Considerações sobre o princípio ético da responsabilidade
Faculdade de Medicina, Unicamp. 11º Congresso Paulista de Educação Médica (CPEM) Unicamp. 24/04/2018 -
Prof. Dr. Roberto Romano
Ao ser convidado gentilmente para falar nesta competente e grave Faculdade de Medicina, separei vários temas trazidos pela ética, bioética, educação e política. Precisei, no entanto, efetivar uma escolha, a qual recaiu sobre a noção de responsabilidade. Tenho publicações próprias sobre o problema. Mas, sem me preocupar em ser original nos considerandos, decidi seguir extensamente trabalhos de colegas europeus sobre o tema. Os ouvintes ou leitores podem buscar a totalidade daquelas análises, mais ricas do que sugere o meu aproveitamento. A inspeção daqueles textos mostrará que deles fiz amplo uso, quase uma paráfrase, porque estou mais inclinado a com eles concordar do que discordar, dados os pontos que atraem minha atenção no delicado momento universitário brasileiro.
Sobre a responsabilidade docente.
“ O homem só pode se tornar homem pela educação. Ele só é o que dele fez a educação. É preciso bem notar que o homem só é educado por homens e por homens que foram igualmente educados. Eis porque a falta de disciplina e de instrução (...) em alguns homens faz deles péssimos educadores de seus alunos”. (Imanuel Kant, Tratado de Pedagogia). Ao discutir os “ profetas da cátedra” e o suposto direito que possuiria o professor de apresentar opiniões pessoais na sala de aula, Max Weber afirma que “a lição (Vorlesung) deve ser diferente da conferência (Vortrag)”. A primeira exige o rigor calmo, o apego aos fatos, a sobriedade. Tais itens se perdem se nela são aceitos discursos “ao estilo da opinião pública como na imprensa”. O controle externo é apropriado nas qualificações docentes especializadas. Mas “não existe qualificação especializada para a profecia pessoal” que livre os mestres do controle. Como todo mundo, eles têm outros meios para propagar seus ideais continua Weber, mas sem exigir o bastão do governante ou reformador no seu bornal. “Na imprensa, reuniões públicas, associações, ensaios, em toda avenida aberta para qualquer cidadão ele pode e deve agir como exigem o seu Deus ou demônio”. O professor deve incentivar no aluno a força de cumprir tarefas de modo correto, identificar fatos, mesmo os pessoalmente desconfortáveis, distingui-los das próprias avaliações, subordinar a sua pessoa à faina e refrear o impulso de exibir desnecessariamente o gosto próprio ou demais sentimentos.
Não é verdade –diz Weber– que uma pessoa seja ferida quando não pode mostrar a si mesma em toda ocasião. Idiossincrasias como ódio e amor precisam ser controladas no ensino da ciência. É gosto pobre misturar questões pessoais com análises especializadas. Se o culto da personalidade domina a cátedra, o ofício público se torna superficial, as consequências são nocivas. (1) O pior, no pretenso direito de professar valorações em sala de aula, é que assim ficam desacreditadas as instâncias políticas e culturais, as discussões públicas. Embora crítico de I. Kant, Weber partilha a tese kantiana sobre o uso público e privado da razão. “Por uso público da própria razão entendo o que qualquer um, enquanto letrado (Gelehrter) ([1]), dela faz perante a assembleia do mundo também letrado. Chamo uso privado àquele que alguém pode fazer da sua razão num certo cargo público ou função a ele confiada”. (2)
O professor, no uso público da razão, pode e deve se pronunciar sobre temas que movem o coletivo, governo, religião, etc. No uso privado não lhe cabe emitir juízos de valor. Um médico do SUS, um engenheiro de trânsito, um general, e todos os que movem serviços, podem e devem analisar em público o funcionamento daquelas instituições. Mas no momento em que operam como funcionários eles não podem definir normas ad hoc, oriundas apenas de seu querer, ou de seus colegas. Pelo uso público eles têm o direito de sugerir outro funcionamento, outras regras, até mesmo a ampliação institucional ou restrição. No uso privado, enquanto a própria instituição não for alterada pelo Estado com base na sociedade, cometem uma falta se negligenciam regras ou criam outras, por eles inventadas. Se desejam mudar a vida social, exerçam o juízo público, assumam os riscos das controvérsias, dos interesses contrariados, das angústias inevitáveis. Mas quando se trata de aplicar o saber no cargo, que tal coisa seja feita da maneira a mais conforme às regras de direito constitucional. O professor tem o dever de Estado de levar os estudantes aos seus próprios juízos, ensinando sobretudo os métodos de pesquisa e análise, de modo que os alunos dele não dependam para pensar.
