos Marchi, repórter e analista de política do jornal O Estado de S. Paulo; Alon Feuerwerker, editor de política do jornal Correio Brasiliense; Alexandre Machado, diretor de jornalismo da TV Cultura; Tereza Cruvinel, colunista do jornal O Globo; Fernando Rodrigues, colunista e repórter do jornal Folha de S Paulo em Brasília; e Carlos Graieb, editor executivo da revista Veja. Também temos a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando com seus desenhos os principais momentos e os flagrantes do programa. O programa Roda Viva é transmitido em rede nacional de TV pela TV pública para todo o Brasil. Boa noite, Roberto Romano.
Roberto Romano: Boa noite!
Paulo Markun: Eu quero saber se a situação está melhorando ou está piorando em termos de corrupção no Brasil?
Roberto Romano: É difícil porque me parece que nós temos dois tipos de abordagem possível nesse caso. O primeiro é o seguido pelos senhores da imprensa, que é, eu diria, diacrônico. A cada novo fato vem um outro fato e outro fato e outro fato, mas todos que analisam em profundidade essa questão percebem que é sincrônica. No mesmo momento que uma chamada quadrilha está operando, a outra também está. Há uma sincronia muito grande, e aí é muito difícil você julgar se a situação, em termos diacrônicos, se está melhorando ou se, em termos sincrônicos, está piorando.
Paulo Markun: Mas à parte disso há uma corrente de opinião que acha o seguinte: à medida que novos fatos ou muitos mais fatos estão sendo investigados... a situação está melhor agora do que no passado, quando era tudo isso mas não havia investigação nenhuma. Ao passo que há outro grupo de pensamento que diz o seguinte: “não, hoje tem mais escândalos porque tem mais corrupção”. Nem isso é possível mensurar?
Roberto Romano: Olha é difícil. Eu volto a dizer que é difícil porque esses dois argumentos que você levantou são argumentos muitos partidários, nós sabemos bem isso. E me parece que é preciso, nesse caso, tirar um pouco este peso do partidarismo e da ideologia. Eu acho que nós, nos últimos anos, temos discutido sempre nessa perspectiva, agora melhorou porque a polícia está investigando, naquela época não investigava. É um pouco aventureiro dizer uma coisa dessas, no meu entender.
Alon Feuerwerker: Professor, recentemente o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes abriu uma polêmica colocando que várias das ações da polícia federal, o próprio, se não me engano, falou também do Ministério Público, configuraria a uma tendência a criação de um Estado policial. Ou seja, com base na alta percepção de corrupção, como a própria abertura do programa já colocou, haveria uma demanda da sociedade por uma punição. E essa punição viria não da Justiça, mas viria dos órgãos policiais que não são órgãos destinados a punir, mas são órgãos destinados a iniciar o processo pelo qual a Justiça vai decidir se pune ou se não determinado indivíduo, ou determinado grupo de pessoas. Qual a sua avaliação? Existe o risco de se implantar um Estado policial no Brasil ou o senhor acha que o ministro Gilmar Mendes exagerou nesse diagnóstico.
Roberto Romano: Eu acho que ele exagerou. Eu não concordo com este diagnóstico, sobretudo porque no processo todo da investigação policial, você tem atuações corretas e você tem atuações que no meu entender também são incorretas. Por exemplo, invadir um escritório de advocacia e retirar documentos supostamente para resolver problemas da corrupção. Eu, nesse ponto, eu não aceito de maneira nenhuma, não posso aceitar porque preso político, no período militar, nunca aconteceu isso no escritório do doutor Mario Simas ou de outros que defendiam os presos políticos. Agora, por outro lado, o doutor Gilmar Mendes, eu acho que exagera, e aí se torna um perigo muito grande. Quer dizer, ele coloca a pesquisa, a busca de corrupção nesse nível e ficou muito claro, aí me perdoe também o doutor Gilmar Mendes, ficou muito claro que havia uma irritação dele porque havia um homônimo que a imprensa colocou. Então, eu acho que este tipo de reação, no meu entender, é extemporânea e bastante imprudente.
Tereza Cruvinel: Professor, mas o ministro Gilmar Mendes, ele se referia não exatamente à natureza das ações ou uma suposta violência, mas a uma manipulação de informações obtidas no combate à corrupção, quer dizer, nas operações da Polícia Federal, um vazamento controlado com objetivos políticos. Quer dizer, então, se nós vamos usar o combate à corrupção para travar a luta política, nós estamos caindo a um patamar ainda mais inferior, né? De conduta e de moral e de comportamento na vida pública. Se o próprio combate à corrupção vira instrumento, então, estamos piorando.
Roberto Romano: Só que aí há...[interrompido]
Tereza Cruvinel: E isso que ele chamou que é um risco do Estado de direito.
Roberto Romano: Certo, mas aí eu pediria data vênia [Com a devida vênia. Expressão respeitosa para iniciar um argumento ou opinião divergente], eu pediria desculpas ao ministro, mas o ônus probante é dele. Ele precisaria provar que efetivamente o que a imprensa traz ao público é alguma coisa que entra na luta política imediata.
Tereza Cruvinel: Mas, nós vimos, nós todos vimos que a Navalha [Operação Navalha, da Polícia Federal] vazou. Quer dizer, qualquer um que leu e acompanhou o episódio sabe que vazaram trechos seletivos daquele inquérito.
Roberto Romano: Tereza, um elemento importante da reflexão da Hanna Arendt [(1906-1975) - teórica política alemã. Sua principal obra é Origens do totalitarismo, onde assemelha, de forma polêmica, o nazismo e o comunismo como ideologias totalitárias] que me parece uma pessoa muito ponderada, é que o segredo, por excelência e por paradoxo, ele é conhecido. É ela diz isso claramente, quer dizer, quando você tem essa idéia de segredo, você quer manter o segredo a todo custo, isso efetivamente não existe. Tanto é verdade...
Tereza Cruvinel: Então, não faz segredo de Justiça, vamos investigar as claras.
Roberto Romano: Ah, então, aí ótimo porque daí, aí sim, aí sim você está...
Tereza Cruvinel: Aí também eu acho que acabou, porque segredo de Justiça não é para uns, é para todos.
Roberto Romano: Exatamente, estamos em regime de democracia.
Alon Feuerwerker: O senhor é a favor de abolir o segredo de Justiça em todos os casos?
Roberto Romano: Em todos os casos não, como, aliás, inclusive na questão da votação do parlamento, vamos abolir o voto secreto absolutamente, acho uma imprudência, mas por outro lado, a dosagem do segredo, tal como está sendo empregada pela Justiça brasileira no meu entender é excessiva. É excessiva porque justamente suscita, suscita uma série de interrogações, de dúvidas e, sobretudo, permite insinuações que precisam ser provadas.
Carlos Marchi: Professor, eu queria ir um pouco adiante nesta questão do uso da corrupção para fins políticos, como levantou agora a Tereza. Freqüentemente a gente vê que os ataques, as investigações da Policia Federal, elas pinçam determinadas situações, claro, onde aquela denúncia alcançou, mas eu me recuso a acreditar que a [construtora] Gautama seja a única empreiteira brasileira que comprou políticos ou que, enfim, deu dinheiro, ou manipulou de certa maneira as licitações. O senhor não acha que esse bem pseudo, bem nobre, o combate à corrupção, possa estar sendo manipulado para uso político e para eliminar o adversário ou para bombardear o inimigo?
