Depois de
muito subestimado, Trump acabou eleito presidente dos Estados Unidos da América
contra todas as previsões de especialistas, cientistas políticos,
comunicólogos, sábios e videntes. Proclamado o resultado, videntes, sábios,
comunicólogos, cientistas políticos e especialistas tentam apagar as pegadas
erráticas, abrindo um leque de causas para o inesperado desfecho. Inesperado
para eles que pensaram ditar a realidade e induziram grande parcela da opinião
pública mundial a acreditar em suas verdades. Depois de muito subestimado,
Trump acabou eleito presidente dos Estados Unidos da América contra todas as
previsões de especialistas, cientistas políticos, comunicólogos, sábios e
videntes. Proclamado o resultado, videntes, sábios, comunicólogos, cientistas
políticos e especialistas tentam apagar as pegadas erráticas, abrindo um leque
de causas para o inesperado desfecho. Inesperado para eles que pensaram ditar a
realidade e induziram grande parcela da opinião pública mundial a acreditar em
suas verdades.A vitória de Marcelo Crivella para a Prefeitura do Rio de Janeiro
levanta questões sobre a originalidade de sua igreja, a Universal do Reino de
Deus. No artigo, é indicada a forma do catolicismo organizacional como um dos
elementos de sua baixa numérica e política na sociedade brasileira. Em
contrapartida, a estrutura da Universal, ao contrário da católica, valoriza
intensamente o leigo, o que potencializa forças políticas antes adormecidas
que, somadas ao imenso instrumental da igreja, sobretudo na mídia, ajuda a
entender a maré montante do pentecostalismo político de hoje. O Brasil nasceu
católico, mas sua forma jurídica, desde a origem, manteve o controle estatal
sobre a vida religiosa. Fomos descobertos no absolutismo, quando o poder
estatal disputou com radicalidade a soberania contra o domínio transcendente.
Estávamos na era dominada por Maquiavel e pela raison d’État. Naquele tempo, a
ética da rota respublica christiana foi posta em questão por teóricos
(Maquiavel é apenas um de extensa lista) e governantes. A Reforma traz um
complicador a mais nos elos entre mando religioso e civil. Se Lutero radicaliza
a ruptura com a autoridade visível da igreja, ele reforça o poder dos príncipes
que aderem à nova confissão. João Calvino, apesar da obediência pregada
aos crentes diante do mando civil, expõe vias para a radicalização laica e, mesmo,
democrática, da ordem política. Não é exagero dizer que boa parte da moderna
democracia tem como base a reforma protestante na vertente
calvinista. Sob o Padroado, a Coroa portuguesa faz da Igreja mero
departamento do poder civil. No Império não é diferente. Apenas com a
República, para a qual contribuiu a Questão Religiosa, o catolicismo tem certa
independência para agir no país. Mesmo assim, até meados do século 20, é
difícil separar os alvos do Estado e as sendas da Hierarquia. Antes e depois da
ditadura getulista, ocorrem conúbios entre “autoridades civis, militares,
eclesiásticas”. A meta religiosa reside na conquista do mundo moderno para
atraí-lo ao rebanho, num inaudito movimento de centralização, cujo ápice é o
Concílio Vaticano 1 e o dogma da infalibilidade papal. Os bispos percebem o
Brasil como terra a ser evangelizada. Uma das técnicas para conseguir tal alvo
consiste em impor a “soberania espiritual” ao mando secular.Tensas, as relações
entre Igreja e poder civil vivem instantes de afastamento mútuo, mesmo de
hostilidade, ou de plena concórdia. Com a ditadura Vargas ela ganha muito,
sobretudo no campo do ensino. Boa parte dos curricula oficiais, impostos ao
país, foram elaborados por bispos ou acadêmicos a eles unidos. É o caso de
Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) que molda as planilhas educacionais do
