Abordagem nos Jardins tem de ser diferente da periferia, diz novo comandante da Rota
Luís Adorno
Do UOL, em São Paulo
Uma questão de se adaptar aos inimigos diários e ao território
pertencente. É desta maneira que o tenente-coronel Ricardo Augusto
Nascimento de Mello Araújo, 46, o novo comandante da Rota, a tropa de
elite da PM (Polícia Militar) de São Paulo, define a forma de atuação
dos policiais nas ruas de todo o mundo. Incluindo os cerca de 700 homens
que estão sob suas ordens desde o dia 4 de agosto de 2017.
Em entrevista exclusiva concedida ao UOL,
Mello Araújo afirmou que os PMs que atuam na região nobre e na
periferia de São Paulo adotam formas diferentes abordar e falar com
moradores. "É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam
por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial]
for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for
abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai
ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado", disse.
"Da mesma
forma, se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a
mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui
no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins
que está ali, andando", complementou. "O policial tem que se adaptar
àquele meio que ele está naquele momento", argumentou.
De acordo
com Mello Araújo, o mesmo ocorreria na Inglaterra. "Os policiais,
tempos atrás, andavam desarmados. Hoje, não estão mais desarmados porque
estão numa situação de terrorismo, de atentados. Mas, se a gente
voltasse um pouquinho [no tempo], na Inglaterra o policial andava
desarmado", afirmou.
"Não é porque o policial inglês é melhor do
que a gente. Se eu pegar aquele policial da Inglaterra e botar ele pra
trabalhar aqui em São Paulo, ele vai ter que trabalhar armado. E ele vai
ter muito mais dificuldade pra trabalhar aqui, do que eu ir trabalhar
lá na Inglaterra", complementou.
A polícia britânica pode ser
vista carregando armamentos em locais estratégicos quando o governo
eleva o nível de alerta contra ações extremistas. O atual
estágio do alerta permanece alto (severo), desde os ataques em
Westminster e na London Bridge neste ano.
Porém, quando o estado
de alerta é mais baixo, a maioria dos policiais britânicos trabalha
desarmada. Eles normalmente patrulham em grandes grupos e resolvem a
maioria dos casos sem uso de armamentos. Somente quando criminosos
armados são identificados é que uma unidade armada da polícia é chamada.
Contudo, isso é possível porque o número de armas de fogo ilegais em
circulação na Grã-Bretanha é reduzido.
A entrevista aconteceu na terça-feira (22), um dia antes da operação "Tolerância Zero", que colocou os 700 homens do batalhão nas ruas de São Paulo, a fim de combater a criminalidade. Segundo balanço da Rota no fim do dia, 25 pessoas foram presas na ação e três menores foram apreendidos.
"Que eu não perca nenhum homem em combate"
Mello Araújo vem de uma família de policiais militares. Ele representa a
terceira geração de sua linhagem na PM de SP. "Meu pai aposentou como
coronel da Polícia Militar - inclusive, comandou o Choque aqui em São
Paulo. O meu avô entrou como soldado e saiu como coronel, na época da
Força Pública - lutou na Revolução de 1932. Então, eu sou a terceira
geração. O ser policial militar é sonho de criança", disse.
Pai
de dois pré-adolescentes, o novo comandante da Rota afirma que está na
PM "por idealismo". Ele deixou a família no interior, onde comandava um
batalhão de oito cidades, para ficar à frente da Rota. Sem residência
fixa na capital, ele acaba dormindo no próprio quartel do batalhão, um
edifício histórico localizado no bairro da Luz, centro da cidade.
Caso um dos filhos, ou os dois filhos, sejam a quarta geração de
policiais dos Mello Araújo, o novo comandante da Rota diz que vai
apoiar. Mas que não coloca isso como pressão para os jovens. "Eu digo
para eles que quero que escolham uma profissão para ser felizes. Uma
profissão correta e digna. O que quero é que sejam felizes", afirmou.
No entanto, o comandante diz que teria medo. "Que pai não tem medo? Meu
pai, policial militar aposentado, tem medo até hoje. Eu teria medo,
porque sei que tem gente que quer matar policial militar. Mas é preciso
confiar na felicidade deles [os filhos] e lá em cima [em Deus]",
complementou.
Terceira geração da família na polícia
Guerra urbana
A Rota é chamada para o enfrentamento. Quando o crime é grave. Segundo o
novo comandante, o batalhão encara a facção criminosa PCC (Primeiro
Comando da Capital) diariamente. "Muitas das ocorrências que a Rota
pega, envolvem o PCC. São membros da facção. Isso aí é um combate
diário. E precisamos do apoio, não só da polícia, mas do Ministério
Público, do Judiciário, da Polícia Federal e da população para esse
enfrentamento", disse.
Para isso, Mello Araújo afirmou que a
Rota é "uma tropa com policiais bem treinados, bem preparados,
selecionados". Ele afirmou que a PM já realiza uma seleção prévia. "Nós
fazemos ainda uma outra seleção. Então, a gente pode afirmar que a Rota é
a tropa de elite da polícia paulista", disse. Segundo o novo
comandante, "a Rota trabalha mais com repressão. Ela acaba fazendo o
trabalho preventivo, mas trabalha muito com repressão".
Nos
primeiros 20 dias à frente do batalhão, o novo comandante afirmou estar
"à vontade e realizado". "Para quem sonha ser policial, a Rota é o sonho
de consumo. É onde a gente tem liberdade, a tropa mais especializada. E
a gente vai atuar nas ocorrências mais graves. A adrenalina é maior
aqui na Rota. E isso é uma coisa que o ser humano procura", disse.
"Hoje a gente vê, às vezes, fazendo um parênteses aí, a pessoa quer
saltar de paraquedas, ela quer mergulhar, vai surfar, que que é isso aí?
É a adrenalina. Parque de diversão, que é aquela emoção. Só que o
pessoal paga, né? Aqui a gente ganha para essa emoção. Só que é uma
emoção de risco. E a gente tem que trabalhar com o risco controlado",
afirmou.Policial não ganha o suficiente, mas entra sabendo disso
E, segundo ele, esse medo não é repassado à população. "A população de São Paulo confia na Rota. Aplaude a Rota. Passamos confiança à população e medo aos bandidos. E queremos continuar passando medo aos bandidos. Eles têm que nos temer mesmo. Já o cidadão de bem, esse confia e não tem medo da Rota. Estamos aqui para assegurar que nada acontece ao cidadão de bem", disse.
O policial disse que já sentiu uma diferença nas ruas durante os primeiros 20 dias de seu comando. "No interior, no carro normal da polícia, as pessoas não davam a mínima. Com a viatura da Rota, no farol, a população para, acena positivamente, aplaude. É o mesmo policial. A mesma pessoa. Só que um está na Rota, e outro, na PM de base", disse.
"Salvar e proteger vidas"
Para ele, a diferença no tratamento tem como base a imprensa. "São cerca de 90 mil policiais militares. Se 1%, ou seja 900, erra, a imprensa não pode colocar a culpa na PM", disse. Segundo o Tribunal de Justiça Militar, há cerca de 200 policiais no Presídio Militar Romão Gomes."A população deve confiar na gente, porque a gente escolheu ser policial para salvar e proteger vidas, não o contrário", disse.
Mello Araújo diz querer terminar a carreira no comando da Rota. "Não sei quanto tempo vou ficar. Tem quem ficou mais de um ano, tem quem não ficou sete meses. A minha ideia é ficar aqui para fechar minha carreira com chave de ouro. Daqui, vou para casa".
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