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segunda-feira, 13 de março de 2017

Cobrar imposto dos mortos. Roberto Romano


Cobrar imposto dos mortos.


A fúria de arrecadação exibida por Brasilia acelera os piores danos à vida nacional. A presidente ameaça dia sim, dia não : aumentarei impostos. Depois da natimorta CPMF, batizada com outro nome para enganar governadores, o contribuinte brasileiro é aterrorizado pelo fisco que ameaça arrancar o alimento da sua mesa. João Santana profetizou, sem pudor algum, que Marina Silva arrancaria o sustento dos pobres. Roussef cumpre o vaticínio. A sordidez das mentiras espalhadas na campanha da candidata oficial já irritou 70% dos brasileiros. Com novos impostos, a vergonha será enterrada em definitivo pelo Planalto.

Mas o que é a vergonha?  Na Grécia que deu nascimento à ética, o termo “aidós” significa agir contra os princípios do que é bom, belo, reto. É vergonhoso um homem forte bater em crianças, velhos ou doentes. Aristóteles liga tais atos à cobrança governamental de impostos excessivos. “Nos envergonhamos diante dos malfeitos como se eles fossem uma desgraça para nós e para quem protegemos. Tais são as coisas devidas ao vício como abandonar o próprio escudo e correr, pois é covardia. Ou não honrar um depósito, porque é algo injusto. (…) Ou obter lucro (…) com abuso do pobre ou cadáver segundo o provérbio ‘roubar mesmo de um morto’, porque tal coisa se deve ao amor do ganho e mesquinharia” (Retórica,1383b).

Roubar mesmo dos mortos. A frase é violenta porque o trespasse é sagrado nos tempos antigos. A cobrança de impostos pelos governos, à beira do túmulo, foi vista como cruel pelas famílias. Arrancar dinheiro, mesmo de quem já não vive, mostra a truculência dos poderes. O Estado moderno chegou ao ápice de semelhante vergonha para controlar os nobres feudais e a Igreja. A fúria na arrecadação chegou ao torpe sacrilégio.

Na Inglaterra que dava seus passos para se firmar como domínio do rei, muitos juristas enunciavam que os bens oficiais seriam coisas sagradas. Na diabólica teologia jurídica os “Bona patrimonialia Christi et fisci comparantur” (pode-se comparar os bens patrimoniais do Cristo e do fisco). Cristo e Fisco são igualizados quanto à inalienabilidade e à prescrição. O “sacratissimus fiscus” torna-se alma do Estado. Como Cristo, “Fiscus ubique praesens” (o Fisco está em toda parte). Semelhante teologia destrói o mistério religioso, mas funciona no pavor político. Quanto mais o Estado aspira à eternidade (no limite, o Reich de mil anos…) mais exige tributos. Certa feita o rei da França cobra novos impostos.  O Terceiro Estado pede o exame dos cofres palacianos. O clero, amigo do trono, profere a sentença vergonhosa: “o cofre do rei é como o Santíssimo Sacramento no altar. Só o podem ver os ordenados para tal mister”.
Aí reside uma causa das revoluções democráticas, no século 17 (inglêsa) e 18 (a norte-americana e a francêsa). O Leviatã tem fome de taxações para manter os monopólios da força física (exército e polícia), da norma jurídica, da diplomacia. A pecúnia é um elixir diabólico que embriaga os governantes. Mas a paciência dos povos tem limites. Ela tomba quando o governo exige que se pague o que não foi fabricado, comercializado, plantado. Ou seja, se ele quer contributos sem que a produção tenha ocorrido e o bolso dos contribuintes está vazio. Movimentos políticos democráticos (sobretudo os Niveladores inglêses) se levantaram contra o abuso fiscal. Monarcômacos e puritanos uniam a taxação injusta à tirania.
Erasmo de Rotterdam, humanista a quem devemos parte da nossa cultura ética e política, escreveu um adágio sobre o tema : “A mortuo tributum exigere” (Exigir imposto do morto). O texto serve ao Brasil de Roussef: “De quem deseja obter dinheiro de qualquer jeito, sem indagar sobre a sua origem, se dizia que arrancava imposto do morto”. Como se escrevesse diretamente ao governo Dilma, Erasmo diz que os impostos imprudentes “são desumanos, pois os setores humildes perdem o necessário e toda uma série de taxas e contributos mordem, pedaço a pedaço, o pão do pobre”. Governos tirânicos, diz Erasmo, quando caçam impostos “ignoram medida e limite. A todo dia cogitam novas fontes de ganhos, se apegam com os dentes a todo imposto ocasional e extraordinário e nunca mais o abandonam”. Só faltou ao pensador profetizar o nome: CPMF.
Um governante é ilegítimo por defeito do seu título, se fraudou a eleição ou deu um golpe de Estado. Outra fonte de ilegitimidade é o péssimo exercício do cargo, se desobedece as leis e impõe cargas tributárias excessivas e injustas.  Pedir as contas do governo, antes de apoiar novos impostos, é coisa de direita? Não. Reinaldo Gonçalves, economista da esquerda brasileira, indicou as seguintes medidas para o país em recente entrevista ao site IHU (Unisinos): “impedimento de Dilma (…) por desempenho medíocre, conduta grotesca e déficit cognitivo; derrota e isolamento do PT - desmoralização, apodrecimento e antifuncionalidade para a esquerda brasileira; combate frontal à corrupção -condição para a desestabilização do sistema patrimonialista”. E mais: “investigação, indiciamento, julgamento, condenação e prisão de Lula - condição para a reconstrução das forças políticas de esquerda. (…) Dilma é figurante supérfluo enquanto Lula é protagonista no drama do desenvolvimento às avessas do Brasil. Lula é personagem dramático - descendente do Salsicheiro de Aristófanes, do Falstaff de Shakespeare, do Tartufo de Molière e do Pai Ubu de Jarry. No cenário mambembe da política brasileira, o que temos é um drama grotesco!”.  E Gonçalves, coerente com seus princípios, encerra: “Precisamos começar imediatamente esse processo visto que a degradação do Brasil é econômica, social, política, institucional e ética!”. Bem dito. Presidente Dilma, lembre-se do vocábulo ético grego –aidós– que designa a vergonha : não nos apresente a conta da sua incompetência. Peça a sua!



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