Ética e ministério público. Uma reflexão
em três momentos
Roberto Romano
Romano Professor de Ética e Política do
Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – IFCH
da Unicamp
John Greville Agard Pocock publicou há bom
tempo um livro interessante, com título ainda mais atrativo: O momento
maquiavélico. (1) Quem observa a realidade institucional brasileira,
intui o nexo entre os escritos de Maquiavel e a nossa experiência coletiva. Das
múltiplas passagens entre os textos do grande pensador político e o Brasil de
hoje, uma é das mais significativas: a busca de atenuar (visto ser impossível
abolir) a vingança, fonte grave de ingovernabilidade.
Quando se tenta pensar os elos entre a ética
e o Ministério Público, este veio é promissor. Em terra conturbada pela
corrupção política e na qual o abuso administrativo une-se ao pânico trazido
pela insegurança, o clamor pelos atos vingativos abre espaço para a anomia que
torna quase impossível a aplicação da lei. Se os legisladores desobedecem a
ordem legal e se as quadrilhas matam e invadem o espaço público, chega-se à
pergunta inevitável: para que serve o Estado? Este último, mecanismo
inteligentemente produzido no final da Idade Média, exige que se coloque nas
mãos de seus operadores os conhecidos três monopólios: da força física, da
norma jurídica, dos impostos. Mas a premissa essencial destes monopólios,
aceita inclusive por Hobbes, é que em troca deles o Estado garante a vida da
sociedade e dos indivíduos. Se os governantes, legisladores e juízes, não podem
manter tal compromisso, o Estado perde a razão de ser. Mede-se a eficácia do
aparelho estatal pela maior ou menor taxa de insegurança e de garantias de
vida. Quando diminui o índice de mortes civis e a vingança não se torna
premente, nem serve como instrumento de mobilização política, pode-se dizer que
o Estado mantém sua legítima governabilidade. Caso contrário, ele se reduz ao
estatuto de morto mecanismo. Este é o momento maquiavélico decisivo, instante
em que ([1]) qualquer particular, qualquer seita ou
quadrilha ameaça os três monopólios e desafia impunemente a lei. A partir daí os
cidadãos entregam-se aos primeiros grupos capazes de, pela mobilização do
ressentimento, golpear a estrutura legal e democrática do mundo público.
Abrem-se as portas para os golpes de Estado. Estes últimos não precisam seguir
o modelo da intervenção militar. Golpes podem ser palacianos. Mas sua eficácia
no desmantelamento do Estado de direito não é menor. Nota-se, portanto, a
íntima conexão entre os costumes éticos a necessária manutenção e aplicação das
leis. “Conatus sese conservandi primum et unicum virtutis est fundamentum”.([2])Se a base da virtude
ética reside na conservação da vida individual e coletiva, o Estado só pode ser
mantido se garantir esta cláusula. Exigir que os cidadãos submetam-se à polícia
e ao exército, acatem as leis e paguem impostos sem lhes assegurar a segurança
essencial, é mais do que irrealista, pois significa ir contra os fundamentos
ontológicos do humano e negar o direito e a ética em sua fonte. Assim, proponho
aos membros do Ministério Público uma reflexão sobre os problemas acima
indicados, partindo dos enunciados de Spinoza (o maior autor ético da
modernidade) sobre o “momento maquiavélico”. O primeiro trata a questão da
governabilidade, o segundo analisa a essência do fato ético, o terceiro extrai
as consequências do que avançou nos dois anteriores.
Governabilidade
Spinoza refere-se, no capítulo quinto do Tratado
Político (3) a Maquiavel com três adjetivos: “acutissimus,
sapiens, prudentissimus”. Os dois primeiros possuem vasta tradição no
pensamento filosófico ocidental e foram valorizados na modernidade para o
debate sobre o método (sobretudo em Francis Bacon, no caso do controle metódico
dos engenhos agudos). O terceiro termo retoma a crônica política que desce aos
gregos, mas que recebeu leitura estratégica em Roma e, na Renascença,
determinou as doutrinas consubstanciadas no “maquiavelismo”. Vejamos o trecho
citado:. ([3]) Para um príncipe
dirigido apenas pela paixão de domínio, quais são os meios para conservar e
fortalecer seu governo? É o que mostrou exaustivamente o agudíssimo Maquiavel;
mas qual seria o alvo de seu livro? Isto não se mostra com muita clareza: se
ele tinha objetivo honesto, como deve-se acreditar quando lemos um sábio, quis aparentemente evidenciar a imprudência dos que se esforçam por suprimir
um tirano, quando é impossível suprimir as causas que o tornaram tirano, pois
aquelas causas tornam-se mais poderosas e despertam-lhe o medo. É o que ocorre
quando a multidão imagina dar um exemplo e se alegra com o parricídio, ([4])
como se ele fosse uma ação correta. Maquiavel
talvez tenha querido mostrar o quanto a multidão livre deve evitar a entrega de
sua confiança na salvação exclusivamente para um homem apenas, pois este
último, a menos que esteja inchado de vaidade e se acredite capaz de comprazer
a todos, deve sentir medo cotidiano de armadilhas, o que o obriga a vigiar
ininterruptamente pela sua própria segurança, ocupando mais em armar peças
contra a multidão do que em administrar seus interesses. Penso assim
interpretar o pensamento daquele homem prudentíssimo que sempre defendeu a
liberdade e proporcionou, sobre os meios de defendê-la, os mais saudáveis
conselhos.([5]) Só nesse parágrafo temos
uma pletora de problemas jurídicos e políticos que definiram a instauração do
Estado moderno.
