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terça-feira, 13 de junho de 2017

Roberto Romano: "Vejo sombras espessas no horizonte"

Roberto Romano: "Vejo sombras espessas no horizonte"

Roberto Romano:
“A classe política está mais preocupada com os seus privilégios do que com o bem-estar do país”.
Por LUANA MELODY BRASIL-Correio Braziliense/Antonio Scarpinetti/Unicamp - 31/05/2017 - 10:54:12
Professor de Ética critica a demora na troca de comando na pasta da Justiça e a saia justa do Planalto com Gilmar Mendes.
 
A longa crise política enfrentada pelo Brasil não dá sinais de trégua. Pelo contrário: o violento protesto em Brasília e a demissão do ministro Osmar Serraglio, substituído pelo jurista Torquato Jardim na pasta da Justiça, sacudiram o país. Em meio a esse caos, o filósofo e professor de Ética Política da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano busca respostas e critica a demora na troca dos ministros e a saia justa do Planalto com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes. Romano também comenta a falta de lideranças políticas e reprova os excessos cometidos nos últimos anos pelos Três Poderes. Confira a seguir os principais trechos da entrevista de Roberto Romano ao Correio:
 
Professor, qual sua percepção sobre a substituição do ministro Osmar Serraglio pelo ministro Torquato Jardim na pasta da Justiça?
É uma estratégia própria de um governo que sente o perigo se aproximar. Retirou um ministro extremamente fraco, que tem grande abertura para o mundo jurídico, e colocou alguém que tem grande experiência com os tribunais e, sobretudo, com aquele que no momento é essencial: o TSE. Mas é uma estratégia que vem um pouco tarde. Essa medida deveria ter sido tomada há muito tempo, porque uma série de passos foram dados com base nas informações obtidas com o Serraglio. Ela vem tarde e mostra justamente a falta de coesão, de rapidez e eficácia nas decisões do presidente Temer.
 
Se o ministro Torquato intervir, não vai ficar exposto?
Não, se ele seguir o processo legal. Quem fica exposto é o TSE, porque a decisão fica mais delicada agora. Vão negociar com alguém que é da casa. O ministro Gilmar Mendes, que vai presidir o processo, está furibundo com o Palácio do Planalto, porque estão querendo fazer o TSE de peteca. O ministro é conhecido por não dar ponto sem nó. Criou uma rede de insegurança tanto para o TSE quanto para o STF (Supremo Tribunal Federal). Isso vai trazer fios desencapados para o relacionamento do presidente Temer com a Justiça. Isso pode piorar a situação do Temer.
 
Num cenário em que o TSE pede vista, dando sobrevida ao governo, o que se pode esperar? 
O presidente Temer está criando a ilusão de que ele está no governo, mas o país está sendo governado pelo ministro da Economia, do Planejamento, agora da Justiça. Ele está cuidando quase que exclusivamente de si mesmo e do seu mandato e isso paralisou o país até agora. Quem acompanha desde Getúlio Vargas a agonia de presidentes da República, esse desmanche dos aliados no Congresso é muito sintomático: um dia o PSDB diz que está estudando desembarcar, outro dia diz que dá apoio. São esses sinais que mostram a fragilidade estrutural do governo. Comprar briga com a Justiça, neste momento, é um atestado de óbito, ainda mais tendo uma base desidratada a cada instante. A não ser que o ministro Jardim consiga fazer um milagre.
 
O senhor vê saída para a crise brasileira?
Creio que sim. Nós temos potencial para deixar de lado a situação atual, mas eu vejo sombras espessas no horizonte. Em primeiro lugar, para que você possa encontrar uma saída, é preciso que tenha lideranças. Praticamente não temos lideranças nacionais. Há 20 anos, contávamos com um quadro de, pelo menos, umas 50 lideranças. Hoje não. Temos partidos políticos destroçados. Instituições que estão anacrônicas, antiquíssimas. A reforma política não aparece no horizonte e a classe política está mais preocupada com os seus privilégios do que com o bem-estar do país.
 
O senhor tem visto em uma nova Constituição a saída para toda essa crise?
As propostas trazidas pelo jurista Modesto Carvalhosa e seus companheiros devem ser examinadas. Uma nova Constituição é algo urgente para o Brasil e para redefinir os poderes, a prática política, os partidos e modificar pontos essenciais na estrutura do Estado. Essa é a tese e a urgência. O problema é com quais instrumentos nós podemos fazer isso. Do modo como estamos, que partido político terá legitimidade para liderar eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte? Acredito que não podemos deixar mais 10 anos com a atual Constituição, que se transformou numa colcha de retalhos, desfigurada por emendas. É preciso chamar uma Constituinte. Uma série de instituições que poderiam ajudar estão à margem, como, por exemplo, as universidades.
 
Em meio à crise de representatividade e da desconfiança com a classe política, como o senhor avalia as instituições?
Há um mantra, que venho criticando há um bom tempo e quase que sou voz solitária nisso, que insiste em dizer que as instituições brasileiras estão funcionando normalmente. Normal seria aquilo que atende ao intento inicial. Quando você tem presidentes da República que não conseguem estabelecer o período do seu mandato, essa normalidade no plano do Executivo se torna problemática. Quando se tem um Congresso que legisla em causa própria e quando a Justiça intervém em última instância sem prever situações de crise, como essa que nós estamos seguindo, isso também não é normal.

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