Brasil por longas décadas. Tais planilhas sobrevivem à era Vargas, à ditadura
de 1964 e mesmo ao governo civil e à Nova República. No período inaugurado pelo
golpe de 1964, alguns bispos e leigos resistem ao arbítrio, às torturas e
prisões, o que ocasiona choques com o Estado. Mas, não é possível ignorar o
acordo antes e após o coup d’État, consagrado em colaboração de hierarcas e
autoridades laicas e consignado em documentos oficiais que abençoam o regime de
força. Em determinadas situações podemos dizer, sem exagero, que as formas
estatais e católicas constituem um todo solidário. A igreja católica
percebe com maior acuidade a perda de sua força social a partir dos anos 50 do
século 20. Pensadores como o Padre Júlio Maria e Thales de Azevedo mostram o
quanto o catolicismo está longe de controlar grandes massas populares. A
proposta de tais acadêmicos e clérigos se encontra no ataque à modernidade,
cujos efeitos seriam letais ao mundo religioso tradicional. A tônica seguida
liga-se à defesa dos antigos valores, algo comum naqueles anos na
intelectualidade católica. A Revista Eclesiástica Brasileira, a Revista Vozes
de Petrópolis, praticamente todas as publicações de doutrina e proselitismo
insistem na reconquista do mundo perdido para a secularização, a maçonaria, o
espiritismo, o positivismo, o liberalismo e, last but not least, o
protestantismo. No relativo ao liberalismo, importa notar que um grande
inspirador de Carl Schmitt, Juan Donoso Cortés, é publicado pela Editora Vozes,
o Ensaio sobre o Catolicismo, o liberalismo e o socialismo, manifesto contra a
democracia e as formas seculares de pensamento político. A tônica empregada
pela propaganda eclesiástica é a de uma simbiose entre nacionalidade brasileira
e igreja católica. Em tal movimento, a palavra definitiva é a do Sumo
Pontífice: “A igreja e o Estado devem ser unidos um ao outro como alma e corpo,
que constituem no homem um todo natural”.Não é possível olvidar o papel
relevante, direto ou indireto, da LEC (Liga Eleitoral Católica) até meados do
século 20. Para ir contra as ameaças modernas, Dom Sebastião Leme instaura a
revista A Ordem e o Centro Dom Vital, em boa parte dirigido por Alceu Amoroso
Lima. Criada em 1932, a LEC busca afugentar das mentes católicas as
candidaturas aos cargos políticos de liberais, maçons, comunistas, socialistas,
espíritas, protestantes. A lista de candidatos, afixada nas igrejas e demais
espaços religiosos, serve como sinal de ortodoxia e, de outro lado, frouxidão
dos renitentes. Em 1962, a LEC assume a denominação de Aliança Eleitoral pela
Família. Assim, a atuação dos bispos e leigos católicos, para garantir a
hegemonia eclesiástica no Estado, tem muitas faces. A LEC é das mais
agressivas, pois ensaia banir da vida pública setores minoritários, numa
demonstração cabal de intolerância. Os protestantes sofrem muito com semelhante
política de exclusão. Com o Concilio Vaticano 2 ocorre em parte a mudança
de rumos eclesiásticos. Em vez de presa aos muros da tradição, a igreja tenta
se abrir ao mundo, vendo nele não um campo de morte, mas terreno a ser
preenchido pelos valores cristãos e humanos. Os documentos conciliares, em
especial a Constituição Lumen gentium mudam a perspectiva da pastoral e das
formas doutrinárias. Não mais pensada como poder que deve enfrentar o mundo com
anátemas, a igreja se percebe como peregrina no tempo, cuja orientação seria o
Eterno, mas sem descuidar da finitude, das dores e alegrias humanas. É deixada
nas sombras do pretérito a reivindicação de “soberania espiritual”, as
pretensões de usar o Estado, contra toda a crônica laica que o marca desde o
século 16, como instrumentum regni. O Vaticano 2 interrompe, pelo menos
provisoriamente, o fluxo de anátemas contra o mundo laico e as formas religiosas
que ameaçam o catolicismo.
