À MPD Dialógico, Roberto Romano afirma que “Brasil beira caminho sem volta”
Doutor em Ética e Filosofia, Roberto Romano defende que o debate
político precisa abandonar, com urgência, pressupostos discursos
ideológicos e ser direcionado para a resolução dos problemas sociais. Em
entrevista à MPD Dialógico edição 46 – Ética Crítica, expõe que esta é uma
questão fundamental para salvar a República porque, devido às crises
econômica e institucional, “estamos num momento decisivo do país e
qualquer exagero pode levar ao desmoronamento da sociedade”. Aos 69
anos, o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
argumenta que existe uma combinação entre comportamento ético e prática
política, a qual se mostra como nociva e danosa ao Brasil. Segundo
explica, o país vive um falso processo democrático cuja administração
pública está estruturada numa arcaica e perigosa concentração de poder
que não cumpre integralmente o seu papel de Estado. Além disso, entende
que a corrupção é sistêmica e relacionada a uma sociedade violenta, não
igualitária e envolvida com pressões econômicas e de poder. Duas vezes
vencedor do Prêmio Defesa dos Direitos Humanos concedido pela Associação
Juízes para Democracia (AJD), Romano sugere que algumas possíveis
soluções são a democratização dos partidos e a promoção de “um diálogo
cada vez maior ao contrário dessa guerra de ódio que se estabelece no
cotidiano entre as facções políticas”.
MPD Dialógico: Até que ponto ética e política são como água e vinho e não se misturam?
Roberto Romano: Na verdade, elas se misturam perfeitamente, mas
depende do que se indica por ética. A concepção comum sobre a ética a
trata como um conjunto de doutrinas e valores corretos e que trazem,
digamos, melhorias para a sociedade. Ética não é só isso, mas todo tipo
de comportamento, pensamentos e doutrinas que trazem para a sociedade
uma reiteração ou modificação da vida coletiva. Então, a ética política
pode ser boa ou péssima. Existe sim ética na política brasileira.
Trata-se de um amalgama de comportamentos nocivos e danosos, cuja
prática vem desde longa data. Este é o primeiro ponto. É muito difícil,
na análise ética, discriminar nos comportamentos o que neles existe de
positivo, bom e belo para a vida social e o que existe de ruim. Muitas
vezes as ações se misturam e um político pode fazer uma ação muito boa,
mas aquela é somente uma parte da coisa visível e constatada, podendo
ser que os motivos dele não sejam tão bons. Existem ações trincadas e de
difícil análise. Muito raro que um partido político seja sempre bom. Em
primeiro lugar, porque nele pode existir tendências não tão boas, que
mimetizam um comportamento correto até por oportunismo. Talvez surjam,
nos partidos, pessoas de comportamento péssimo que se aproximam dos bons
políticos por vários interesses, do econômico ao eleitoral. A pesquisa
no campo ético, portanto, precisa estar atenta aos matizes dos grupos e
personalidades. Jamais pode enunciar que certo coletivo “é” bom ou ruim,
sem paciente análise comportamental, de caráter, etc. Não raro, pessoas
com boas intenções marcam sua atuação por um grave autoritarismo, o que
proporciona inclusive a atividade de corruptos que se valem da boa fama
daquelas pessoas retas. Durante a Revolução Francesa, com os jacobinos
campeões da moralidade pública, Robespierre foi intitulado “o
incorruptível” e ainda existiram bandidos que agiam ao lado e à sombra
dos famosos líderes que lutavam contra a corrupção. E o próprio
descaminho da Revolução deu-se nas hostes jacobinas, as que lutavam
contra a antiga política corrompida. Foi dos jacobinos que surgiu o
golpe decisivo que fulminou a Revolução, no termidor que restabeleceu a
corrupção e o favorecimento dos que apoiavam o poder como política
usual. O último discurso de Robespierre na Assembleia Nacional, depois
de seu governo ortodoxo em termos morais, é elucidativo do problema: “Os
bandidos venceram!”. Alain Badiou, importante analista da esquerda
francesa, discorre sobre o fenômeno em um excelente artigo: “O que é um
termidoriano?”. O escrito pode ser lido numa coletânea dirigida por K.
Kintzler, La république et la terreur (Paris, Ed. Kimé, 1995). Outro
livro importante que trata da corrupção no período jacobino é de Michel
Benoit: 1793, la république de la tentation, une affaire de corruption sous la Ière Republique,
(Paris, L’Armançon, 2008). Ninguém pode garantir que um partido,
governo ou mesmo Estado (para não falar no coletivo religioso) seja
hegemonicamente honesto ou desonesto. A pesquisa e análise exigem rigor
epistemológico e prudência moral.
