Paz e justiça entre as nações são debatidas no curso “Teorias da Justiça”
O professor Roberto Romano ministrou ontem (30), a aula “Paz e justiça entre as nações” no curso de formação continuada Teorias da Justiça da EPM. A exposição teve a participação do subcoordenador do curso, professor Luiz Paulo Rouanet.
“Paz e
justiça entre as nações é algo muito complicado. Eu não me refiro aos
últimos eventos beligerantes no mundo, e sim à história da humanidade.
Se quisermos perceber a profundidade desse tema, temos que descer bem
fundo nos dias em que estamos no planeta, pois este tema envolve
assuntos que atormentam a sociedade desde os primórdios da história”.
O professor iniciou a preleção com a análise de uma obra de arte contemporânea, o filme 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick. Depois, regressou à antiguidade clássica e discorreu sobre as obras História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides e A República, de Platão. Teceu, finalmente, considerações sobre alguns teóricos da guerra, da Justiça e da paz.
As
observações do palestrante sobre a filmografia de Kubrick buscaram o
fundamento da ideia da perpetuação da beligerância entre nações, fator
de interdição da realização ou o simulacro da Justiça. “Nas cenas
iniciais, assistimos o nascimento da humanidade, e com ela, o parto da
violência (...). Entre a ciência e a literatura, temos o porrete; há
uma evolução que refina a força corrosiva da técnica e da ciência. E
não existe salvação nos sentimentos, pois eles são tirânicos por
natureza. A Justiça surge como sombra enganosa que preside o nascimento
do Estado e habita os sonhos dos homens; mas quando eles acordam, o
pesadelo da violência estatal ou particular reaparece com a sua figura
assustadora. A razão de Estado impera em 2001. Nele, a violência se
refina e se torna a cada instante mais cruel e profunda. O medo controla
as decisões de homens e máquinas. Em Kubrick, o ente humano deseja a
morte, e a técnica é um instrumento para atingir tal fim”.
Na análise
que desenvolveu sobre a obra de Tucídides, o professor sublinhou que, de
acordo com o historiador, os atenienses foram levados à guerra que
destruiu Atenas por razões de Estado, mas por interesses particulares.
“Somos levados a discutir o funcionamento estatal das instituições, mas
esquecemos muitas vezes os interesses privados que estão na guerra, na
diplomacia, etc., observou o filósofo”. Adiante, fez uma reflexão sobre a
“delicada passagem das razões de Estado para as razões do interesse
privado”, analisando o período do governo democrático de Sólon.
Discorreu também sobre o discurso de Trasímaco, na República, de
Platão, em que se discute o conceito de Justiça como algo imutável e
perfeito e se debate sua concepção como conveniência dos mais fortes ou
dos mais fracos.
Em
prosseguimento, Roberto Romano falou sobre a questão de política interna
do relacionamento da cidadania com os poderes de Estado. Flagrou, no
Renascimento, o poder de Estado nascente centralizado, examinado por
François Hotman (1524-1590) intelectual e jurista protestante, no livro clássico do Direito Público Franco-Gallia, “em
que se encontra a tese que procura manter os direitos da cidadania
contra os magistrados, um embrião daquilo que chamaríamos soberania
popular “.
A recidiva da “guerra de todos contra todos”
Na perspectiva do movimento pendular da “guerra de todos contra todos”, tese defendida por Thomas Hobbes (1588–1679),
o professor discorreu sobre a obra de autores considerados críticos do
projeto de paz perpétua kantiano, “quase caracterizando como
irrealizável ou infundado na natureza humana”. Ele citou Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770–1831) e Johann Gottlieb Fichte (1762–1814), este último autor de Sobre Maquiavel como escritor e excertos de seus escritos, onde recupera e desenvolve pressupostos da força definidora da relação entre as nações, já hauridos por Tucídides e Platão.
“Segundo
Fichte, se as nações se descuidam um minuto de expandir o seu
território, outras concorrentes aumentam. Esse é um ponto básico, e não
adianta falar de Justiça ou de Direito, pois é essa lei que define o
padrão do relacionamento internacional”, sustentou o professor.
Roberto
Romano examinou o termo “pleonexia”, “que significa vontade de ter mais –
mais poder, mais riqueza, mais honra, etc., mencionado pelo historiador
grego Tucídides (460 a.C.–400 a.C.) na História da Guerra do Peloponeso,
e recuperado por Hobbes como um erro inerente à condição humana”. De
acordo com o professor, esse impulso opera na alma humana 24 horas por
dia, com intensidade, e não se encontra limites para essa expansão,
tanto do ponto de vista dos interesses dos estados quanto de
particulares.
O filósofo
sustentou finalmente que, desde a antiguidade até os nossos dias,
ensaios de controle do poder político fracassaram quase inevitavelmente.
“A Liga das Nações e a ONU fracassaram na tentativa de impor normas de
conduta às potências, sobretudo as de grande porte. Vivemos uma situação
perene, em que os interesses privados de grandes corporações econômicas
ditam as regras dos poderes estatais nas guerras: o fornecimento de
armas, crédito para sua compra, a arregimentação de mercenários,
ideologias fundamentalistas cristãs ou islâmicas, enfim, todo um
complexo de interesses privados afasta os entes estatais da justa paz
mundial”.
Em suas
considerações finais, Roberto Romano asseverou que, no sistema de
poderes, o medo entre Estados é mantido, mesmo após o final oficioso da
Guerra Fria. “Até hoje, os homens convivem com a ausência de uma
autoridade que, acima dos estados, poderia proteger uns dos outros.
Nenhum Estado deixa de possuir forças armadas, sinal de insegurança
diante de inimigos atuais ou potenciais. A cautela ronda os poderes, o
que os leva a fabricar, ainda na frase de Hobbes, “teias de espiões em
todas as esferas da vida pública e privada”.
Curso
Iniciado no dia 9 de março, com aula inaugural do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo e coordenador do curso, desembargador
José Renato Nalini, o curso Teorias da Justiça teve continuidade no dia
16, com a palestra “Contratualismo moderno”, proferida por Rolf Kuntz, e
no dia 23, com aula ministrada pelo professor Anderson Vichinkeski
Teixeira sobre o tema “Concepção de
Justiça em Hobbes e Kant”. O módulo inicial do curso, “Fundamentos
Modernos da Justiça”, prossegue até o dia 13 de abril.
ES (texto e foto)
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