Música e política.
Roberto Romano
Um lugar comum da filosofia política é o símile entre
cidade e ordem musical. Na Renascença, François Hotmann usa as imagens antigas
da harmonia para descrever o governo desejável. As figuras, como é previsível
em alguém nutrido pelo pensamento antigo, são extraídas de Platão e de Cicero.
Hotmann cita “a bela passagem” ciceroniana sobre o bom tempero musical do
governo cuja fonte, afiança, é a República de Platão (escrita, diz Hotmann, com
maestria na lingua grega “en si bons termes, qu’ il ne soit possible de lui
donner une telle grace en la notre”) na qual o filósofo diz : os que tocam
instrumentos musicais ou cantam em várias pessoas, “seguem certa medida e
ressoam um canto harmonioso, mistura de vozes diversas reunidas e concordes, as
quais se chegam a se fragmentar um pouco apenas e sair do tom, fazem mal aos
ouvidos dos que as ouvem. E no entanto aquela harmonia só vem da perfeita
consonância, bem acordada, de vozes diferentes.” De modo idêntico, segue
Hotmann, “no governo da coisa pública, composta de pessoas de alta, média e
baixa qualidade, quando as diferentes partes se unem, se ligam e se incorporam,
não existe harmonia tão musical, nem melodia melhor acordada. A concórdia
procede da união, caridade e mistura dos cidadãos da mesma urbe, como se fosse
uma forte corrente e rija, para garantir o estado de uma coisa pública que não
dura muito tempo sem justiça”.
Não apenas no lado protestante e rebelde à corte, ao
qual pertencia Hotmann, foram postos em movimento doutrinas e saberes sobre a
ordem musical de mundo e política. Entre 1564 e 1566 a rainha regente, Catarina
de Medicis, e seu filho rei Carlos tentaram por todos os meios pacificar o
Estado e a sociedade. Eles viajaram pelo interior da França buscando apaziguar
os ânimos e cooptar novos aderentes para a corte. Mas a paz de Amboise, compromisso
instável entre governantes e rebeldes que durou quatro anos, foi rompida em
setembro de 1567 pelo príncipe Condé, protestante e líder dos reformados. O príncipe
temia que Filipe 2, localizado próximo
da fronteira entre Países Baixos e França para reprimir a revolta local,
entrasse na França para apoiar Catarina de Médicis e vencer os protestantes.
Foi tentado o rapto do rei. Além dos motivos religiosos para o ato, alvos políticos
foram expostos, como o pedido de convocação dos Estados. A revolta de Condé vai
de 1567 a 1569 e foi tratada como a anterior guerra do “Bem Público” de 1465,
derrotada por Luis 11. Catarina venceu batalhas militares contra Condé. O
movimento inteiro dos nobres protestantes era político e religioso, na
tentativa de enfraquecer a Igreja Católica e a presença espanhola na política
interna da França. As sedições levadas pelos huguenotes conseguiu o afastamento
de Miguel de l ‘Hospital em maio de 1560. A liderança militar dos reformados
era mantida por Gaspar de Coligny. Editos de tolerância nada valeram e não
trouxeram paz à França, católica ou protestante. O edito de Saint Germain
ofereceu aos huguenotes a liberdade de consciência, o culto por eles praticado
antes das lutas e quatro cidades armadas (La Rochelle, Cognac, Montauban. La
Charité). Assim, o rei reconhecia o partido da Reforma como potência militar
autônoma e não apenas como uma dissidência religiosa. O sonho da harmonia política
sob o rei se desfazia a cada instante. O monarca não mais garante a segurança
geral da França.
Apesar desse fracasso, o campo noético da França, no
relativo ao monarca, acentua a doutrina platônica, ou neo platônica, que afirma
a hierarquia política (constante nas doutrinas do neo platonismo, em especial
pela antiga tradição que passou por Santo Tomás de Aquino, de Dionísio o pseudo
areopagita) e a idéia de harmonia. A corte de Carlos 9 nutriu pensadores que
assumiram a exigência de hierarquia na ordem pública e de harmonia no reino,
devida à pessoa do monarca. Em 1570 Carlos 9 incentiva a fundação da Academia
de Música. Fundada por Jean-Antoine de Baïf em aliança com Ronsard e outros,
seu objetivo era compor música segundo o modelo antigo e “acordar”a poesia com
a música, conjugando sílabas francesas e notas. Assim, pensavam eles, seria
possível atingir uma harmonia perfeita, concebida como fundamento do universo e
da alma, prelúdio para o domínio das paixões humanas.
É com esse horizonte que o rei tenta, a partir da Paz
de Saint-Germain, controlar a ordem política na França. Na tentativa de pacificação
interna (que dera a Coligny lugar no Conselho de Estado), o casamento de
Margarida, filha de Catarina, com Henrique de Navarra, líder dos protestantes
depois da morte de Condé, serviu mais para erguer protestos de ambas as partes,
a católica e a protestante, do que para definir uma paz duradoura e profunda.
As coisas assumem rumo incontrolável com a tentativa de assassinato de Coligny
por incitamento do duque Henrique de Guise.
Com essa situação insustentável, Carlos 9 e sua mãe
tentam o golpe de Estado conhecido como a Noite de São Bartolomeu. Contra o
golpe se levantam, como previsível, os protestantes e seus intelectuais.
Hotmann será um deles. Dentre as fontes explícitas de Hotmann surge Platão nas
Leis (sobretudo o livro III). A concórdia entre os humanos, a tolerância diríamos
se estivéssemos no século 18, só é possível se os legisladores tiverem como
referência o modelo musical.
Faço uma diversão
em nosso tema, para adiantar alguns pontos importantes ao assunto. A figura da
pacificação trazida pela música seguiu sua trilha até os nossos dias. No século
19 ela vigorou entre os românticos, teóricos e poetas. Shelley (1) resume o
ponto ao enunciar que “o homem é um instrumento sobre o qual uma série de
impressões internas e externas são conduzidas, como as alternâncias de um vento
sempre mutável numa harpa eólica, que a move por seus movimentos numa sempre
mutável melodia. Mas existe um princípio no ser humano, e talvez em todo ser
sensível, que age de modo diverso do que ocorre na lira, e produz não só
melodia, mas harmonia, por um ajuste interno dos sons e movimentos que excitam
as impressões que os excitam”. (2)
O tema banal da harpa eólica se relaciona com a fábula
da estátua egípcia do jovem Menão, onipresente na literatura romântica. Menão
seria o filho de Titonius e Aurora morto na guerra de Tróia. Seu túmulo seria
frequentado por um pássaro. Na poesia de Erasmus Darwin, “a gigantesca estátua
de Menão no seu templo de Tebas, tinha uma lira em suas mãos que, muitos
escritores críveis nos asseguram, ressoa quando o sol nascente nela bate”. (3)
Entre o delírio dos apreciadores de ópio e do retorno à natureza, na qual
brotaria a música melodiosa da concórdia comunitária, contra a via moderna e ao
maquinismo da sociedade e do Estado, temos, portanto, as doutrinas humanistas
de vários matizes, da Renascença ao século 18.
Montesquieu é escritor estratégico quando se trata da
harmonia dos poderes estatais e das leis. Ele se refere à música e aprecia a
sua função pública na política, moral e ideológica. No capítulo oitavo do livro
IV (Espirito das Leis) são analisadas a força e a importância da música como
instituição política da Grécia, tendo como base Platão e Aristóteles.
Montesquieu explica, sem demasiada
originalidade é certo, o quanto importa dar aos cidadãos um ofício que tempere
a educação demasiado bélica. A música deveria “amansar os costumes” porque “de
todos os prazeres dos sentidos, nenhum corrompe menos a alma”. O filósofo
retoma o tema dos poderes morais da música. (4)
Catherine Kintzler, em belo artigo sobre o tema, passa
rápido em demasia pelas teses de Montesquieu. No livro 4, capítulo oito
citados, o filósofo trata de um paradoxo grego quando trata da música e dos costumes. Em primeiro
lugar ele cita Políbio e Platão, sempre no sentido de se providenciar a atenuação
da ferocidade guerreira. “Platão não teme dizer que não é possível modificar
alguma coisa na música sem que mudanças ocorram na constituição do Estado”.