MPD Dialógico: Quais são, de fato, as raízes históricas da crise ética na política brasileira?
Romano: No momento, as análises sobre crise ética e política do
Brasil não deixam as datas recentes, conjunturais e, muitas vezes, elas
iniciam pelo resultado, quando deveriam se dirigir às origens. É preciso
ter uma visão cronológica ampla para entender tais pontos importantes. O
Brasil surge como coletividade no século 16 quando já se estabelecera
na Europa e em Portugal o poder absoluto do rei. Tudo passava pela
concentração de decisões, recursos financeiros inclusive, donde uma
série de práticas se instaura no sentido de conseguir títulos, recursos
pecuniários e poder. Esta era a prática de apoiar o rei. Outro elemento
importante para acesso aos cargos e benefícios era a necessidade de
encontrar padrinhos que ajudassem a chegar à fonte de benefícios, o
próprio rei. Os historiadores do antigo regime descrevem muito bem esse
tipo de prática. Era preciso ter uma espécie de corretor de favores. Com
essa mediação é criado um favor. Quem recebe o benefício deve pagar ao
rei e ao padrinho. Essa intricada forma absolutista domina o Brasil até
hoje. Aqui, como não existe lealdade partidária, ocorre a lealdade de
clãs oligárquicos – o político é leal a Renan Calheiros, José Sarney,
Fernando Collor – organizadores e distribuidores de benefícios mútuos e
não ideológicos.
MPD Dialógico: Como esta estrutura de favores se repete hoje?
Romano: O político importante favorece seus familiares, amigos e
mesmo inimigos. Essa concentração de favores, verbas e títulos no poder
central do rei e depois do imperador, continua no presidente. É uma
péssima ética do favor. Em vez de procurar mecanismos impessoais e
transparentes para qualquer ascensão política, o político está imerso na
rede de favores. E, digamos, praticamente nenhum partido político foge
desta estrutura. Esse é um grande facilitador da corrupção. Certo
indivíduo ou grupo é ajudado a conquistar uma eleição e, na hora de
ajudar por sua vez os que os socorreram, são duramente cobrados. É
estabelecida uma lealdade perversa, sem nenhuma outra uma razão correta
para aquele comportamento. A grande fábrica dos favores é a
centralização do poder nos impostos, nas decisões das políticas
públicas, com a inexistente autonomia dos estados e municípios. O
prefeito precisa trocar favores com deputado estadual, deputado federal,
senador para que estes políticos vendam esses favores para o Executivo,
nas votações congressuais que interessem à presidência da república.
MPD Dialógico: Neste aspecto, quais são as semelhanças entre a crise política brasileira e de outros países?
Romano: A teoria política europeia tem estudado cada vez mais o
apadrinhamento – uma prática que começou bastante forte nos Estados
Unidos, no Século XIX, e existia na Inglaterra, Alemanha e Itália. Os
partidos políticos disputam eleições e indicam, para as firmas estatais e
privadas, funcionários que servem de sugadores de recursos para
partidos e campanhas. Inclusive na Inglaterra do Século XIX, na
localidade de Chatham, em 1842, os membros do partido vencedor mandaram
cartas a Thomas Fremantle, dirigente partidário conservador que vencera
as eleições, dele exigindo os cargos que estavam nas mãos dos
perdedores. Quando fizeram a Operação Mãos Limpas na Itália, esta foi a
prática mais comum existente – o partido político apadrinha sugadores de
recursos. Para o assunto, mais que relevante no Brasil do vulgarmente
chamado “Petrolão” e das delações premiadas que testemunham o conúbio
entre partidos e empresas privadas ou públicas, os estudos que mencionei
são estratégicos. Cito, entre vários, o artigo de Jens Ivo Engels: “La
modernisation du clientélisme politique du XIX e e du XX e siècle. L
‘impact du capitalisme et des nouvelles formes d’organisation
politique”in Monier, Frédéric (org.)Patronage et corruption politiques dans l ‘Europe contemporaine (Paris, Armand Colin, 2014). Também Bourne, John M.: Patronage and Society in Nineteenth Century England (London, Arnold Ed. 1986). Os trabalhos mais completos sobre o assunto são os produzidos por Sofsky, Wolfgang e Paris, Rainer: Figurationen sozialer Macht. Autorität – Stellvertretung – Koalition
(Opladen, Leske und Budrich, 1991). A literatura é extensa, mas
infelizmente pouco utilisada por análises brasileiras. Sobre a Itália e a
Operação Mãos Limpas, cf. Briquet, Jean-Louis: “Les conditions de
félicité d’une croisade morale. Lutte anticorruption et conflits dans l
‘Italie des années 1990 in Révue Internationale de Theorie du Droit et Sociologie Juridique
número 72, 2009. Como se nota, o costume de colocar apadrinhados de
partidos em empresas é antigo e internacional. No Brasil, pioramos a
receita.