Tereza Cruvinel: Ou até um concorrente comercial?
Roberto Romano: Não, Marchi, mas aí também temos que verificar a história deste país. Pelo que eu me lembro, sempre, eu tenho 62 anos de idade e lembro bem do senhor Jânio Quadros [1917-1992. Foi presidente do Brasil de janeiro e agosto de 1961, sua principal bandeira, durante as campanhas eleitorais era combater a corrupção, utilizando uma vassoura para simbolizar que iria "varrer" a corrupção], lembro perfeitamente que o golpe de 1964 foi feito contra a corrupção e contra os subversivos. Então, nós temos aí uma longa tradição, alguns chamam de udenistas, de utilizar esse fantasma, aí é fantasma da corrupção para fins imediatamente partidários, políticos etc. Mas, por outro lado, e eu volto à questão que o Paulo Markun colocou. Efetivamente, os senhores da imprensa, estão sempre procurando o escândalo e tentando verificar...
Paulo Markun: A mãe de todos os escândalos.
Roberto Romano: Exatamente.
Alexandre Machado: Mas professor, no início do programa, além dessa pergunta do Markun, houve no intróito uma menção de que a sociedade faz parte desse processo e a gente não pode nunca esquecer disso, não é? Eu gostaria de ouvir sobre isso porque quando se trata de combater a corrupção, não se deveria, além dos ajustes necessários do parlamento, além de uma série de fiscalizações, fazer que a sociedade, através da imprensa, eventualmente tenha alguma postura em relação a esses fatos. Que se deva pensar como é que a gente pode fazer para transformar nossa sociedade numa sociedade menos corrupta do que ela é?
Roberto Romano: Veja, esse é o ponto mais difícil quando se trata da questão ética. Os costumes, justamente porque se transformaram em algo automático e quase natural, os costumes são aqueles elementos mais difíceis de serem modificados. Se você pega Maquiavel, se você pega o Montaigne, se você pega o Francis [Bacon (1561-1622),  filósofo e ensaísta inglês], que se dedicaram e eram estadistas, se dedicaram a entender isso, eles disseram claramente que é o elemento mais difícil. Então, você tem uma sociedade onde impera o favor, onde impera o compadrio, onde impera a violência face a face, essa sociedade não é tão facilmente modificada. Então, esta ética da política que é uma ética muitas vezes hedionda, ela vem exatamente em cima dessa base.
Tereza Crivanel: A cultura é susceptível à corrupção, ou as instituições é que reforçam o traço da corrupção na cultura?
Roberto Romano: É um processo, é uma história desse nosso país, a maneira como a sociedade foi formada, o Estado foi formado...
Fernando Rodrigues: Professor, o senhor, voltando à pergunta do início, essa falsa questão, que os tucanos e os petistas ficam se atacando uns com os outros sobre se havia mais corrupção antes, ou se agora há mais investigação. O senhor identifica objetivamente nos últimos anos algumas mudanças que provem que, de fato, melhoraram a qualidade do Estado para combater a corrupção ou isso também é difícil de se detectar?
Roberto Romano: Veja, a Constituição de 88 deu um instrumento muito bom para a sociedade que é justamente a autonomia do Ministério Público. Essa foi, foi um grande elemento...
Fernando Rodrigues: Mas foi de 88.
Roberto Romano: Exato, desde então Ministério Público tem cumprido com sua função de uma maneira admirável com algumas exceções gravíssimas, como é o caso, aí me perdoe dizer, é o caso da perseguição ao Eduardo Jorge [ex-secretário-geral da presidência da República Eduardo Jorge Caldas Pereira no governo de Fernando Henrique Cardoso em 2000]. Certos elementos do Ministério Público, eu diria quase que, com poder novo, abusaram desse poder, mas eu não digo que sejam todos.
Fernando Rodrigues: Mas o Ministério Público é quase como um quarto poder hoje. Dentro da estrutura clássica dos três poderes, o senhor vê alguma melhora nos três poderes, judiciário, executivo e legislativo para combater a corrupção digamos, nos últimos dez anos?
Roberto Romano: Fernando, as melhoras são pontuais, mas o problema é a estrutura inteira do Estado brasileiro que dá ao executivo prerrogativas quase que ainda mantendo as prerrogativas do poder moderador. Então, é como se você tivesse um imperador que a cada período é eleito, quase sempre censitariamente, ele é consagrado por milhões de votos e dificilmente consegue fazer a tal da base parlamentar de apoio. Mas, você tem então essa assimetria, você tem aparentemente um poder público todo poderoso, mas que a qualquer momento pode ser pressionado, ou inclusive chantageado pelos parlamentares. Enquanto isso o poder judiciário, na base, tenta executar o seu trabalho, mas tem um órgão chamado STF [Supremo Tribunal Federal], e as pessoas dizem, quase que com uma desculpa, é um órgão político. É um órgão político, mas de uma maneira um pouco estranha.
Fernando Rodrigues: É o que erra por último.
Roberto Romano: Exatamente. E erra da maneira mais, no meu entender, muitas vezes desastrosa, porque o tipo de julgamento é feito de tal modo que dificilmente se restabelece, através da ação do judiciário, o famoso equilíbrio dos três poderes. Eu gosto de lembrar que o poder moderador foi guiado pelo Benjamim Constant [(1767-1830) pensador; teórico da política, escreveu Sobre a liberdade dos antigos comparada com a dos modernos, em 1819, em que contrapunha a liberdade dos indivíduos em relação ao Estado] numa linha liberal, como um poder neutro, ele seria neutro, ele teria a função de evitar os choques e as diferenças dos três poderes. E seria exercido pelo chefe do Estado, mas de maneira neutra. Aqui, em 1824, ele foi colocado como um poder superior e continua até hoje. Quer dizer, essa idéia de que o chefe do Estado tem essa supremacia na estrutura inteira do Estado. Isso é fonte de todas as crises, que no meu ver, se dão no Estado brasileiro.
Paulo Markun: Professor, o presidente do Instituto Giovanni Falcone, Walter Maierovitch quer saber sua visão sobre as partes que atuam no combate à corrupção. Vamos ver a pergunta.
[início vídeo]
Walter Malerovitch: Professor, eu gostaria, no campo da corrupção, de enfrentar o problema da corelação para vantagens indevidas entre políticos e empresários. Onde os políticos ganham cada vez mais poder e ocupam degraus importantes dentro do poder. Ao passo que os empresários recebem cada vez mais vantagens. Nesse cenário, eu gostaria que o senhor analisasse alguns atores que atuam para reprimir e para julgar. Vale dizer, eu gostaria de saber da atuação do judiciário, do ministério público, da polícia federal, dos tribunais de contas, da Receita federal?
[fim vídeo]
Paulo Markun: Uma parte o senhor já respondeu, mas sobraram atores aí, tribunais de contas, Receita Federal, por favor.
Roberto Romano: Olha, eu diria, inclusive o doutor Malerovitch é uma pessoa que eu tenho o máximo respeito. Ele deixou de lado um órgão importante, que é justamente a CGU [Controladoria Geral da União], que faz um trabalho muito bom de ir até os municípios, de maneira sorteada e não de maneira intencional, verificar o que ocorre e, inclusive, se for necessário, quando é comprovada a competência do prefeito e dos vereadores, age de maneira mais forte na comissão, e se for um prefeito que não tem, há saberes etc, há uma atitude, inclusive, pedagógica. Eu gosto muito dessa política da CGU. Agora voltando à questão desses vários atores, é muito estranho, é muito estranho que você tenha, então, em determinados momentos, uma espécie de julgamento absolutamente inflexível de determinadas pessoas e em outros momentos você tenha uma atitude um tanto quanto leniente. Isso me deixa muito preocupado.
