ENTREVISTA
Diálogo é a única forma de mudança, diz Roberto Romano
Para professor, em meio à
crise política atual, é preciso o esforço para ouvir o que o outro tem a
dizer e não se entrincheirar nas próprias conviccções
Publicado em 21/05/2017, às 09h59
Roberto Romano lamenta a falta de renovação na política e cita a função da sociedade e dos partidos em criarem novo líderes
Marcio Fernandes/Estadão Conteúdo
No mês em que Michel Temer
completou um ano à frente da Presidência, uma nuvem de denúncias,
gravações comprometedoras e delações abateu-se sobre seu governo. Nem
mesmo o trauma do impeachment foi capaz de frear os atos de corrupção.
Doze meses se passaram, mas a sensação é a de que não houve nenhum
avanço ético.
Em entrevista ao JC, o doutor em filosofia e
professor de Ética Política da Unicamp Roberto Romano faz um diagnóstico
rigoroso da falta de ética na vida pública. Ele prega o diálogo como
único caminho para mudança. Nas palavras dele, é "única maneira de você
encontrar um ponto de vista alheio e repensar o seu". O professor também
comenta outra ferida aberta no Brasil que é a ausência de novas
lideranças políticas.
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JORNAL DO COMMERCIO - O presidente Michel Temer chegou no
governo há um ano vendendo a ideia de que era a solução para pacificar o
País, aprovar reformas... Tudo aquilo que a Dilma teve muita
dificuldade de fazer no segundo mandato. Hoje, seu governo está
encurralado. A sociedade ou os políticos não aprenderam nada com todo
este trauma?
ROBERTO ROMANO - Em toda crise política, social,
econômica e, sobretudo, ética não há saída que não seja traumática. Os
socráticos definiam a crise como aquele instante em que você está para
morrer ou para se recuperar. Então, é um momento delicado e que exige
muito. Se não for feito um esforço muito grande, não dá para sair de
crise nenhuma. Evidentemente as medidas a serem tomadas são aquelas que
rompem com aquilo que levou à crise. Se você não tem procedimentos
traumáticos você não rompe com o habitual. Você tem uma prática ética
brasileira da troca do favor, do jeitinho, do ?é dando que se recebe?.
Nesses últimos dias, o presidente Temer acentuou essa prática aumentando
o número de verbas para deputados, senadores e perdoando dívidas de
municípios e Estados. A crise ética precisa receber duchas frias.
Precisa receber choques para que ela se mostre na sua mentira e
nocividade que nos abala. Tudo que pudermos fazer para trazer traumas de
consciência para sociedade nós temos que fazer. Manifestações públicas
na praça, artigos na imprensa, discussão na internet. Mas discussão de
verdade, porque muitas são ataques mútuos, que não levam a nenhuma
mudança de consciência. Quando você tem esses xingamentos na internet,
?coxinha?, ?petralha?, simplesmente nada foi trocado, nada foi mudado. O
diálogo é a única maneira de você encontrar um ponto de vista alheio e
repensar o seu. Aí temos condição de mudar.
JC - Houve avanço ético na política ou na sociedade desde o impeachment?
ROMANO - Não houve progresso ético desde o
impeachment. A situação do Estado continua a mesma. Nós estamos vivendo
exatamente como vivemos nos séculos XIX e XX inteiros. Vivemos em uma
sociedade não igualitária, não democrática, não atenta aos direitos
humanos. Veja o que tem acontecido em relação aos direitos indígenas,
aos direito humanos, aos homossexuais. A reinterpretação que tem sido
proposta para a Lei Maria da Penha. Vemos uma sociedade violenta que é
regida por um Estado violento, que abusa da força física e dos impostos,
não presta contas a ninguém. Do ponto de vista ético, você precisa
mudar esse script. Quando você se torna um espectador da vida política
você vai se envenenando cada vez mais da sujeira da política. E, ao
invés de tomar uma atitude positiva de fortalecimento do corpo e da sua
alma, você vai cada vez mais adoecendo de pessimismo.
JC - O senhor vê um vazio de lideranças no Brasil? Esta
semana ventilou-se a renúncia de Temer e eleição indireta, mas faltaram
nomes.
ROMANO - Quando você tem um não empenho na política,
você não vê a renovação nas lideranças. Não tem ninguém. Há 25 anos,
por exemplo, você tinha lideranças nacionais consideráveis, como Mário
Covas, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Tancredo Neves e Ulisses
Guimarães. Eles eram respeitados, discutidos, debatidos e tinham
capacidade de liderança. Hoje o que você têm? Tem o Lula com os 30% de
índice de popularidade e é o nome mais conhecido no País. Se você vai
para Rio Branco e fala do (João) Dória ou do (Geraldo) Alckmin ninguém
sabe. O PT, com essa posição de promover só o Lula, também não criou
lideranças nacionais.
JC - Em meio às denúncias contra Temer, ganhou força o nome
da presidente do STF, Carmem Lúcia, para uma eventual eleição indireta.
Qual sua avaliação?
ROMANO - Vai ser um desastre. Um desastre para ela,
para a Justiça e para o País, porque a presença dela vai tornar a
relação do poder Executivo com o Judiciário extremamente ambígua. Ela
vai ser puxada para o olho do furacão.
JC - Em meio à essa falta de nomes, começam a surgir nomes
como Bolsonaro e Dória. O senhor acredita que a figura do ?outsider?
possa faturar em cima desse vazio de lideranças?
ROMANO - Pode prosperar, sim, mas com uma
dificuldade maior, porque com a prisão do João Santana o reino do
marketing político, que era irrestrito no Brasil, desidratou. Você tinha
a oportunidade com o marketing de criar um mundo de fantasias e
ilusões. Gente como Dória, que diz que não é político, está se
preparando para se vender como sabonete, naquela estratégia de marketing
tradicional. Mas eles não vão ter nem dinheiro para pagar a propaganda
que o Duda Mendonça e o João faziam, porque a situação mudou. Para se
ter ideia do desarrazoado de ideia e da falta de liderança é o fato de o
Luciano Hulk ser cogitado. Há 10 anos isso seria piada de mau gosto,
agora o Fernando Henrique diz que é algo a ser pensado.
JC - Há alguma lição que podemos tirar em meio a todo esse conflito ético?
ROMANO - Acho que é possível. Como nunca, a imprensa
tem cumprido seu papel e esse já é um dado positivíssimo, porque é um
antídoto contra posições autoritárias. Você tem sinais de que a
cidadania não está disposta a ficar naquela posição de espectadora.
Começou a funcionar, de uma maneira mais eficaz, procedimentos legais
que foram impostos pela multidão de brasileiros, como a Lei da Ficha
Limpa e a da Transparência. Se nós não tivéssemos a Lei da Transparência
muito seguramente o ministro Fachin teria demorado para liberar aquela
investigação que tem causado tanta dor de cabeça hoje. Agora o mais
urgente é uma Constituinte para desenhar de novo o Estado brasileiro e a
política, porque do jeito que está não tem saída. É preciso que
deixemos de ser espectadores da ordem política e nos tornemos atores
dela. Esse é o elemento fundamental.
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