Ditadura
de 1964 enfrenta uma igreja dividida
A forma católica tem uma lógica muito própria, que desafia os mais diferentes
pensadores. Carl Schmitt, para descrever tal lógica usa o termo “complexio
oppositorum”, porque não é possível atribuir ao todo eclesiástico uma doutrina
política única. Sua sabedoria consiste, justamente, em não sucumbir às
formações de seitas, cumprindo seu núcleo dirigente (no ápice da hierarquia) a
função de acomodar as contradições existentes na ordem interna e externa.
Sempre que um setor da igreja se pretende autônomo em relação ao todo, a
Hierarquia move correções rápidas que podem ir das admoestações à excomunhão.
Após o Vaticano 2 o catolicismo passa por forte desarrazoado sobre sua essência
e missão. Sacerdotes aos milhares, perdido o cosmos da tradição tridentina
contrária à modernidade, sentem o solo eclesiástico como problemático: nem mais
totalmente sagrado, como quer a Contrarreforma, nem secular. As práticas
litúrgicas são abaladas, formas costumeiras de piedade abolidas. Os templos
perdem esculturas sacras, a reza do terço durante a missa é proibida, novenas e
procissões suspensas. Falta ao clero, progressista ou não, saber ou prudência
antropológica e de psicologia de massas. O fiel católico passa a viver o
sagrado como algo incerto. É dada a partida para a busca de experiências
místicas outras, ou simplesmente o abandono das crenças religiosas. A
responsabilidade não reside apenas no clero laicizado. Mas, ele é importante
para a perda de solidez da fé tradicional católica. Já no Pontificado de Paulo
VI, a hierarquia eclesiástica busca moderar o impulso racionalista que toma
parte do clero e dos leigos. A Encíclica Humanae vitae (1968) dá o sinal de
alarma. Na igreja brasileira, ainda em 1968, surgem os primeiros sinais do
“freio” aplicado aos bispos, padres e leigos que radicalizam as teses
conciliares. Todo o final do pontificado de Paulo VI é hamletiano: ora pende
para o progressismo teológico e pastoral, ora ao conservadorismo centralista da
Santa Sé. A ditadura instaurada em 1964 enfrenta uma igreja dividida entre
a maioria dos antístites que apoiam o regime e a minoria que o combate. Padres
e leigos radicalizados seguem a letra conciliar, mas tal fato não basta aos
mantenedores do poder curial. Após o brevíssimo governo de João Paulo I, a
eleição de João Paulo II sinaliza um Termidor eclesiástico. O pontífice opera
uma intervenção duríssima em dioceses, seminários, instituições católicas, na
busca de orientar a barca de Pedro para um catolicismo devocional. Como Pio
XII, João Paulo privilegia a diplomacia conservadora, age com notórios
ditadores como Pinochet, une-se a Reagan e outros. Episódios como sua
participação no caso Irã-contras são reveladores do absolutismo por ele imposto
à Igreja.Some-se o desarrazoado do clero e dos leigos em termos culturais e
pastorais, à política agressivamente conservadora de João Paulo II e teremos um
desarmamento das hostes católicas em termos missionários e prosélitos. Com o
pontífice polonês, a Igreja perde suas forças progressistas, ou pelo menos elas
são silenciadas (o caso do cardeal Paulo Evaristo Arns, cuja diocese foi
dividida de alto a baixo por Woytila). O combate do Vaticano à Teologia da
Libertação consiste em uma técnica do Sumo Pontífice e de seus auxiliares (como
o Cardeal J. Ratzinger, depois Bento XVI) para impor um modelo eclesiástico
contrário ao Concílio. João Paulo II retoma o “catolicismo político” que domina
a Santa Sé e vastos setores católicos nacionais no seu trato com o Estado e a
sociedade. Em tal paradigma, interessa manter a mão segura sobre os fiéis, o
controle interno do episcopado e dos teólogos e os alvos estratégicos da Igreja
em termos planetários. É uma versão nova da antiga “raison de l’ Église” de
onde brota a própria raison d’état. Ao mesmo tempo, os católicos
conservadores não mais sentem que entre eles e o corpo eclesiástico há uma
unidade sólida, como a ocorrida no final do século 19 e inícios do século 20.