De certo modo, o mesmo diz Hegel sobre o ensino do saber: “Quando escrevo na lousa teoremas matemáticos, não estou jogando pedras na cabeça dos alunos. Penso com os teoremas e convido os estudantes a com eles pensar”. O que mais se deve temer em sala de aulas é a invocação de valores que se digladiam na vida social. Numa sociedade moderna, ao contrário do monoteísmo, ocorre o politeísmo axiológico. O professor que assume as vestes do profeta não cumpre sua missão e, por outro lado, usurpa um mister que não lhe cabe. A sala de aula e o laboratório, não se equiparam ao palanque nem ao púlpito.
Em tal ponto entra o princípio da responsabilidade na docência e pesquisa. No pretérito, as pessoas perguntavam se a culpa pelas desgraças seria dos deuses. Hoje, elas interrogam a ciência, a técnica, os alvos humanos. A busca de culpados mostra que tais problemas são discutidos sob o signo das paixões e do medo. Para desculpar o ser divino foi criada uma doutrina teológica, a Teodicéia. Nela são discutidas questões clássicas: se Deus é bom, como pode existir o mal no mundo é uma delas. Leibniz escreveu uma Teodicéia e nela adianta que o mal é ilusão de ótica humana. Como não podemos abarcar o infinito, o vemos pelo prisma da finitude. Aí, a nossa carência ótica nos dá a falsa impressão do 4 malefício. Se bem praticarmos o cálculo, chegaremos ao resultado da nulidade do mal. Os homens teriam desculpa?
Hans Jonas reflete sobre a tragédia de Hiroshima e Nagasaki. Longe de terem sido fatalidade guerreira, tais eventos revelam horror no uso irresponsável das técnicas. Após a energia nuclear o mundo passou a ser radicalmente alterado pelos homens. O que antes era um nexo externo entre a nossa espécie e a natureza agora tem acréscimo da técnica e resulta em desastres. Daí a proposta do “princípio responsabilidade” em nova ética. O título do livro publicado por Jonas, O Princípio de Responsabilidade, à procura de uma ética para a civilização tecnológica ( 3 ), merece análise. Quando falamos em “responder”, de imediato vêm à tona formas jurídicas. Respondere no direito latino significa “garantir em troca, assegurar”. Trata-se da responsabilidade diante de alguém que possui direitos. O vocábulo se aproxima da fórmula democrática sobre a accountability. Com os Levellers do século 17, autoridades do Estado e profissionais têm o dever de prestar contas à cidadania. Os modernos Estados democráticos foram instaurados naquela base. Após Napoleão, a ordem ética arrefeceu, fortalecendo a irresponsável razão de Estado em vigor antes das revoluções inglesas do século 17 e das suas congêneres norte americana e francesa, no 18. A ética da responsabilidade é essencial na ordem efetivamente democrática de nossos dias.
Voltemos a H. Jonas. Antes das recentes inovações tecnológicas, o sujeito humano não podia alterar o mundo, apenas partes dele. Autores como Karl Marx, negaram interpretar o universo, exigiram a sua alteração. ([2]) A profecia de Marx, imoderado admirador da técnica, foi realizada na era atômica. Com ela surge enorme aporia jamais antes proposta às mentes humanas. Não se trata apenas do sentido de nossa existência, mas da própria ([3]) existência.
É possível, com o simples manejo de botão, arrancar a vida do planeta, aniquilar a Terra, torná-la totalmente outra. Não só no campo bélico se instala a busca de impor outras formas ao mundo, chegando à sua destruição. Em setores da pesquisa e da prática existe o desejo de alterar a estrutura do próprio ente humano. No controle dos comportamentos, na medicação, exercício da engenharia e medicina surgem fatos que atraem os atentos. Cito, escolhendo entre muitos, Jonathan Moreno. Especialista em bioética, consultor do Congresso e do governo nos EUA, vem dele o alerta para as vias da pesquisa, quando se tenta modificar corpos e almas visando a "melhoria" do padrão humano. Realizamos tais projetos, mas nada garante que eles estão à nossa altura, ou que temos o direito de os efetivar. ([4])
Não podemos manter atitude despreocupada diante de façanhas técnicas. Temos o dever de preservar a vida humana e a do planeta contra experimentos e aparelhos que não garantem o nosso patrimônio biológico ou espiritual. Jonas não segue Rousseau e menos ainda os ecologistas místicos. Nele não ocorrem frases ridículas sobre a "mãe natureza" ou sentenças tolas como "os terremotos e tsunamis têm origem no abuso humano". Seu diagnóstico é matizado e admite que a técnica possui valor inquestionável. O perigo reside na imprudência. Responsáveis diante de quem? Tal é a pergunta de Jonas. Não perante a natureza, pois ela não é portadora de direitos. Somos eticamente responsáveis pela nossa vida no uso dos recursos naturais. Não sendo possível interromper o movimento científico e técnico, importa lutar contra a tecnocracia. É preciso que administradores e políticos respondam diante dos governados e de toda a humanidade. Urge que eles sigam o mandamento o qual manda agir "de tal modo que os efeitos de tua ação sejam 6 compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana na Terra, durante o maior tempo possível".