MPD Dialógico: Portanto, como analisar a atual crise?
Romano: O tempo da notícia e da comunicação é rápido e curto. Ele não
oferece as condições de analisar o fato na sua amplitude e
proporcionalidade. Nossa cultura é a da rapidez e da superficialidade.
Não temos tempo para digerir os fatos. Quando impera a diacronia no
plano da corrupção, um escândalo não acabou e outro já aparece. Isso
leva ao cansaço até mesmo das boas autoridades. Esse aspecto deveria ser
compensado em pesquisas e também no trabalho do Ministério Público, por
uma análise sincrônica, isto é, sistêmica. Os escândalos resultam de
uma forma estrutural do nosso poder de Estado e de sociedade que
funciona sempre ao mesmo tempo. No mesmo instante em que se descobre,
investiga e pune o Petrolão, no município X ocorre uma licitação errada,
feita de propósito. Há um sistema sincrônico de corrupção, propriedade
comum de todos os partidos políticos. Quando um partido promete acabar
com a corrupção e não muda a relação do poder federal com estados e
municípios, ele próprio é engolido pelo sistema. Foi o que aconteceu com
o PT ou setores do PSDB no Mensalão Mineiro. Buscamos sempre as causas
imediatas, as questões diacrônicas, mas não trabalhamos essas relações
com os poderes federais e com a estrutura de Estado. Por exemplo, a
questão federativa é sempre maltratada. Não se analisa como se
constituiu o Poder Executivo contra e sobre as províncias e,
posteriormente, os estados. Esta pauta é quase intocada. Evidentemente
os problemas éticos vão continuar. Mas se não muda essa estrutura, os
estados e municípios ainda serão reféns da troca de favores. Esse
mecanismo não é apenas falta de ética individual, é sistêmica.
MPD Dialógico: Como reverter este cenário político?
Romano: O estado tal como vemos hoje passa por um enfraquecimento
planetário. A máquina estatal brasileira é anacrônica. Os cidadãos no
Brasil não são consultados. François Hotmann, no Franco Galia,
importante livro sobre os direitos dos cidadãos e os limites a serem
impostos aos governantes, diz que quando se trata de discutir questões
de Estado, deve ser ouvido quem arca com as despesas e os recursos, os
contribuintes. Nos países europeus e Estados Unidos, existem alguns
mecanismos de consulta, no Brasil, temos o monopólio do Governo Federal
que impõe políticas públicas sem consulta. Algumas coisas são caricatas
como Kit Primeiros Socorros, foram impostos e aposentadas porque iam
contra até mesmo a realidade geográfica do país. Há diferença entre o
Sul e a Amazônia, onde os carros cedem lugar aos barcos… Todas as
políticas públicas de educação, ciência e tecnologia, segurança são
impostas de Norte a Sul ignorando-se as diversidades regionais e
culturais deste imenso país. Há uma uniformização absurda a qual requer
uma burocracia imensa que a autonomia dos entes federados. A máquina
estatal brasileira não está, pelo menos informada, dos benefícios
trazidos pelas Revoluções Americana, Inglesa e Francesa. A
responsabilização do legislador e do gestor público exigiria atenuar a
concentração dos poderes da presidência federativa. Alguns juristas
chegam a dizer que nosso país ainda é um império, ou uma presidência
imperial. Veja-se o artigo do professor Fábio Konder Comparato, “Réquiem
para uma Constituição”. Eu acrescento que o poder central age como
vencedor que exige dos vencidos o butim de 70% dos recursos. Se
tivéssemos uma estrutura federativa de fato, o município, lugar que mais
gasta em toda Federação, o orçamento mais importante seria o municipal,
depois o do estado e finalmente o do Governo Federal.
MPD Dialógico: Como o senhor avalia a legitimidade das manifestações de 2015?