Paulo Markun: OK, professor, vamos fazer um intervalo e voltamos dentro de instantes com o Roda Viva que hoje tem na platéia, Vera Petrilhi diretora da divisão de executivo da Jeuri, Eduardo Menutti, presidente da comissão de análise de projetos da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, Maria Del Carmem Peres Matias, diretora da Total Quality e a gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Você acompanha esta noite no Roda Viva a entrevista ao vivo com Roberto Romano, professor de ética e filosofia política da Universidade Estadual de Campinas. Pergunta de Marcelo Pasqueti de São Paulo, professor. As novas gerações entre 25 e 40 anos são mais honestas do que aquelas que estão na faixa de 40 anos para cima? Isso é verdade ou apenas uma impressão minha?
Roberto Romano: Olha, seria interessante comparar com Adão, com Adão e Eva, porque me parece que isso, mais ou menos, é exatamente igual à questão da violência. Você tem pesquisadores, por exemplo, que estudam a violência em Londres e mostram que a percepção que vai aumentando a violência não se sustenta. É uma análise séria. Assim também é a questão da corrupção. É inaceitável a corrupção, é inaceitável a violência, mas esse trabalho comparativo em cima de idéias metafísicas é um pouco complicado.
Carlos Graieb: Professor, ao lado da percepção que há muita corrupção no Brasil, existe também uma percepção de que as pessoas não são punidas, quando eventualmente são pegas no ato da corrupção. O que acontece numa sociedade em que a punição é tão difícil?
Roberto Romano: É, em primeiro lugar eu gostaria de voltar a um ponto que eu já levantei, mas que é preciso qualificar um pouco melhor. Uma sociedade tão mal construída como a nossa, onde você tem divisões de justiça, de trabalho etc, nós estamos falando antes do programa do foro privilegiado e da prisão especial, isso é um absurdo. É alguma coisa que atenta contra a idéia republicana, a idéia democrática etc. Eu não posso aceitar uma coisa dessas. Mesmo porque, em momentos tensos, como no caso da ditadura, a solução dos carcereiros era muita simples, né? O sujeito estava numa prisão fétida, mas tinha na porta uma placa de papelão dizendo “prisão especial”. Mas, essa questão da punibilidade está ligada, no meu entender, ao outro lado que é da responsabilidade. Se nós analisarmos o surgimento do Estado moderno, Estado democrático moderno no século XVII, a idéia da revolução inglesa, era idéia da accountability, que você tem que prestar contas. Não é apenas o rei, é o juiz, os deputados tinham que prestar conta no ato, porque senão perderiam o cargo. O melhor trabalho, no meu entender, nessa linha é de John Milton [(1608-1664) político e dramaturgo. Apoiou Oliver Cromwell durante a Revolução Gloriosa. Um dos seus principais livros é O paraíso perdido]. Se o rei ou a pessoa que mantém o cargo público não responde na hora ao povo soberano, perde, não tem manutenção do cargo. Essa idéia presidiu o nascimento dos Estados Unidos da América [refere-se à constituição americana] e presidiu a Revolução Francesa. Então, essa idéia não vigorou no Brasil, pelo contrário, o nosso Estado nasceu contra essa idéia, é bom lembrar isso.
Alexandre Machado: Professor, o jornalista Merval Pereira, recentemente, ele citou um cientista político, Nelson Paes Leme, que dizia que, no Brasil, maior do que o problema da impunidade, é da impunibilidade. Ele dizia, então, que um dos nossos grandes problemas é que nossos diplomas legais, os nossos instrumentos de punição, são muito superados, são, geralmente datados da época do Estado Novo. Então, você tem um código de processo penal atrasado, você tem um código penal atrasado também. Esse não seria um dos pontos a serem analisados?
Roberto Romano: Sim, também. É uma questão técnica de direito. Isso aí pode ser encaminhado, mas me parece que esta técnica de direito, todo esse trabalho está fundamentado numa espécie de edificação, uma espécie de base histórica que justamente foi feita para alegar todo este movimento da democracia moderna, enfim, dessa igualdade, dessa idéia do povo soberano.
Alon Feuerwerker: Professor, exatamente sobre essa questão, o senhor no bloco anterior afirmou que o grande problema, essa base que o senhor identifica é a prevalência excessiva do executivo, do poder executivo sobre os outros poderes. Não lhe parece que com a sucessão de crises e a sucessão de escândalos, o que está havendo é um fortalecimento cada vez maior do poder executivo, provocando diretamente um enfraquecimento do poder legislativo? Quer dizer, todos os escândalos, eles acabam sendo canalizados para o poder legislativo e o poder executivo emerge soberano sobre os outros poderes, a cada escândalo, num grau progressivo cada vez maior. Não lhe parece que essa deformação histórica da sociedade brasileira está sendo agravada nesse processo?
Roberto Romano: Eu acho que sim, eu acho que só tende a se agravar. Porque você tem o poder legislativo no Brasil que quase sempre tem a função de carrear recursos para as regiões. Nós temos oligarquias, isso existe ainda, e você tem que levar os impostos até os municípios. Bom, deputado federal, senador é aquele que traz recursos para a região e se não trouxer não será reeleito. Agora, é justamente esse grupo, essas pessoas que tentam arrancar dinheiro do cofre que se desgastam. Agora, quem tem a chave do cofre, só se desgasta se um ministro da Fazenda etc, entrar em qualquer problema nessa linha. Então, no caso do desgaste do ministro Palocci, por exemplo, foi muito evidente. Mas você tem razão...
Fernando Rodrigues: Professor, o senhor apresentou...
Roberto Romano: Me desculpe, Fernando. Você tem razão [refere-se à Alon] que efetivamente você tem cada vez mais esse reforço do poder executivo, está na lógica.
Fernando Rodrigues: O senhor apresentou algumas razões históricas para o nosso déficit de combate a corrupção, falando sobre a nação brasileira ter nascido em oposição à noção de accountability que os anglos saxões tanto prezam. Gostaria até de agregar uma outra, outro dia eu vi que no Brasil, um dos problemas é que o Estado nasceu antes da sociedade. Quando veio Dom João VI para cá, há 200 anos, se instalou antes de haver propriamente uma sociedade. Agora, eu queria jogar para frente. Como é que o senhor acha que uma nação pode então enfrentar este problema, olhando para frente? Que tipo de... quem seria a força indutora para fazer como que a sociedade adotasse esses novos valores que ela ainda não tem como costume e hábito, para atacar a corrupção?
Paulo Markun: Só queria acrescentar a pergunta de Fabio Giocondo, de Arapongas, no Paraná, que ele vai nessa direção e diz o seguinte: “Quem vai dar jeito no Brasil, Ministério Público, OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], Procon, as urnas ou o quê”?
