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sábado, 8 de julho de 2017

Revista Interesse Nacional, Roberto Romano, Favor e Corrupção

Favor e Corrupção – Algumas Reflexões Éticas

Erich Auerbach, pensador e hermeneuta do século XX, expõe sua visão da propaganda (demagógica e totalitária) na figura do palco e do holofote. Ao criticar o estilo das Luzes militantes (frases rápidas que induzem o leitor a conclusões injustas sobre indivíduos, grupos e instituições), ele recorda que o mundo humano é um imenso palco, onde inúmeras cenas surgem ao mesmo tempo. O propagandista social, político e econômico ilumina uma ou outra cena e deixa as demais na obscuridade. Quem está na plateia tem a sensação de atingir a verdade, pois a parte iluminada é verdadeira. Como, no entanto, os demais aspectos ficam no escuro, ele não testemunha toda a verdade. “E da verdade, faz parte toda a verdade”. Auerbach lembra que a busca do verdadeiro exigiria tempo suficiente para iluminar o maior número possível de cenas. “O público sempre volta a cair nestes truques, sobretudo em tempos de inquietação, e todos conhecemos bastantes exemplos disto, do nosso passado mais imediato. “Contudo, o truque é, na maior parte dos casos, fácil de ser descoberto; mas falta ao povo ou ao público, em tempos de tensão, a vontade séria de fazê-lo. Quando uma forma de vida ou um grupo humano cumpriram o seu tempo ou perderam prestígio e tolerância, toda injustiça que a propaganda comete contra eles é recebida, apesar de se ter uma semiconsciência do seu caráter de injustiça, com alegria sádica”.1A imprensa, os movimentos, os políticos e as instituições estão imersos no tempo rápido, dominado com técnica refinada pela propaganda.
No caso da Ação Penal 470, é possível notar o quão é útil a figura imaginada por Auerbach. Primeiramente, pela seleção das cenas e dos atores. Como em outros escândalos que atraíram o olhar público (desde o “mar de lama” atribuído ao governo Getúlio Vargas pela UDN ao impedimento de Collor, passando pelos “Anões do Orçamento” e similares) faz-se um recorte de atos e personagens, atribuindo-lhes todos os malefícios da República. Quem denuncia os desmandos é tido como herói sem mácula. Não se diz naqueles instantes que o ato de desmascarar, não raro, é uma forma das mais odiosas de poder autoritário e serve para esconder os intentos e atos dos acusadores. “Nada impede que o ator use uma máscara por baixo de outra” diz Elias Canetti no monumento ético e político chamado Massa e Poder. A máscara duplicada no rosto de quem aponta o dedo para os demais é “arma ou instrumento que deve ser manipulado”.2
Para compreender o processo julgado pelo STF é preciso examinar outras cenas transcorridas em tempos recuados da história ética e política. Felizmente, existem revistas como Interesse Nacional que não se pautam pelo tempo rápido e abrem espaço para considerações que exigem uma cronologia alheia à propaganda. As ações tortuosas do passado continuam a existir no presente e se instalam na maioria dos partidos políticos brasileiros. Não posso ser exaustivo. Escolho o que julgo mais grave em nossa ordem social e política. Outros analistas examinarão com argúcia e rigor vários ângulos do tema.

1 Auerbach. Erich: “A ceia interrompida” in Mimesis (São Paulo, Ed. Perspectiva, 1971), p. 352.
2 “O personagem e a máscara”, Massa e Poder (DF, Ed. Univ. Brasília, 1983), págs. 418 e 419.
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