19/06/2017
Revista NORDESTE: O prazer de implantar mentiras
O filósofo Roberto Romano discorre sobre a pós-verdade. Diz que não há nada de novo no verbete, e que “fazer o mal pelo prazer de fazer o mal” está presente nas mais profundas fibras do corpo e da alma humana
Por Pedro Callado
Roberto Romano é professor aposentado de Ética e Filosofia na UNICAMP. Em seus estudos, analisa a obra de Descartes, Espinoza, Diderot, Rosseau, dentre outros pensadores. Como escritor, destacam-se as obras O caldeirão de Medeia, Moral e ciência: a monstruosidade no século XVIII e O Silêncio e o Ruído, onde trata sobre o que hoje tem sido chamado de pós-verdade.
Revista NORDESTE: Nos últimos anos têm surgido um conceito Pós-Verdade, cunhado pelo escritor norte-americano Ralph Keyes no livro The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life, no seu entender o que significa a pós-verdade?
Roberto Romano: Bem, o caminho de um vocábulo para chegar ao plano do conceito é longo, tortuoso, complexo. Não basta para determinar uma palavra como conceito a sua aceitação geral, as bençãos dos dicionários, as formulações acadêmicas ou jornalísticas. Se assim fosse, todos os clichês que sufocam a língua desde milênios seriam conceitos. É relevante levar em conta uma reflexão trazida por Denis Diderot: "se o senhor refletir um momento sobre a rapidez incompreensível da conversa, o senhor conceberá que os homens não profeririam vinte frases num dia, se eles se impusessem a necessidade de ver distintamente em cada palavra por eles dita qual é a idéia ou a coleção de idéias que a ela se apegam". Podemos dizer do enunciado sobre a pós-verdade algo similar ao que ajuíza Diderot. Trata-se de algo diagnosticado pela filosofia desde o seu nascimento na Grécia. Nunca a verdade foi tratada apenas em si mesma, de forma isolada. Ela sempre recebeu análise em companhia de sua irmã inimiga, a mentira, que exibe o parecer e afasta o ser das coisas e dos pensamentos. Nos últimos tempos, sobretudo no século 20, pensadores e políticos, religiosos e ateus, buscam uma higiene da palavra, tentam encontrar linguagens que escapem dos equívocos e demais armadilhas da expressão verbal e corporal nos atos comunicativos. Desde Platão, no entanto, existe a esperança, sempre ilusória, de que a língua natural pode e deve ser corrigida pelas matemáticas. Volto a Diderot: "se nossos dicionários fossem tão bem feitos ou, o que é o mesmo, se as palavras usuais fossem tão bem definidas quanto as palavras 'ângulos' e 'quadrados', sobrariam poucos erros e disputas entre os homens". Mas o enciclopedista percebeu, em breve tempo, que seu alvo, como o de Platão, Aristóteles e dos filósofos medievais ou modernos, era impossível. Até hoje, e talvez para sempre, a busca de sanar a língua escrita e falada continua na lógica, na filosofia, na psicanálise, etc. Nomes como Carnap, Quine, Wittgenstein trazem fortes contributos na tarefa de encontrar sentido para a expressão verbal. E não esqueçamos os esforços de Heidegger, em especial o parágrafo 37 de Ser e Tempo, sobre o equívoco. Vale a pena reler um volume "antigo", bem anterior à fábrica de enunciados que gerou o termo "pós verdade", escrito por Ogden & Richards, “The meaning of meaning”. Alí, os autores discutem o amálgama do verdadeiro e do falso nas múltiplas atribuições de sentido que assaltam a vida política, religiosa, científica, ideológica, moral. Estranho a relevância dada a um termo que pretende desmistificar o discurso enganoso, sem que exista referência ao aporte milernar da filosofia e da ética para refletir sobre o assunto. Não é preciso insistir sobre as meditações de Nietzsche e de Freud sobre o assunto (por exemplo, em “Verdade e Mentira no Sentido Extramoral”). Uma leitura de Plutarco ( "Sobre o Falatório", "Sobre a curiosidade", "Sobre a lisonja") ajudaria bastante a entender o jogo de aparência e verdade em nosso trato coletivo de agora, em especial na política. Erich Auerbach (Mimesis) e Shoshana Felman (La Folie et la chose littéraire) trazem preciosas elucidações sobre a propaganda e o clichê no pensamento de hoje. A lista feita acima por mim não se deve ao pedantismo acadêmico. Ela procura advertir para a veiculação de "novidades" que têm milênios de história. Em resumo: a profissão do sofista se renova, mas sempre apresenta a marca reconhecida por Platão: confundir o verdadeiro e o falso e, assim, encantando os seres humanos aos milhões. Modestamente procuro, no Brasil, investigar e discutir o assunto em livros e artigos. Até hoje, minha busca foi quase solitária (remeto em especial ao livro “Silêncio e Ruído” e ao artigo "Sobre o segredo e o silêncio", publicado pela Revista USP, 2011).
