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sábado, 1 de julho de 2017

Por que a “greve geral” de sexta-feira não fez barulho

Por que a “greve geral” de sexta-feira não fez barulho

Explicar o esvaziamento das manifestações, tanto de esquerda como de direita, não é trivial. Veja avaliações

Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google PlayPara ler reportagens antecipadamente, assine EXAME Hoje.
A pinguela presidencial nunca balançou tanto como nesta semana. O presidente Michel Temer foi atingido pela denúncia da Procuradoria-Geral da República — que o acusa de corrupção passiva por ser destino final de propina paga a seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), o responsável por receber 500.000 reais em dinheiro vivo de executivos-delatores do grupo J&F — e mergulhou no seu mais profundo poço de impopularidade: apenas 7% avaliam o governo em ótimo ou bom, segundo o instituto Datafolha. Ainda nesta semana, escolheu uma opositora de seu novo desafeto, o procurador-geral Rodrigo Janot, para sucedê-lo no comando do MPF — ainda que o preferido dos procuradores da República fosse Nicolao Dino, vice-procurador-eleitoral que buscou cassá-lo no Tribunal Superior Eleitoral. Pela lei, nada repreensível, não fosse o encontro na noite anterior, fora da agenda oficial mais uma vez, com o ministro Gilmar Mendes. De segunda a sexta, uma sucessão de falhas éticas permeou o governo. Um escândalo, certo? Não exatamente.
A reação aos eventos foi nula. Nas ruas, a “Greve Geral” chamada por centrais sindicais contra as reformas trabalhista e previdenciária não fez barulho. Um dia antes, inclusive, a trabalhista passava incólume na Comissão de Constituição e Justiça da Senado, por 16 votos favoráveis a 9. Na semana que vem, deve ser aprovada em Plenário e sancionada pelo presidente. Nem assim os sindicatos de transporte público de São Paulo, presentes sempre em manifestações do tipo, mostraram-se dispostos a comprar a briga. A maior manifestação aconteceu em Brasília, onde pararam ônibus e Metrô, mas os atos de protesto passaram longe da adesão e do agito das manifestações de 24 de maio, quando três ministérios foram incendiados. Naquele dia 24 maio, havia 150.000 manifestantes, segundo organizadores. A PM contou 25.000. Na última sexta-feira, foram apenas 5.000.
Do outro lado do espectro político ficam as promessas. O empresário Rogério Chequer, em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, prometeu tirar de casa o movimento Vem Pra Rua. Ao lado do Movimento Brasil Livre, o grupo foi capitão das manifestações que pediam o impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e 2016, colocando mais de 1 milhão de pessoas na Avenida Paulista (ou 220.000, segundo o instituto Datafolha) na maior passeata pública da história. “Para que as reformas sejam retomadas, o melhor é que o presidente seja afastado imediatamente, para poder ser julgado o mais rapidamente possível”, diz.
Chequer chama ainda o presidente de “refém do Congresso” e afirma que “agora sim” há “fatos concretos” contra Temer que justifiquem a investigação e seu distanciamento do Planalto. Não sem antes fazer ressalva: “Defender a queda de Temer, que fique claro, não significa defender o irracional ‘Fora Temer’ que os petistas que o elegeram gritam desde que ele assumiu, por puro desequilíbrio emocional, dor de cotovelo e oportunismo, sem quaisquer argumentos legais”.
O Vem Pra Rua e o MBL tentaram uma nova incursão nas ruas durante o governo Temer, exatamente um ano depois da manifestação recorde de março de 2016. Com pautas difusas, como a defesa da Operação Lava-Jato e o fim do foro privilegiado — sem mirar no presidente Michel Temer —, os protestos foram um fracasso. Segundo os próprio manifestantes, havia 55.000 manifestantes em todo o Brasil. A tentativa de apagar a lembrança amarga de três meses atrás está marcada para o dia 27 de agosto. O MBL não se manifestou a respeito de reforçar o quórum do protesto, nem foi localizado nesta sexta-feira pela reportagem.