Jonas não tem fé em governos que se regem pelos alvos do poder, mas interpela a responsabilidade de todas as pessoas. O imperativo categórico é universal. "A tecnologia, ao contrário da ciência, justifica a si mesma apenas pelos seus efeitos, não por si mesma e, assim, dados certos efeitos, avanços posteriores podem se tornar indesejáveis". (Jonas). Diante de situações dolorosas, a responsabilidade define tarefas para os que, sem misticismo ecológico, desejam ser sucedidos por seres humanos na partícula do universo cujo nome é Terra, "no maior tempo possível". Sem responsabilidade, morre a esperança. A noção de responsabilidade, antes do século XX, significava atribuir um ato a um agente, algo a alguém para uma sanção, negativa ou positiva. A palavra adquiriu o sentido de um encargo: indivíduos ou grupos se encarregam de outros devido à fraqueza ou dependência, próximos ou não. Temos a ideia de precaução, atenuando-se a de reparação jurídica ou religiosa. Temos o princípio da responsabilidade pelos outros. Qual é a nossa responsabilidade na vida coletiva, eis a pergunta. Segundo Jonas, ela se extende para a humanidade inteira, no presente e no futuro. Quando falamos da responsabilidade como encargo, recuperamos a noção antiga do vocábulo, grega e romana. Trata-se da solicitude para com os demais humanos, recuperar uma ordem anterior ou reparar um dano sem que o tenhamos produzido. O sentido mais amplo da noção encontra reúne dois elementos importantes: o Estado e a cultura. A responsabilidade tem dupla face: a impessoal (partilha funcional das tarefas) e a subjetiva (seres humanos vulneráveis que devo ajudar). Na primeira, assumimos ou não as tarefas a nós atribuídas e por nós aceitas. Podemos cumpri-las com competência ou imperícia, mas é a nossa função pública. Se as executamos com competência, mantemos a vida pública. Se as cumprimos de modo imperfeito, prejudicamos o Estado e a sociedade. Além da competência precisamos garantir o trato responsável diante das pessoas concretas que temos diante de nós.
Volto a Max Weber. Na sociedade burocrática, organizada de modo racional, os profissionais podem reduzir sua operação, como indivíduo ou grupo, ao funcionamento mecânico, automático. Quem assim opera segue normas e regras, by the book, sem olhar para casos singulares com maior cautela. Na sociedade e ou Estado burocratas juízes, diz Weber, operam como a máquina que distribui refrigerantes : posta a moeda, vem a garrafinha. Dita a lei, segue a sentença, sine ira et studio. O juiz máquina impõe sua figura maquinal ao cidadão sem outras considerações sobre a validade ou sentido legítimo da lei. O mesmo para profissões rotinizadas: perde-se nelas a responsabilidade pelo outro. Aplicadas as regras, tudo o mais tem valor menor. O juiz máquina perde o sentido da justiça.