Depois ele cita Aristóteles, Teofrasto, Plutarco, Estrabão, afirmando que o elo
da música com as leis e costumes “é um dos princípios de sua política”. A
partir daí, temos uma análise, de fundo econômico e social, que tenta explicar
o vínculo entre música e legalidade. Nas cidades gregas, sobretudo as dedicadas
à guerra, os trabalhos destinados ao ganho de dinheiro eram indignos do homem
livre. A democracia manteve aquele veto. E foi apenas “pela corrupção de
algumas democracias que os artesãos chegaram à cidadania. É o que Aristóteles
informa e sustenta : uma boa república jamais lhes dará o direito de cidade”. A
agricultura era própria dos servos, dos povos vencidos (Ilotas em Esparta, Periécios
em Creta, Penestas na Tessália). Todo comércio baixo era infame, pois nele um
cidadão servia um escravo, um locatário, um estrangeiro. Donde, adianta
Montesquieu, um problema sério: seria preciso que os cidadão fossem ocupados, não
se apegassem à preguiça. Mas eles não poderiam comerciar.
Logo, a ginástica e a guerra eram muito próximas. A
sociedade grega seria uma espécie de clube de atletas e guerreiros. Tal ocupação
torna os indivíduos duros e selvagens. Ela precisa ria ser temperada pela música
e por outros afazeres. A música, por si só, não amansaria os costumes, mas ela
atenuaria a ferocidade. Ela ajudaria a alma a sentir ternura, doce prazer,
piedade. Existe, no trecho, um aguilhão contra o pensamento à moda de Rousseau
: “Nos autores de moral, que, entre nós, proscrevem tão fortemente os teatros,
nos fazem sentir bastante o poder da música sobre as almas”. Mas porque,
interroga Montesquieu, escolher a música para amansar os costumes ? “De todos
os prazeres dos sentidos, nenhum deles corrompe menos a alma. Enrubescemos ao
ler em Plutarco que os tebanos, para amansar os costumes de seus jovens,
estabeleceram por lei um amor que deveria ser proscrito por todas as nações do
mundo”. (5)
Mas não apenas Montesquieu prestou atenção aos
conceitos éticos sobre a música, engendrados pelos filósofos gregos. No Dicionário
de Música (verbete “Música”) Rousseau afirma que “a música era muito estimada
pelos povos da antiguidade, principalmente pelos gregos, e esta estima era
trazida pela potência e efeitos surpreendentes que eles atribuíam a tal arte.
Seus autores não acreditavam dela nos fornecer uma idéia demasiado grande, nos
dizendo que ela era usada no céu e que ela a principal diversão dos deuses e
das almas bem aventuradas. Platão não teme dizer que não pode existir mudança
na música que não cause outra na constituição do Estado, e pretende ser possível
assinalar os sons capazes de fazer nascer a baixeza da alma, a insolência, e as
virtudes contrárias (…) a música integrava o estudo dos antigos pitagóricos.
Eles a usavam para excitar o coração tendo em vista ações louváveis e para o
inflamar do amor da virtude. Segundo tais filósofos, nossa alma era formada,
por assim dizer, apenas de harmonia, e acreditam restabelecer, por meio da
harmonia sensual, a harmonia intelectual e primitiva das faculdades anímicas;
ou seja, a que, na sua opinião, nela existia antes que animasse nossos corpos e
quando ela morava nos céus”. (6)
Apenas para não ficar nos poucos exemplos do
romantismo, entre os pensadores situados no século 18, citemos Diderot. Poderíamos
falar bastante sobre o elo entre harmonia, sociedade e poder estatal no Enciclopedista. Basta que recordemos o Sobrinho de
Rameau. Mas no pensamento de um
adversário maior dos enciclopedistas, inimigo de Rousseau, encontramos o panegírico
da harmonia para determinar a natureza, a sociedade e o Estado. Trata-se de
Jean-Philippe Rameau. O século 18 se define, normalmente, pelo classicismo,
quando mais apropriado seria dizer que nele percebemos os derradeiros passos do
barroco. A polifonia é criticada naquele tempo, sobretudo a propósito da opera.
Como adianta uma analista da música no século das Luzes, não seria possível
para as mentes cartesianas do período aceitar ser possível executar várias
coisas ao mesmo tempo. “Se as vozes apenas se repetem, não existe interesse; se
dizem coisas diferentes, é uma cacofonia incompreensível”. (7) A música como
finalidade em si mesma é algo difícil de ser compreendido no século 18. Ela é
pensada no conjunto dos costumes, da ordem política, religiosa, etc. Em tal
contexto ela ainda é utilizada para a entender a noção de mimesis. E aqui as
doutrinas gregas sobre a música mostram importância estratégica nos séculos 17
e 18.
Descartes, Mersenne, Kircher e outros conheciam
rudimentos da música na Grécia antiga, como aliás também antes deles os
mosteiros beneditinos. Tanto o Dictionnaire de Musique de Rousseau quanto a Enciclopédie
diderotiana abrem caminho para o elo da música moderna com a antiga. Segundo Béatrice
Didier, surpreende o número de informações sobre a música grega em Rousseau.
Este último teria ensaiado aprender a lingua tendo em vista preparar seus
artigos de música para a Enciclopédie. (8) Para os filósofos das
Luzes, a Grécia teria sido a primeira terra a possuir um sistema musical
coerente, embora não o mais antigo, pois tal elemento seria próprio do Egito.
Alguns, no entanto, defendiam ser a China o lugar onde a música surgiu com
anterioridade. O artigo “Música” da Enciclopédie enuncia que os
antigos “diferem muito entre si sobre a natureza, o objeto, a extensão e as
partes da música. Em geral eles davam à palavra um sentido muito mais extenso
que o de hoje. Não apenas sob o nome de música eles compreendiam (…) a dança, o
canto, a poesia; mas até a coleção de todas as ciências. Hermes definiu a música
como o conhecimento da ordem de todas as coisas, esta era também a doutrina da
escola de Pitágoras e a de Platão, os quais ensinavam que tudo no universo era
música. Segundo Hesíquio os atenienses davam o nome de música a todas as
artes”.
A música, para boa parte dos pensadores no século
dezoito seria uma arte da totalidade. “O teatro grego seria justamente este
espetáculo completo”. A Opera florentina se inicia com o modelo do teatro grego
no qual “as tragédias eram cantadas” (Rousseau, “Fragmentos de Observação sobre
Alceste …de Gluck”). (9) Segundo Rousseau o grego, ritmado pela alternância de
longas e breves, já era musical e na música ”as medidas eram apenas fórmulas e
ritmos fornecidos para todos os arranjos das sílabas longas ou breves, e pés
suscetíveis à lingua e à poesia. De modo que, embora possamos distinguir muito
bem no ritmo musical a medida da prosódia, a medida dos versos e a medida do
canto, não podemos duvidar que a música mais agradável ou a melhor cadenciada
seja aquela na qual estas tres medidas concorrem unidas da maneira mais
perfeita possível”. (Escritos sobre a Música)(10)
Importa entender o sentido amplo da palavra “música”
dos antigos ao século 18, para não cairmos na esparrela do romantismo e de seus
representantes tardios como R. Wagner, sobre a ”obra de arte total”. (11)
Segundo este último, tal prática seria “novidade” sua, obra de seu gênio. No
entanto, basta abrir os textos da renascença, como os de Hotmann, para nos dar
conta da amplitude do termo e da coisa para os pensadores que produziram antes
do século 19. Segundo Condillac “a palavra música compreende não só a arte que
ela designa em nossa lingua, mas ainda o gesto, a dança, a poesia e a declamação.