Roberto Romano: Em primeiro lugar acho que é as urnas e junto com as urnas, partidos políticos e partidos políticos que sejam valorizados e que se valorizem, primeiro ponto. Acho que nós vivemos, é bom também recordar esse outro lado da história brasileira. Nós temos esse "apoliticismo" que é muito triste, eu diria que é hipócrita do brasileiro médio; “eu não me meto em política porque política é coisa suja”. Isso não nasceu do nada, nasceu da pregação de uma doutrina que é a doutrina positivista [positivismo] que era contrária à idéia de eleição, que era contrária a idéia de partido político, que era contrária a idéia de liberdade, tal como o liberalismo trazia e que identificava justamente no período da Revolução Francesa e Inglesa o período da metafísica e da anarquia. Então, você tem, não é por acaso que nós temos lá “ordem e progresso” na bandeira. Quer dizer, você tem uma pregação para que as pessoas não se aproximem dos partidos e isso reforça muito, no meu entender, me desculpe Tereza, só para terminar, reforça muito esse fenômeno que os cientistas políticos identificam da oligarquização dos partidos, não é?
Tereza Cruvinel: Então, é sobre isso que eu quero lhe fazer uma pergunta, professor. O Fernando lhe pergunta, como podemos reforçar o apreço da sociedade brasileira pelo conceito, por exemplo, da prestação de conta, se nós não temos essa, os instrumentos para isso. Por exemplo, a sociedade, o voto é disperso, portanto, o eleito não tem muito como prestar conta, ele não sabe nem que é o seu eleitor, porque os nossos colégios eleitorais são dispersos. Os partidos são fracos, então, os eleitos não prestam contas nem aos seus partidos e eles não tem força para cobrar. Por sinal, os eleitores, eles também não prestam contas aos seus eleitores. E aí entra de novo essa, isso que o senhor está dizendo, uma certa des-politização, um desapreço pela política em si, e neste momento um desapreço pelo conceito, por exemplo, de que a reforma política, a idéia de que a reforma política possa melhorar isso de fazer com que os partidos melhorem, ou que a relação entre os partidos e os eleitores sejam mais orgânicas. O senhor acha que a reforma política é só uma panacéia ou ela pode efetivamente trazer alguma melhora?
Roberto Romano: Olha veja, a reforma política ela pode ser apenas uma panacéia ou ela pode trazer elementos eficazes desde que acompanhados de uma valorização dos partidos políticos, mas no sentido exato da palavra. Me perdoe, mas partido político que eu conheço aqui no Brasil e que merece esse nome tem dois: o PSDB [Partido da Social Democracia Brasileira] e o PT [Partido dos Trabalhadores]. Me perdoem, com todo respeito que eu não tenho, não tenho respeito por partido que vende voto e que se vende etc, isso eu não tenho respeito, mas efetivamente você tem uma idéia da sociedade, uma idéia do Estado, um projeto para modificar e melhorar o Estado, isso é coisa de poucos. Agora, o PT por sua vez quando chega ao poder, o programa onde está? Eu acho que não é um elemento urgente dentro do PT, seria justamente rediscutir os seus pré-supostos, porque até seis anos atrás eu imaginava que o PT era um partido socialista etc etc, não é verdade? Então, isso precisa ser discutido. Discutido com a sua militância de base...
Fernando Rodrigues: Eles acham que resolveram isso com aquela tal Carta ao Povo Brasileiro, de julho de 2002.
Roberto Romano: Mas o elemento importante que eu via no PT é que era um partido de militantes, era um partido de militância de base. Se havia manipulação, essa é uma coisa que não entremos nisso, mas havia uma escuta da militância de base. Então, a carta aos brasileiros foi discutida pela militância de base? Não, isso não. Agora no caso do PSDB, eu acho que também é o caso de pensar, depois de dois sucessivos governos, o que ele está propondo para o Brasil.
Fernando Rodrigues: Mas professor, tem bases esses partidos, o PT e PSDB? O PSDB me parece claro que é difícil, no caso do PT quando a cúpula decide, está decidido. Esse caso que o senhor citou é claro. Nenhum dos dois tem uma base no sentido que possa pressionar a ter um programa como a base deseja.
Alon Feuerwerker: Só para complementar essa pergunta do Fernando, inclusive na reforma política, o que se vê é um debate, por exemplo, em torno da questão da lista fechada, ou da lista pré-ordenada como se chama, que seria o seguinte: o partido obtém uma determinada percentagem de votos, obtém as cadeiras correspondentes na câmera dos deputados e se elegem os primeiros colocados na lista que o  próprio partido definiu. Isso não reforçaria de algum modo essa oligarquização dos partidos que o senhor colocou?
Roberto Romano: Sim, sim, você tem razão, o caminho vai ser esse, justamente. Agora, o que eu queria acentuar na resposta da Tereza Cruvinel é o seguinte: quem se responsabiliza pelos negócios públicos no Brasil? É isso que eu quero saber, está claro? Quer dizer, se o partido tem um programa e se ele tem compromissos, ele tem que responder por essa corrupção, ele tem que responder por tudo isso. E nós temos na constituição, os elementos que nos conferem esse direito. Isso, me desculpem, isso aí é letra morta. Se os partidos não se responsabilizam, evidentemente, você não vai ter mudança nenhuma.
Carlos Marchi: Professor, essa mudança, ela, de certa maneira, não traz muita esperança, porque nós tivemos dois mandatos do Fernando Henrique, estamos agora no segundo mandato do Lula e nenhum dos dois mostrou o menor apetite para fazer uma reforma política. Os dois optaram por trabalhar com partidos laterais, com os partidos que o senhor disse que não são sérios.
Roberto Romano: Justamente
Carlos Marchi: Que esperança resta? Os dois únicos partidos sérios do Brasil optaram por governar os outros partidos?
Roberto Romano: Espremidos pelas conjunturas. Simples, né?
Carlos Marchi: Mas, nenhum deles tocou a reforma política, nem...
Alexandre Machado: A propósito disso, nós todos estamos conversando aqui sobre quais as possibilidades das coisas melhorarem. Agora, nenhum país é fadado ao sucesso, ou ao insucesso. E essa tentativa e essa expectativa de que as coisas melhorem, eu me associo à elas e também tenho essa esperança de que um dia ocorra, mas também pode não ocorrer, ou seja, o Brasil pode não conseguir dar um jeito nessas questões todas, que são questões que estão se arrastando por aí, seja pela falta de exercício democrático, seja pelas nossas origens, por tudo isso, nós podemos correr este risco. O senhor vê esta possibilidade, ou seja, uma possibilidade de uma piora gradativa em função da nossa incapacidade de mobilizar a inteligência brasileira, de mobilizar as forças políticas, para fazer um trabalho de faxina de boa qualidade?
Roberto Romano: Eu acho que sim, mas a questão do Alon [Feuerwerker] é bastante séria, né? Você tem essa quase que automática forma de aumentar a força do executivo. E você vai perdendo, então, essa capacidade de representação no Estado, isso me parece um negócio muito sério.
Paulo Markun: Professor, eu queria, eu queria, chamar a pergunta do presidente do conselho deliberativo do Instituto Ethos, Oded Grajew, que quer saber sobre a moralização justamente do processo político brasileiro. Vamos acompanhar.
[início vídeo]
Oded Grajew: Roberto, boa noite. Os políticos do nosso governo chegaram aonde chegaram graças ao atual modelo político brasileiro. Qualquer mudança através de medidas moralizadoras vai dificultar a carreira política desses políticos. A minha pergunta é a seguinte: se medidas moralizadoras no processo político brasileiro dependem dos políticos e da vontade política desses políticos, e vai contra os interesses destes políticos e, portanto, não são implementadas, o que fazer? Qual é a saída para moralizar a vida política no país?