Explicar o esvaziamento das manifestações, tanto de esquerda como de direita, não é trivial. Três tópicos, contudo, são determinantes, apontam pensadores consultados por EXAME Hoje: o distanciamento entre lideranças dos movimentos sociais e a população, a descrença com os partidos políticos e — surpreendentemente — a própria Lava-Jato.
Os movimentos sociais ganham força em momentos bastante específicos, de indignação da população com o governo. No caso de Dilma, houve a conjunção de fatores que soma deterioração do ambiente econômico eenvolvimento profundo em esquemas de corrupção, revelados pela Operação Lava-Jato. O empresariado sofria em uma ponta, enquanto as classes mais baixas de trabalhadores passavam aperto no orçamento doméstico pela disparada da inflação ou perdiam os empregos. Jogar com essa indignação deu legitimidade ao Vem Pra Rua e MBL para reunir as vozes contra o PT. Derrubada a presidente, porém, ambos os movimentos tiveram dificuldades de formar propostas para manter a coesão. O que chegou mais perto disso foi o MBL, usando a máquina de partidos políticos para eleger representantes, como o vereador Fernando Holiday (DEM-SP), na capital paulista. Mas a “falta de assunto” pós-PT resultou nos manifestos esvaziados de março passado.
As frentes de esquerda sofrem com desânimo e o estigma. A impressão de que nada acontece mesmo com seguidas manifestações e há sempre a repetição da “narrativa de golpe”, usada em todo protesto sem resultados. Com a inflação mais baixa, a insatisfação com a economia alivia, ainda que o desemprego esteja alto. Enquanto o movimento está nas ruas, o Congresso segue votando a agenda Temer. Guilherme Boulos, um dos líderes do movimento, tem até um termo para definir a atuação dos parlamentares: “legislam de costas para o povo”. A coordenação, porém, não tem ideias para fazer com que suas ideias sejam ouvidas.
“Mesmo os mais conservadores estão divididos e sem uma estratégia para a frente, com movimentos mal organizados e pequenas ‘lideranças-estrela’, cuja vontade define o movimento como um todo”, afirma a EXAME Hoje o filósofo da Unicamp Roberto Romano. “A situação leva a uma confusão e choque de ideias, sem que o movimento se torne em ação propositiva e mais profunda”.
O desencanto com os partidos
A procura por movimentos sociais que garantam a participação política é uma lacuna deixada pelos partidos políticos. É tradição no Brasil que o eleitor não se identifique com nenhum partido. A constante mudança de agenda, atrás de coligações, é o principal motivo para a falta de identificação. É só lembrar do barulho que houve na aliança entre de Fernando Haddad (PT) e Paulo Maluf (PP) nas eleições de 2012. Em março de 2013, a pesquisa Datafolha mostrou o menor índice registrado de indivíduos que declaram não ter preferência por nenhum partido desde a redemocratização, índice de 41%. Ou seja, na melhor das hipóteses, dois a cada cinco brasileiros não tinham algum partido de preferência.
O PT, partido que angaria o maior número de votantes fiéis desde 1999, chegou no máximo a 31% dos eleitores, em 2012. Hoje, o partido de Luiz Inácio Lula da Silva tem 18% das preferências, mas o índice cresceu desde que se intensificaram as investigações contra o ex-presidente na Operação Lava-Jato. A narrativa do partido, de que Lula é um perseguido político e que os procuradores têm por objetivo inviabilizá-lo, ajudou a trazer de volta o apelo com a militância. O envolvimento de Michel Temer nos esquemas e a recuperação da economia que não saiu como esperado depois do impeachment contribuíram também.
