Evento é o primeiro de uma série promovida pela Fiesp destinada a provocar a discussão do tema e fortalecer a democracia
Graciliano Toni, Agência Indusnet Fiesp
“Não existe democracia sem política. Não existe política sem debate”,
foi a frase do presidente da Fiesp e do Ciesp, Paulo Skaf, destacada na
abertura nesta segunda-feira (26 de junho) do seminário Reforma Política Já,
realizado no prédio das entidades da indústria, na avenida Paulista, e
transmitido online. Skaf disse que o seminário é uma busca de respostas
para as perguntas feitas momentos antes pelo estudante do Ensino Médio
Thiago Cavalheri, o primeiro a falar no evento.
Há necessidade de mudanças no sistema político, afirmou Skaf. E para
mudar a imagem política é preciso abrir um debate amplo, com a
participação da sociedade. Skaf explicou a iniciativa da Fiesp pela
Reforma Política Já, que começou com manifesto publicado nos principais
jornais brasileiros em 25 de maio, seguido pela criação de um site
destinado a provocar a discussão do tema. O seminário, explicou, é o
primeiro de uma série de eventos. O objetivo da Fiesp com isso é
provocar a discussão, levando ao fortalecimento da democracia
brasileira.
Todas as reformas estruturais são importantes, afirmou, listando por
exemplo a trabalhista, a tributária, a da Previdência, o teto do
crescimento dos gastos. Mas a reforma política é especial, porque
vivemos uma grave crise. “O que nós precisamos”, defendeu, é uma ampla e
rápida discussão, para mudar pontos essenciais já para as próximas
eleições.
A abertura teve também um eloquente discurso de Thiago Cavalheri,
aluno do terceiro ano do Ensino Médio do município de Alumínio,
defendendo a participação política. Ele enfatizou a importância do
envolvimento dos jovens. A culpa pelo desinteresse em relação ao debate
sobre política e ao voto é “dessa bagunça que virou a política
brasileira”. Ela precisa mudar, afirmou.
“Ninguém entende como um deputado é eleito e nem o que ele faz. As
pessoas, hoje, não se sentem bem representadas”, disse. “Isso é um
grande perigo para o Brasil. Imaginem se no futuro ninguém mais se
interessar por política?” Para encerrar sua fala, pediu “Reforma
Política Já”.
A liberdade do voto
Com o jornalista Gerson Camarotti como moderador, o seminário teve
como primeiro painel “A liberdade do voto”, com a discussão dos temas
- Voto facultativo ou obrigatório
- Monopólio de Candidaturas ou Candidaturas Avulsas
- Prévias Partidárias
- Liberdade de Propaganda
Vídeos curtos com a opinião de pessoas de diversas idades foram
exibidos antes do início do debate, discutindo temas do painel.
Camarotti destacou a importância do debate da Fiesp, num momento de
colapso da política. Um debate para agora e para o futuro, disse.
O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), autor da PEC 282/2016, que veda
coligações em eleições proporcionais, comentou o ceticismo do discurso
de Cavalheri, presente na sociedade. “Precisamos reforçar o papel da
política numa sociedade democrática”, destacou. Em sua opinião, a
deterioração do ambiente político no país é visível, mas é preciso
separar a política da politicagem, os políticos dos maus políticos. “É o
momento de enfatizar a política com pê maiúsculo.”
Segundo o senador, para o ano que vem é preciso resolver dois pontos,
sendo um deles a proliferação de partidos. Ferraço falou de proposta de
emenda constitucional de sua autoria aprovada no Senado sobre a
cláusula de barreira e fim de coligação nas eleições proporcionais. A
cláusula de barreira não impede a organização e a manutenção dos
partidos, explicou, mas estabelece o mínimo de votos para lhes dar
acesso a tempo de TV e a verbas. Se for aprovado também na Câmara, deve
haver redução para 12 partidos, dos atuais 35. É uma jabuticaba, uma
invenção brasileira que deforma o sistema. Outra deformação é a
coligação nas eleições proporcionais, em que se vota em Joaquim, mas se
elege Francisco, disse.
