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quarta-feira, 26 de abril de 2017

Reflexões sobre o STF

Reflexões sobre o STF 
(*) Roberto Romano da Silva

  Correio Popular de Campinas


Retomo as análises sobre o STF. O artigo anterior ao desastre Renan Calheiros, sobre o tribunal supremo, recordou as teses de Francis Bacon, um dos maiores pensadores e estadistas da modernidade. Como temos fartura de tudo, menos de estadistas, sigo na companhia de Bacon. Para ele, os juízes devem exercer autoridade no Estado, mas não de modo a enfraquecer o poder público. Eles devem ser como “leões sob o trono”, nos enunciados do ensaio “Sobre a judicatura”. Mas nem por isso deixam a essência leonina. No tribunal, os juízes promovem a certeza na aplicação da lei, agem como intermediários entre o poder soberano e os indivíduos privados, esclarecem antigas leis, excercem grande poder no Estado e na sociedade.

Os juízes devem recordar que seu ofício é “jus dicere” e não “jus dare”, interpretar e não fazer a lei. Eles devem ser mais ilustrados do que inteligentes, mais respeitáveis do que plausíveis e mais desconfiados do que confidentes. O dever do juiz é suprimir a força e a fraude, pois a força é mais perniciosa se aberta e a fraude quando oculta. Os juízes devem se acautelar contra as construções sistemáticas e inferências, pois não existe tortura pior do que a das leis. No campo penal eles devem ter muito cuidado. Paciência e gravidade nas audiências são necessárias. O juiz gárrulo é címbalo desajustado. São quatro as partes do juiz nas audiências: dirigir tudo para obter provas, moderar a extensão, a repetição, a impertinência da fala. Recapitular, selecionar e citar o que foi dito. E redigir a sentença. Tudo o que estiver além disso é demasiado e procede da glória, do comichão de falar, da impaciência em ouvir, memória curta,  parca atenção. 

Bacon afirma que os juízes devem “recordar as Doze Tábuas Romanas, o preceito de que “Salus populi suprema lex” e saber que leis, exceto quando voltadas para aquele fim, são capciosas, oráculos pouco inspirados. É bom para o Estado que os reis e estamentos consultem com freqüência os juízes. E também que os juízes consultem com o rei e estamentos com a mesma freqüência. (…) porque muitas vezes as coisas conduzidas a juízo ligam-se ao “meum” e “tuum”, quando a razão e a conseqüência interessam ao Estado. (…) Recordem os juízes  que o trono de Salomão era sustentado por leões nos dois lados. Deixemos que eles sejam leões, mas sob o trono, tendo certeza de que nada discutam ou oponham à soberania.O juízes (…) precisam recordar o que diz o Apóstolo de uma lei maior do que as deles : Nos “scimus quia lex bona est”, modo quis ea utatur legitime (sabemos que a lei é boa, desde que usada por alguém com legitimidade)”. (Agostinho, Confissões, 12, 18, onde é citada  a Primeira Epistola a Timóteo, 1.4-9) 

Os juízes garantem o direito e a obediência às leis. Mas sua independência é limitada pelo soberano. E o que é a lei do soberano? A resposta mais direta encontra-se em Hobbes, secretário de Bacon e tradutor para o latim dos Ensaios baconianos. “Lex est mandatum eius personæ (sive hominis, sive curiæ) cuius præceptum continet obedientiae rationem” (“Lei é o mandamento daquela pessoa, homem ou assembléia, cujos preceitos exigem a obediência”, De cive, XIV, 1. Desnecessário dizer a importância dessa tese hobbesiana para se pensar a difícil independência dos juízes. Enquanto “a lei natural é imediata em nós, pois conhecemos o mandamento divino em nossa razão, a lei civil é mediada pelo conjunto de regras com as quais a comunidade, por escrito ou oralmente, ou qualquer outro sinal adequado (signum idoneum) de sua vontade, comanda o uso da vontade para distinguir o certo do errado, o contrário à regra do que não é contrário”. (Leviatã) Só a Commonwealth pode editar leis civis. O soberano é o único legislador, não submetido às mesmas leis civis. Essa tese é de Bacon, cuja tese é a de que a lei depende do soberano, uma posição contraria à de  Ed. Coke, para quem a Common Law é suprema.

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