No capítulo 7 do mesmo Tratado Político Spinoza
apresenta o poder real jungido à potência popular. O soberano pode ser
derrubado, mas semelhante fato ameaça a vida estatal. O longo
raciocínio spinozano sobre o afastamento do governante começa explicitamente no
§ 25 e termina em pleno § 30. O elemento que mais impressiona nas frases do
filósofo encontra-se na lista de assuntos intercalados entre o início e o final
do raciocínio: a soldadesca, a massa vulgar, o segredo de Estado. Todos os
ingredientes de um golpe são incluídos na penetrante análise do poder abusivo
exercido pelo governante. Sigamos a exposição spinozana. O parágrafo 25 do Tratado
Político, afirma que a forma do Estado deve permanecer a mesma e que a
lógica exige um só indivíduo no cargo de rei, com poder indivisível. O referido
parágrafo citado apresenta um problema discutido com percuciência por Alexandre
Matheron. ([6]) Trata-se das eternas disfunções políticas e
institucionais. O Brasil é delas bom exemplo, pois nele a ingovernabilidade e
acordos instáveis de mando político produzem leis magnas revogadas por pequenos
golpes de Estado: as emendas constitucionais desfiguram a Constituição, abolem
direitos e “flexibilizam” garantias, o que não resolve a falta de confiança do
eleitorado nos parlamentares e governantes, mas aumenta a prevenção popular
contra regime democrático. ([7]) A frase de Spinoza é a
seguinte: Imperii facies una eademque
servari, et consequenter rex unus (...), et imperium indivisibile esse debet.
Antes de aceitar a equivalência de “Facies” e “forma”, proposta na maioria das
traduções do Tratado Politico ([8]) observemos que num
leitor atento de Maquiavel seria inconsequente usar “forma” e não “aparência”
como propriedade estratégica do Estado.
O Estado deve parecer uno, o rosto do seu
governante precisa ser apreciado pelos cidadãos e não pode deixar de surgir
assim, caso contrário não haveria obediência possível. Se a república tivesse
diante de si o espetáculo de um poder dividido em facções, surgiria de imediato
a pergunta essencial: Quem será obedecido, esta ou aquela corrente? E se
ninguém pode ser acatado, quem garantiria a segurança de todos e de cada um?
Logo no início dos Discorsi, Maquiavel expõe o problema crucial da necessária
aparência unitária do Estado, com a história de Coriolano. E nela vemos uma
justificativa da promotoria pública. Diz o Florentino que para manter um país
livre é preciso conseguir alguém cuja autoridade permita acusar os cidadãos ao
povo, aos conselhos, a um magistrado sempre que ocorra algum atentado “in
alcuna cosa contro alio stato libero”.
A primeira vantagem dos acusadores oficiais é
impedir os cidadãos — pelo medo de serem acusados— de empreenderem coisas nocivas
à ordem estatal. A punição imediata dos infratores entra no rol dos encômios
maquiavélicos à autoridade analisada. A segunda vantagem é oferecer um
escoamento normal aos humores que aumentam na cidade, de tal modo, resultando
em prejuízo de todo cidadão. Quando aqueles humores não encontram meios de
escoar naturalmente, recorrem aos modos extraordinários, que arruínam a vida de
uma república. Em Spinoza, as causas das crises políticas são conduzidas, em
geral, a exemplo de Maquiavel, ao presente distanciamento e separação do Estado
diante do seu principio originário constitutivo. A perda ou acréscimo de
elementos ao corpo político produzem o desequilíbrio ou reequilíbrio do todo.
“A causa principal de desagregação dos Estados é a que observa o agudíssimo
florentino no primeiro capítulo do livro terceiro dos Discorsi sopra la prima Deca di
Tito Livio, ou seja, que ao Estado como ao corpo humano se acrescenta
algo que, por vezes, faz necessária uma intervenção curativa; e por isto, diz
ele, é preciso que por intervalos o Estado seja reconduzido ao principio sobre
o qual foi instituído originariamente”. O trecho de Maquiavel citado por
Spinoza assume a metáfora médica para manter a saúde do corpo político. Mais
particularmente, o Florentino retoma o enunciado que diz Quod quotidie aggregatur aliquid, quod quando que indiget curatione
(“Que se acumula cada dia algum humor maligno o qual, de tempos em tempos,
precisa ser purgado”).
