Fala reforça ideia do MP como tutor do cidadão
O Ministério Público tem como função acompanhar o exercício correto dos Três Poderes e da própria sociedade, mas ele não tem o direito de ditar normas, ditar caminhos para essa sociedade
Roberto Romano*,
O Estado de S.Paulo
19 Setembro 2017 | 05h00
19 Setembro 2017 | 05h00
O primeiro ponto que ressalta do discurso de Raquel Dodge,
no meu entendimento, é, além de uma atitude corporativista, a ideia de
que o Ministério Público tem uma função de tutor da cidadania. Acho isso
um erro político fundamental. O Ministério Público não tem esse
direito, a Constituição não lhe dá esse direito – nem poderia. Ele tem
como função acompanhar o exercício correto dos Três Poderes e da própria
sociedade. Mas ele não tem o direito de ditar normas, ditar caminhos
para essa sociedade. Isso é usurpação de soberania.
O Ministério Público tem tido essa tentação desde a
Constituição de 1988. Foi extremamente bem-vinda a colocação da
autonomia do MP diante do Executivo. É um fato alvissareiro, mas a
partir desse momento o MP não conheceu limites de sua atuação nesse
sentido de caminhar para ser um tutor das causas públicas.
Se você tem um tutor, por que você vai precisar se
organizar, amadurecer um projeto, por exemplo? Você vai ter os
promotores que vão resolver o problema para você.
O Ministério
Público, muitas vezes, se arroga um poder que não foi conferido pelo
voto. O procurador da República Deltan Dallagnol disse recentemente:
“Não temos votos, mas temos concurso”. Concurso não é princípio de
legitimidade política nenhuma. A pessoa pode ser concursada com
brilhantismo, mas o concurso não é sinônimo de soberania.
Somente
quando os Três Poderes estão operando juntos, numa harmonia tensa, é
que o resultado será a soberania. Portanto, o que nós temos notado é que
o MP tem ido além dessa harmonia tensa. Ele tem caído na tentação de
transformar a sua autonomia numa soberania, nessa tutelagem do cidadão.
O tom do discurso é alvissareiro, é bom, é positivo, mas
seria muito importante acompanharmos o que vai ser feito a partir de
agora. Nesse caso, quando ela fala de estabilidade, é preciso pensar se
ela fala nesse plano da ótica e retórica do governo. A procuradora-geral
da República deveria dar uma dimensão de Estado a essa estabilidade.
Estado e estabilidade são a mesma coisa. Você mantém a luta social, os
interesses do agrupamento humano, por exemplo, dentro dos limites dados
pela lei. Esse é o Estado. A crise é nossa, é do Estado, mas não temos
que ter salvadores e diretores espirituais.
*PROFESSOR DE ÉTICA DA UNICAMP
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