Peter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin"
(IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da
Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de
artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria,
dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da
interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da
nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent,
2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as
telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São
Paulo (2010).
A universidade: leitura de férias
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Férias com chuva é um convite para a leitura, que, é verdade, nos últimos anos enfrenta dura competição das maratonas de séries televisivas oferecidas pelos canais de streaming. Mesmo assim, as listas de livros para leituras de férias são numerosas e propostas por diferentes fontes, como meios de comunicação, bibliotecas públicas, escolas, organizações civis; mas não encontrei dicas sugeridas por universidades. Isso nos leva diretamente à expressão em inglês summer reading, que também se refere às listas promovidas concomitantemente por um grande número de universidades mundo afora. Para entender o fenômeno e sua importância, fico com o recorte estadunidense e assim voltar ao último verão no hemisfério norte. Uma visão geral apareceu no New York Times em primeiro de julho do ano passado [I], comentando algumas escolhas comuns a várias universidades e suas implicações. Nessa matéria é possível acessar a pesquisa abrangente da editora Penguin englobando as listas propostas por 440 instituições de ensino superior por aquelas bandas: “O que estudantes irão ler: resumo de leituras compartilhadas 2017-2018” [II]. Os nomes dos projetos de leitura são interessantes per se: Common Reading Experience, Common Campus Reading Initiative, First-Year Common Book, Campus Read, entre outros.
Muitos desses projetos de leitura, frequentemente voltados para calouros, são temáticos. O projeto de Berkeley desse último verão foi “O que podemos mudar em uma geração” e a lista de livros correspondente está no site http://reading.berkeley.edu/index.html, que traz também as listas dos projetos anteriores desde 1985. A apresentação do projeto dá o tom que listas de livros devem compartilhar: “Como em todos os anos, os livros da lista são simplesmente sugeridos para serem examinados e lidos no tempo livre – nesse verão, no próximo ano ou quando for possível.” [III] Esse espírito é exatamente com o qual eu lido com bibliografias: leituras urgentemente necessárias juntas a um repertório para o futuro, sendo um aviso de que os temas das lista são geralmente densos e intensamente visitados e revisitados por vários autores de muitos lugares e tempos diferentes.
Inspirado por esses passeios pelos sítios do mundo, atrevo-me a sugerir uma lista com um tema, “a Universidade”, cujos desafios, crises e suas soluções foram assunto frequente de preocupações silenciosas, conversas e debates no ano que passou, temperado pela continuação da crise econômica e financeira. Entendendo o momento, falta, no entanto, dar maior espaço nas discussões ao enorme repertório de ideias e reflexões sobre a Universidade. A lista que aqui compartilho é incompleta, diletante e construída ao acaso, procurando em sebos, recebendo presentes ocasionais, ouvindo palestras, googlando e através de sugestões de amigos, novos e de mais longa data [IV].
“Como não falar, hoje, da Universidade?”. Pergunta-se Jacques Derrida no início de um dos ensaios do livro O olho da Universidade (Editora Liberdade). Em um dos ensaios o filósofo francês comenta um texto precursor da Universidade moderna, O conflito das faculdades de Immanuel Kant, escrito no final do século XVIII e que influenciou Wilhelm von Humboldt no seu Sobre a organização interna e externa dos estabelecimentos científicos superiores em Berlim (1810), que para muitos é o marco fundador da Universidade como nós a conhecemos. De todos os modos é o manifesto que abriu o caminho para o binômio ensino-pesquisa nas instituições de ensino superior. Fausto Castilho traduziu o texto, anexo de seu livro-entrevista O conceito de universidade no projeto da Unicamp. Voltando a Kant, seu conflito é bem próximo aos nossos conflitos de hoje, incluindo-se aí a pós-graduação às faculdades abordadas pelo filósofo alemão. Dada à falta de espaço, peço desculpas por deixar de fora uma série de personagens importantes, mas que são mencionados e comentados no livro Os usos da universidade (1963) de Clark Kerr, que delineia o conceito de multiversidade, imprescindível para entendermos a formação da complexidade das universidades de hoje. Pelo meio do caminho da pressa ficaram também os filósofos Karl Jaspers, reitor da Universidade de Heidelberg após a Segunda Guerra Mundial, com o seu livro Uma ideia de Universidade (1948), e José Ortega y Gasset, com seu Missão da Universidade de 1930.
Um bom resumo do que aparece nesses livros (com exceção, obviamente, do de Derrida, que veio bem depois) pode ser degustado no inestimável artigo de Anísio Teixeira A universidade de ontem e de hoje, escrito em 1964, mas que permanece incrivelmente atual. O texto pode ser encontrado na biblioteca virtual Anísio Teixeira [V], pensador brasileiro a ser continuamente redescoberto. Somam-se a ele, Darcy Ribeiro com sua Universidade necessária (1969) e textos mais recentes como o ensaio Da ideia da Universidade à Universidade de ideias (1989) de Boaventura de Souza Santos, diagnóstico preciso das crises pelas quais passam as universidades. Por outro lado, para uma visão bem recente de um dos maiores desafios presentes em diferentes lugares do mundo, mas sintonizada com outro diapasão, vale pelo menos folhear o relatório Responding to massification [VI].