No décimo capítulo do Tratado Político são
especificadas as causas possíveis da desagregação dos organismos políticos. A
crise estatal não é definida unilateralmente face aos cidadãos, mas sobretudo diante
da legitimidade do mando, a partir do metron
trazido pelo consenso. A vida do Estado só vale na medida em que valem a vida
dos que o compõem, esta é a sua razão de ser, esta é a soberania do corpo
social. A democracia efetiva é remédio eficaz contra o pavor mútuo dos
indivíduos. Assim se define a réplica de Spinoza ao pensamento dos que, a
exemplo de Hobbes, indicam o pânico e a insegurança para justificar o soberano,
cuja função é afastar a liberdade pública dos cidadãos. Vejamos a pessoa
exemplar no texto de Maquiavel, a que serve de base para o pensamento de
Spinoza.
Coriolano pertencia à nobreza romana, a qual
detestava o povo por sua pretensa ou real “troppa autorità”, com os tribunos
para sua defesa. Estando o país em penúria ele foi enviado para a Sicília na
busca de grãos. Com o povo indefeso, o aristocrata acreditou ter chegado a hora
do golpe, castigando-se a plebe e dela extraindo a excessiva autoridade que
prejudicaria os nobres. Bastaria não distribuir os grãos. O enunciado sigiloso
de Coriolano, como todo segredo ([9])
se espalhou entre a laia miúda que se levantou contra o militar. Este, ao sair
do senado sofreria um massacre. Oportunamente os tribunos — acusadores oficiais
— exigiram sua presença para fornecer explicações. Maquiavel louva a citação
tribunícia, porque ela salvou a república de uma luta civil dramática. Quando
um cidadão privado é oprimido não resulta uma desordem na república, mesmo que
ele tenha recebido injustiças. O processo, mesmo iníquo, não se faz com o uso
da força e com armas estrangeiras che
sono quelle che rovinano il vivere libero. Imagine-se, argumenta Maquiavel,
o massacre de Coriolano, quanto male sana
risultato alia republica romana se tumultuariamente ei fusse stato morto:
perché ne nasceva offesa da priva ti a priva ti, la quale offesa genera paura,
ia paura cerca difesa, per la 9 difesa se procacciano partigiani, da’ partigiani
nascono le parti nelle cittadi, dalle parti la rovina di quelle.[10]A lógica da facção segue
o medo e a ele retorna. No circuito da política, o Estado que parece em vias de
dissolução apenas acelera a dissolução própria e a dos particulares.Como
prevenir e evitar os choques traumáticos ou letais na república? A citada purga
dos humores por meio de “filtros” institucionais (no caso de Coriolano, os
tribunos e sua autoridade para acusar os particulares), este é o símile
terapêutico para imaginar a política, símile movido por Maquiavel e por
Spinoza. Mas por que o Estado deve parecer uno, mesmo não o sendo de verdade?
Porque fora dele resta apenas a dissolução dos corpos e as facções, ou pior, o
domínio de outro Estado, que pode garantir os corpos, mas arranca a alma, a
liberdade, dos cidadãos de certo país. É o jogo da aparência prudencial que
funciona neste ponto.
A passagem da aparência ao segredo define o
mundo de quem se dedica à missão sagrada: salus
populi. E a salvação do povo e da republica exigem que as facções sejam
vencidas e que impere a unidade do Estado. Conhecemos a tese de Aristoteles (Política,
V, 11): “Para um príncipe não é necessário ter todas as virtudes, mas é
necessário parecer possuí-las e, se elas as tem e observa sem interrupção, elas
são prejudiciais. Mas se parece tê-las, são úteis, como por exemplo parecer
misericordioso, fiel, humano, reto, piedoso, mas sempre com uma alma prevenido,
caso seja preciso deixar aquelas virtudes de lado e se transformar no
contrário”. Segundo um comentador de hoje, “o ofício de rei é o de manter o
Estado, a coroa, salvando as aparências. Para quem enxerga o príncipe envolvido
por sua guarda, a pompa e o brilho do poder, um discurso conveniente é esperado
e aprovado. O cinismo atrai ódio e desprezo. ([11]) Esta é uma explicação
plausível. No entanto, penso que uma outra exegese pode ser dada.
Denis Diderot adverte contra o trejeito de
tudo destruir na vida. política. É preciso, diz ele, que os cidadãos
tenham esperanças na virtude cívica. Quem afirma que tudo no Estado é péssimo,
enfraquece a resistência dos homens comuns. Muito fácil dizer que na teia
estatal reside uma aranha voraz: difícil é produzir seres humanos capazes de
vencê-la. Quando os críticos indicam apenas o pior no Estado, colaboram com a
tirania: a multidão desmoralizada tende para a passividade e aceita qualquer
tirania. E as tiranias, não raro, começam com os golpes de Estado que produzem
extrema aparência de instabilidade aos governos, retirando as esperanças de
salvação para as pessoas particulares. Uma tarefa essencial, portanto, de todos
os que possuem responsabilidades no Estado, é manter a confiança dos cidadãos.
Sem isto, não ocorre governabilidade e a justiça tende perigosamente a ser definida
apenas como um complexo ensandecido de vinganças. Estas, por sua vez, apenas
enfraquecem a racionalidade pública e exacerbam o uso feroz da força física.