Romano: Na verdade eu começaria com as manifestações de 2013. Existe
uma falsa ideia que o povo brasileiro é pacífico e não protesta por
direitos. No século XIX, ocorreu a Revolução Farroupilha, além da
Balaiada e de Canudos, todas esmagadas pelo monopólio da força física.
Portanto, temos a manifestação de setores inteligentes contra forças do
poder. Tais fatos se transformam em mito nas escolas, mas não se atenta
para o aspecto político mais amplo. No século XX, a Ditadura Vargas
ensinou o medo e não pacifismo para a população. A Ditadura de 64 também
abusou da força física e do monopólio legal. Ao longo da história, o
povo brasileiro foi às ruas para lutar contra o arbítrio e a tirania,
mas acabou esmagado. Estamos longe de uma democratização política de
fato. Com a queda da ditadura civil militar de 1964, houve a volta de
civis ao poder. Essa é uma troca no plano político que não responde
totalmente às aspirações populares. Tomemos por exemplo a inflação. Ela
vem do abuso econômico e físico exercido na ditadura e ultrapassou
limites terríveis no Governo Sarney. Ela continuou no período Collor. O
desespero causado pela inflação é um grande instrumento de atemorização.
Com o Plano Real, houve um alívio da cidadania. O que a fez escolher os
dirigentes que garantiram aquele Plano, Fernando Henrique Cardoso e
Luis Inácio da Silva. O medo do retorno da inflação falou mais alto do
que as ideologias políticas. Outras medidas governamentais pouco
ajudaram a mudar a estrutura do poder e o abuso, entre nós, da norma
jurídica e da força física. A Polícia continua torturando, os planos
econômicos são impostos de cima para baixo. Se levarmos em conta as
prescrições já seculares de Gabriel Naudé, nas Considerações políticas sobre o golpe de Estado
(1640), todos os “planos econômicos” brasileiros foram golpes de
estado, porque feitos no segredo e impostos ao país, sem a possibilidade
de serem barrados. À medida que os serviços públicos pioram, um número
crescente de cidadãos se organiza e se mostra cada vez mais
insatisfeitos com o Estado e a estrutura política brasileira. E surgem
manifestações de rua. Elas começam em 2013 com reivindicações de
serviços básicos como transporte, educação, saúde, segurança. Em 2013, o
povo saiu da anestesia gerada pelo Plano Real, que venceu a inflação
temporariamente, mas que não ajudou a mudar o modo de governo e o
andamento das políticas públicas no país. Claro que notícias como
corrupção são elementos a serem acrescidos à gênese das manifestações.
Ainda aquela falsa opinião de quem está na rua é de direita ou esquerda.
Um erro basilar de análise política é restringir o debate sobre o
caráter ideológico dos manifestantes, se eles são de esquerda ou
direita. Mesmo que exista uma coloração de direita, o fato é que a
grande massa está mesmo insatisfeita com o fisco brasileiro, a ausência
de mudanças no campo, a precária oferta de serviços públicos, a ausência
de segurança. As últimas notícias trazem à consciência o que todo
brasileiro negro, pobre, ou pertencente a minorias conhece: a polícia do
Brasil é uma das mais violentas do planeta.
MPD Dialógico:
O que o senhor diria aos que defendem intervenção militar?
Romano: Isto é o produto do servilismo imposto pelas armas a partir
do Século XIX. São pessoas intimidadas que têm a confiança no fuzil como
garantia da Lei e da Ordem. Elas se enganam profundamente. Quanto mais o
Estado abusa do poder, menos segurança coletiva existe. Uma propaganda
insidiosa e anônima insiste em apresentar o brasileiro como povo
corrupto. Mas, se pensarmos três minutos veremos que, num país de 500
anos, quem sempre teve a arma, e pode usá-la contra o cidadão desarmado,
tem a força. O pagamento de propina entra nessa lógica do servilismo,
pois é algo ensinado e reiterado para a população brasileira. É tão
enraizada entre nós essa ideia do monopólio da força física. Quando foi
instituído o Ato Institucional No5, alguém disse que o presidente da
República recebia poderes tremendos e que ele poderia abusar. Como um
bajulador afirmou que Arthur da Costa e Silva jamais abusaria daquele
diploma, o vice-presidente Pedro Aleixo deu a famosa resposta: “o
presidente não abusará, mas e o guarda da esquina?”. Ele perdeu a chance
de substituir Costa e Silva em seu impedimento por doença, devido a
semelhante resposta lúcida e corajosa. O monopólio da força física
começa no alto, com o presidente, mas se efetua no revolver do policial,
do guarda civil e até mesmo dos chamados “seguranças” que matam não
raro impunemente. Assim, quando um polícia exige sua carteira e o ameaça
de prisão, sugerindo algum “pedágio” para o livrar das penalidades,
temos a corrupção do Estado e o terror armado contra o cidadão. Lembro
novamente: no século XX duas ditaduras aumentaram o medo e o servilismo
do povo. Por tal motivo é admirável o ressurgimento das manifestações
públicas, mesmo sob forte repressão policial como ocorreu em 2013 e
depois antes da Copa.
