"Vejo sombras no horizonte", diz professor de Ética sobre pasta da Justiça
Professor de Ética critica a demora na troca de comando na pasta da Justiça e a saia justa do Planalto com Gilmar Mendes
31/05/2017 06:00
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A
longa crise política enfrentada pelo Brasil não dá sinais de trégua.
Pelo contrário: o violento protesto em Brasília e a demissão do ministro
Osmar Serraglio, substituído pelo jurista Torquato Jardim na pasta da
Justiça, sacudiram o país. Em meio a esse caos, o filósofo e professor
de Ética Política da Universidade de Campinas (Unicamp) Roberto Romano
busca respostas e critica a demora na troca dos ministros e a saia justa
do Planalto com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),
Gilmar Mendes. Romano também comenta a falta de lideranças políticas e
reprova os excessos cometidos nos últimos anos pelos Três Poderes.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista de Roberto Romano
ao Correio:
Professor,
qual sua percepção sobre a substituição do ministro Osmar Serraglio
pelo ministro Torquato Jardim na pasta da Justiça?
É
uma estratégia própria de um governo que sente o perigo se aproximar.
Retirou um ministro extremamente fraco, que tem grande abertura para o
mundo jurídico, e colocou alguém que tem grande experiência com os
tribunais e, sobretudo, com aquele que no momento é essencial: o TSE.
Mas é uma estratégia que vem um pouco tarde. Essa medida deveria ter
sido tomada há muito tempo, porque uma série de passos foram dados com
base nas informações obtidas com o Serraglio. Ela vem tarde e mostra
justamente a falta de coesão, de rapidez e eficácia nas decisões do
presidente Temer.
Se o ministro Torquato intervir, não vai ficar exposto?
Não,
se ele seguir o processo legal. Quem fica exposto é o TSE, porque a
decisão fica mais delicada agora. Vão negociar com alguém que é da casa.
O ministro Gilmar Mendes, que vai presidir o processo, está furibundo
com o Palácio do Planalto, porque estão querendo fazer o TSE de peteca. O
ministro é conhecido por não dar ponto sem nó. Criou uma rede de
insegurança tanto para o TSE quanto para o STF (Supremo Tribunal
Federal). Isso vai trazer fios desencapados para o relacionamento do
presidente Temer com a Justiça. Isso pode piorar a situação do Temer.
Num cenário em que o TSE pede vista, dando sobrevida ao governo, o que se pode esperar?
O
presidente Temer está criando a ilusão de que ele está no governo, mas o
país está sendo governado pelo ministro da Economia, do Planejamento,
agora da Justiça. Ele está cuidando quase que exclusivamente de si mesmo
e do seu mandato e isso paralisou o país até agora. Quem acompanha
desde Getúlio Vargas a agonia de presidentes da República, esse
desmanche dos aliados no Congresso é muito sintomático: um dia o PSDB
diz que está estudando desembarcar, outro dia diz que dá apoio. São
esses sinais que mostram a fragilidade estrutural do governo. Comprar
briga com a Justiça, neste momento, é um atestado de óbito, ainda mais
tendo uma base desidratada a cada instante. A não ser que o ministro
Jardim consiga fazer um milagre.
O senhor vê saída para a crise brasileira?
Creio
que sim. Nós temos potencial para deixar de lado a situação atual, mas
eu vejo sombras espessas no horizonte. Em primeiro lugar, para que você
possa encontrar uma saída, é preciso que tenha lideranças. Praticamente
não temos lideranças nacionais. Há 20 anos, contávamos com um quadro de,
pelo menos, umas 50 lideranças. Hoje não. Temos partidos políticos
destroçados. Instituições que estão anacrônicas, antiquíssimas. A
reforma política não aparece no horizonte e a classe política está mais
preocupada com os seus privilégios do que com o bem-estar do país.
O senhor tem visto em uma nova Constituição a saída para toda essa crise?
As
propostas trazidas pelo jurista Modesto Carvalhosa e seus companheiros
devem ser examinadas. Uma nova Constituição é algo urgente para o Brasil
e para redefinir os poderes, a prática política, os partidos e
modificar pontos essenciais na estrutura do Estado. Essa é a tese e a
urgência. O problema é com quais instrumentos nós podemos fazer isso. Do
modo como estamos, que partido político terá legitimidade para liderar
eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte? Acredito que não
podemos deixar mais 10 anos com a atual Constituição, que se transformou
numa colcha de retalhos, desfigurada por emendas. É preciso chamar uma
Constituinte. Uma série de instituições que poderiam ajudar estão à
margem, como, por exemplo, as universidades.
Em meio à crise de representatividade e da desconfiança com a classe política, como o senhor avalia as instituições?
Há
um mantra, que venho criticando há um bom tempo e quase que sou voz
solitária nisso, que insiste em dizer que as instituições brasileiras
estão funcionando normalmente. Normal seria aquilo que atende ao intento
inicial. Quando você tem presidentes da República que não conseguem
estabelecer o período do seu mandato, essa normalidade no plano do
Executivo se torna problemática. Quando se tem um Congresso que legisla
em causa própria e quando a Justiça intervém em última instância sem
prever situações de crise, como essa que nós estamos seguindo, isso
também não é normal.
“A classe política está mais preocupada com os seus privilégios do que com o bem-estar do país”
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