Dito isto, passemos a alguns pontos essenciais sobre a ética. O que indicarei a
seguir tem sido uma constante de minhas alocuções, tanto ao Ministério Público
quanto aos mais variados setores da vida nacional. Após a inspeção no fato
ético, terminarei deduzindo alguns pontos essenciais, no meu entender, para o
Ministério Público que se deseje democrático.
Ética
Há na fala cotidiana e mesmo na política,
para não nos referirmos aos debates jurídicos, uma passagem ambígua e pouco
justificada entre a ética e a moral. O mais comum é se imaginar que a primeira
possui caráter imperativo, como se ela reunisse uma tábua de valores e normas a
serem aplicadas aos casos particulares. Dá-se também à moral um estatuto
rígido, como se ela estivesse vinculada aos campos mais restritivos dos juízos
comportamentais. Na filosofia grega, a ética integra a doutrina geral da
virtude, definindo um fato coletivo. Ela reúne as práticas hoje distantes, mas
na época grega conexas, da economia (uso dos recursos dos lares e gestão dos
meios e riquezas comuns à família), da política (prolongamento da economia,
pois se trata de ordenar a riqueza e a pobreza da cidade/Estado). Finalmente,
temos a retórica, o modo pelo qual os cidadãos devem dirigir suas falas à
assembleia na defesa de pontos de vista estratégicos, quando se tratava da
guerra, interesses grupais ou jurídicos.
Se a economia e a política encontram-se em
campos fixos, a retórica tem o privilégio da instabilidade. A palavra que
origina o termo retórica — rhein —
indica o que flui e não encontra obstáculos fixos à sua operação. Se a riqueza
econômica e o bem público só podem ser tratados dentro de limites fixos, pois
são substâncias estáveis do coletivo, a palavra dos cidadãos, instável e
polimorfa, não recebe limites na assembleia ou tribunais. Ser livre, na Grécia,
é possuir o direito de falar sem obstáculos físicos ou anímicos. Uma virtude
política por excelência — a parrhesia — é a fala sem amarras, só concedida aos
cidadãos livres. Quem tinha o costume de tratar as coisas públicas, adquiria as
referidas “virtudes”, sendo nelas treinado desde o final da infância. Agir segundo
os padrões da cidade nas assembleias guerreiras ou pacíficas, ou nos tribunais,
tornava- se algo “natural”. Esta forma coletiva de agir, adquirida e operada
sem reflexões se definia como hexis, o hábito, o costume, donde surge a palavra
“ética”. A política, a economia e a retórica reunidas sob o vocábulo hexis, existiam como realidade visível.
Nada podia ser escondido dos olhos cidadãos. Os atos virtuosos eram praticados
nas praças públicas, nos campos de treinamento e nas guerras. O exemplo visível
possibilita a mimesis, imitação dos
atos e falas livres. Aprender a cidadania é treino do olhar e dos gestos, que
devem repetir o modelo, o paradigma proposto para ser obedecido e seguido.
“Paradigma” surge na língua grega unido a deiknumi
cujo sentido é “mostrar”, “indicar”. Quando acrescido da partícula “para”,
significa “mostrar, fornecer um modelo”. A raiz deik, refere-se ao ato de mostrar mediante a palavra, mostrar o que
deve ser seguido. Daí na noção de paradigma ser estratégica a união com a
palavra dike, a lei, a regra. ‘
A ideia da publicidade da lei surge a partir
daí. A lei, o modelo ou paradigma eram postos diante do olhar de todos, para
que ninguém a ignorasse. O grande abalo do bloco ético visível o qual temos
notícia foi o caso de Sócrates, que desejou ter razão contra a ética da cidade.
Julgado e condenado, ele inaugurou a autonomia do indivíduo diante do coletivo.
Sócrates pode ser dito o pai da moral. A fonte de valores e o paradigma para a
consciência invisível dos sujeitos. Esta tendência se exacerba com I. Kant.
Basta lembrar a Crítica da Razão Prática: “duas coisas enchem meu coração de
respeito. O céu estrelado diante de mim e a lei moral em mim”. O céu estrelado,
a visível pesquisa empreendida por Newton. A lei moral em mim, a invisível e
sublime experiência dos valores, exposta por Rousseau. O céu estrelado, a ciência que
opera com fenômenos, o que vem à luz. A lei moral, algo que só posso atingir,
no meu íntimo. Na filosofia kantiana a ética foi atenuada em proveito da moral.
Como reação a esta hegemonia kantiana da moral, no século XX acentuo, retomando
idealmente a Grécia, o ético enquanto visível e transparente coletivo. O
pensamento germânico entende a ética, coerente com as raízes gregas, como o
conjunto dos costumes visivelmente adquiridos ou ensinados aos grupos sociais e
aos indivíduos. Ética é a conduta que se tornou hábito.