NORDESTE: O Dicionário de Oxford, na Inglaterra, elegeu esta como a palavra destaque do ano de 2016, estamos vivendo um movimento mundial onde valores em relação aos conceitos tradicionais de verdade, mentira, honestidade e desonestidade, credibilidade e dúvida, estão em xeque no mundo?
Romano: O fato de uma expressão chegar aos dicionários não lhe dá o estatuto de conceito, como sugeri acima. Nunca, em sociedade alguma, ocorreu um recobrimento perfeito entre ideais, mitos ou doutrinas, e os atos dos indivíduos ou coletivos. Os sofistas e, depois deles, os doutrinadores religiosos cristãos que inventaram o inferno e a inquisição, mostram a quebra inevitável entre os dois campos, o dos ideais e o dos atos. Uma religião do amor que joga corpos nas fogueiras e torturas, além de incinerar livros aos milhares, já viveria na pós verdade. O mesmo pode ser dito para as práticas da razão de Estado com seus golpes e contra golpes. Gabriel Naudé, o primeiro a publicar um livro com o título Considerações Políticas sobre os golpes de Estado, dizia que no mundo dos interesses palacianos , "tudo é escrito ao modo judaico, de trás para diante", tudo é invertido. Não por acaso, o grande mito do poder moderno traz a marca sinistra do maquiavelismo, com o uso do engodo como técnica essencial de controle alheio. Hoje as coisas são mais complexas, dado o avanço das comunicações com a internet e outros meios. Mas os homens seguem seu destino de serem lobos uns dos outros. E, infelizmente, o único remédio (muito fraco, diga-se) encontra-se na lei e na soberania estatal. Elementos que, eles também, estão em franca degenerescência (desde a Grécia platônica...).
NORDESTE: Uma reportagem da revista The Economist relaciona a pós-verdade com a eleição de Donald Trump e a vitória do Brexit no voto popular. Há relação? O senhor concorda?
Romano: A revista, no meu entender, confunde os sintomas com a origem dos males. Um povo sem emprego, sem saúde, sem educação, sem ciência, sem liberdade e igualdade, mas com acesso ao voto, escolhe a saída mais esperançosa, mesmo e sobretudo se ela for um amontoado de mentiras. É o que ocorreu com o nazismo na República de Weimar e em todas as outras repúblicas que proclamaram em Constituições coisas que não cumpriram na ação. Trump e Brexit resultam de políticas que visaram, antes de tudo, preservar a saúde da ordem financeira em detrimento da economia mais ampla e dos seres humanos. Notícia recente sobre a Grécia, traz o mea culpa do Fundo Monetário Internacional sobre a política imposta ao referido país: "exageramos na dose". A linguagem dos votos, como as demais linguagens, não tem o poder criador do mundo, à semelhança do Verbo Divino. Ela exprime os afetos humanos. Uma leitura atenta da Ética spinozana ajudaria bastante a deslindar tal puzzle.
Roberto Romano: Bem, o caminho de um vocábulo para chegar ao plano do conceito é longo, tortuoso, complexo. Não basta para determinar uma palavra como conceito a sua aceitação geral, as bençãos dos dicionários, as formulações acadêmicas ou jornalísticas. Se assim fosse, todos os clichês que sufocam a língua desde milênios seriam conceitos. É relevante levar em conta uma reflexão trazida por Denis Diderot: "se o senhor refletir um momento sobre a rapidez incompreensível da conversa, o senhor conceberá que os homens não profeririam vinte frases num dia, se eles se impusessem a necessidade de ver distintamente em cada palavra por eles dita qual é a idéia ou a coleção de idéias que a ela se apegam". Podemos dizer do enunciado sobre a pós-verdade algo similar ao que ajuíza Diderot. Trata-se de algo diagnosticado pela filosofia desde o seu nascimento na Grécia. Nunca a verdade foi tratada apenas em si mesma, de forma isolada. Ela sempre recebeu análise em companhia de sua irmã inimiga, a mentira, que exibe o parecer e afasta o ser das coisas e dos pensamentos. Nos últimos tempos, sobretudo no século 20, pensadores e políticos, religiosos e ateus, buscam uma higiene da palavra, tentam encontrar linguagens que escapem dos equívocos e demais armadilhas da expressão verbal e corporal nos atos comunicativos. Desde Platão, no entanto, existe a esperança, sempre ilusória, de que a língua natural pode e