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sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

HORROR

Professor indígena é morto a pauladas e entidade vê intolerância étnica em Santa Catarina

Polícia Civil investiga a hipótese de crime motivado por ódio racial; ele era formado em Licenciatura Intercultural Indígena da Mata Atlântica e estava inscrito para fazer doutorado

José Maria Tomazela, O Estado de S.Paulo 
 
04 Janeiro 2018 | 14h32

SOROCABA - O índio Marcondes Namblá Xokleng, de 38 anos, da etnia Laklãno-Xokleng, foi agredido a pauladas até a morte, na madrugada do último dia 1.o, no balneário de Penha, litoral de Santa Catarina. 

O indígena, que era professor formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), chegou a ser levado para um hospital, mas não resistiu. Uma câmera de monitoramento filmou a agressão, praticada por um homem que estava acompanhado por um cachorro. A Polícia Civil investiga a hipótese de crime motivado por ódio racial.
 
A Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acompanham as investigações. Para o Cimi, o crime tem relação com intolerância étnica.
     
Namblá fazia parte de um grupo de doze índios da aldeia localizada na Terra Indígena Laklãno, no município de José Boiteux, que tinha ido até o litoral para vender sorvetes. 

As imagens da câmera mostram o momento em que ele é abordado pelo homem portando um pedaço de madeira. Eles conversam rapidamente e, sem esboçar qualquer reação, o índio recebe um golpe na cabeça. Ele se curva e volta a ser golpeado. Os golpes continuam mesmo com Marcondes caído ao chão. Em seguida, o homem se afasta, mas ao perceber que o índio está vivo e tenta se levantar, ele volta até o local e o golpeia novamente.      

Pedestres encontraram o índio caído, por volta das 5 horas. Ele tinha um sangramento na cabeça e foi atendido pelo serviço de resgate do Corpo de Bombeiros. Levado a uma unidade de pronto- atendimento, em razão do estado grave, o indígena foi encaminhado para o Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí. Ele morreu às 20 horas de terça-feira,2. 

O delegado Douglas Teixeira Barroco, da Polícia Civil de Piçarras, que investiga o caso, disse ter ficado chocado ao ver as imagens da câmera. "Ele foi massacrado sem piedade. Já temos a identidade do possível agressor e esperamos encerrar a investigação a qualquer momento, inclusive para saber o motivo de um crime tão brutal", disse.

Casado e pai de cinco filhos, Marcondes ensinava a língua indígena em sua aldeia, uma das oito da terra indígena. Ele era formado em Licenciatura Intercultural Indígena da Mata Atlântica e estava inscrito para fazer doutorado. 

De acordo com uma parceira de trabalho, Janaina Hubner, o colega era evangélico e não bebia. Eles tinham vendido sorvetes durante o dia todo e, durante a noite, Marcondes saiu sozinho para ver a queima de fogos na orla, mas não retornou. No dia seguinte, os colegas descobriram que ele estava no hospital.     

O grupo, que tinha alugado uma casa no balneário, pretendia ficar no litoral até o dia 10 para complementar a renda com a venda de sorvetes. O agente da Funai em José Boiteux, Jairo Pinto de Almeida, esteve na delegacia para acompanhar a investigação e informou que a Procuradoria Federal Especializada já recebeu todas as informações sobre o caso. 
    
INTOLERÂNCIA - Em nota, o Cimi Regional Sul manifestou indignação com o assassinato do professor Marcondes e pediu agilidade nas investigações. "O Cimi Sul vem alertando, ao longo dos últimos anos, sobre a onda de intolerância contra indígenas no litoral de Santa Catarina, especialmente manifestada por autoridades municipais que não aceitam o fato de os indígenas frequentarem as praias."    

No verão, segundo o Cimi, os indígenas se dirigem ao litoral para a exposição e comercialização de seus produtos, especialmente o artesanato. "Quando prefeitos, vereadores, secretários municipais e alguns meios de comunicação passam a veicular informação ou proferir discursos contra os indígenas, uma boa parcela da população se sente legitimada a agir contra os indígenas, tentando repeli-los da região", diz a nota.

O Conselho lembra que, em 30 de dezembro de 2016, o menino indígena Vitor Kaingang, então com dois anos de idade, acabou sendo degolado por um desconhecido, enquanto era alimentado pela mãe. "Passados dois anos, a vítima, dessa vez, foi um professor indígena morto a pauladas. No entender do Cimi, há sim uma conexão entre o crime de Imbituba e de Penha porque são consequências do contexto de intolerância étnica e anti-indígena. Cabe ao poder público dar exemplo e tentar, através das redes de justiça e do direito, extirpar essa tendência racista, homofóbica e xenofóbica que avança pelo país, mas especialmente na Região Sul." 

A assessoria de imprensa da prefeitura de Penha informou que colabora com a investigação do assassinato do indígena Marcondes Namblá Xokleng e que a possível identificação do autor do crime deve acontecer com rapidez porque o município instalou câmeras de monitoramento para melhorar a segurança, o que possibilitou ter imagens do acontecido. Segundo a assessoria, os grupos indígenas são sempre bem recebidos na cidade, onde parte da população é descendente de açorianos, "com um pé na África".     

O município mantém campanhas nas escolas contra a intolerância étnica, que acontece, não apenas em Santa Catarina, mas em todo o Brasil. Segundo a assessoria, a cidade de pouco mais de 30 mil habitantes recebeu 150 mil turistas no fim do ano e há grande possibilidade de que o envolvido no crime não seja morador local.  
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