Contra I. Kant, na Filosofia do Direito
Hegel indica que a ética, embora pertença ao mundo de valores e hábitos, pode
ser colhida de modo não subjetivo. Ela não é de todo livre para os indivíduos
de uma sociedade histórica, pois eles nascem em tempo e espaço definidos e em
um coletivo cujos valores se expressam em hábitos comuns. O ethos grego é traduzido por Hegel na
palavra Gewohnheit (hábito) que não
se exerce apenas na invisível consciência individual, mas numa sede (Sitz) comum a muitos indivíduos. Na
ética os indivíduos agem em comum com os mesmos padrões de comportamento, desde
os corporais até os espirituais. Eles agem de certo modo, possuem certa língua
comum, usam traços semiológicos comuns para se comunicarem com os semelhantes.
A ética pode perfeitamente ser visível a todos os que compõem o universo
pensante e particularmente visível e significativa para quem possui chaves de
interpretação dos sinais particulares a um grupo, a uma sociedade, a um povo.
Agir no mundo ético é operar como se cada um estivesse “em casa”. Um alemão
sente- se “em casa” se encontra outros alemães. Um francês idem. Um alemão
católico sente- se ainda mais em casa se encontra outros alemães católicos.
Quanto mais os signos utilizados (e produzidos pelos homens no tempo histórico)
forem comuns, mais “em casa” está o indivíduo. E surge o problema: o hábito
comum não seria um obstáculo para que os indivíduos percebessem que suas
atitudes, valores, etc., poderiam ser nocivos ao grupo e aos próprios
indivíduos? Um preconceito partilhado coletivamente não deixa de ser
preconceito.
E temos a questão da justiça e da ciência. A
partir dessa dúvida a ética se dedica à pesquisa das variações comportamentais
ao longo da história dos povos e dos grupos em seu interior. Ela busca
descrever os costumes de cada povo ou grupo. Descrever de modo rigoroso, sem
aplicar ao grupo estudado normas e valores alheios a ele, tal é o primeiro passo da ética. Só após
captar os valores de um conjunto social determinado, pode a reflexão
compará-los aos hábitos de outras comunidades. Assim, a ética pretende atingir
um âmbito mais amplo de valores do que a moral, sem prender-se aos indivíduos
que os empregam. Se é verdade, como queria I. Kant, que a ciência não se faz
com a moral, e vice versa, não é menos verdade que os hábitos integram-se em um
grupo com determinações mais amplas do que as individuais.
O indivíduo possui hábitos comuns com o seu
grupo de referência e pode ter seus atos e pensamentos acompanhados por este
grupo. A sua comunidade, por sua vez, insere-se num determinado coletivo
nacional e este integra a comunidade internacional. A passagem lógica e prática
dos indivíduos ao universal não é mais, como em Kant, do exterior à moralidade,
sendo um visível e a outra invisível, mas entre níveis diversos de
visibilidade. Tomemos um brasileiro. Os signos entre os quais ele se move, que
definem a ética da sociedade em que ele nasceu e vive, adquirem determinada
figura. Mas se ele também é protestante, os signos que determinam seu agir
diferem dos que movem os católicos, os ateus, etc. Se pertence a um grupo
peculiar, como os Promotores de Justiça, os signos e atitudes que aprende, que
exercita, que amplia e atualiza, são bem diversos dos que são exercidos nos
demais setores do Estado e da sociedade.
O mundo social pode ser descrito como uma
sequencia de esferas, cada uma com a sua lógica e ética próprias. A esfera
maior, o Estado, encarrega-se de administrar as demais. Em cada um destes
círculos, os indivíduos aprendem sinais, gestos, linguagem própria. Do culto
religioso às instituições (onde se desdobram linguagens, signos, gestos
paradigmáticos), eles aprendem a distinguir o que pertence a cada uma das
esferas, não introduzindo por ignorância ou arbítrio o que é habitual em uma
delas em outras. Caso contrário, a mistificação se instala em todos estes
domínios. Nada pode ser dito dos indivíduos sem levar em conta o que eles
adquiriram de maneira coletiva. Se ninguém nasce Promotor de Justiça, nem por
isto deixa de ser verdade que “ser promotor” só passa a ter sentido para os
indivíduos no interior da comunidade visível, ética, que se determina segundo
paradigmas, linguagem, etc., daquele ramo jurídico. Não existe nenhum “promotor
inefável, intangível, invisível”. Estes traços definem a ética de seu grupo, a
qual é diferente da que define o coletivo dos físicos, dos artistas, dos matemáticos, etc.
A ética não se imiscui de modo arbitrário,
com uma tábua de valores particulares e externos à prática deste ou daquele
grupo social, deste ou daquele povo, deste ou daquele segmento do saber. Ela
não fala a partir do dever-ser, mas de como um determinado coletivo age e se
constituiu histórica e socialmente. Mas quando os hábitos mostram-se benéficos
ou maléficos à humanidade? Apenas no campo mais amplo do Estado, onde as
esferas se reúnem e se definem umas em relação às outras. Cabe ao Estado,
reunião de todos os indivíduos, classes e movimentos, verificar, através da
inspeção permanente dos hábitos e valores dos grupos, quais práticas e signos
são adequados ou nocivos ao todo social. O Estado delimita o âmbito e as
pretensões dos grupos particulares. E como os limites do próprio Estado são
definidos? Esta dificuldade data da Revolução Americana e da Revolução
Francesa. Sendo o Estado um impositor de limites aos grupos e indivíduos que
nele se movem, a sua instituição controla os hábitos físicos e mentais dos
setores que nela se movem. O Estado, não raro, ultrapassa seus próprios limites
e tenta impor padrões de comportamento e valores aos grupos particulares.
