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segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

ihu unisinos



07 Janeiro 2018
Está prestes a ser lançado um novo livro sobre o Papa Francisco que já gera discussão, mesmo antes do seu lançamento no dia 26 de fevereiro: Lost Shepherd: How Pope Francis is Misleading His Flock [Pastor perdido: como o Papa Francisco está desviando o seu rebanho].
O comentário é de Sandro Magister, publicada no blog Settimo Cielo, 05-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O título parece decididamente crítico. Mas não por preconceito. O autor do livro, Philip Lawler, é uma das assinaturas católicas mais autorizadas e equilibradas dos Estados Unidos. Ele foi diretor do Catholic World Report, a revista de notícias da Ignatius Press, a editora fundada pelo jesuíta Joseph Fessio, discípulo de Joseph Ratzinger. E, hoje, ele dirige o Catholic World News. Ele nasceu e cresceu em Boston. É casado e pai de sete filhos.
Na fase inicial do pontificado de Francisco, Lawler não deixou de apreciar as suas novidades. Mas agora, precisamente, chegou a ver nele o “pastor perdido” de um rebanho extraviado.
E ele amadureceu esse juízo crítico sobre o papa Jorge Mario Bergoglio graças também a uma atenta revisitação do Bergoglio jesuíta e bispo na Argentina.
Foi exatamente isso que outros biógrafos do atual papa também fizeram, tanto favoráveis quanto contrários: isto é, reconstruir o seu percurso argentino, para obter a partir daí uma maior compreensão do seu agir como papa.
* * *
Um exemplo impressionante dessa revisitação da fase argentina de Bergoglio está no último dos livros publicados até agora sobre ele: Il papa dittatore [O papa ditador], divulgado na forma de e-book em italiano e em inglês desde meados do ano passado, de um autor anônimo, provavelmente anglófono, que se esconde atrás do pseudônimo de Marcantonio Colonna.
Uma das passagens de “O papa ditador” que mais causou repercussão é a em que o autor levanta o véu sobre o juízo sobre Bergoglio, escrito em 1991 pelo superior-geral da Companhia de Jesus, o holandês Peter Hans Kolvenbach (1928-2016), durante consultas secretas pró ou contra a nomeação do próprio Bergoglio como bispo auxiliar de Buenos Aires.
Escreve o pseudo-Marcantonio Colonna:
“O texto do relatório nunca foi tornado público, mas o seguinte relato foi feito por um sacerdote que teve acesso a ele antes que ele desaparecesse do arquivo dos jesuítas. O padre Kolvenbach acusava Bergoglio de uma série de defeitos, que vão do uso habitual da linguagem vulgar à duplicidade, à desobediência escondida sob uma máscara de humildade e à falta de equilíbrio psicológico. Na ótica da sua idoneidade como futuro bispo, o relatório enfatizou que, como provincial, ele havia sido uma pessoa que havia trazido divisão à sua ordem.”
Pouco demais e vago demais. Porém, é indubitável a existência de um juízo sobre Bergoglio exigido pelas autoridades vaticanas a Kolvenbach em vista da sua nomeação como bispo.
Assim como é indubitável o forte atrito que existia entre o então simples jesuíta e os seus superiores da Companhia de Jesus, tanto na Argentina quanto em Roma.
Sobre esse atrito, informações abundantes, sólidas e convergentes são oferecidas por outras biografias de Bergoglio, não suspeitas de hostilidade preconcebida, por terem sido escritas por autores muito próximos dele ou até mesmo revisadas por ele durante a sua escrita.
Este é o caso, em particular, do volume Aquel Francisco (em italiano Gli anni oscuri di Bergoglio), escrito pelos argentinos Javier Cámara e Sebastián Pfaffen, sob a supervisão do papa, dedicado justamente aos anos de maior isolamento de Bergoglio dentro da Companhia de Jesus.
Nele, não se silencia que os jesuítas adversários dele chegaram até a fazer circular o rumor de que Bergoglio havia sido enviado para o exílio em Córdoba “porque estava doente, louco”.
Mas se silencia totalmente sobre o juízo contrário à sua nomeação como bispo, escrito pelo geral dos jesuítas Kolvenbach, cujo nome não aparece sequer uma vez nas mais de 300 páginas do livro.
E não há notícias do relatório Kolvenbach nem mesmo naquela que é até agora a mais abrangente e “amiga” biografia de Bergoglio, escrita pelo inglês Austen Ivereigh: The Great Reformer. Francis and the Making of a Radical Pope [O grande reformador. Francisco e a criação de um papa radical].
Mas, sobre a origem e o contexto daquele juízo negativo de Kolvenbach, as informações fornecidas por Ivereigh/Bergoglio são numerosas e preciosas. E merecem ser retomadas aqui.
* * *
O próprio Bergoglio referiu-se aos seus atritos com os coirmãos argentinos na entrevista concedida à revista La Civiltà Cattolica e a outras revistas da Companhia de Jesus logo após sua eleição como papa:
“O meu modo autoritário e rápido de tomar decisões levou-me a ter sérios problemas e a ser acusado de ser ultraconservador. (...) mas nunca fui de direita.”