deve ser corrigida pelas matemáticas. Volto a Diderot: "se nossos dicionários fossem tão bem feitos ou, o que é o mesmo, se as palavras usuais fossem tão bem definidas quanto as palavras 'ângulos' e 'quadrados', sobrariam poucos erros e disputas entre os homens". Mas o enciclopedista percebeu, em breve tempo, que seu alvo, como o de Platão, Aristóteles e dos filósofos medievais ou modernos, era impossível. Até hoje, e talvez para sempre, a busca de sanar a língua escrita e falada continua na lógica, na filosofia, na psicanálise, etc. Nomes como Carnap, Quine, Wittgenstein trazem fortes contributos na tarefa de encontrar sentido para a expressão verbal. E não esqueçamos os esforços de Heidegger, em especial o parágrafo 37 de Ser e Tempo, sobre o equívoco. Vale a pena reler um volume "antigo", bem anterior à fábrica de enunciados que gerou o termo "pós verdade", escrito por Ogden & Richards, “The meaning of meaning”. Alí, os autores discutem o amálgama do verdadeiro e do falso nas múltiplas atribuições de sentido que assaltam a vida política, religiosa, científica, ideológica, moral. Estranho a relevância dada a um termo que pretende desmistificar o discurso enganoso, sem que exista referência ao aporte milernar da filosofia e da ética para refletir sobre o assunto. Não é preciso insistir sobre as meditações de Nietzsche e de Freud sobre o assunto (por exemplo, em “Verdade e Mentira no Sentido Extramoral”). Uma leitura de Plutarco ( "Sobre o Falatório", "Sobre a curiosidade", "Sobre a lisonja") ajudaria bastante a entender o jogo de aparência e verdade em nosso trato coletivo de agora, em especial na política. Erich Auerbach (Mimesis) e Shoshana Felman (La Folie et la chose littéraire) trazem preciosas elucidações sobre a propaganda e o clichê no pensamento de hoje. A lista feita acima por mim não se deve ao pedantismo acadêmico. Ela procura advertir para a veiculação de "novidades" que têm milênios de história. Em resumo: a profissão do sofista se renova, mas sempre apresenta a marca reconhecida por Platão: confundir o verdadeiro e o falso e, assim, encantando os seres humanos aos milhões. Modestamente procuro, no Brasil, investigar e discutir o assunto em livros e artigos. Até hoje, minha busca foi quase solitária (remeto em especial ao livro “Silêncio e Ruído” e ao artigo "Sobre o segredo e o silêncio", publicado pela Revista USP, 2011).
NORDESTE: O Dicionário de Oxford, na Inglaterra, elegeu esta como a palavra destaque do ano de 2016, estamos vivendo um movimento mundial onde valores em relação aos conceitos tradicionais de verdade, mentira, honestidade e desonestidade, credibilidade e dúvida, estão em xeque no mundo?
Romano: O fato de uma expressão chegar aos dicionários não lhe dá o estatuto de conceito, como sugeri acima. Nunca, em sociedade alguma, ocorreu um recobrimento perfeito entre ideais, mitos ou doutrinas, e os atos dos indivíduos ou coletivos. Os sofistas e, depois deles, os doutrinadores religiosos cristãos que inventaram o inferno e a inquisição, mostram a quebra inevitável entre os dois campos, o dos ideais e o dos atos. Uma religião do amor que joga corpos nas fogueiras e torturas, além de incinerar livros aos milhares, já viveria na pós verdade. O mesmo pode ser dito para as práticas da razão de Estado com seus golpes e contra golpes. Gabriel Naudé, o primeiro a publicar um livro com o título Considerações Políticas sobre os golpes de Estado, dizia que no mundo dos interesses palacianos , "tudo é escrito ao modo judaico, de trás para diante", tudo é invertido. Não por acaso, o grande mito do poder moderno traz a marca sinistra do maquiavelismo, com o uso do engodo como técnica essencial de controle alheio. Hoje as coisas são mais complexas, dado o avanço das comunicações com a internet e outros meios. Mas os homens seguem seu destino de serem lobos uns dos outros. E, infelizmente, o único remédio (muito fraco, diga-se) encontra-se na lei e na soberania estatal. Elementos que, eles também, estão em franca degenerescência (desde a Grécia platônica...).
NORDESTE: Uma reportagem da revista The Economist relaciona a pós-verdade com a eleição de Donald Trump e a vitória do Brexit no voto popular. Há relação? O senhor concorda?