A Constituição norte-americana e os direitos
dos cidadãos, produzidos na Revolução Francesa, indicam as barreiras que devem
existir, protegendo do Estado os indivíduos e os grupos. Os Estados tendem a
ultrapassar as cancelas que salvaguardam as múltiplas éticas dos setores
estabelecidos em seu interior. Assim, na extinta URSS, o Estado atribuiu- se o
direito de impor normas éticas usando doutrinas oficiais. Mas não apenas o
Estado pode querer intervir nas éticas dos grupos particulares. Movimentos
religiosos julgam-se com o direito de definir o monopólio ético contra os
grupos científicos, artísticos, etc. O fundamentalismo cristão ou qualquer
outro tipo de fundamentalismo religioso desconhece hábitos e signos dos grupos
científicos, artísticos, etc., tentando impor-lhes, de cima e do exterior,
regras alheias ao seu costume. Como harmonizar os pressupostos do Estado e dos
movimentos de massa, religiosos ou ideológicos e o direito dos indivíduos e das
minorias? A resposta eficaz é o Estado de Direito. Nele, nenhum grupo possui a
qualidade de ser o representante único do coletivo. Todas as atitudes éticas
recebem equivalência no plano do pensamento, e isto é o princípio da equidade.
Estado de Direito porque nele a democracia se rege por leis adotadas pelo mesmo
Estado, na sua face legislativa, as quais podem ser interpretadas e corrigidas
pelo Judiciário. O executivo tem os dois outros poderes como limites da sua
ação. Deste modo, os grupos do social podem ser ouvidos no Parlamento ou nas
Cortes de Justiça.
Democracia sem Estado de Direito é despotismo
da maioria ou de um ou outro setor social. O Estado de Direito tem como
conditio sine qua non a democracia.
Os limites éticos só podem ser definidos no interior do Estado de Direito. E
agora temos a grande importância do ideal ético e de sua visibilidade, para
além da moral que reside apenas na invisível consciência subjetiva. O rigor
democrático exige ampla transparência dos negócios públicos. Para Norberto
Bobbio “pode-se definir a democracia dos modos mais diversos. Mas não existe
definição na qual possa faltar o elemento que caracteriza a visibilidade ou a
transparência do poder. Governo democrático é o que desenvolve a sua atividade
própria em público, sob os olhos de todos. E deve desenvolver a sua atividade
sob os olhos de todos porque todo cidadão tem o direito de ser posto à altura
de formar para si mesmo uma opinião sobre as decisões tomadas em seu nome. De
outro modo, por qual razão deveria ser chamado periodicamente às urnas, e sob
quais bases poderia exprimir o próprio voto de condenação ou aprovação?”.
Governo que usa o segredo nas políticas públicas, conclui Bobbio citando Elias
Canetti, “não transforma a democracia, mas a perverte. Não fere mais ou menos
um ou outro órgão vital da vida democrática, mas a assassina”.([12])
Ao contrário da moral, onde a luta de todos
contra todos é infindável, visto que todo indivíduo ou grupo postula que a sua
norma é a mais adequada para eles ou para o todo, a ética procura encaminhar os
conflitos dos grupos através do debate social, chegando ao parlamentar, às
decisões e juízos dos tribunais, definindo uma isonomia dos grupos no seu modo
de ser particular. Entre o nível em que se encontram os grupos particulares e o
todo do Estado, há uma escala de universalização da responsabilidade e da
eficácia. O Estado moderno foi produzido para proteger as pessoas da morte e
para facilitar sua vida, ampliando o tempo da existência e adiando o mais
possível o seu fim. O Estado que não provê os meios para que se produza a mais
fina e abrangente rede de instituições voltadas para a proteção da vida, não
cumpre a finalidade para a qual lhe é entregue o monopólio das (12) Cf. Bobbio, Norberto: 226
políticas
públicas. No Brasil, nota-se um afã que aumenta em nossos dias, de aplicar
códigos de ética. Antes de procurar impor limites morais à ação alheia, eu
diria que é prudente verificar em qual sociedade, quais valores se impõem nos
grupos que definem o coletivo envolvente. No caso brasileiro, os costumes, a
ética socialmente hegemônica, definem coisas odiosas. Uma sociedade onde reina
a capangagem, onde quadrilhas se apossam do Estado e dele sugam, através da
corrupção, o excedente econômico, uma sociedade onde o Judiciário se cala
diante dos abusos do Executivo e deixa incólumes notórios criminosos, uma
sociedade cujo Congresso Nacional “absolve” seus integrantes criminosos e
persegue cidadãos desarmados (o caso Francenildo não pode e não deve ser
esquecido), é uma sociedade cujos costumes precisam ser modificados para
melhor.