Fernando Neisser, fundador da Academia Brasileira de Direito
Eleitoral e Político, disse que grande parte da demanda por mais
liberdade nasce do desencanto pela politica. Liberdade hoje é de
participar, de construir a democracia. “Não consigo entender que
tenhamos o direito de nos colocar fora da democracia”, disse. Vários
países que têm o voto facultativo vivem crise de representatividade,
lembrou. As pessoas aproveitam essa facultatividade para se retrair,
agravando crises. Há uma sedução no discurso do voto facultativo, de que
somente os mais instruídos vão querer votar. Isso é mentira. O voto do
curral eleitoral, comprado, vai sempre ocorrer. Com o voto facultativo, o
voto de menos qualidade democrática ganha maior peso relativo. Neisser
não vê o voto facultativo como meio de depurar a política. “Temos que
organizar os partidos, acabar com a distribuição de dinheiro público, o
que a cláusula de barreira faz. Defendeu também a liberdade na
propaganda eleitoral. Há uma tentativa de levar a Justiça Eleitoral a
tutelar o eleitor. O cobertor é curto, destacou, e se a Justiça
Eleitoral se prende a dirimir questões menores, não consegue cuidar do
abuso de poder econômico.
O professor de ética política da Unicamp Roberto Romano disse que o
desencanto com a política não é superado com fórmulas mágicas. A
situação é fruto de centenas de anos de arbítrio, que acabou se tornando
uma ética. No Brasil, quando se começa a falar de política,
imediatamente vem o desencanto. “Isso me parece um dos pontos mais
graves da vida brasileira”, afirmou. Segundo Romano, não adianta repetir
o mantra de que as instituições estão funcionando normalmente, o que
não é verdade porque a população não participa. A expectativa é sempre a
pior em relação ao Estado.
O professor da Unicamp vê os partidos como tendo grande importância
na produção desse desencanto. Um partido deveria ser um conjunto de
pessoas que querem um modelo de sociedade. Se o partido não tem essa
proposta, não é partido. É uma máquina, sem alma, afirmou. As alianças
partidárias no Brasil não fazem sentido, com uma fusão doutrinária que
mostra que os partidos são produtores da falta de valores e de
esperança. Não oferecem aos eleitores a oportunidade. Os partidos são
oligárquicos, não consultam suas bases, não fazem eleições prévias com
sua base. Com dirigentes que se perpetuam, quem quiser fazer política
nos partidos precisa pedir sua bênção, explicou. A primeira coisa a
fazer é promover a democracia interna nos partidos. É preciso criar
novas lideranças em seu interior. “Ou não se tem em quem votar. É o que
está acontecendo no Brasil.”
Maria Claudia Bucchianeri, advogada especialista em direito
eleitoral, disse que há um desencantamento com a política, refletida em
números. Há crescente abstenção, com recorde nas eleições passadas, além
de recorde de brancos e nulos, com os candidatos eleitos em muitas
capitais tendo sido eleitos com menos votos que os brancos e nulos. E há
baixíssimo percentual de participação de votos dos jovens de 16 a 18
anos. Chegou a 60% na última eleição a proporção dos que não quiseram
tirar o título de eleitor. Isso todo mostra desapontamento agudo com a
política. O sistema partidário precisa passar urgentemente por
reformulação. Há um processo no mundo de ruptura na política, e decisões
importantes que não representam a opinião das pessoas são tomadas. É
preciso refletir sobre como aproximar as pessoas e seus representantes,
sendo uma das formas os meios eletrônicos. No Brasil há o agravante do
descontentamento com os políticos.
Assim como Neisser, disse que não é seduzida pelo voto facultativo.
Se adotado, quem vai votar? Deixarão de votar as pessoas mais
privilegiadas, que ficarão em casa assistindo à eleição. No Brasil o
voto facultativo não iria criar uma casta de representatividade?,
perguntou. Vê o risco também de radicalização, com grupos votando mais
maciçamente que outros. Pode aprofundar o déficit de representatividade e
criar um processo de extremos. “O caminho é o do engajamento, de chamar
o eleitor para perto da política.”