MPD Dialógico: Afinal, a sociedade brasileira é corrupta?
Romano: Eu diria que existe o jeitinho, mas é errônea a ideia que
acadêmicos e jornalistas passam sobre a sociedade brasileira, como se
sua essência fosse corrupta. Aqui temos práticas corruptas sim, como em
toda sociedade. Quer sociedade mais hipócrita e corrupta do que a Suíça?
Quando se falou muito, após pesquisa equivocada do IBOPE, sobre a vida
nacional como uma das mais corrompidas do planeta, insistir junto aos
jornalistas para o erro da avaliação. Certo dia, um jornalista começava
com aquele enunciado como se fosse dogma. Disse-lhe: “alto lá! Tenho
comigo, agora mesmo, um relatório sobre certa licitação fraudulenta em
município… da Suécia”. Ouvi um resmungo e logo a entrevista foi
finalizadas. A China a cada instante fuzila algum corrupto, sem falar
nos Estados Unidos que tem muita corrupção, a Rússia, a Itália, etc. É
preciso visão planetária para perceber o que nós realmente somos: uma
sociedade violenta, regida pelo favor, não igualitária, p marcada pelas
pressões do poder econômico e social, preconceituosa, inimiga das
minorias, inimiga dos homossexuais, insensível ao sofrimento das
mulheres e crianças batidas e violentadas pelos maridos e pais. Nossa
ética não é bonita, vivemos a ética política do favor, da imposição, do
não diálogo com o cidadão, que prioriza o Estado em detrimento da
cidadania. Um exemplo de desrespeito ao cidadão e que demonstra uma
absoluta dissimilaridade não democrática é quando o governante se torna
mais importante que o governado. Quando apareceram denúncias de uso, por
Sarney, de helicóptero que deveria servir à saúde da população (no
itinerário de sua ilha da fantasia ao Palácio), o senhor Luís Inácio da
Silva disse que ele não era um “homem comum”. Numa república e ainda
mais, numa república democrática, não existem homens incomuns, ou
nobres. Estaríamos longe de designar os poderosos e ricos como “boni
viri” a exemplo da aristocrática Roma.
MPD Dialógico: Como renovar a política nacional sem falsas promessas?
Romano: O Brasil vai sair da UTI à medida que a população se
manifeste, se precaveja, se prepare e exerça seu papel. Ela tem feito
isso com algumas modificações importantes. Em 2013, existia no Congresso
uma série de propostas como, por exemplo, a alteração da Lei da
Improbidade Administrativa e a terrível PEC-37 que retirava do
Ministério Público o poder de investigação. As manifestações daquele ano
ajudaram a impedir essas desgraças. Por ação da cidadania, se conseguiu
a Lei da Ficha Limpa. Portanto, pouco a pouco se adequa a administração
pública à correta ética. Mas, ainda é preciso exigir a democratização
dos partidos políticos porque eles são oligarquizados, constituem
propriedade de grupos ou pessoas que lá estão há anos, conhecem todos os
segredos partidários e não respondem aos militantes de base. Por
último, o único recurso que a cidadania brasileira tem reside nela
mesmo. Ela tem alguns instrumentos que ajudam muito na guerra contra o
péssimo uso da res publica, batalha como o Ministério Público, que tem
cumprido muito bem seu papel e não o teria feito sem a autonomia
conferida em 1988.
MPD Dialógico: Como espera que seja o futuro do país em curto prazo dadas as crises institucional e econômica de hoje?
Romano: Vejo com preocupação o que ocorre no Brasil. Precisamos de um
diálogo cada vez maior, ao contrário dessa guerrilha de ódio
estabelecida no cotidiano entre as facções políticas. Precisamos que o
debate político seja canalizado para os problemas nacionais, atenuando o
lado supostamente ideológico, porque estamos diante do velho desafio,
conhecido desde a Roma antiga, de salvar a República. Estamos num
momento decisivo do país e qualquer exagero pode levar ao desmoronamento
da sociedade. Estamos entrando num caminho que pode não ter volta.
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