[fim vídeo]
Roberto Romano: Em primeiro lugar eu respeito muito o Oded Grajew e acho que ele tem, inclusive, uma tese muito importante que é em relação à propaganda oficial. Acho que esse é um elemento que talvez moralizasse um pouco. Mas eu não aceito esta idéia de que a moralização depende dos políticos. Me parece que a moralização é apenas um aspecto e o essencial, no meu entender, é que a população se organize cada vez mais e pressione os partidos de dentro.
[  ]:Então não teremos isso nunca então.
Roberto Romano: Olha, nós temos muitos ensaios de formação de partidos políticos, alguns bem sucedidos, outros não e outros que quebraram seu compromisso consigo mesmo. Agora, isso não é conta, como diz o Alexandre, que vai ser ruim ou bom, é preciso aí uma percepção para além do realismo político. Infelizmente o Brasil adoece de realismo político. Aqui, no Brasil, não pode ter oposição, se você for oposição você perde recurso, você não leva dinheiro para a sua região.
Carlos Graleb: Isso que eu queria lhe perguntar, como é que o PT formou uma enorme coalizão de partidos para governar e os partidos de oposição, entre aspas, são dois o PSDB e o DEM? Mas é uma oposição muito tímida. Dá para ter democracia sem oposição?
Roberto Romano: No meu entender é um absurdo você pensar que é possível uma democracia sem oposição. Aliás, o PT enquanto foi oposição foi uma oposição dura, extremamente violenta, às vezes até beirando o ridículo, como naquele episódio da caneta esferográfica bic na audiência com o Malan que o senador Aloizio Mercadante [1954; economista. Senador pelo partido do PT] exibiu. Olha, não sei se lembram deste episódio, às vezes chegavam a ser ridículo, mas foi uma oposição dura. No momento que se transformou em governo, não pode existir oposição. Isso não é o produto da conjuntura, isso não é de ontem, isso é um ponto da própria estrutura do Estado brasileiro e vem já do Império. E é bom lembrar, esse é um ponto que as pessoas esquecem muito rapidamente, nós vivemos no século XX duas ditaduras imensas, em termos de tempo, de modificação de costumes para pior e muitas vezes sem combater esse aspecto da corrupção e muito corrupto que foi gestado naquele período está aí belo e formoso nos cargos e intocados.
Paulo Markun: Professor, eu queria fazer mais um intervalo e o programa volta daqui a instantes. Esta noite é acompanhado na platéia por Adelina Silveira Alcântara Machado, presidente da associação brasileira das mulheres empresárias, Joildo Barretos dos Santos, estudante universitário de Ciências da Computação e coordenador do Centro Cultural Espaço Jovem, Alexandre Capobianco, diretor da FAC, diretor do IPEC, Instituto de Pesquisa e Educação Continuada e Davi Paunovichi, assessor de comunicação da prefeitura de Itapetininga. A gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva entrevistando Roberto Romano, professor de ética e filosofia da política, autor de inúmeros artigos sobre a defesa do ensino público, ética, democracia e direitos humanos. Eu queria saber a opinião do senhor sobre a ocupação da reitoria da USP?
Roberto Romano: Aí é um fato complexo. Eu acho que não se deve ter uma opinião unilateral. Parece que, eu pessoalmente sou contra este tipo de ação, esse tipo de invasão de reitorias, prédios públicos etc, eu acho que não é bem a coisa a ser conduzida assim. Agora, por outro lado, existiram razões ponderáveis para esse tipo de resultado. Efetivamente o governo do estado, repetindo uma prática muito antiga, muito comum, dos governos brasileiros, do executivo brasileiro, definiu uma série de padrões através de uma série de decretos que, no final, ele modificou. Agora, ficou evidente, que ele confessa de certo modo que houve equívoco e houve erro da parte dele e isso toca muito profundamente na questão da constituição de 1988. Em 1988 você tem ao lado, a constituição de 88, que é uma constituição eu diria kantiana [ética kantiana], é uma constituição da autonomia. Toda a doutrina kantiana está ali posta muito claramente. A autonomia dos poderes, a autonomia dos municípios, dos estados, autonomia do Ministério Público e autonomia universitária. Só que, enquanto no caso do Ministério Público essa autonomia foi regulamentada, foi definida e terminou de ser resolvida, em parte, o ano passado, porque ainda existem problemas inclusive sendo julgados no STF, como o direito de investigação do Ministério Público, no caso das universidades não se fez nada, não se encaminhou nada e aí eu não identificaria a culpa nesse ou naquele ator, eu diria que houve, por motivos políticos, uma espécie de descaso sobre esta questão. Eu, durante anos, fui pelo Brasil inteiro conversando com reitores, com movimento docente, com movimentos estudantil e notei sempre que essa questão era colocada em último lugar ou simplesmente não era colocada. A conjuntura definia o interesse, agora nós estamos vivendo as conseqüências disso. Se você não tem uma autonomia universitária, regulamentada, inclusive definindo direito e deveres do governo etc, efetivamente você não tem muito o que fazer em momentos de crise, como esta que nós vivemos no estado de São Paulo.
Alon Feuerwerker: Professor, por que que o contribuinte paga imposto que sustenta a universidade não tem o direito de opinar, através de um governo eleito, seja o governo do Lula, do Serra, do Aécio, Olívio Dutra, qualquer governo? Porque que o contribuinte não tem o direito de opinar como é que a universidade gasta o dinheiro dela? Será que esse conceito da autonomia universitária levado ao limite, ele não é um conceito superado diante do avanço da democracia, do Estado democrático de direito, da participação das pessoas?
Roberto Romano: Em termos não, né, Alon. Veja, a experiência que nós temos é exatamente o contrário, quer dizer, você tem governos eleitos ou governos não eleitos que tentaram definir rumos para a universidade e foi desastroso. Basta lembrar a administração dos militares em relação às universidades, foi absolutamente desastroso. E mais, além disso, você tem a dita razão do Estado que, muitas vezes, dita unilateralmente o que a universidade deve fazer. É bom lembrar que no período militar a área de física era predileta dentro da universidade. Passado o período, e por motivos muito claros, bomba atômica, etc. Passado este período, você tem um investimento na química, o governo, então, tentando direcionar as pesquisas para a questão química. Atualmente é a biologia, genética etc etc. Então, você vê uma constante pressão dos governos para que a pesquisa universitária se dirija hegemonicamente para um lado ou para outro.
Paulo Markun: Por que isso é ruim?
Roberto Romano: Isso é ruim porque se você tem a idéia de universidade, você tem a própria química, a própria física e a própria biologia, não abrem mão e não podem dispensar as outras disciplinas, por isso mesmo que são universidades. Se você tem uma pesquisa privilegiada em detrimento das outras e a questão dos recursos é imediata, se você tem isso, você não tem um desenvolvimento em todas as áreas caminhando para a melhoria.