As divisões de São Pedro estão submetidas à incerteza quanto aos rumos a serem
tomados. É em tal momento que as formas protestantes, não as tradicionais, mas
as desafiantes da ortodoxia eclesial (reformada ou católica) apresentam seu
maior crescimento em setores próximos aos “negativamente privilegiados”.
Comunidades eclesiais de base
Já nos anos 60 a 80 do século passado, o frei Francisco Cartaxo Rolim, pesquisador das religiões novas e fundamentalistas do protestantismo mostra que o crescimento daqueles setores tem como premissa a ausência de muitos intermediários entre a piedade dos crentes e a ordem coletiva eclesial. Ele chama a atenção para o sentido de iniciativa, atribuído ao militante religioso protestante pentecostal, em contraste com a rigidez imposta na estrutura católica e confissões protestantes tradicionais. De outro lado, a igreja católica tenta mover seus adeptos da base para a militância com as Comunidades Eclesiais de Base. Deixando-se o desmanche de setores daquele movimento pela ação de João Paulo II (muitos animadores leigos e clérigos são perseguidos pelo Vaticano), as referidas comunidades coexistem com a estrutura antiga da igreja, estrutura vertical que privilegia os membros hierárquicos, a começar com os vigários das paróquias que acolhem as CEBs. Ao longo do tempo, tal problema é discutido nas próprias comunidades e nos estudos de intelectuais católicos. E. Hoornaert, em texto preparado para as discussões das CEBs, analisa a estrutura hierárquica da igreja, que tende a abafar a iniciativa missionária dos leigos e instâncias inferiores do clero. Hoornaert indica de modo gráfico o leigo católico no mais baixo escalão da pirâmide religiosa, ente passivo movido pelo clero:
BispoPadreLeigo
Do bispo ao leigo, o padre é uma “correia de transmissão”. Para o máximo de
atividade e iniciativa, os bispos; rumo ao mínimo, os leigos. Assim, torna-se
muito grande o risco de fazer das CEBs apenas celeiros dinâmicos de
clericalismo. Hoornaert apresenta, para atenuar tal falha, outro modelo de
organização católica. Nele temos a seguinte forma : bispoleigopadre
O padre,
então, é destituído do papel de centro religioso (o culto) para se tornar um
traço de união dos leigos com a igreja. O padre apenas articularia as relações
comunitárias. Com o advento de João Paulo II e de uma Hierarquia definida
pela raison d’État em consonância com a raison de l ‘Église (tal foi o sentido
da Realpolitik católica sob aquele Pontífice), a verticalidade que põe o leigo
no mais baixo plano da instituição é retomada com rigor. O signo eclesiástico
no Concílio Vaticano II, sob João XXIII e ainda Paulo VI, é o de uma abertura
ao diálogo com o mundo. Sob João Paulo II muros espirituais são edificados
quase ao mesmo tempo em que o Muro de Berlim é destruído. Livre do comunismo, a
Santa Sé pratica uma política diplomática de pleno acordo com as premissas de
Ronald Reagan, Pinochet e similares. Se existem teólogos e sociólogos católicos
que, ainda sob João Paulo I, sonham com uma igreja democrática ou mesmo
socialista, João Paulo II desmente tais devaneios. Com ele, o fiel volta à
passividade e toda iniciativa cai novamente nas mãos do clero e da
Hierarquia.Seria um milagre se, com tamanha perda de iniciativa dos leigos, a
igreja Católica deixasse de perder fiéis para igrejas e seitas de origem
protestante que não apenas valorizam o laicato, mas dele fazem um meio eficaz
de missão e atividade prosélita. Não é o caso, aqui, de fazer uma história do
protestantismo no Brasil. E também não há espaço e tempo para efetuar uma
crônica das igrejas pentecostais e messiânicas surgidas nas últimas décadas.