A tais artes reunidas, pois, é preciso relacionar a maioria dos efeitos de sua
música e desde então eles não surpreendem” (Ensaio). (12 ) Mesmo o grande
inimigo do teatro, Rousseau, exclui a tragédia grega da condenação geral
emitida na Carta a D’ Alembert sobre os Espetáculos. Naquelas peças canto e
palavra seriam unidos, o que se perdeu com a degradação da sociedade. A degradação
da música, aqui, tem o sentido que lhe foi dado por Platão na República e nas
Leis.
A questão da harmonia é essencial naqueles textos, e
assim eles foram percebidos na renascença e na idade moderna. Ao analisar o
pensamento musical e metafísico de Rameau, (13 ) Catherine Kintzler diz que o
compositor “não contente por ter submetido a música a um modelo matemático (…)
empreende uma cruzada teórica cujo fim confesso é ‘abrir caminho’ alí onde
reinava a obscuridade, empreende uma cruzada teórica para estabelecer a música
no centro e no topo do saber. A música não poderia ser uma disciplina
subordinada. Ela deveria se tornar a rainha das ciências”. Desde 1750 Rameau
diz que a música pode ser vista como “o espelho da natureza na parte científica”.
Logo ele inverte o papel da música e da matemática, pois no seu entender a
segunda deve ser submetida à primeira. A música se transforma em princípio
universal de inteligibilidade. A música encarna o fundamento material de toda
verdade. É dela que as demonstrações matemáticas extrairiam sua certeza. Assim,
a harmonia musical deve ser levada a sério: “não existem obras da natureza ou
da arte na física ou moral, que não sejam suscetíveis do termo harmonia
universal, harmonia celeste, harmonia do corpo humano, harmonia em pintura,
arquitetura, harmonia do governo, etc. Se perguntarmos aos pintores o que
significa acordar um quadro, veremos que é contentar o olho o que se faz em música
para contentar o ouvido para chegar à justeza exata e rigorosa e sensível da música,
a qual parece nos ter sido concedida pela natureza como o tipo sensível do que
deve estar em proporções, ou seja, de toda a perfeição”. (14 )
Entremos no vivo da questão, com a fonte referida em
quase todos os autores renascentistas ou dos séculos 17 e 18, para determinar a
amplitude da música como perspectiva universal que engloba as artes e a política.
Refiro-me naturalmente a Platão nas Leis, sobretudo no livro terceiro. Sem
ignorar os conhecimentos do leitor sobre os escritos platônicos, peço vênia
para resumir os pontos essenciais daquele texto. A pergunta inicial fornece
todo o movimento do escrito: qual poderia ter sido a origem da sociedade política?
(676 a). Para encaminhar a pesquisa, o ateniense propõe um ponto de partida, o
que determina como os Estados caminham tanto no sentido da virtude quanto no do
vício. E vem a proposta de recuar a tempos sem limites, seguindo as mudanças
ilimitadas ocorridas naqueles tempos. Assim, trata-se de investigar o tempo no
qual os Estados se organizaram em sociedades políticas, tempo que deve ser concebido,
o que não é fácil, porque faltam meios para o fazer. Tal tarefa é árdua e sem
instrumentos eficazes. A dificuldade de semelhante tarefa a torna ἀμήχανος (sem
esperança, impraticável). Durante aquele tempo milhares e milhares de Estados
foram constituídos e na mesma proporção, milhares desapareceram. Tais Estados
conheceram todas as espécies de organização política. Eles não passaram de
pequenos a grandes e de grandes a pequenos? Está posta aqui, desde já, o
problema do crescimento do Estado, com o imperialismo. Falaremos do ponto mais
tarde. Tal mudança quantitativa (maior/menor) tem seu correlato na qualidade:
as organizações seriam piores ou melhores, mudando de sentido com o tempo.
Trata-se, pois de captar a causa (palavra que vem de αἴτιος, o responsável, o
culpado) de semelhantes modificações.
O tempo incomensurável, no entanto, e as mudanças
qualitativas que ele encerra, poderia ser examinado, para se descobrir alguma
verdade, segundo as tradições arcaicas sobre os eventos ocorridos. O termo empregado
por Platão agora é παλαιοὶ λόγοι (os ditos primeiros, muito antigos). As
narrativas rezam que os homens sofreram graves cataclismos (dilúvios,
epidemias, etc) que só deixaram subsistir uma parte deles. No dilúvio, por
exemplo, os pastores das montanhas teriam escapado em pequeno número. Eles
seriam ignorantes do resto das técnicas (que não o pastoreio) quanto das
maquinações (μηχανῶν, plural, feminino, no genitivo vindo de μηχανή,
instrumento, astúcia) usadas pelas pessoas das cidades umas contra as outras,
para ter mais bens do que os demais (o termo é pleonexia) para ser mais
importante que eles (o termo agora é philoneikia, amor da vitória sobre os
demais, o que leva ao significado de sectarismo, partidarismo, etc) sem falar
das safadezas (κακούργημα, truques baixos, fraudes) usadas por uns contra os
outros.
As cidades situadas na planície e beira mar foram
inundadas e destruídas e com elas os instrumentos bem como as descobertas de
valor implementadas pelas artes, sobretudo a técnica politica e demais saberes
(sophias). Aqueles saberes ficaram escondidos, até que Dédalo as revelou em
alguma parte, Orfeu em outras e Palamedes ainda outras no domínio musical.
Marsyas no Olimpo e depois Anfião quanto à lira e outra infinidade de inventos,
os quais, podemos dizer, datam de ontem ainda.
Após a destruição, a humanidade vive num estado terrível
de solidão, em imensas extensões de terra desolada. Morreu a maioria dos
animais, salvo talvez pequenos rebanhos de chifre, sem dúvida cabras,
insuficientes para nutrir os sobreviventes. E da organização política e das
leis, nada sobrou. Nada restou também da virtude em abundância e da
perversidade idem. Os homens ignoram “as belas coisas da vida citadina”, na
virtude e no vício. Com o tempo e o aumento da espécie humana, tudo chegou à
situação presente. O provável é que as mudanças se tenham ocorrido
gradativamente. Descer dos montes para a planície seria, para todos os
sobreviventes, motivo de um terror que ressoava em suas almas. Como seu número
era pequeno, sentiam alegria no encontro com os semelhantes. Mas os
instrumentos de comunicação desapareceram com as demais técnicas, os que teriam
sobrado, estavam gastos. Para ter novamente tais comodidades, foi preciso muito
tempo.
Sem instrumentos que possibilitam os encontros, é
menos importante a dissenção (στάσις) e a guerra (πόλεμος). Isolados, os homens
tem prazer de se encontrar, com sentimentos de benevolência mútua. Como eram
poucos não precisavam brigar pela comida, roupa, utensílios, etc. Eles eram
pobres e não tinham motivos para as lutas. “Uma comunidade (συνοικία) na qual não
comungariam a riqueza ou pobreza, é nela que se realizaria o a mais alta (γενναιότατα)
nobreza ética. Nela não existiria desmesura (ὕβρις) , injustiça (ἀδικία), nem
inveja (ζῆλοί) ou rivalidade (φθόνοι )” .
Aqueles homens teriam bondade de coração (εὐήθεια) e o
que lhes era dito belo ou feio, o consideravam assim e se conformavam pois
nenhum tinha o talento de suspeitar a falsidade. Eles viviam de acordo com o
que lhes diziam sobre os deuses e os homens. Eles ignorariam os processos e
dissenções, artes que consistem em maquinar (μηχανή) engodos em palavras e atos
injustos, para se aproveitas uns dos outros. E como eles precisaram de leis e
legisladores ? Se eram bons, não precisavam de leis. Eles não tinham escrita,
mas por costume (ἔθεσι) as normas (νόμοις) eram as legadas pelos seus
antepassados (πατρίοις).