Alexandre Machado: Mas professor, o senhor não está colocando um pouco essa responsabilidade para elementos externos à universidade, enquanto que dentro da universidade também existem problemas seriíssimos, de burocratização de todos os esquemas internos, nós sabemos que muitos dos docentes terminam por dar menos aulas do que deveriam, participar menos da vida universitária do que deveriam, a renovação da universidade em relação às mudanças contemporâneas não tem sido aquém do necessário, em suma, não existe problemas também externos a essa questão da autonomia para justificar esse momento turvo da universidade brasileira?
Roberto Romano: Aí, Alexandre, eu tenho certeza que os telespectadores do resto do país me olharão com muita raiva, mas não, a situação das universidades paulistas não é a situação das universidades brasileiras. Existem pesquisas, por exemplo, feitas pela Fapesp, mostrando que de Minas até o Rio Grande do Sul, passando sobretudo pelas paulistas, nós produzimos saberes e tecnologias que nos colocam ao par da Itália, da Áustria e de outros países. Isso é um dado, então, a ciência não se faz na base do comício. Você faz ciência é com pesquisa e com inversão de saberes. Por outro lado, Alexandre, você conhece melhor do que eu isso, por que você analisa essa questão a partir do jornalismo, já se fez o levantamento do que significa o aporte, inclusive para o mercado e para a sociedade do que faz a USP, a Unesp, a Unicamp, nos últimos quarenta anos. Veja todo mundo fala da pujança do interior de São Paulo. Mas que seria esse interior de São Paulo se não existisse os institutos de pesquisas isolados, que eram ligados a USP, antigamente, que formaram a Unesp posteriormente. Então, é preciso ser um pouco justo aí com a coisa.
[  ]:O senhor acha que...
Roberto Romano: Me desculpe. No final do período militar havia, sobretudo no meio de esquerda, havia essa idéia de que a universidade era uma torre de marfim ligadas a elite etc, e que era preciso então acabar com esta situação. Esse é foi um slogan muito utilizado, mas a universidade precisa prestar contas à sociedade sim. Precisa prestar contas. Eu, inclusive, cheguei a propor em artigos saídos na Folha de S. Paulo em 97 que se criasse uma comissão de análise externa das contas universitárias constituídas pelos três poderes e representantes da sociedade e o que eu recebi dos políticos e o que eu recebi da universidade é que era mais uma proposta burocrática que deveria trazer problemas, então...
Alon Feuerwerker: Agora, porque accountability para o executivo e não accountability para a universidade?
Roberto Romano: Veja, é que tem dois momentos, tem dois momentos aí. Accountability para os executivos é prestar contas dos recursos e das obras que supostamente ele está fazendo e da ordem pública inclusive. Agora, no caso da universidade accountability significa tese, patente e produção de saberes. É assim que você mede a coisa da universidade.
[  ]: Mas prestar conta do dinheiro público...
Roberto Romano: Também, também, isso eu defendo.
Paulo Markun: Não é esse, digamos, o escopo da proposta do governo de São Paulo, que é feito com pouca habilidade?
Roberto Romano: É, mas ali havia efetivamente uma ingerência nos assuntos administrativos. Veja, se em qualquer redação de jornal, se a pessoa que é escolhida como o chefe da redação, se de repente ele é simplesmente demitido sem cerimônias, êpa, alguma coisa está acontecendo naquele jornal. Ou o dono é extremamente autoritário e violento ou os funcionários, os jornalistas, não têm força para dialogar com ele e manter alguém que foi eleito. A doutora Suely [Suely Vilella, reitora da USP e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, o Cruesp] de São Paulo, ela era uma pessoa eleita, ela tinha um mandato e foi despachada assim, que, aliás, me estranha inclusive, me perdoem a franqueza, me estranha que ela tenha aceito tão tranqüilamente uma destituição como aceitou. Eu confesso que...
Paulo Markun: Só um pouquinho Carlos, só para explicar para o público que não é daqui de São Paulo, a reitora é a reitora da USP, que tinha o cargo de coordenação.
Roberto Romano: De presidente do Conselho de Reitores de São Paulo [Cruesp].
Paulo Markun: Do conselho de reitores, que foi substituído pelo secretário do Ensino Superior.
Roberto Romano: Secretário do Ensino Superior, o doutor Pinotti [José Aristodemo Pinotti (1934-) médico e político. Foi reitor da Unicamp em 1982].
Carlos Marchi: Professor, essa questão é uma das questões mais subterrâneas que eu já vi na minha vida. Ninguém sabe o que efetivamente está em questão. É autonomia? Aí o Serra faz um decreto declaratório, então não é mais autonomia. São as reivindicações dos alunos, ou reivindicações dos funcionários? Esta semana eu conheci uma senhora que é professora aposentada da USP, da área de ciência política. Ela me disse que a questão na verdade, a questão crucial, não é nada disso que está se falando, a questão crucial é o fato da Fapesp ter ficado em uma secretaria e a universidade ter ficado em outra e isso cria um gap burocrático intransponível para a continuidade da pesquisa agregada ao ensino. Quer dizer, você teria duas contas, eu não estou me expressando bem, mas ela disse isso, uma conta numa secretaria, outra conta noutra. Essa é a questão?
Roberto Romano: Não.
Carlos Marchi: Porque isso o Serra não mudou, continua a Fapesp lá, a universidade cá.
Roberto Romano: Esta é uma das questões, inclusive a questão da própria transparência da Fapesp e da aplicação de recursos. Esse é um ponto também sério. Agora, veja, também aí, falando em accountability veja existe coisas mais graves no meu entender nessas fundações desde o CNPq, Capes, Fapesp etc, que tocam muito sério no problema da ética. Como é que você move milhões de recursos públicos com assessores anônimos.
Carlos Marchi: O senhor está dizendo que tem corrupção da Fapesp?
Roberto Romano: Não, eu não digo que tem corrupção, o que eu digo que é o procedimento do anonimato, que é chamado de ética, porque cada vez que você dá um parecer na Fapesp você tem que assinar um papel dizendo que você não vai contar para ninguém que você é o assessor. Isso chama-se ética, no meu entender é anti-ético, porque você trabalha com o dinheiro que vem do povo, que vem dos impostos e você muitas vezes não presta contas de juízos absolutamente poucos científicos ou pouco acadêmicos.
Fernando Rodrigues: Não é mais um outro argumento, a favor então, dessa decisão do governo de intervir um pouco mais dentro da administração dessas instituições?
Roberto Romano: É que ele definisse o padrão da transparência no sentido mais pleno da palavra. Nesse caso, não, você continua com esses procedimentos secretos, com esse assessor anônimo que muitas vezes decide um projeto inteiro e tem lá a idéia de que você pode fazer, recorrer contra...
Carlos Marchi: Esse parecer é definidor?
Roberto Romano: É definidor, é definidor. Sempre que você vai conversar com os responsáveis por esses trâmites, o que eles dizem imediatamente é que eles tendem sempre a aceitar o parecer do assessor. Então, esse é um ponto que merece muita discussão. Agora, dentro da universidade existe muitos problemas, isso ninguém nega, mas o que me parece que é importante é saber aquilatar o que as universidades, sobretudo as públicas de São Paulo, fizeram e que entraram no sangue do mercado, que entraram no sangue da produção desse Estado.
Carlos Graieb: Professor, no caso da USP, no que está acontecendo agora na USP, há mais de trinta dias, acho. Agora, a reitoria está tomada por alunos e funcionários e muitos professores, sobretudo dos cursos de humanas, filosofia, história, política, declararam apoio a essa manifestação, que inclusive já foi alvo de uma decisão judicial, de restituição de posse, quer dizer, aquelas pessoas teriam que sair de lá. O que é que o senhor diz aos seus colegas que prestam apoio a uma manifestação que declaradamente já deveria ter sido encerrada por decisão judicial?