O pensamento jurídico anterior ao nosso corrigia o defeito da lei mecânica com a prática da epikéia. Esta última julga caso a caso e procura verificar os motivos de uma ação errada ou criminosa. Sem abandonar a lei, ela corrige excessos ou defeitos do ordenamento normativo. Por exemplo: num convento todos os frades devem acordar as 4 da madrugada para as rezas. Mas se alguns ficam até aquela hora no estudo ou trabalho, estão dispensados do exercício coletivo. Seria legal os punir, mas injusto. É com base na epikéia que se considera, nas decisões judiciais, os atenuantes de um ato. É com base nela que se concede prêmios aos que fazem mais e melhor do que manda a lei. Prudência e precaução determinam a justiça e a responsabilidade dos agentes. Daí, seguimos para um antigo preceito ético, a liberdade em limites objetivos e subjetivos. A liberdade profissional em todo campo relevante, não consiste apenas na escolha de opções possíveis. Ela tem origem na ação válida científicamente, com a mediação de pessoas livres que devem consentir num trato. Os primeiros códigos de ética médica, por exemplo, surgem com mudanças importantes na pesquisa e no ensino, na modernidade. ( [5] ) Tais códigos são escritos por John Gregory (1725-1773) e Thomas Percival (1804). De semelhantes escritos surgem os códigos das associações médicas americana e canadense, criados em 1847 e 1867. Partindo do princípio de que a medicina seria vocação altruísta, eles insistiam sobre a partilha da responsabilidade entre médicos, pacientes, sociedade, criando uma identidade de coesão coletiva. Na época e mesmo hoje, críticos enxergam naqueles documentos algo que visa proteger os médicos da concorrência e do controle externo efetivados por leigos ou Estado. Outros os defendem, pois eles insistiriam sobre a boa moral, o saber científico, as competências técnicas e a compaixão, ordenada pelo juramento hipocrático. Os dilemas do ensino empenham numerosos atores e campos: antropológicos, doutrinários, financeiros, políticos, econômicos, sociais, éticos. Cada terreno é um leque de posições conflitantes. Na educação técnológica atual, a escolha de uma via é mais cheia de riscos do que nos tempos passados. Decidir reanimar uma pessoa queimada em demasia pode lhe trazer sequelas ou grave desfiguração. Entramos no território da antropologia, da ordem social, dos preconceitos, das doutrinas religiosas, sem falar nos custos. Reanimar um bebê de 24 semanas pode acarretar sequelas neurológicas. Conceber uma criança para salvar o irmão atingido pelo câncer, pode trazer resultados psicológicos, por ela não ter ([6]) seu nascimento desejado por si mesmo. A medicina determina os cuidados mais próprios para certo doente, em certo contexto, em tal momento, numa decisão partilhada com o doente ou seus próximos. O problema é o de permanecer humano, num procedimento científico.
Volto à sala de aula. O estudante tem o direito de ser assistido e mesmo socorrido pelos mestres. Estes últimos devem saber que excesso de confiança no próprio conhecimento pode se transformar em arrogância o trato educacional. Aí não há resposta na relacionamento, pois ocorre apenas uma fala, a do professor. A resposta com humanidade parte das pessoas –mestre e aluno– como portadoras de multiplas potencialidades, e considera os limites do ser humano, incluindo sua conivência com o pior e o melhor. Aí se encontra o terreno mais árduo do ensino responsável, o lugar onde decisões não podem ser tomadas by the book, mas exigem do profissional o maior treino para a prudência. O professor que age de modo mecânico ou pretende transformar os alunos em suas réplicas, foge da responsabilidade. O comportamento responsável adquire dimensões mais amplas do que no trato interpessoal. Hoje a técnica modela corpos, tanto de indivíduos quanto de sociedades, transforma elos sociais, traços de poder, instituições, autoridade. Nascimento e morte, casamentos, esportes, assessoria policial, escolas, atividades profissionais, tratos entre indivíduos e grupos passam por crivos psicológicos ou biológicos. Mesmo empréstimos bancários exigem garantia de vida o bastante para pagá-los, garantia dada por exames clínicos. A gestão coletiva da saúde governa a vida pública e se impõe como bem a não ser discutido. Há um ideal de peso, de colesterol, tensão, equilibrio alimentar que assume o papel de norma social. A noção de bem estar se torna imperativo moral. Não seguir recomendações médicas assume as marcas do antigo pecado. Quem fuma, come, bebe sem obedecer as normas, se torna “ responsável” por sua doença. Como diz uma especialista, Dominique Folscheid, “em vez da pessoa ser o fim da saúde a saúde passa a se tornar o fim da pessoa, no limite, a saúde é absolutizada de tal modo que não se faz mais a diferença entre o ‘salvamento’ médico e a salvação” religiosa. Tal culpabilização generaliza de modo imprudente o princípio da responsabilidade. No fim, todos são culpados e ninguém o é.