Assim, eles dariam o nome de “ hereditariedade”(δυναστείαν)
ao poder político, forma que ainda hoje existe entre gregos e bárbaros. Eles não
precisavam de assembléias, pois cada chefe dava a lei para as crianças e
mulheres. Com o aumento das pequenas comunidades primitivas, cada qual com seus
costumes e devido ao seu isolamento recíproco, cria-se uma grande comunidade,
composta das pequenas, e cada representante vinha à grande comunidade com as
suas leis próprias, deixando de lado as leis das outras comunidades. Eles
escolheriam para representá-los os que mais identificados fossem com os
costumes e leis de sua comunidade, a tribo. Eles recebem o nome de
legisladores, instituindo magistrados para trabalhar com o que se poderia
chamar de rei, se definindo algo como um governo dos melhores (ἀριστοκρατία).
Uma terceira forma, é analisada depois da dinastia e
da aristocracia. Tróia, ao deixar as alturas se estabeleceu numa grande e bela
pradaria, sobre uma colina pouco elevada em cuja vizinhança corriam belos rios.
Com os tempos, os seus habitantes esqueceram o dilúvio. Outras cidades foram
iniciadas, que conduziram expedições contra ela. Os aqueus passaram dez anos
diante dela a pudessem conquistar. Enquanto isso, nas cidades dos atacantes
surgiam sedições fomentadas pelos jovens. Estes, quando os guerreiros voltavam,
não os acolhiam como o devido, nem mesmo com justiça, mas com assassinatos,
banimentos, degolação. Os que foram assim tratados mudaram seu nome. De aqueus
eles passaram a se chamar dórios, pois Dorieus reuniu aquela gente. Esta é a
história dos espartanos.
Toda a questão das leis surgiu, diz o ateniense, de
uma digressão sobre a música e a embriaguez. Na via seguida, chegamos ao
estabelecimento de uma população em Esparta, que teria sido um estabelecimento
perfeito, o que nos leva até Creta, que tinha leis irmãs à de Esparta. Com a
digressão, foram examinadas três formas políticas, que se sucederam no tempo
imenso. Estamos diante de uma quarta, ou povo. Nos coloquemos nos tempos em que
Esparta, Argos, Messena estavam sob o domínio dos ancestrais. Em Argos, agora
independente do todo, Temenos se tornou rei, Cresfontes em Messena, Procles e
Cresfontes em Esparta.
Um triplo juramento ligou cada um das três realezas
aos três Estados, juramento conforme as leis instituídas para regular as relações
dos governantes com os governados. Os primeiros se empenhariam a não, com a
passagem do tempo, e de sua linhagem, fazer uso excessivo da força no uso de
sua autoridade; os segundos, fortalecidos pelo juramento solene dos
governantes, se comprometiam a nunca fazer algo para derrubar a realeza, nem
abandoná-la aos que, no estrangeiro, desejariam derrubá-la. O juramento
serviria para ajuda mútua entre reis e povos vitimas de injustiças. Um conselho
prudencial para os legisladores : eles deveriam fazer leis que pudessem ser
acolhidas de bom grado pela massa popular. Como os professores de ginástica e
os médicos devem colocar algum prazer nos seus cuidados.
Entramos agora no ponto mais delicados das leis e da
ordem política: o econômico que implica a propriedade. O ateniense diz que para
estabelecer a igualdade (o termo de origem é ἰσότης, igualdade) entre os cidadãos,
seria preciso que se efetivasse de modo conveniente a regulamentação da
propriedade fundiária. Também seria preciso regular as dívidas, liquidando-as.
Quando um legislador deseja mudar algo neste campo, todos se levantam contra
ele e alegam que não se deve mexer no caso. E chegam imprecações contra os que
propõem uma nova partilha das terras e modificações nas dívidas, de modo que
tais problemas, para qualquer legislador, definem uma aporia (ἀπορία ).
Em Esparta, no entanto, graças à excelente distribuição
das terras e da pouca importância das dívidas, não havia lugar para as competições
invejosas. Como se deu então a quebra nos elementos constitucionais? Desde que
os três estados foram constituídos politicamente, dois deles logo irão
corromper (διαφθείρω, fut.) sua organização interna e suas leis, um só,
Esparta, permaneceu fiel.
Enquanto a constituição dos três Estados era mantida,
havia segurança para cada um deles e para todo o Peloponeso. Isto ocorre à
semelhança do que se deu com Tróia, arrogante por confiar em demasia no poder
dos Assírios. O que subsistia do prestígio daquele império era algo considerável.
Como ainda hoje tememos (φοβέω) o Grande Rei, as pessoas daquele tempo temiam a
reunião de povos agrupados sob uma única autoridade. Tróia tomada pela segunda
vez, havia ali havia alí pelos Assírios (a cidade integrava seu império)
poderosa queixa contra os gregos. Contra tal ameaça, os gregos acreditavam que
constituindo um só exército, repartido pelos três Estados sob a autoridade de
três irmãos, eles teriam um arranjo para suas forças que as faria superiores às
que estavam presentes na expedição contra Tróia. Tal organização, o poder nas mãos
de uma só família, parecia durável aos gregos. Mas a esperança mostrou-se vã.
Uma parte se colocou em guerra contra as demais.
Qual a causa da ruptura desastrosa? Todos os homens
possuem um comum objeto de desejo, tudo o que ocorre deve ocorrer conforme as
exigências de nossa alma, de preferência tudo sem exceção, pelo menos tudo o
que pertence à ordem humana. E o que pedimos nas orações, pedimos também aos
que amamos. Um filho, no entanto, pode pedir aos deuses algo do qual seu pai
pediria exatamente o contrário, quando se trata de um pedido desarrazoado. As
preces devem ser dirigidas para o que é razoável. O legislador deve seguir este
princípio. Ele deve estabelecer tendo em vista a virtude que comanda a tudo, o
pensamento refletido (φρόνησις ) a inteligência (νοῦς) a opinião (δόξα) com o
amor (eros), com o desejo ( ἐπιθυμία) que concorda com as primeiras atividades
de nossa alma. Platão diz que enuncia em forma de brincadeira ( παίζω) com o
que deveria ser assumido com sério (σπουδάζω) ( ) e vice versa. Para quem é
desprovido de inteligência, é arriscado usar a prece, pois pode ocorrer o contrário
do que se pede. A causa da ruína das realezas dóricas não está em algum medo
mas no fato de que na guerra eles não souberam dizer quem deve mandar e quem
deve ser mandado. A causa está na sua ignorância sobre o que mais importa nos
assuntos humanos.
O legislador deve se esforçar na imposição ao Estado
de toda prudência (φρόνησις) possível, purgando-o de sua desrazão (ἄνοια) tanto
quanto estiver em seu alcance. Qual a ignorância visada? A produzida quando
tendo julgado bela uma coisa, ou boa, não a amamos e pelo contrário, a odiamos.
E quando amamos e procuramos o que consideramos perverso e injusto.
Tal discordância entre pena e prazer de um lado, e de
outro entre a opinião razoável é a suprema ignorância e maior porque ela é própria
da massa (πλῆθος) (14) pois a parte da alma sujeita à pena e ao prazer
corresponde exatamente, no Estado, o povo e a massa. Quando a alma se opõe aos
seus conhecimentos ou às suas opiniões, ou ao que é razoável (o que na natureza
é feito para comandar), chamo isto nela de “desrazão” (ἀμαθία, ignorância,
estupidez) e assim também no Estado, quando a massa não obedece os magistrados
e as leis. O mesmo ocorre nos indivíduos, quando os bons princípios são ineficazes
e se deixam agir ao contrário do que eles prescrevem, afirmo que os ignorantes
são os seres mais dissonantes.
Nenhuma magistratura pode, portanto, ser atribuída a
alguém que padeça de semelhante ignorância, mesmo que tenham a mente rápida e
fina. Deve-se, ao contrário, chamar de sábios aquele cujo caráter é o oposto,
mesmo quando não sabem ler ou escrever (ou mesmo nadar) e lhes atribuir os
cargos porque justamente são pessoas sensatas. Na sinfonia (συμφωνία), a mais
bela e elevada consiste no mais alto saber (σοφία), partilhado pelo homem que
vive de maneira razoável. Quem carece deste saber arruina a sua casa, é impossível
que seja um salvador (σωτήρ) para o Estado. Do indivíduo ao Estado, temos a
questão da harmonia.