Vale refletir sobre as características de uma delas, a Universal do Reino de
Deus, instaurada por Edir Macedo. Dentre as várias confissões que ocupam a cena
política, trata-se da mais ativa e bem-sucedida. O fundador do
empreendimento tem uma história de sucessos no mercado. Em seus trabalhos
profissionais anteriores à sua vida religiosa, operou com matemática,
estatística e outros meios para aferir números sobre o social. Ele usa técnicas
eficazes de administração empresarial. Uma nota pequena, que une sentido de
oportunidade com a ocupação do espaço. Certo dia em Bauru (SP), visito a matriz
católica em dia de semana. Para chegar às portas do templo é preciso subir
muitos lances de escada. O visitante encontra a igreja fechada com cartazes
indicativos de horários para o atendimento e outros avisos. Na rua situada
atrás da sede católica há uma Universal do Reino de Deus. A casa fica no plano
da calçada, nenhuma dificuldade para o acesso. As portas abertas guardam dois
fiéis que convidam os transeuntes para a entrada. Só tal comparação mostra a
diferença entre a prática do catolicismo e a da igreja nova. Além de usar o
espaço de modo sagaz, os pastores movem crentes como pregoeiros da religião,
acolhendo todo e qualquer um dos que habitam a cidade.
Universal ataca a igreja católica
Uma
organização simples e rápida ordena a praxis dos militantes pentecostais na
Universal. A hierarquia conta com bispos, pastores, obreiros distribuídos pelos
centros urbanos, sobretudo nos que contam maior número dos “negativamente
privilegiados”, para usar a terminologia weberiana. Com agudeza de espírito,
para quem opera em país onde a desigualdade econômica e política é escandalosa,
a doutrina assumida segue a trilha da esperança na prosperidade, vinculada à
doação integral do fiel à causa da igreja. Em atos e propaganda que, para os
católicos e protestantes tradicionais beiram a simonia, a salvação, a cura, o
enriquecimento, o consumo de mercadorias caras, são prometidos desde que os
dízimos apareçam nos cofres, generosos. É como se o monge Tetzel tivesse
reencarnado hoje, em vestes pentecostais, sem nenhum Lutero para lhe fazer
frente. A Universal ataca com dureza e constância a igreja católica,
inclusive com propaganda obscena. Em programas seus de TV são trazidos testemunhos,
nunca revistos pelas autoridades civis, de supostas freiras que teriam
fornicado com padres assassinando rebentos, enterrando-os nos muros
conventuais, etc. Nota-se o abuso dos libelos muito correntes no século 18, com
imaginário escandaloso feito para persuadir os católicos de que sua religião,
além de idólatra (recorde-se o famoso “chute na santa”) é apodrecida
moralmente. Mas, a bateria de ataques não se limita ao catolicismo. Ela se
volta contra a umbanda, o kardecismo e, mesmo, outras confissões protestantes
que não seguem as palavras de Macedo. A intolerância é norma seguida por bispos
e pastores, ampliada pelos crentes. Toda intolerância é unida ao fervor, quanto
mais certeza da verdade, mais o crente assume missões de conquista e para
expulsar os diferentes. Nos últimos tempos, manifestações de intolerância
brutal ocorrem contra os seguidores da umbanda. O risco dos atos cai todo sobre
o crente, os pastores se eximem e, mesmo, lançam proclamações de inocência.