Ministério Público
No primeiro instante analisei as pressuposições
definidas por Maquiavel e por Spinoza sobre a governabilidade. Acentuei o
quanto, para os dois mais profundos teóricos modernos da política e da ética, é
preciso que o Estado seja provido de instituições que impeçam a vingança dos
cidadãos contra os poderosos e contra a própria massa inteira da cidadania em
situações de crise. Maquiavel aponta para os acusadores oficiais como
instrumentos básicos de governabilidade e de salvação pública. No caso exemplar
de Coriolano, nota-se a intervenção providencial dos referidos acusadores
públicos, encarregados de impedir o massacre de um general poderoso, o que
traria o incremento da guerra civil. Em nossa terra, o Ministério Público
cumpre (ou deve cumprir) o papel de acusador oficial que, sine ira et studio, indica os que violam a lei e providencia para
que a massa dos cidadãos não sinta insegurança na aplicação das normas
universais do direito. Cabe-lhe um papel estratégico na governabilidade,
portanto: sem o Ministério Público, os operadores dos três poderes e os que
movem a sociedade civil tendem a desconhecer os limites de seu mando e
legitimidade. Sem a vigilância do Ministério Público as autoridades
constituídas tombam na imprudência e desafiam a opinião pública com atos e
providências que escandalizam, em primeiro lugar, mas produzem a sensação de
que as leis e o próprio Estado são instrumentos de alguns contra a maioria dos
cidadãos.
O Ministério Público, portanto, ajudando poderosamente na aplicação
imparcial da lei, também auxilia o mundo democrático a não se perder na
ineficácia. É preciso, no entanto, que
os integrantes do Ministério Público saibam ler os sinais dos tempos, o
“momento maquiavélico”. Sem isto, eles não conseguem operar com destreza o
ofício que lhes é essencial: acusar sem preconceitos ou corporativismos todos
os cidadãos, governantes ou governados, que desobedeçam a norma universal. O
Ministério Público, sobretudo em terras onde a política é excessivamente
corrompida, como é o caso do Brasil, constitui uma das fontes mais vitais de
governabilidade e da legitimidade estatal.
No que diz respeito ao segundo
ponto, o da ética, o Ministério Público não pode esquecer que o mundo social é
uma policromia de valores e que todas as esferas sociais possuem o direito à
diversidade axiológica. E mais, que ele mesmo Ministério Público é uma
instância diversa das demais, com uma linguagem, gestos, juízos e costumes
específicos. Para bem cumprirem seu papel de acusadores isentos, os promotores
de justiça não podem ignorar que as ordens sociais possuem costumes e valores
éticos específicos, além dos gerais que definem a sociedade mais ampla. Se um
promotor de justiça, no trato com uma esfera particular da vida ética, digamos,
uma igreja ou universidade, deixa de respeitar os valores que ali imperam e
procura lhes impor normas axiológicas, ele trai ipso facto seu papel e sua
missão.
Se um promotor se dirige a um bispo católico não lhe concedendo os
títulos que seus liderados lhe atribuem, trata-se de uma violência em termos
antropológicos e éticos. Esta falta de prudência pode trazer ao Ministério
Público uma perda considerável de legitimidade. O mesmo numa universidade. Se
um promotor de justiça trata o dirigente máximo do campus sem os títulos e a
reverência que os docentes lhe tributam, com certeza será visto como um
estranho arrogante, perdendo o respeito e a legitimidade no mundo da ciência. O
mesmo pode ser dito para o trato do Ministério Público com todas as esferas
sociais e estatais, dos bairros pobres aos mais ricos, dos que não têm poder econômico
aos palácios. O promotor público não é um sacerdote da ética, sobretudo não é
apóstolo de uma ética particular. Ele deve conhecer e respeitar o pluralismo
ético que impera numa sociedade democrática, para assegurar a mais límpida e
inquestionável passagem das éticas das esferas menores para as normas do Estado
e vice-versa. Se determinado grupo social segue regras éticas nocivas ao
coletivo maior e viola a Constituição, só um Ministério Público isento possui
autoridade legítima para acusá-lo publicamente. No debate parlamentar e nas cortes de justiça, a
lei pode ser modificada ou não, segundo pareceres prudenciais rigorosos. Antes
disso, nenhum promotor de justiça pode se arrogar o papel de inquisidor ético.
A experiência negativa, trazida por casos notórios no cenário nacional recente,
não trouxe legitimidade ao Ministério Público, muito pelo contrário. Antes de
imaginar que o Ministério Público é o portador “da” ética, é preciso que os
promotores públicos individuais percebam a imensa paleta das éticas vigentes na
sociedade as respeitando. Quando os costumes de uma ou de outra esfera social
ou estatal colidem gravemente com as leis, cabe ao Ministério Público examinar
as causas do fato e denunciá-lo ao Estado. Mas isto deve ser feito sem circunscrever
os costumes éticos dos acusados ao campo ético do próprio Ministério Público.
Quanto mais livre de subjetivismo corporativo, mais a ação dos promotores de
justiça será eficaz na tarefa árdua de resgatar a confiança da cidadania no
Estado democrático de Direito.
[1] The
Machiavellian Moment: Florentine Political Thought and the Atlantic Republican
Tradition (New
Jersey, Princeton University Press, 1975).