Na Argentina, de fato, quem liderava a campanha contra Bergoglio eram os jesuítas do Centro de Investigação e Ação Social (CIAS), “em sua maioria pertencentes – observa Ivereigh – à alta burguesia e ao ambiente acadêmico” iluminista e progressista, irritados com o sucesso desse jesuíta “proveniente da classe baixa e sem nem mesmo um doutorado em teologia”, que “privilegiava a religiosidade popular negligenciando, por sua vez, os centros de pesquisa”: um tipo de religiosidade “muito próxima das pessoas, dos pobres”, mas, na sua opinião, “mais peronistas do que moderna”.
Não foi suficiente, para tranquilizá-los, que Bergoglio, em 1979, deixasse de ser provincial dos jesuítas argentinos. A sua liderança sobre uma consistente fração da Companhia não diminuiu em nada. Ao contrário, escreve Ivereigh, “ele tinha mais influência agora do que como provincial”.
Mas, precisamente por isso, os seus adversários estavam cada vez mais impacientes. As críticas do CIAS e de outros chegaram a Roma, à Cúria Generalícia da Companhia de Jesus, onde o assistente para a América Latina, José Fernández Castañeda, também era hostil a Bergoglio e, evidentemente, convenceram o novo superior-geral, Kolvenbach. De fato, este, em 1986, ao escolher o novo chefe da província argentina, nomeou justamente o candidato do CIAS, Víctor Zorzín, que imediatamente tomou como braço direito “um dos mais ferozes críticos de Bergoglio”, Ignacio García-Mata, que lhe sucederia.
Seguiu uma disputa que Ivereigh compara ao “confronto entre peronistas e antiperonistas” da Argentina dos anos 1950, com a diferença de que agora “os ‘gorilas’, os fanáticos antiperonistas, estava com o CIAS, enquanto o ‘pueblo’ estava com Bergoglio e os seus apoiadores”. Em suma: “Uma limpeza radical, em que se invertia completamente tudo o que estava associado ao regime deposto”.
E Bergoglio? Em maio daquele mesmo ano de 1986, de acordo com o novo provincial, Zorzín, ele migrou para a Alemanha, formalmente para um doutorado sobre Romano Guardini. Mas, em dezembro do mesmo ano, ele já estava voltando para a pátria, para o júbilo dos seus ainda numerosos seguidores. Que, de fato, conseguiram eleger precisamente ele como procurador da província argentina para uma cúpula na Cúria Generalícia em Roma, em setembro de 1987.
No ano seguinte, foi Kolvenbach que se dirigiu à Argentina, para um encontro com os provinciais do continente. Mas ele evitou de se encontrar com Bergoglio, embora hospedando-se a poucos passos dele. Escreve Ivereigh: “Nos dois anos seguintes, a província se dividiu cada vez mais profundamente”, e Bergoglio “foi acusado de forma cada vez mais insistente de fomentar essa dissidência”. Ele cita um registro verbal das reuniões dos consultores provinciais: “Em todos os encontros, falávamos dele. Era uma preocupação constante decidir o que devíamos fazer com esse homem”.
Em 1990, exilaram Bergoglio em Córdoba, sem qualquer cargo, e enviaram ao exterior os coirmãos mais próximos dele. Mas, pouco depois, eis o milagre. O arcebispo de Buenos Aires, Antonio Quarracino, pediu a Roma para ter justamente Bergoglio como seu bispo auxiliar. E obteve isso.
Ivereigh não menciona isso. Mas é aqui, nas consultas secretas que precedem a nomeação de todo novo bispo, que o superior-geral dos jesuítas, Kolvenbach, pôs por escrito o seu juízo negativo sobre a nomeação de Bergoglio. Ele não foi ouvido. Mas há um episódio, imediatamente posterior à consagração de Bergoglio como bispo, no verão de 1992, que mostra como continuava duro o desacordo entre os dois.
À espera de que a sua nova casa estivesse preparada, Bergoglio foi hospedado na casa da Cúria jesuíta de Buenos Aires, onde, nesse meio tempo, o seu arqui-inimigo García-Mata havia se tornado provincial.
Escreve Ivereigh:
“Mas não era uma relação fácil. Bergoglio acusou García-Mata de tê-lo difamado em um relatório que o provincial havia mandado para Roma (o relatório era secreto, mas um dos consultores informou Bergoglio a respeito), enquanto García-Mata se sentia ameaçado pela popularidade de que o novo bispo gozava entre os jesuítas mais jovens.”
Passaram-se as semanas, e Bergoglio era uma presença cada vez mais “invasiva” para García-Mata. Até que, no dia 31 de julho, festa de Santo Inácio, o provincial o intimou a ir embora. “Mas eu estou muito bem aqui”, respondeu Bergoglio.
Continua Ivereigh:
“Se queria que ele fosse embora, disse Bergoglio, devia notifica-lo oficialmente. Então García-Mata escreveu a Kolvenbach, que apoiou a sua decisão. A carta do geral dos jesuítas foi deixada no quarto de Bergoglio. E García-Mata recebeu uma resposta por escrito de Bergoglio, com a comunicação da sua data de partida.”
Pode-se entender, com esses precedentes, porque dali em diante, nas suas inúmeras viagens a Roma, Bergoglio nunca colocou os pés na Cúria Generalícia dos jesuítas, hospedando-se, em vez disso, na residência do clero da Via della Scrofa, nem nunca falou com Kolvenbach.
Para fazer as pazes novamente com a Companhia de Jesus, em suma, o primeiro papa jesuíta da história, primeiro, teve que ser justamente eleito papa.
Mas conhecemos o conflito anterior hoje quase exclusivamente a partir do seu ponto de vista, mediado pelos biógrafos amigos dele.
O ponto de vista dos outros, começando pelo juízo do seu geral de um quarto de século atrás, em grande medida, ainda nos é desconhecido.

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