Algo similar ocorre com os supostos milagres. As delegacias de polícia
brasileiras estão plenas de boletins de ocorrência nos quais os crentes
desiludidos reclamam milagres não ocorridos, mesmo após doações, não raro de
grande porte, para a igreja. Os pastores, é quase regra, sempre afirmam ter
feito apenas uma benção e um pedido ao ser divino. O resto ficaria por conta da
fé praticada pelo crente. Um ponto grave reside no chamado “Desafio a Jesus”. O
desempregado entrega aos pastores cheques pré-datados e, assim, “desafia Jesus”
para conseguir um posto de trabalho. Casos vieram à tona de cobrança, inclusive
em órgãos de defesa do crédito, dos referidos cheques. Enfim, há toda uma
sequência de fatos que fariam as delícias de Erasmo de Rotterdam, militante
intelectual contra o charlatanismo milagreiro no Renascimento, ou de
Voltaire. Ao dar prosseguimento à tradição norte-americana do evangelismo
televisivo e radiofônico, a Universal consegue uma força expansiva incomum,
mesmo para as demais tendências pentecostais. Ao adquirir a Rede Record, um quartel
general permanente é assegurado para a pregação e ataques às demais religiões.
Gradativamente, vem à forma uma técnica usada desde tempos imemoriais para
atrair fiéis: templos cada vez mais amplos e luxuosos, verdadeiras catedrais
exibem poder e força aos crentes alistados e candidatos. O Templo de Salomão é
mimesis do que fez a igreja católica em milênios. Mas, a burocracia
simplificada e muito eficaz não deixa aqueles monumentos vazios. Eles são
usados sempre para os cultos, as pregações, a coleta dos dízimos. Com a
imitação dos grandes templos católicos, vem uma liturgia que assume sinais e
gestos oriundos do catolicismo, do judaismo, até mesmo da umbanda e do
espiritismo. Tal performance dá ao crente jejuno o conforto de encontrar
práticas por ele conhecidas, mas transfiguradas e postas como lícitas. Com o
Templo de Salomão fica patente tal escolha, pastores e bispos usam parâmentos
judaicos que recordam de modo oblíquo a filiação no novo cenáculo ao antigo,
destruído na antiguidade israelense. Macedo e assessores reintroduzem aspectos
abandonados pelo protestantismo, restaurando inclusive signos imagéticos, algo
abolido na Reforma e atenuado na igreja católica após o Vaticano II. O ambiente
do culto mostra faces do sagrado, hierofanias ocorridas nos templos da
Universal.Com tais inovações eficazes para o crescimento do rebanho, a
Universal consegue mover seus adeptos em todos os sentidos. O mais grave é o
político. Como é natural, o aumento do número de crentes com título de eleitor
atrai políticos de todos os coloridos ideológicos. Quando preso, acusado de
crimes graves, Edir Macedo tem o apoio de Luiz Inácio Lula da Silva, Aloysio
Nunes e outros que não pertencem ao espectro da direita. Mas, também
conservadores e direitistas apreciam a disciplina da igreja, a qual conta com o
sentido de iniciativa dos seguidores. Meio rápido de adquirir votos, a
proximidade de bispos e pastores ajuda políticos e igreja. Prestígio repartido,
os sucessos nas urnas trazem prosperidade a candidatos, mesmo os que não pertencem
às hostes de Macedo. Dispondo, pois, de ampla rede de TV e rádio, jornais
impressos que ampliam sua circulação em épocas eleitorais (no Brasil, quase
permanentes), além do apostolado pessoal e virtual (via internet), a Universal
é sólida base para qualquer candidatura aos cargos públicos. O partido político
que serve como braço secular da igreja é o PRB. Essa agremiação foi esteio do
Partido dos Trabalhadores nos governos Luiz Inácio Lula da Silva, quando o
vice-presidente da república pertence ao PRB, e de Dilma Rousseff. Pouco antes
do impeachment que afasta a mandatária, a Universal e o PRB rompem com o seu
governo, agraciados pela administração Temer com cargos e
benefícios. Importa sublinhar o elo entre políticos proeminentes e os
quadros da Universal. Em todas as ocasiões importantes para a igreja, líderes
de quase todos os partidos nacionais se apresentam. Nas eleições, pactos entre
bispos e pastores, com lideranças políticas, são assumidos. No primeiro dia do
Templo de Salomão se apresentam para il bacia mano praticamente todos os
poderes da república, a presidente, o governador do estado de São Paulo, etc.
