Ao
comentar a guerra no século 19, Hegel afirma que nela deixou de existir o
heroismo pessoal. A luta entre soldados assumiu plena frieza porque entre os
exércitos aumentou o papel das máquinas como os canhões, etc. Quem atira usa
aqueles instrumentos quase nunca enxerga o inimigo alvejado. Assim, as paixões
de ódio e pavor são atenuadas em proveito de um belicismo burocrático. O
retrato da guerra exposto nas “Lições sobre a Filosofia do Direito” é similar
ao produzido por outros analistas como Max Weber, ao discutir o Estado e a
sociedade civil modernos. A burocracia, ela mesma um imenso engenho mecânico,
toma conta dos atos religiosos, dos políticos e destes aos letíferos. Weber
chega a dizer, com desconsolo, que o futuro da humanidade encontra-se no ordenamento
burocrático que afasta o poder dos governantes e legisladores, juízes e
clérigos, empresários e trabalhadores.
Cito o capítulo de J.D. Moreno que
discute a mediação de instrumentos e remédios nos combates de hoje. O autor de
“Mind Wars, Brain Research and National Defense” recorda a “Ilíada” nos versos em
que Homero celebra a coragem dos heróis gregos : “Eles não lutam à distância
com arcos ou lanças, mas com uma só mente, que os prende uns aos outros em
combate cerrado com suas potentes espadas”. Assim, a valentia cede passo, pensa
Moreno, a cada nova invenção técnica, das catapultas ao
canhão, deste às bombas dirigidas por satélites. Líderes militares refratários
aos incrementos técnicos são deixados para trás, no tempo histórico. O General
Patton disse a jornalistas que a Força Aérea teria extraído dos soldados a
oportunidade heróica. Moreno deixa de indicar, mas estrategistas importantes como
Clausewitz discordam de Hegel e dos que afirmam ter a coragem e a batalha face
a face perdido lugar na guerra moderna. Mesmo hoje, uma guerra só ser dita
vitoriosa se os pés de um infante pisam o solo dos vencidos, garantindo a sua
posse permanente ou provisória.
Moreno exemplifica os riscos da
aplicação técnica de meios, sem domínio completo de todos os atos necessários
para a plena eficácia. Ele cita os terroristas chechenos que invadiram um
teatro em Moscou (outubro de 2002). As forças policiais (na verdade, forças
armadas russas) colocaram o derivado de cloridrato de fentanil pelo buraco de uma parede, para incapacitar os
sequestradores. O gás lhes causou sono, permitindo matá-los. Mas o efeito
colateral foi dramático: homens, mulheres, crianças também cairam sob a ação do
gás, gerando 128 mortes, com muitas internações mais de pessoas em estado
grave. É que os policiais que aplicaram o gás, e mesmo os que operavam o
serviço médico, não possuiam saberes e maiores informações sobre os seus
efeitos.
No mesmo tempo em que a tragédia
ocorria na Rússia, indica Moreno, a National Academy of Sciences, dos EUA,
apresentou um relatório sobre o uso militar de “armas não letais”, incluindo
“calmantes” como o referido derivado de cloridrato de fentanil. O final do
relatório diz que a Convenção sobre Armas Químicas é ambigüo o bastante, quando
se trata de armas daquele tipo. O
Pentágono assume atitude similar, afiançando que o uso daquelas armas é
decisivo para que missões delicadas sejam bem sucedidas. Críticos dos costumes
oficiais norte-americanos chamam a atenção para a perigosa proximidade entre
armas químicas não letais e letais. Muitos se interrogam sobre o uso das
últimas por ditadores que tiveram o apoio dos EUA, como Sadam Hussein na guerra
contra o Irã.
O livro de J.D. Moreno traz
informações preciosas para os que militam na defesa dos direitos civis
democráticos. Vale a pena (apesar da tristeza causada pelos números e
procedimentos analisados por ele) estudar os seus argumentos, comparando-os com
o de outros analistas de posição contrária à sua. Mas é impossível fechar o
volume sem o sombrio pressentimento de nem sempre a técnica e a ética
encontram-se no rumo de melhor a vida humana.