Num Estado é preciso quem obedeça e quem manda. O último
deve possuir títulos para tal, nos grandes Estados, nos pequenos e nas famílias.
Nestas, o pai ou a mãe comandam os filhos. No Estado, as pessoas de alto
nascimento (γενναῖος) devem comandar os de baixa extração. Depois, os anciãos
devem comandar os jovens, o escravo deve ser comandado pelo senhor. Depois, o
fraco deve ser comandado pelo forte. Mas há um sexto modo de comandar, por título,
o ignorante (ἀνεπιστήμων) deve obedecer o sábio, o que tem prudência (de φρονέω).
Há o modo de obedecer que não segue a natureza, mas
segue a natureza, ou melhor, segue o comando natural da lei sobre as pessoas
que se submetem voluntariamente, sem recurso à violência. Chegamos ao sétimo título,
o sorteio, quem comanda é o que ganhou, o perdedor será comandado. Este título
depende de ser amigo dos deuses ou presenteado pela boa fortuna (εὐτυχής).
Poderíamos brincar (παίζω) com os se põem a redigir
leis e lhes perguntar quantos títulos ao comando existem e se eles não enxergam
os contrastes que existem entre aqueles títulos. Temos aqui uma fonte de sedição
(στάσις) . No caso dos reis de Argos, as causas de sua ruína e a perda de potência
(δύναμις) do povo grego foi ignorar as palavras de Hesíodo segundo a qual, em
muitos casos, “a metade vale mais do que o todo”. Sempre que é prejudicial por
a mão sobre o todo, quando basta fazer isto com a metade, a justa medida vale
mais do que o que o desmedido pois é melhor do que o pior.
Os reis que se arruinaram foram os primeiros a serem
atingidos do mal que consiste em ambicionar ter mais (pleonexia) do que
permitem as leis estabelecidas. Eles haviam louvado as leis, juraram seguir os
seus mandamentos, em palavras. Mas não de fato. Esta discordância (διαφωνία)
constitui a mais grave ignorância (ἀμαθία) mas é tida como sabedoria (σοφία).
Em razão de tal dissonância e defeito amargo de cultura (ἀμουσία), se
corromperam todas as belas coisas da constituição.
A justa medida é essencial na ordem política, como
também nas relações do corpo (alimentação) ou técnicas (nos navios, mais velas
do que o preciso), na alma direitos excessivos. Sem ela, tudo se inverte. Alí a
abundância de carnes que leva à doença, aqui a ilimitação (hybris) que leva à
injustiça (adikia). A alma dos jovens não pode suportar o peso do poder, logo
ela é infectada da mais grave doença, a desrazão (anóia). Contra tais excessos
de poder, cabe ao legislador prudente, graças à justa medida, tomar precauções.
E chega o instante dos pesos e contra pesos do poder. Em
Esparta, em vez do rei único, uma dupla de reis, o que restringe o poder à
justa medida. Além disso, o voto de 28 anciãos que possuem, nos assuntos mais
graves, poder igual ao dos reis. Há um terceiro salvador (σωτήρ), com o poder
dos Eforos, um poder que se aproxima do sorteio. Assim, o governo de Esparta é
uma combinação de poderes que leva à salvação própria. Juramentos não controlam
a alma de um jovem candidato à tirania. Importa limitar a medida dos poderes,
fundir num só os três poderes.
Assim, existe de um lado o poder autocrático dos
Persas , o poder temperado de Esparta. É preciso sempre o tempero, o acorde
correto. Esta teoria do poder tem como pressuposto uma visão do universo e da
sociedade como harmonia. E na ordem política, deve ser mantida a ordem antiga,
sob o domínio das antigas leis , na qual o povo não tinha soberania (ele não
era κύριος) nos assuntos, mas era escravo voluntário ( ἑκών) das leis.
Quais leis seriam as referidas? As relativas à música.
Na época antiga a música era dividida segundo espécies e formas que lhe eram próprias.
As preces aos deuses eram uma espécie de canto, os hinos. Depois havia uma espécie
de canto oposto: lamentos chamados “trenos”. O pean era uma espécie distinta e
outra, ligada ao nascimento de Dionisos, o ditirambo, etc. Reguladas as coisas
não era permitido abusar de uma das formas, transpondo-as para outras. O poder
de julgar sobre elas e julgar com conhecimento de causa e punir os
transgressores não pertencia às vaias ou aplausos, mas era decidido por homens
sábios naquela cultura que tudo ouviriam em silêncio e, com a varinha nas mãos,
estabeleceriam a ordem e advertiriam as crianças e a seus professores. Esta a
ordem aceita pelos cidadãos, sem que eles tivessem a audácia de recorrer à
gritaria para dar sua opinião.
Os poetas foram os primeiros a quebrar as leis da música.
Eles eram dotados para a poesia, eles nada conheciam da Musa enquanto fonte de
legitimidade e fé pública, eles misturam as formas, levam tudo a se confundir,
pretendem mentirosamente, em sua desrazão involuntária, que na música não
existe lugar para alguma retidão e que, além do prazer que se encontra no seu
gozo, não existe meio correto de decisão, melhor ou pior. Eles inculcam na
massa (πολύς) o hábito de infringir as leis e a audácia de se acreditar capaz
de decidir. Resultado: antes, o público não falava no teatro (era ἄφωνος),
depois, começou a falar como se entendesse para saber o que é belo na música,
ou não, surge então uma “teatrocracia” (θεατροκρατία) depravada que substitui o
poder dos melhores juízes. Se apenas em música, e em música apenas, surgisse
uma democracia composta por indivíduos de uma cultura liberal, não ocorreria
algo tão desastroso. Mas na verdade é pela música que se iniciou, entre nós,
com a crença na sabedoria de todo mundo para julgar, a atitude subversiva.
Nenhum medo os retinha, pois se acreditavam sábios, e esta ausência de medo
gerou a impudência, na audácia de não temer a opinião de quem vale mais do que
nós, eis a impudência detestável, efeito da audácia de uma liberdade cuja arrogância
é levada ao excesso.
Após tal liberdade, vem outra que consiste em não
aceitar voluntariamente (ἐθέλω) ser um escravo (de δουλεύω, ser um escravo) de
quem é depositário da autoridade. Depois vem a fuga da escravidão diante do pai
e da mãe, diante dos antigos (fugindo de suas admoestações) e buscar um meio de
não obedecer as leis. Neste termo, vem o desprezo dos juramentos, da fé
publica, o desprezo dos deuses. O livro III termina com a indicação das tarefas
do legislador: o Estado a que suas leis serão aplicadas deve ser livre, uma
amizade mútua unirá nele os cidadãos, ele terá base no pensamento racional.
Consideremos duas organizações políticas, uma despótica e uma livre, em qual
delas existe a retidão? Obtendo para cada uma delas em separado um certo limite
(poder despótico em uma e o direito de liberar a si mesmo, na outra) vemos que
se produz nelas um sucesso excepcional. Quando, pelo contrário, cada uma delas
conduzia a coisa ao seu máximo, servidão em uns e o oposto da servidão nos
outros, nenhum bom sucesso ocorria.
É possível dizer que a correta constituição deve
reunir aspectos da monarquia e da democracia, sendo temperada e permanecendo no
justo meio. Todo poder dever ser limitado, tanto no lado do povo quanto no lado
do príncipe. Atenas se inclinou em demasia para o lado democrático, a Pérsia do
outro. A Pérsia se enfraqueceu porque a obediência dos povos nela se tornou
servidão, mas Atenas se enfraqueceu porque a liberdade se transformou em licença,
perdendo o sentido da autoridade. O Estado bem ordenado o poder político deve
ser distribuído na proporção da virtude, cujos graus são os seguintes : bens da
alma, unidos à temperança, bens do corpo, riqueza.