Senso de oportunidade política não rende apenas para os candidatos à
permanência nos cargos ou à sua primeira investidura. A própria presença
conspícua de pessoas com prestígio amplo abrilhanta, junto aos fiéis e alheios,
a imagem de vencedora atribuída à Universal. Não tem sido levado em conta
com afinco, entre acadêmicos, o livro lançado em 2008 por Edir Macedo. Naquele
volume, que norteia os atos políticos da Universal, o autor afirma ser possível
e necessário que ela chegue à maioria dos poderes estatais. “Tudo é uma questão
de engajamento, consenso e mobilização dos evangélicos. Nunca, em nenhum tempo
da história do evangelho no Brasil, foi tão oportuno como agora chamá-los de
forma incisiva a participar da política nacional”. Dentre as teses enunciadas
por Macedo temos a seguinte: “A potencialidade numérica dos evangélicos como
eleitores pode decidir qualquer pleito eletivo, tanto no Legislativo, quanto no
Executivo, em qualquer que seja o escalão, municipal, estadual ou federal”. No
mesmo tempo em que o volume é publicado, o sobrinho de Macedo, Marcello
Crivela, se candidata à Prefeitura do Rio de Janeiro pelo PRB. Naquele ano,
havia a expectativa de aumentar consideravelmente o número de parlamentares
ligados à Universal e às igrejas congêneres. Em 2007, o PRB, de fato, é o
partido que mais cresce no país. Tal ponto concede à Universal um instrumento
eficaz de luta política.
Universal
quer a hegemonia no Estado
Assim, não surpreende que em 2016, finalmente, Crivella seja eleito para
governar a cidade do Rio de Janeiro. Ele conta com zelosa militância de fiéis
que acreditam ser a sua salvação terrestre prometida em termos de riqueza e
poder materiais. A própria estrutura da igreja os leva a uma atividade
vigorosa, ao contrário dos leigos católicos e protestantes clássicos. Além
disso, a eficaz rede televisiva e radiofônica, além da mídia impressa, é
poderoso meio de propaganda das candidaturas da própria Universal ou de
aliados. É em busca de semelhante benefício que políticos da chamada esquerda
ou da suposta direita brasileira se achegam a Edir Macedo, na esperança de
ganhar apoios tácitos e estratégicos, nos parlamentos ou eleições. Desde 2008,
a Universal conta com receituário político que ensina a chegar à hegemonia no
Estado. É a primeira vez na história brasileira que o protestantismo deixa a
condição de minoria perseguida e passa à conquista planejada e racional da
maioria para o comando do poder público. Os planos da Universal, com a
vitória de Crivella em 2016, começam a se tornar realidade. Mas, para que tal
coisa ocorra, é preciso que a igreja católica, as confissões protestantes
clássicas, as correntes protestantes de esquerda, percam seus comandados e não
apresentem alternativas à marcha pentecostal sob a liderança atual de Macedo.
Em política, como no proselitismo religioso, tudo é dinâmico. Se alguns setores
ganham potência, é porque os adversários a perdem. Tal regra, que parece óbvia,
vem do ensino do grande Maquiavel interpretado por J.G. Fichte: “quem não
cresce, diminui enquanto outros crescem”. Para que o crescimento da Universal
tenha um limite, importa aos demais setores (católicos, umbandistas, espíritas,
liberais, progressistas e outros) arregimentarem forças, imaginarem cenários
futuros e, sobretudo, se unirem não apenas no plano espiritual, mas,
principalmente, na ação política. Tal perspectiva ainda não aparece na vida
pública brasileira.