A tentação de transformar o aluno, nele inculcando os ideais do professor, resulta em desastres. Dei tais exemplos para sugerir que o aprendizado e o ensino se tornam ainda mais árduos em nossos tempos. Conhecemos tragédias recentes na história da investigação e trabalho médico, os dramas trazidos pela formação profissional competente, mas com pequeno peso da ética da responsabilidade. No plano macro, temos o triste exemplo e dos campos de concentração onde milhões foram abatidos. Daí, para os experimentos narrados por Jonathan Moreno em Risco Indevido, o passo é mais rápido. Mas a crítica de Weber aos professores que julgavam seu direito transformar a consciência dos estudantes mostrou toda acuidade nos anos duros vividos na república de Weimar. A tarefa de fazer dos alunos seguidores de crenças professorais resultou no morticínio massiço e no espetáculo tremendo de alunos e docentes queimando livros em praça pública, nos auto da fé nazistas. “Usarei meu poder para socorro do adoecido, segundo o melhor da minha habilidade e juízo; evitarei, com ele, ferir ou enganar todo e qualquer homem”, diz o juramento de Hipócrates. Tal fórmula inclui o professor em sala de aula ou laboratório. A falta de responsabilidade ética acelera a imprudência. Assim, resta a receita de Platão nas Leis, quando se trata de formar jovens dedicados a cuidar das mentes e corpos : é preciso mostrar a diferença entre a caça aos bichos e a caça aos homens. A primeira é permitida para alimento. A segunda é proibida, inclusive e sobretudo a caça ao dinheiro e à ascensão social, ou escalada política. Cabe aos magistrados e aos professores mostrar, com exemplos inequívocos, tal diferença. Aí começa a dificuldade do ensino, inclusive nas melhores instituições. Termino com o desafio de Max Weber, a diferença entre lição (Vorlesung) e conferência (Vortrag). Até onde, no desejo de transformar estudantes e neles estabelecer uma nova consciência ética os docentes podem ir, ao apresentar seu ideário sobre o mundo, a sociedade, a ciência. Não se deve impor opiniões pessoais na lição (Vorlesung) porque é preciso apresentar aos alunos o procedimento científico de acordo com o estágio em que se encontra o saber. Expostos os fundamentos, incentivar as interrogações, incertezas e certezas dos alunos para que eles encontrem, no horizonte esboçado pelo docente, o seu próprio itinerário. O mais relevante alvo do ensino, inclusive médico, é preparar estudantes para o juízo prudente e próprio, o maior esteio da ética. Já na conferência acadêmica, onde os pares que trabalham em diversos campos acadêmicos se reúnem em igualdade efetiva ou virtual, é dever apresentar novas teses, meios de intervenção, ideias, polêmicas. Sim, no exercício nas salas de aula e laboratórios, os estudantes também exercem o sentido da pesquisa e podem explorar novos aspectos de problemas. Os profissionais do ensino têm a responsabilidade grave de ponderar com eles, lhes apresentar dificuldades técnicas ou éticas sem impor ideários políticos, religiosos, ideológicos. São tarefas diante do Estado e da sociedade nas quais reside o múnus de ensinar sem moldar ou destruir consciências, o que faz dos estudantes autômatos que aprendem a seguir receitas by the book. Tal alvo não pertence à periferia do ensino, mas ao seu núcleo mais espinhoso.
[1] Max Weber: Wissenschaft als Beruf, 1917-1919, Politiks als Beruf 1919. (Tubingen, J.C. B. Mohr, 1994) p. 109 e ss. 2 I. Kant: « Resposta à pergunta: O que é o esclarecimento? ». Textos seletos – Edição Bilíngue. Trad. Raimundo Vier; Floriano de Sousa Fernandes. (Petrópolis: Vozes, 1985).
[2] “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diversas maneiras, mas trata-se de transformá-lo”. “Die Philosophen haben die Welt nur verschieden interpretiert, es kommt aber darauf an, sie zu verändern”.
[3] Existem várias traduções, a mais acessível é a norte-americana : The imperative of responsability, In search of an ethics for the Technological Age (Univ. of Chicago Press, 1985).
[4] Cf. Jonathan M. Moreno : Mind Wars, brain researche and National Defense e também Undue Risk, secret experiments on humans. Sobre os mesmos temas, cf Hans Jonas : "Philosophical Reflections on Experimenting with Human Subjects" in Daedalus, vol. 98, 2 1969, pp. 219-247). 6 Sobre o assunto, cf. Jerôme Goffete: “Modifier les humains, anthropotechnie versus médecine” in JeanNoel Missa e L. Perbal (coord.) “Enhancement” éthique et philosophie de la médecine d´amériolation (Paris, Vrin, 2009).
[5] Éric Gagnon e Francine Saillant, “Sources et figures de la responsabilité aujourd´hui” revista Éthique publique vol. 6, numero 1, 2004. https://journals.openedition.org/ethiquepublique/2064
[6] 8 Heather MacDougall, PhD, and G. Ross Langley, MD : L’Éthique Médicale d´hier, d´aujourd´hui et de demain, localizável no endereço eletrônico seguinte : pdfall.com/.../Telecharger_PDF_7.php?
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