Roberto Romano: Eu digo que sou contra e o que eu posso fazer? A universidade é lugar do logus, da análise, do raciocínio e não da força física. Agora, isso também configurou-se durante muito tempo com uma técnica de trabalho de grupos políticos bastante identificáveis e interessados em determinado tipo de impasse.
Carlos Graieb: Quais, por exemplo?
Roberto Romano: Se você me permite dizer, uma boa parte de grupos de esquerda. Agora, se você tem, além disso, eu acho que há uma atitude um tanto quanto oportunista. Veja a questão da autonomia universitária, se ela não foi discutida, se ela não foi regulamentada em termos federais, isso existe, o princípio na constituição, ela é alguma coisa que transcende, vai muito além do interesse político desse ou daquele grupo, desse ou daquele partido, é uma coisa muito séria. Agora, além disso, juntar 3% de aumento de salário, com mais duzentos reais, aí não dá, me desculpe, aí é trabalhar a questão do ministério como se fosse uma questão de “xepa de fim de feira”, não é assim. Eu acho que a questão exige muito mais respeito, muito mais prudência e muito mais trabalho de conhecimento, inclusive para levantar essa produção universitária que as pessoas tendem a jogar na lama. Vêm com a cobrança, mas esquecem o outro lado. Eu estava dizendo que justamente este slogan que foi originado na esquerda, eu me lembro de vários professores respeitabilíssimos que diziam isso com toda tranqüilidade, o professor Alfredo Borges é um dos que dizia que a universidade é uma torre de marfim, blá, bla, blá. Quer dizer, esse tipo de coisa tinha que passar pelo exame do real, quer dizer, quanto a economia paulista, da agricultura até a industria, recebeu do trabalho de pesquisa dos laboratórios da universidade?
Paulo Markun: Vamos fazer mais um rápido intervalo, nós voltamos em instantes com a entrevista desta noite que é acompanhada em nossa platéia por Antonio Módulo, empresário, Vininho de Morais, jornalista, Ricardo Maritan, advogado, e Gilson da Cruz Rodrigues, presidente da União de Moradores e do Comércio de Paraisópolis e coordenador do programa de alfabetização Escola do Povo. A gente volta já, já.
[intervalo]
Paulo Markun: Estamos de volta com o Roda Viva que esta noite entrevista o filósofo e professor da Unicamp, Roberto Romano. Professor, deixa eu fazer uma pergunta.
Roberto Romano: Dura?
[risos]
Paulo Markun: Não, genérica. Para que serve a filosofia hoje em dia?
Roberto Romano: Em primeiro lugar para encher a paciência do senso comum. [risos] Isso sempre foi assim. A filosofia sempre foi uma atividade de pensamento que se preocupou em questionar os saberes estabelecidos, os saberes dogmáticos estabelecidos, a começar com a ética. É por isso que o Sócrates bebeu cicuta. O povo de Atenas achava que estava tudo certo e que não cabia perguntar sobre a essência dos valores, porque os valores etc. Então, esta é a questão primeira. A segunda, ela tem, como é uma atividade de investigação de pensamento, ela tem uma série de conseqüências e de trabalhos inclusive especializados. Você tem, por exemplo, no caso atualmente você tem um projeto nos Estados Unidos e aqui no Brasil de análise da inteligência, da inteligência artificial, você tem um trabalho da lógica, você tem um trabalho do cálculo, tudo funcionando dentro dessa linha.
Paulo Markun: E faz sentido ensinar na escola?
Roberto Romano: Faz sentido sim, sobretudo, isso eu gostaria de dizer, eu acho que uma das alegrias minhas é a graduação em filosofia na Unicamp. Nós temos alunos que vem cada vez mais da escola pública, nós temos até pesquisas dizendo isso e o padrão da escola pública melhorou, isso é importante, os alunos são estudiosos, são leitores, são questionadores e gostam de fazer pesquisa, inclusive. Então, esse é um ponto que me deixa sempre contente com o fato de que a universidade pública está encontrando o seu caminho de democratização não pela demagogia, não pelo comício, mas pelo estudo, pelo trabalho.
Carlos Marchi: Professor, sem deixar a peteca cair eu quero fazer uma pergunta sobre valores. A gente, a história nos ensinou que toda vez que se limita a liberdade de expressão, isso acaba em corrupção desenfreada. E a gente tem visto nos últimos tempos que as chamadas revoluções latino-americanas tem tido um alvo, objetivo preferencial: dividir a questão de liberdade de expressão e acusar, por exemplo, a imprensa burguesa, isso aconteceu até aqui no Brasil no famigerado Conselho Federal de Jornalismo. E agora, nós temos visto isso na Bolívia, no Equador e, principalmente, na Venezuela, que chegou a ponto de cassar, tirar do ar a televisão de maior expressão. Como valor, eu queria que o senhor falasse sobre a liberdade de expressão, sobre as conseqüências destes atos revolucionários.
Roberto Romano: Olha, Marchi a primeira coisa que é bom lembrar é que pensamento se exprime na nossa língua como razão, como logus. Se você controla a palavra escrita, falada, televisionada etc, se você censura inclusive essa palavra, se você direciona através de governos, através de movimentos sociais etc, se você coloca limites para o pensamento, você está impedindo efetivamente a própria razão. Você está impedindo a própria análise, você está impedindo a percepção da realidade. Então, esse é um ponto que me parece grave. Quando alguém diz, não, mas foi só um pouquinho, é a liberdade de imprensa, a liberdade individual, os direitos coletivos são exatamente como aquela questão da gravidez, não existe semi-gravidez. Quer dizer, liberdade de imprensa tolerada ou definida unilateralmente pelo governo é uma espécie de despotismo já encaminhado. É isso me parece grave porque infelizmente a América Latina, eu digo a América do Sul, ela nasceu, pariu a modernidade a partir do século XIX contra o pensamento, contra o pensamento da liberdade e contra a democracia etc. Nós temos uma longa história de sucessivos golpes militares em todo o continente, você tem uma tentativa permanente de retirar o indivíduo da cena pública. Isso é notório, e você tem um romantismo muito mal digerido que acentua a nacionalidade, que acentua esses lados da afetividade contra o pensamento da razão. Então, eu acho que quando esses governos autoritários, no meu entender, procuram definir limites para a liberdade de imprensa, com desculpas, veja, você pode ser socialista e querer que a imprensa seja uma propriedade coletiva, um elemento coletivo, agora, se você, em nome disso, começa a retirar da imprensa existente a sua existência, você já  está desmantelando a sua imprensa, esse é um ponto. E é bom lembrar que o jornal mais mentiroso da história moderna chamava-se Verdade.
Paulo Markun: Só para fazer o papel de advogado do diabo, digamos assim, o mercado não é um controlador da liberdade de imprensa?