Mas o desencanto com a política se mostra mesmo nos demais números. O PT chegou aos 18% nesta semana depois de ter 9% em dezembro de 2016, há seis meses. Naquele momento, declararam não ter preferência por partidos 75% dos eleitores, três a cada quatro, um recorde de toda a série da pesquisa. PMDB e PSDB, principais potências partidárias de oposição aos petistas, ganharam no período apenas 1 ponto percentual, de 4% para 5%. O crescimento pífio mostra que, como os movimentos de rua, os partidos sofrem com lideranças batendo cabeça e falta de proposição de saídas para os problemas do país. Não há exemplo melhor para ilustrar que a hesitação do PSDB em sair da base aliada de Michel Temer, com um racha de ideias internas no partido, mas com atitudes ligadas às vontades dos caciques. “Poderíamos defender as reformas de fora do governo, mas deixamos a moral derreter. Não se fala nem em afastar o Aécio Neves da presidência do partido. Isso é péssimo para nossa imagem”, afirma um congressista tucano.
“No Brasil, ninguém quer saber de partido político porque são bandidos, que vendem leis e horário de TV na campanha. Isso é partido político?”, diz em entrevista a EXAME Hoje o jurista Modesto Carvalhosa. “O PSDB é partido político? O PMDB? O PT? São organizações criminosas. Não sobrou nada”.
O papel da Lava-Jato
Ainda no espectro dos partidos políticos, a ação moralizante da Operação Lava-Jato distanciou ainda mais o eleitor das legendas. Os escândalos que atingiram primeiramente o PT, o PP e alas do PMDB, cresceram no partido do presidente Temer e chegaram ao PSDB. Conforme as denúncias batem nas lideranças, há uma crise de representatividade na relação eleitor/político. “As ações da Lava-Jato cumpriram também o papel de vingar a população. A indignação da população é, de certo modo, apaziguada pelas punições dadas aos agentes políticos”, diz Roberto Romano, da Unicamp. “A população continua indignada com o sistema político, mas esse papel tem sido cumprido por intermediários, que são os procuradores”.
Para a consultoria de risco político Eurasia, contudo, o horizonte deve permanecer em calmaria. Os consultores atribuem também à divisão de agendas dentro dos movimentos sociais e aos sinais ambíguos da economia — a inflação em baixa sem retomada do emprego — para a postura reticente da classe média e do empresariado. “Sem a pressão significativa dos mercados, das elites empresariais e das ruas, os legisladores não se sentirão obrigados a remover Temer do cargo”, diz relatório divulgado nesta sexta-feira. Segundo o relatório, a votação da primeira denúncia de Janot dará um panorama bom sobre a força parlamentar de Temer. Se houver boa margem, na casa dos 250 votos favoráveis, o presidente se cacifa com o empresariado sobre sua capacidade de aprovar reformas fiscais, como a da Previdência. Se passar raspando, o empresariado pode virar as costas ao presidente, buscando alternativa que reaglutine o Congresso.
Para que as manifestações voltem a fazer pressão é preciso um estopim social que gere revolta. Independente da bandeira que o movimento carregue, uma analogia explica o atual momento: quando uma sala está em chamas, não importam as maneiras, o importante é sair para sobreviver. Contava-se que o incêndio na sala Brasil seriam as delações de Rocha Loures, o homem da mala, e do operador Lúcio Funaro, aliado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) como elementos bombásticos. Rocha Loures foi solto pelo ministro Edson Fachin nesta sexta-feira e a denúncia vinculada a Michel Temer tem poucas chances de prosperar. A impunidade da dupla pode ser essa faísca, que queimará o pavio das outras duas denúncias que serão aprovadas por Rodrigo Janot. Funaro segue no vaivém ao negociar com o Ministério Público Federal. Quer que sua delação seja devidamente premiada. Com o perdão dado a Joesley Batista, seu irmão e colegas de J&F, o poder de barganha de Funaro é altíssimo. Suas revelações podem dar os nós finais na denúncia contra o presidente. As cartas estão postas à mesa. Cabe aos movimentos sociais e partidos políticos saberem jogar.

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