[V] http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/
[VI] https://www.koerber-stiftung.de/fileadmin/user_upload/koerber-stiftung/redaktion/htulc/pdf/2017/Studie_Responding-to-Massification.pdf
Férias com chuva é um convite para a leitura, que, é verdade, nos últimos anos enfrenta dura competição das maratonas de séries televisivas oferecidas pelos canais de streaming. Mesmo assim, as listas de livros para leituras de férias são numerosas e propostas por diferentes fontes, como meios de comunicação, bibliotecas públicas, escolas, organizações civis; mas não encontrei dicas sugeridas por universidades. Isso nos leva diretamente à expressão em inglês summer reading, que também se refere às listas promovidas concomitantemente por um grande número de universidades mundo afora. Para entender o fenômeno e sua importância, fico com o recorte estadunidense e assim voltar ao último verão no hemisfério norte. Uma visão geral apareceu no New York Times em primeiro de julho do ano passado [I], comentando algumas escolhas comuns a várias universidades e suas implicações. Nessa matéria é possível acessar a pesquisa abrangente da editora Penguin englobando as listas propostas por 440 instituições de ensino superior por aquelas bandas: “O que estudantes irão ler: resumo de leituras compartilhadas 2017-2018” [II]. Os nomes dos projetos de leitura são interessantes per se: Common Reading Experience, Common Campus Reading Initiative, First-Year Common Book, Campus Read, entre outros.
Muitos desses projetos de leitura, frequentemente voltados para calouros, são temáticos. O projeto de Berkeley desse último verão foi “O que podemos mudar em uma geração” e a lista de livros correspondente está no site http://reading.berkeley.edu/index.html, que traz também as listas dos projetos anteriores desde 1985. A apresentação do projeto dá o tom que listas de livros devem compartilhar: “Como em todos os anos, os livros da lista são simplesmente sugeridos para serem examinados e lidos no tempo livre – nesse verão, no próximo ano ou quando for possível.” [III] Esse espírito é exatamente com o qual eu lido com bibliografias: leituras urgentemente necessárias juntas a um repertório para o futuro, sendo um aviso de que os temas das lista são geralmente densos e intensamente visitados e revisitados por vários autores de muitos lugares e tempos diferentes.
Inspirado por esses passeios pelos sítios do mundo, atrevo-me a sugerir uma lista com um tema, “a Universidade”, cujos desafios, crises e suas soluções foram assunto frequente de preocupações silenciosas, conversas e debates no ano que passou, temperado pela continuação da crise econômica e financeira. Entendendo o momento, falta, no entanto, dar maior espaço nas discussões ao enorme repertório de ideias e reflexões sobre a Universidade. A lista que aqui compartilho é incompleta, diletante e construída ao acaso, procurando em sebos, recebendo presentes ocasionais, ouvindo palestras, googlando e através de sugestões de amigos, novos e de mais longa data [IV].
“Como não falar, hoje, da Universidade?”. Pergunta-se Jacques Derrida no início de um dos ensaios do livro O olho da Universidade (Editora Liberdade). Em um dos ensaios o filósofo francês comenta um texto precursor da Universidade moderna, O conflito das faculdades de Immanuel Kant, escrito no final do século XVIII e que influenciou Wilhelm von Humboldt no seu Sobre a organização interna e externa dos estabelecimentos científicos superiores em Berlim (1810), que para muitos é o marco fundador da Universidade como nós a conhecemos. De todos os modos é o manifesto que abriu o caminho para o binômio ensino-pesquisa nas instituições de ensino superior. Fausto Castilho traduziu o texto, anexo de seu livro-entrevista O conceito de universidade no projeto da Unicamp. Voltando a Kant, seu conflito é bem próximo aos nossos conflitos de hoje, incluindo-se aí a pós-graduação às faculdades abordadas pelo filósofo alemão. Dada à falta de espaço, peço desculpas por deixar de fora uma série de personagens importantes, mas que são mencionados e comentados no livro Os usos da universidade (1963) de Clark Kerr, que delineia o conceito de multiversidade, imprescindível para entendermos a formação da complexidade das universidades de hoje. Pelo meio do caminho da pressa ficaram também os filósofos Karl Jaspers, reitor da Universidade de Heidelberg após a Segunda Guerra Mundial, com o seu livro Uma ideia de Universidade (1948), e José Ortega y Gasset, com seu Missão da Universidade de 1930.
Um bom resumo do que aparece nesses livros (com exceção, obviamente, do de Derrida, que veio bem depois) pode ser degustado no inestimável artigo de Anísio Teixeira A universidade de ontem e de hoje, escrito em 1964, mas que permanece incrivelmente atual. O texto pode ser encontrado na biblioteca virtual Anísio Teixeira [V], pensador brasileiro a ser continuamente redescoberto. Somam-se a ele, Darcy Ribeiro com sua Universidade necessária (1969) e textos mais recentes como o ensaio Da ideia da Universidade à Universidade de ideias (1989) de Boaventura de Souza Santos, diagnóstico preciso das crises pelas quais passam as universidades. Por outro lado, para uma visão bem recente de um dos maiores desafios presentes em diferentes lugares do mundo, mas sintonizada com outro diapasão, vale pelo menos folhear o relatório Responding to massification [VI].
Como já anunciado, deixo de fora muitos
autores importantes e a bibliografia que rascunho acima é resultado dos
meus tropeços pessoais e assistemáticos no tema. Alguns desses textos
são de fácil acesso em forma digital, outros estão esgotados nas
editoras, mas são encontrados em bibliotecas. Pode-se começar pelo que
se encontrar primeiro, pois, se a pergunta de Derrida faz sentido, como
também não ler, hoje, sobre a universidade?
[III] Seria uma boa ideia já para as próximas férias na Unicamp.
[IV] Agradeço especialmente as sugestões de Roberto Romano e Flavio Ferreira[V] http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/
[VI] https://www.koerber-stiftung.de/fileadmin/user_upload/koerber-stiftung/redaktion/htulc/pdf/2017/Studie_Responding-to-Massification.pdf
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