A primeira pergunta feita pelo público, via WhatsApp, foi sobre voto
facultativo e foi dirigida por Camarotti para Ferraço. O senador se
disse com muitas dúvidas em relação ao tema, apesar de ser autor de uma
emenda que o implanta. “Sou a favor, sim, do voto facultativo, mas não
acho que seja a solução para os gravíssimos problemas do sistema
político do Brasil.” Ferraço destacou que na prática o voto já não é
obrigatório, pela baixa punição. Antes do voto facultativo é preciso
resolver premissas básicas, como a cláusula de barreira e o fim da
coligação proporcional.
Para Romano a questão foi sobre o papel da imprensa como tutor do
público. Para o professor, é ponto essencial que não pode ser resolvido
de maneira apressada. Em cidades pequenas, coronéis pressionam, com suas
emissoras de rádio e TV. A existência de partidos democráticos ameniza o
problema, afirmou. Concessões para deputados são ponto sério, segundo
Romano. Para enfrentar esse problema defende o reforço dos partidos
democráticos, porque quando por meio deles a população pode se opor aos
líderes regionais, as coisas mudam.
Neisser disse que a raiz do problema de representatividade está no
coração dos partidos, que em sua maioria são oligarquizados,
autoritários, o que se reflete no Parlamento. A forma de escolher
dirigentes e candidatos é pouco discutida e fica fora do alcance da
Justiça eleitoral. Neisser defendeu igualdade de gênero, veto a
perpetuação de dirigentes partidários, prévias para a escolha de
candidatos. O foco está na democratização dos partidos, defendeu.
Não há formula pronta para atrair os eleitores. É preciso soltar um
pouco mais a propaganda eleitoral, disse. A tarefa para a Justiça
Eleitoral é hercúlea. A justificativa de limitação de gastos deixou de
ser relevante, devido ao teto instituído. Por que gastar a energia da
Justiça Eleitoral, em vez de se dedicar a questões mais importantes? Um
ponto fundamental é a democracia interna nos partidos. Eles deixaram de
fazer seu papel de representação. Há baixíssima participação feminina,
destacou. Precisamos focar em onde queremos chegar, não caindo na
armadilha de quanto mais normas melhor. É preciso votar mais, e a
propaganda favorece o envolvimento da população.
Ferraço concorda com a análise sobre a oligarquização dos partidos,
mas ressalvou que isso parece um traço cultural brasileiro. Não há uma
bala de prata para resolver o sistema politico e partidário brasileiro.
Romano não vê renovação nos partidos. Em relação à educação política,
disse, há uma questão anterior, o baixo nível da educação, com os
alunos incapazes de fazer cálculos básicos. Há um problema de lógica,
que impede que os futuros eleitores consigam calcular probabilidades
ligadas a seu voto. “Se não temos uma sociedade capaz de raciocinar
matematicamente, não temos uma sociedade democrática. Nossos passos são
liliputianos em relação a nossas necessidades, que são enormes.”
Candidaturas
Neisser considera grande tema o das candidaturas avulsas. Achava
inviável isso, mas nos últimos meses tem procurado se abrir à opinião de
quem as defende. “A sociedade atual não se identifica com os partidos
como bloco fechado de pensamento”, explicou. Os interesses das pessoas
são muito mais transversais, podendo defender liberalidade em alguns
pontos e mais regulamentação em outros. Esse eleitor multifacetado é
cada vez mais frequente no Brasil e no mundo. Talvez seja o momento de
criar abertura para candidaturas independentes, disse.
A advogada Maria Claudia Bucchianeri disse que há muita coisa mais
urgente a debater que as candidaturas independentes. Há uma fragmentação
em nosso parlamento sem paralelo no resto do mundo, avaliou. O chefe do
Executivo abre flancos para que o Legislativo indique ministros, o que
na prática torna o modelo brasileiro quase um parlamentarismo.
Acrescentar a possibilidade de parlamentares sem ligação com partidos
pode levar a negociações ainda mais no varejo.
A candidatura avulsa, disse, vai na contramão da necessidade de
fortalecer os partidos. Provoca a fulanização da política, quando já há
uma ascensão de pessoas com capacidade de atrair eleitores, como
apresentadores de TV e religiosos.
O senador Ferraço considera que candidaturas avulsas banalizariam ainda mais a política.
Clique aqui para conhecer o site Reforma Política Já.
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