[2] 2 “O
esforço para se conservar é o primeiro e único fundamento da virtude”. Spinoza,
Ética,
livro IV, Proposição 22, Corolário. Cf. a tradução portuguesa de Joaquim de
Carvalho (Lisboa, Relógio d’Água Ed., 1992), página 379
[3] Sempre que possível sigo a edição do Tratado
Político traduzida por Charles Apphun (Paris, Flammarion, 1966). O
cotejo é com o texto latino online
(http://home.tiscali.be/rwmeijer/spinoza/works.htm?lang=F) hoje acessível
universalmente.
[4] Visto que o Rei era o Pai do Povo, o costume
jurídico era designar os atentados contra ele como extensão do parricídio. A
literatura sobre o caso é amplíssima. Cf. Roland Mousnier: L’assassinat d’Henry IV
(Paris, Gallimard, 1964). E também Lutaud: Des Révolutions d’Angleterre à la Revolution
Française. Le Tyrannicide & Killing no Murder (La Haye, Martinus
Nijhoff, 1973).
[5] Quibus
autem mediis princeps, qui sola dominandi libidine fertur, uti debet, ut
imperium stabilire et conservare possit, acutissimus Machiavellus prolixe
ostendit; quem autem in finem, non satis constare videtur. Si quem tamen bonum
habuit, ut de viro sapientecredendum est, fuisse videtur, ut ostenderet, quam
impruder ter multi tyrannum e medio tollere conantur, cum tamen causae, cur
princeps sit tyrannus, tolli nequeant, sed contra eo magis ponantur, quo
principi maior timendi causa praebetur; quod fit, quando multitudo exempla in
principem edidit et parricidio quasi re bene gesta gloriatur. Praeterea
ostendere forsan voluit, quantum libera multitudo cavere debet, ne salutem suam
uni absolute credat, qui nisi vanus sit et omnibus se posse placere existimet,
quotidie insidias timere debet; atque adeo sibi potius cavere et multitudini
contra insidiari magis, quam consulere cogitur. Et ad hoc de prudentissimo isto
viro credendum magis adducor, guia pro libertate fuisse constat, ad quam etiam
tuendam saluberrima consilia dedit.
[6] Cf.
Matheron, Alexandre: “Passions et institutions selon Spinoza”, in Lazzeri,
Christian e Reynié, Dominique: La raison d’état: politique et rationalité
(Paris, PUF, 1992), página 141 e seguintes.
[7] Relatório do PNUD – Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (21/ 04/ 2004) indica o Brasil em primeiro lugar
na melhoria do processo eleitoral e no acesso pelo voto a cargos públicos, mas
fica em 15º lugar, no total de 18 países pesquisados, na adesão popular aos
princípios democráticos.
[8] “La forme de l’État doit demeurer la même et en
conséquence le roi doit être unique, toujours du même sexe, et le pouvoir doit
être indivisible”. Trad. Charles Appuhn Spinoza, Oeuvres (Paris,
Gamier-Flammarion, 1966), T. 4, página 65; “A forma do Estado deve permanecer a
mesma e, por consequência, o rei deve ser único, sempre do mesmo sexo e o poder
deve ser indivisível”. Trad. Norberto de Paula Lima (São Paulo, ícone
Ed.,1994), página 92; “The form of the dominion ought to be kept one and the
same, and, consequently, there should be but one king, and that of the same
sex, and the dominion should be indivisible” De Spinoza, Benedict Political
Treatise Electronic Text Center, University of Virginia Library
http://etext.lib.virginia. edu/toc/modeng/public/SpiPoli.html Uma tradução próxima
do original é a de Madeleine Francês nas Oeuvres complètes (Paris, Gallimard,
Ed. Pléiade, 1954), página 1039: “Un État doit continuer à presenter toujours
la même apparence extérieure. Par suite, un seul roi d’un sexe invariable y
doit toujours régner et l’Etat doit rester indivisible”.
[9] Cf.
Plutarco: De garrulitate in Oeuvres morales (Paris, Les Belles
Lettres, 1975), T. VII. Plutarco apresenta muitos casos de perda política
causada pela garrulice e pela circulação de rumores. A leitura destes escritos
é vital para se entender a raison d’État, o segredo, os golpes de Estado.
[10]“Quantos males teriam resultado à república
romana se tumultuosamente ele fosse morto: porque nascia a ofensa dos privados
aos privados, e esta ofensa gera medo, o medo busca defesa, a defesa proporciona
as cumplicidades, delas nascem os partidos na cidade, dos partidos vem a ruma
da mesma cidade”. N. Machiavelli: Discorsi sopra prima decada di Tiro Livio,
Livro primeiro, 8, in Opere a cura do Corrado Vivanti
(Torino, Eunaudi/Gallimard, 1997), I, páginas 217-218
[11] Cf. Marcel Lamy : Machiavel et la raison
d’État. Conférence prononcée au lycée Chateaubriand de Rennes le mardi 3
décembre 2002.Nosite http://cru.chateau.free.fr/textescru.htm
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