Roberto Romano: Pode ser, mas veja, o mercado, você tem o movimento da idéia mercadoria que é vendida, que é passada, que é assumida ou não, você tem o financiamento dessa circulação da mercadoria, e inclusive você pode, através do mercado, até impedir o nascimento da mercadoria da nova idéia, mas o governo tem a força física, tem a ordem jurídica e tem o imposto, e aqui neste país e na América do Sul os governos todos que se dizem de esquerda, de direita, de centro, abusam desses três monopólios do Estado. Então, a força física é um elemento importante, todos os senhores se lembram quando o senhor Collor de Melo mandou a policia federal invadir a Folha de S. Paulo? Isso se chama força física, quer dizer, você tem a ilusão, o desejo, a vontade de utilizar o monopólio do Estado tendo em vista as idiossincrasias do governante do momento. Então, isso é a nossa tradição e é por isso que eu fiz lembrança das duas ditaduras. Quando se fala da questão de liberdade de imprensa no Brasil, é bom lembrar que nós tivemos o DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda. Foi criado em 1939 pelo então presidente Getúlio Vargas para controlar, centralizar, orientar e coordenar a propaganda oficial, que se fazia em torno de sua figura. Abrangia a imprensa, a literatura, o teatro, o cinema, o esporte, a recreação, a radiodifusão e quaisquer outras manifestações culturais], que nós tivemos o Dops [Departamento de Ordem Política e Social, foi o órgão do governo brasileiro criado durante o Estado Novo, com o objetivo de controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime no poder. Notabilizou-se por sua ação repressiva durante o regime militar], que nós tivemos todas essas instituições, moldando inclusive a ética brasileira. Eu sempre gosto de lembrar quando alguém me pergunta: “Escuta, o que você está achando da situação do Brasil?”, eu sempre lembro daquela piada que todos vocês se lembram, “eu não acho nada porque eu tinha um primo que achava e até agora não o acharam”. Isso é bem Brasil.
Alon Feuerwerker: Agora, professor, eu tenho uma dúvida. Uma concessão de rádio ou de televisão é uma concessão dada pelo governo. A minha pergunta para o senhor é a seguinte: o governo que dá a concessão, ele deve ter o direito de não renovar esta concessão ou uma vez dada à concessão, esta concessão deve ser eterna, vitalícia, qual a sua opinião?
Roberto Romano: Minha opinião é que em primeiro lugar, a concessão, não é do governo, é do Estado,
Alon Feuerwerker: Mas quem concede é quem comanda o Estado naquele momento, que é o governo.
Roberto Romano: E justamente essa é “a boca torta pelo cachimbo”.
Alon Feuerwerker: E qual é a solução?
Roberto Romano: É a boca brasileira. A boca brasileira sempre identifica governo e Estado, e aqui no Brasil, nós pensamos sempre assim. Eu tenho colegas na universidade que nunca pensam em Estado, para eles Estado é o governo e acabou. Então, esse é um ponto, a concessão não é do governo. O Estado tem sim o direito, ele tem o direito de ter os monopólios.
Paulo Markun: Teórico, né? Direito teórico.
Roberto Romano: Teórico e...
Alon Feuerwerker: Mas como exercer este direito? Como exercer este direito? Como, na prática? Que mecanismo o senhor sugere para que se analise a renovação ou não de uma concessão de rádio ou de tv, sem parecer que seja uma coisa ditatorial e sem também implicar na perenização, na eternização, em tornar vitalício uma concessão, como resolver esse problema?
Roberto Romano: Eu acho que o problema é de ordem técnica, é de ordem jurídica e é de ordem cultural. Veja na Câmara dos Deputados. Todos já cobriram a Câmara dos Deputados na Comissão de Ciência e Tecnologia, e vocês sabem que na Comissão de Ciência e Tecnologia na Câmara dos Deputados a maior parte dos trabalhos e dos interesses é por concessão de rádio e televisão. Quer dizer, chegou-se a pensar em fazer uma sub-Comissão de Ciência e Tecnologia que tratasse de ciência e tecnologia de verdade. Então, esse é o ponto. Que dizer, tem que ser o funcionamento do Estado na sua legalidade sem esse tipo de intervenção, aí sim. Mas, na verdade, o que nós estamos discutindo? Nós estamos discutindo a intervenção do Chavez [Hugo Chavez (1954-) presidente da Venezuela] que negou a concessão da televisão venezuelana. O que ocorreu ali? Acho que no meu entender aquela televisão extrapolou, no momento em que ela aceitou difundir um golpe de Estado que foi contra a legalidade, aí efetivamente.
Fernando Rodrigues: O senhor não acha que o Estado liberal, também com as novas tecnologias, com a chegada da TV digital com a profusão de canais de transmissão e de plataformas diferentes, com Internet, já não ficou obsoleto, arcaico e que esse modelo de outorga de concessões, não seria, não haverá tanta oferta de canais disponíveis para a sociedade? Que se poderia simplesmente vender isso daí para quem quiser?
Roberto Romano: Desde que você leve às últimas conseqüências a tese de que não existe mais Estado nacional, não existe mais soberania. Se você levou isso a sério, se você diz: bom na internet não existe esse tipo de divisão de espaço e tal", aí tudo bem. Agora, o problema, Fernando, é que, embora capenga, embora com problemas e do ponto de vista do fato, você tem algumas potências políticas, no caso dos Estados Unidos da América, você tem ainda potências européias que estão tentando se unir na União Européia, que concentram nas mãos força física, norma jurídica e impostos. E essas potências garantem a vida dos seus cidadãos. Isso um juiz num simpósio de trabalho, a questão de uns dez anos atrás, um juiz especialista em questões trabalhistas dizia, colocava um problema grave, você hoje com a internet você pode ter um patrão em Moscou, outro em Salvador na Bahia e outro aqui em São Paulo. Pergunta: quem vai garantir a existência deste indivíduo?
Paulo Markun: Professor, última pergunta, nosso tempo está acabando. O senhor se define como um publicista, eu queria saber se o senhor já teve militância política partidária e como é que o senhor considera hoje a sua militância?
Roberto Romano: Como estudante, eu pertenci ao movimento estudantil e a Ação Popular, movimento da Ação Popular [AP. Organização da esquerda católica criada em 1962. Com o golpe militar, muitos de seus membros foram levados à clandestinidade. No final da década de 1960 aproximou-se do PCdoB. Entre seus militantes mais conhecidos estiveram o político José Serra e o sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho]. Na época em que eu estava nos dominicanos eu me desvinculei da Ação Popular, não entrei para o Grupo Marighella da Aliança Nacional, mas fui implicado no processo de Marighella. Eu acho que, do ponto de vista pessoal, a minha posição é defender a vida política, a dignidade da vida política, acima de tudo, contra esse tipo de ação absolutamente corrosiva dos nossos corruptos que tem seus foros privilegiados. Aliás, discutimos  pouco isso, acho que é uma das fontes da nossa situação, e você não tem, eu acho que o outro ponto essencial é a liberdade, é a luta pela liberdade do indivíduo e dos grupos. A primeira questão, então, é a liberdade de imprensa. Eu acho que é um elemento fundamental no Brasil você lutar pela liberdade de imprensa. Eu acho que a cada vez que a imprensa traz a consciência pública sobre esses escândalos que existem sincronicamente, me parece que é uma oportunidade de o povo brasileiro deixar de ser menor de idade. Eu acho que isso é um ponto importante.
Paulo Markun: Professor, muito obrigado pela sua entrevista, obrigado aos nossos entrevistadores e a você que está em casa e nós estaremos na próxima segunda-feira aqui às dez e quarenta com mais um Roda Viva. Uma ótima semana e até segunda.