No século 17 a “harmonia das esferas”, doutrina
acreditada até durante governo de Luis 14, foi superada pelas teorias de Newton
e de Kepler. (15 ) Mas esta reviravolta não acabou de vez com a idéia
pitagorica. Em nossos dias existem inúmeros trabalhos sobre o pensamento da
harmonia. O tom romântico de semelhante interesse é claro. (16) Trata-se, como
nas especulações românticas do século 19 (mas também do século 20) de reagir
contra o paradigma da máquina e das suas supostas visões “reducionistas” do
universo. Sempre que se ouve falar em “holismo” é possível ver na palavra a
senha para a doutrina orgânica sobre o universo, com suas formas de pensar e de
agir conservadores. Não por acaso, nos meios que defendem a “pureza” natural, a
preservação da natureza, se percebe tal visão conservadora do universo.
Elemento nuclear dessa visão é a idéia de uma
“biosfera”, antítese da visão mecânica do universo. Subsumida naquela noção
encontra-se a antiga doutrina da “alma do mundo”, ou seja, o universo como ser
vivo. Tais especulações se apresentam por exemplo em escritos sobre a Gaia, hipótese
lançada por James E. Lovelock (17 ). Na antiga visão pitagorica (na verdade, um
amplo conjunto de pensadores que engloba várias escolas filosóficas) (18 ) se
determina que o mundo resulta da harmonia, ordenada na proporção da escala musical.
Existem trabalhos que indicam o peso do instrumento monocórdio (ou kanon) na
filosofia pitagórica e platônica.
Analogia significa “igualdade de ratios” ou proporções.
“A palavra também é o módulo ou sistema das ratios no seu número total que
fornece as ‘divisões do monocórdio’, o ponto preciso no qual a corda vibrante
pode ser interrompida com uma ponte móvel, para ressoar os intervalos fixos ou
fundamentais da escala musical, a oitava (2:1); a quinta (3:2); a quarta (3:4);
e o tom maior (8:9). As íntegras 6, 8, 9 e 12 constituem o menor número total
com o qual o sistema simétrico de ratios que se encontram –a moldura natural
das antigas e modernas escalas diatônicas– pode ser expresso”. (19 ) O mais
antigo sobrevivente dos livros sobre o monocórdio é de Euclides, o instrumento
deve ser mais antigo. Seu uso e significação foram expostos por Ernest G.
McClain, sobretudo no livro The Pythagorean Plato (20 )
Tomando os números usados ou derivados similares aos números
do monocórdio “McClain identifica seu emprego que se espraia em alegorias numéricas,
mitos, metáforas encontradas nos mais antigos livros. Quando Platão caracteriza
o bom homem como ‘vivendo 729 vezes mais feliz e o tirano mais penosamente pelo
mesmo intervalo’ (República 587e), ele usa o número que define o tríton (a
sexta força do três; ou seja, 6/5 acima do tom fundamental). A tensão entre o
homem bom e o tirano é comparada à pior dissonância possível no sistema da música
ocidental” (cito sempre Graham Pont).
McClain analisa as alegorias numéricas de Platão e
mostra como sua teoria política foi modelada pela teoria musical, com as
Constituições de Calípolis, Atenas, Atlântica e Magnésia, correspondendo a
quatro diferentes “temperamentos”, incluindo a escala temperada, durante bom
tempo tida como invenção moderna. A chave das analogias músico-políticas seria
a seguinte: a palavra grega syntagma pode se referir tanto ao sistema político
quanto ao musical. Um autor recordado por Graham Pont apresenta uma análise
importante neste campo. No escrito intitulado Classical and Christian Ideas of
World Harmony (21), diz Graham Pont, Leo Spitzer deseja explicar os sentidos
compostos da palavra alemã Stimmung e descobre suas relações no arranjo total
dos termos harmônicos que ressoam na lingua européia. Com base apenas filológica,
Spitzer divide aqueles termos em dois grupos: primeiro os relativos a acordo
como “acorde”, “concorde”, etc. O segundo os relativos a “temperança” (tempo,
temperamento, etc) . Os dois grupos correspondem à distinção entre ajuste
(tuning) pelo número total e tempero (pequenos ajustes que envolvem proporções
irracionais).
Spitzer estava intrigado com o significado da raiz das
palavras do segundo grupo, um segmento de interrupção. De origem incerta, a
variedade das palavras em ‘temp’ e sua ampla distribuição testemunha a existência
de uma cosmologia musical muito antiga. Palavras como temenos (lugar sagrado),
‘templo’, ‘tempo’, ‘temperado’, and ‘término’ todas se referem a divisões do
espaço e do tempo baseadas, supostamente, nas matemáticas comuns, as quais
devem ter sido musicais na origem. A forte associação das ciências musicais e
espaciais foi confirmada por Árpád Szabó (22), que argumenta serem os termos da
geometria pré euclidiana derivados da teoria musical. Por exemplo, “diastema”
significa um intervalo, espacial ou musical, como “corda” ainda tem uma
significação musical.
Quando Hotmann, portanto, recorre à noção de Harmonia
e a determina a partir das Leis platônicas, trata-se de um poderoso impulso e
uma reflexão complexa sobre o Estado, no instante em que se instaura a
monarquia absolutista. O problema ético do tempero e da harmonia no
comportamento social e político é bem conhecido e analisado no período anterior
a Hotmann, como em Montaigne. Basta abrirmos o ensaio “Sobre a moderação” (23 )
O comentário segue rumo à justa medida na ordem das práticas e valores.
“Podemos amar a virtude em demasia, e nos comportar com excesso numa ação
justa”. Montaigne diz gostar das naturezas “temperadas e médias. A imoderação
diante do próprio bem, se não me ofende, me espanta e me coloca em dificuldade
para a nomear”. Nem a mãe de Pausanias que arremessou a primeira pedra para
matar seu filho, nem o ditador Postumios que mandou matar o seu filho cujo
ardor na batalhar o fez jogar-se contra os inimigos, antes de ser a hora, me
parecem justos, mas estranhos. “Não gosto de aconselhar, nem de seguir, uma
virtude tão cara e selvagem”. E Montaigne cita o texto platônico : “Calicles,
em Platão (Górgias) diz que a extremidade da filosofia é nociva, que tomada com
moderação ela é agradável e cômoda, mas que no fim ela torna um homem selvagem
e vicioso, desdenhoso da religião e das leis comuns, inimigo das conversas,
inimigo dos prazeres humanos, incapaz de toda administração política (…) Ele
fala a verdade, pois em seu excesso ela escraviza o nossa franqueza natural e
nos desvia, por um sutileza importuna, do belo e claro caminho que a natureza
nos traçou”. A lição de moderada atividade é vital quando se trata da arte política.
(24 ) Nos tempos de Montaigne se tornava exacerbada a luta entre huguenotes e
católicos radicais, entre os dois e o Estado francês.
“Nossos ancestrais foram maravilhosamente sábios e
avisados ao bem determinar o governo político, de modo que considero seguro
dizer que alí reside o único e verdadeiro remédio para todos os nossos males,
ou seja, reformar nosso modo de vida no molde das virtudes exibidas por aqueles
grandes personagens e reduzir o nosso Estado corrompido, como se ele fosse música
dissonante, ao belo e antigo acorde dos tempos de nossos pais”. Assim reza o início
da Franco Gallia. A França antiga, segundo Hotmann, seria temperada e
harmoniosa como desejam os filósofos. “Nossos maiores, almejando manter sua república
na bom temperamento, praticaram a mistura das três espécies de governo”.
O autor da Franco Gallia compara, no mesmo escrito, o
Estado cujo governo se tempera e possui Conselhos efetivos e os dirigidos por
dois conselhos, o primeiro deveria ser hegemônico, mas não é, ou seja, o
Conselho Ordinário e outro, que deveria ser adjunto, mas se torna hegemônico, o
Conselho privado que auxilia o monarca. “O primeiro tende a prover o bem de
toda a república, universalmente. O outro, pensa apenas em se servir das
comodidades e vantagens de um homem. Depois, visto que tais conselheiros moram
num só lugar, ou não saem da corte principesca, eles não poderiam ver, nem
conhecer o estado das províncias, que são mais afastadas. Melhor, ocorre muito
frequentemente que sendo apegados às delícias e volúpias da corte, eles se
corrompem e se deixam facilmente conduzir à um desejo de dominar, e ao desejo
de fazer com que suas casas aumentem, de modo que no final eles se fazem
conhecem não como conselheiros do reino, e do bem público, mas aduladores de um
rei, e ministros de suas dissoluções e das suas”.
O Reveille Matin (1573/1574) afirma que nenhum povo
estabeleceu um governante com autoridade absoluta para fazer o que bem lhe
aprouvesse. A soberania encontra-se também nos demais magistrados, que possuem
o direito de resistir à tirania. Os dirigidos deveriam obedecer o soberano
apenas na medida em que ele obedeceria as leis e o contrato que o colocou no
mando. Se um rei como Carlos 9 massacra seus súditos, é tempo de colocá-lo fora
do trono. A Noite de São Bartolomeu seria motivos suficiente para tal expulsão.
Tanto Hotmann quanto o Reveille Matin consideram que a
legitimidade para depor o governante reside nos magistrados inferiores. E tal
doutrina eles a retiram de Calvino. Vimos que o reformador exigia obediência
sem restrições ao governante, salvo em caso de ordens contrárias à fé. Mas ele
confessa que em Atenas (falamos de um humanista) e Esparta existiam funcionários
cuja missão era de vigiar o soberano, aplicando-lhe censuras conforme a
gravidade de seus atos. Nos tempos modernos poderia ser retomada a experiência
daqueles magistrados. Hotmann em Franco – Gallia e Teodoro de Beza no Du Droit
des Magistrats afirmam que o rei partilha o poder com representantes do povo
(embora, como vimos, o “povo” não era assim tão próximo da efetividade democrática,
mas de certa aristocracia) e Beza chega ao ponto de enunciar que os
representantes possuem o direito de afastar reis corrompidos ou injustos.
Segundo Hotmann em tempos pregressos “toda a
administração do reino estava inteiramente à disposição da assembléia dos
Estados, que se chamava (…) às vezes Placitum, pois como diz o uso da lingua
latina (Placitum) propriamente indica a resolução e a conclusão final que se
toma sobre determinada matéria debatida e disputada por vários. É por tal
motivo que Cicero e outros autores chamam máximas tidas como certas e indubitáveis
entre os filósofos (placita)”. Quando as decisões passaram a ser escritas em
francês, diz Hotmann, a palavra placitum foi traduzida, “por ignorância ou malícia”
como “tel est notre plaisir”. De qualquer modo, era imperativo ouvir a opinião
(avis) do povo. Hotmann fala do governo inglês e espanhol, no sentido do império
da lei sobre o monarca e no costume deste último ouvir a assembléia. Ele cita o
texto lido pelos espanhóis quando um rei era coroado : “Nos qui valemos tanto
como vos, y podemos mas que vos, vos elegimos rey con estas y estas conditiones
: intra vos y nos, un que manda mas que vos”. Dada a presença geral do costume,
conclui Hotmann, “não apenas esta liberdade tão bela de manter assembléias
gerais de conselho, é uma parte do direito das gentes, mas até mesmo que os
reis, por má prática e astúcias oprimem esta santa e sagrada liberdade, não
devem mais ser tidos como reis, mas como tiranos, como os que violam o mais
santo direito que sempre existiu entre os homens, e rompem os próprios liames
da sociedade humana”. O tema aparece também em Teodoro de Beza (25 ).
Sagradas que sejam as razões do conjurados, devemos
atentar para outros fatores além da religião na luta de parte considerável da
nobreza contra o rei. Quando se fala do Estado moderno é preciso pensar na sua
estrutura funcional. “Do ponto de vista da sociologia, o Estado moderno é uma
‘empresa’ com o mesmo título de uma fábrica. Nisto consiste precisamente seu
traço histórico específico. E também deste modo se acha condicionada de maneira
homogênea a relação do mando (Herrschafttsverhältnis) no interior da empresa”.
(26). A separação (Trennung) entre os meios de administração e o seu operador,
tanto na empresa quanto no Estado, define a burocracia que opera sine ira et
studio, maquinal e hierarquicamente. O Estado absolutista, podemos dizer,
montou o protótipo da referida empresa. Ele separou os nobres dos meios de
administração feudal que eles herdaram de seus ancestrais. De modo idêntico,
ele separou as cidades do auto controle administrativo.
As urbes que resistiram durante toda a Idade Média, após
o esfacelamento do Império romano, guardaram seus costumes, sua administração
e, sobretudo, o controle de seus impostos. Quando Igreja e Estado começaram a
exigir taxas e impostos que iam além da capacidade daqueles centros urbanos,
eles se levantaram contra os dois poderes centralizadores. As massas que fugiam
dos feudos —o ar da cidade liberta— empregavam artifícios como as peregrinações.
Os senhores feudais não podiam proibir tais expressões de piedade, mas os
camponeses iam aos santuários como Compostela, e não retornavam aos domínios.
Outro meio de movimentação de massas foi o comércio. O fato é que as referidas
massas se concentravam, sem trabalho e costumes urbanos, nas periferias das
cidades. As corporações fechadas não lhes proporcionavam emprego. O resultado
foi a insegurança coletiva nas cidades. Por isto, “as primeiras constituições
políticas urbanas tiveram a Paz como preocupação maior, elas apareceram como ´atos
de Paz´ (Marc Bloch, A Sociedade Feudal). Para deixar clara esta violência,
vejamos uma crônica da época: “No dia seis de maio o irmão Alberto de Mântua
chegou a Florença e ali fez reinar a paz sobre 95 casos de homicídio; então
pacificou em Bertinora; depois em Siena; depois em Castelnuovo; depois em
Forlimpopoli; e finalmente em Imola pacificou 28 casos de homicídio” (Corpus
Chronicorum Bononiensium, citado por R.W. Southern). Tais cifras são
espantosas, se as compararmos com os habitantes das cidades. Em 1200, Florença
tinha 30 mil habitantes. Tudo isso é bem exposto no dito espalhado por toda a
Europa: “comunia est tumor plebis, timor regni, tepor sacerdotii” (A cidade é o
tumor da plebe, o medo dos reis, o relaxamento dos padres: De rebus gestis
Ricardi Primi, também citado por Southern).
É nessa brecha da insegurança geral que as cidades,
gradativamente, cedem sua autonomia aos poderes papais e reais, com a
centralização do poder e o aumento da força repressiva física. A estrutura do
judiciário passa aos Reis e à Santa Sé, sempre disputada pelos dois poderes. E
para manter a polícia e os exércitos, além de todo o aparato de mando central,
recrudescem ao mesmo tempo os impostos e os saberes sobre a demografia, a economia,
etc. já citados.
NOTAS
1) “Defense of Poetry”, in Shelley’s Literary and
Philosophical Criticism (John Shaw Ed., Oxford, 1909), p. 121.
2) Cf. Para uma análise percuciente e válida até hoje,
cf. Abrams, M.H. : The mirror and the lamp (Oxford, Univ. Press, 1971), p. 51.
3) Cf. Hayter, Aletheia : Opium and the romantic
imagination (London, Faber and Faber Ed., 1968), p. 84 e ss.
4) Cf. Catherine Kintzler : “Montesquieu et la
musique” no Blog da escritora (Mezetulle, http://www.mezetulle.net/) acessado
no dia 09/01/2009, 10 horas.
5) Cf. De l ‘Esprit des lois (Ed. Pléiade, volume II),
pp. 270-273. O trecho citado por Montesquieu refere-se ao Batalhão sagrado de
Tebas, composto por amantes masculinos e cuja bravura suscitou os elogios de
Filipe da Macedonia : “Pereçam miseravelmente os que suspeitam tais homens de
ter feito ou sofrer algo desonesto!”. E continua Plutarco : “Não foi a paixão
de Laios, como desejam os poetas, que introduziu em Tebas o amor de que falo;
mas seus próprios legisladores que, para moderar e suavizar, desde a mais tenra
idade, o caráter violento daquele povo, fizeram usar a flauta em todas as suas
ocupações e divertimentos. Eles honraram aquele instrumento e se puseram a
nutrir, nos ginásios, este amor puro e virtuoso, para domar o natural daqueles
jovens. Foi portanto com sabedoria que tais legisladores deram como protetora
de sua cidade a deusa Harmonia, a qual é dita filha de Marte e de Venus, para
insinuar que, quando a ousadia e a coragem são temperadas pelas graças e pelo
atrativo da persuasão, os povos usufruem do governo melhor ordenado e perfeito,
fruto natural de uma feliz harmonia”.
6) Cf. Dictionnaire de Musique, ed. Pléiade cit. p.
921. Para uma análise da harmonia e do platonismo no pensamento de Rousseau, em
especial na música, cf. Eigeldinger, J-J. : “Tartini, Rousseau et les Lumières”
no mesmo volume V da Pléiade (onde se encontra o Dictionnaire de Musique), pp.
1694 e ss. Sobre o nexo entre política e arte, em especial no campo do teatro,
passando pela filosofia de Platão, cf. o fragmento “De l ‘imitation théatrale”,
mesmo volume da Pléiade, pp. 1196 ss.
7) Cf. Béatrice Didier : La musique des Lumières
(Paris, PUF, 1985), p. 20.
8) Carta a Madame de Warens (27/01/1749). Didier, p.
43.
9) Écrits sur la musique, citado por Didier, p. 408,
que remete também para o verbete “Opera” do Dictionnaire de Musique.
10) Didier, p. 44.
11) Cf. Roberto Romano: “Wagner, o conceito no palco”
in Corpo e Cristal, Marx romântico (RJ, Ed. Guanabara Koogan, 1985). O livro
está esgotado, mas pode ser lido em bibliotecas universitárias.
12) “Quant aux grecs, il leur paroissoit si honteux de
l’ ignorer, qu’ un musicien et un sçavant étoient pour eux la même chose, et
qu’ un ignorant étoit désigné dans leur langue par le nom d’ un homme qui ne sçait
pas la musique. Ce peuple ne se persuadoit pas que cet art fût de l’ invention
des hommes, et il croyoit tenir des dieux les instrumens qui l’ étonnoient
davantage. Ayant plus d’ imagination que nous, il étoit plus sensible à l’
harmonie : d’ ailleurs, la vénération qu’ il avoit pour les loix, pour la
religion et pour les grands hommes qu’ il célébroit dans ses chants, passa à la
musique qui conservoit la tradition de ces choses. la prosodie et le style étant
devenus plus simples, la prose s’ éloigna de plus en plus de la poësie. D’ un
autre côté, l’ esprit fit des progrès, la poësie en parut avec des images plus
neuves ; par ce moyen, elle s’ éloigna aussi du langage ordinaire, fut moins à
la portée du peuple, et devint moins propre à l’ instruction.” (Essai sur
l’origine des connoissances humaines [Document électronique] : ouvrage où l’ on
réduit à un seul principe tout ce qui concerne l’entendement humain / par l’abbé
de Condillac , no Site Gallica da BNF, acessado no dias 11/01/2009, as 10 horas
AM. Quanto às inovações, também temidas por Platão, diz Condillac: “ Six cent
ans avant Jésus Christ, Timothée fut banni de Spartes, par un décret des éphores,
pour avoir, au mépris de l’ ancienne musique, ajouté trois cordes à la lyre ;
c’ est-à-dire, pour avoir voulu la rendre propre à exécuter des chants plus
variés et plus étendus. Tels étoient les préjugés de ces temps-là”. (ed. cit).
13) Jean-Philippe Rameau, Splendeur et Naufrage de l
‘Esthétique du Plaisir a l ’Age Classique (Paris, Le Sycomore, 1983).
14) Cf. A. Ed. Chaignet : La Vie et les écrits de
Platon (Paris, Didier et Cie., 1871), pp. 403 e ss.
15) Isherwood, Robert M. 1973. Music in the Service of
the King: France in the Seventeenth Century. Ithaca: Cornell University Press.
16) Toda a sequência deste trecho tem como base o
artigo de Graham Pont, “Philosophy and Science of Music in Ancient Greece:
Predecessors of Pythagoras and their Contribution”, Nexus Network Journal, vol.
6 no. 1 (Spring 2004), http://www.nexusjournal.com/filename.html Discordo do
autor quanto à sua comparação antropológica entre Grécia arcaica e tribos aborígenes
da Austrália. E também discordo de outros pontos. Mas sua explanação sobre a música
e os nexos com a vida social e política servem bastante aos nossos propósitos.
17) Lovelock, James E. Gaia: A new look at life on
Earth. (Oxford, Oxford University Press, 1979).
18) Basta recordar os argumentos postos por Cicero no
De natura deorum contra os epicuristas, relativos à providência: um monte de
palavras jogadas para cima não fariam a Ilíada, um monte pedras também jogadas
jamais resultariam num pórtico ou obra de arte, supõe a idéia da harmonia no
desígnio produtor do universo e da ordem humana.
19) Graham Pont, op. cit.
20) New York, Nicolas Hays Ed. 1978.
21) Spitzer, Leo : Classical and Christian Ideas of
World Harmony: Prolegomena to an Interpretation of the Word “Stimmung”
(Baltimore, Johns Hopkins Press, 1963).
22) Szabó, Árpád : The beginnings of Greek
mathematics. (Dordrecht, D. Reidel, 1978)
23) Livro I, capítulo XXX, na edição Pléiade na página
195 ss.
26) Para uma análise correta das atitudes defendidas
por Montaigne, cf. Jean Starobinski, “A ação calma” in Montaigne em Movimento
(SP, Cia. das Letras, 1993), pp. 246 e ss.
24) O texto de Hotmann é de 1574, na tradução francesa
que estou usando. Já em 1519, o tratado fundamental de Plutarco sobre a bajulação,
“Como distinguir o amigo do adulador”, era conhecido na tradução de François
Sauvage, a partir do latim de Erasmo. Em 1537 Antoine du Saix traduz novamente
o tratado, com o nome exato de “La touche naifve pour esprouver l ‘amy et le
flatteur, inventée par Plutarque, taillee par Erasme et mise a l’usage francoys
par noble homme frere Antoine du Saix, commendeur de Bourg. Uso a edição
moderna de Robert Aulotte : Plutarque en France au XVIe siècle (Paris, Ed.
Klincksieck, 1971), pp. 15 ss. ”Or, il n’ est pas facile aux riches et aux Roys
de dire ces parolles suyvantes: ‘A mon gré j ’eusse quelque pauvre personne
encores plus indigente que ung mendian qui, en voulent mon bien et toute
craintes ostée, me parlast de courage, en bon amy’. Mais, comme les joueurs de
Tragedies et moralitez on besoing de musiciens et instrumentz qui supllient à
leurs fainctes et pareillement ont mestier de gentz qui leurs applaudissent, de
mesmes les grands seigneurs s’ en aydent. Pourtant, en sa Tragedie Merope
admonestoit ainsi que ceulx là nous debvions faire noz amys qui ne dissimulent
point pour le plaisir d ‘aultruy et chasser loing horas de l’ enceinte de
nostre maison ces meschantz qui ne servent que de complaire et gracieuser.
Toutestfois, les susdictz grands maistres font au rebours, car ilz chassent et
fourbanissent de leur court ceulx qui se soubstiennent leur opinion, qui
resistent par raison 1a leur concupiscence seulement en leur maison, mais aussi
jusque aux affaires secretz et au dedans de leurs affections, les pipeurs
chocquareroz”. Ed. Du Saix cit. p. 76.
25) Du droit des Magistrats, ed, cit. p. 39 e ss.
26) Cf. Max Weber : Wirtschaft und Gesellschaft. Fünfte
Revidiert Auflage ,1972, p. 825.
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