Romano: A revista, no meu entender, confunde os sintomas com a origem dos males. Um povo sem emprego, sem saúde, sem educação, sem ciência, sem liberdade e igualdade, mas com acesso ao voto, escolhe a saída mais esperançosa, mesmo e sobretudo se ela for um amontoado de mentiras. É o que ocorreu com o nazismo na República de Weimar e em todas as outras repúblicas que proclamaram em Constituições coisas que não cumpriram na ação. Trump e Brexit resultam de políticas que visaram, antes de tudo, preservar a saúde da ordem financeira em detrimento da economia mais ampla e dos seres humanos. Notícia recente sobre a Grécia, traz o mea culpa do Fundo Monetário Internacional sobre a política imposta ao referido país: "exageramos na dose". A linguagem dos votos, como as demais linguagens, não tem o poder criador do mundo, à semelhança do Verbo Divino. Ela exprime os afetos humanos. Uma leitura atenta da Ética spinozana ajudaria bastante a deslindar tal puzzle.
NORDESTE: A Justiça com a tese do Domínio do Fato, a Lava Jato com delações premiadas e acusações e vazamentos sem provas concretas, mas que já apontam para uma condenação midiática dos envolvidos, a suspensão de direitos fundamentais como a prisão (preventiva e longa) sem provas seriam exemplos desse novo momento da pós-verdade, por quê?
Romano: Os fenômenos enunciados na pergunta acima são velhos como os milênios que definem o direito, a política, as religiões. No Brasil, eles constituem casos particulares, mas que entram na péssima norma assumida por um povo sem democracia e sem maior sentido de justiça. Quem viveu no Brasil durante a ditadura Vargas e de 1964, sabe perfeitamente o que significa não ter direitos diante da força. E sabe, também: as massas seguem um Salvador que lhes promete tudo, a começar com o fim da corrupção. Pouco importa se o Salvador é Vargas, Jânio, militares, Joaquim Barbosa, Moro. Para tal alvo, tudo vale, sobretudo pisar direitos individuais e coletivos. Getulio, o pai do povo, disse com todas as letras: "o indivíduos não têm direitos, têm deveres". Joaquim Barbosa, o justiceiro, também disse: "Não existem direitos adquiridos". Assim que se vive aqui. Os instantes em que os direitos humanos são respeitados são átimos diante da eternidade em que eles são expulsos da ordem civil e política. Somos a terra dos não-direitos. Mas, como disse acima, trata-se de um tema velho como o poder. Gabriel Naudé, nas mesmas Considerações Políticas sobre o golpe de estado que, neles, "vemos a tempestade cair antes dos trovões; as matinas ditas antes que o sino toque; a execução precede a sentença". A última frase é capital: nas ditaduras brasileiras e na prática das massas e das nossas elites. "A execução precede a sentença". Dá o que pensar sobre a Lava Jato, não?
Romano: Os fenômenos enunciados na pergunta acima são velhos como os milênios que definem o direito, a política, as religiões. No Brasil, eles constituem casos particulares, mas que entram na péssima norma assumida por um povo sem democracia e sem maior sentido de justiça. Quem viveu no Brasil durante a ditadura Vargas e de 1964, sabe perfeitamente o que significa não ter direitos diante da força. E sabe, também: as massas seguem um Salvador que lhes promete tudo, a começar com o fim da corrupção. Pouco importa se o Salvador é Vargas, Jânio, militares, Joaquim Barbosa, Moro. Para tal alvo, tudo vale, sobretudo pisar direitos individuais e coletivos. Getulio, o pai do povo, disse com todas as letras: "o indivíduos não têm direitos, têm deveres". Joaquim Barbosa, o justiceiro, também disse: "Não existem direitos adquiridos". Assim que se vive aqui. Os instantes em que os direitos humanos são respeitados são átimos diante da eternidade em que eles são expulsos da ordem civil e política. Somos a terra dos não-direitos. Mas, como disse acima, trata-se de um tema velho como o poder. Gabriel Naudé, nas mesmas Considerações Políticas sobre o golpe de estado que, neles, "vemos a tempestade cair antes dos trovões; as matinas ditas antes que o sino toque; a execução precede a sentença". A última frase é capital: nas ditaduras brasileiras e na prática das massas e das nossas elites. "A execução precede a sentença". Dá o que pensar sobre a Lava Jato, não?
NORDESTE: O Facebook foi mencionado como uma força nas recentes eleições da França, sabe-se de notícias falsas, perfis falsos construídos para atacar políticos e pessoas. O crescimento da intolerância e do xenofobismo utilizando as redes como mola disseminadora. As redes sociais e a internet têm cumprido um papel importante na pós-verdade?
Romano: Facebook é um constructo técnico que apenas efetiva a ferocidade ínsita no ente humano. Ele não é causa de nada, quando se trata daquilo que os gregos chamavam a kakourgia, o fazer o mal pelo prazer de fazer o mal. Plantar mentiras, enganar para lucro financeiro ou político (ou religioso) é algo que está presente nas mais profundas fibras do corpo e da alma. Schopenhauer tem uma imagem sugestiva: somos como porcos espinhos. Se ficarmos muito longe uns dos outros, morremos de frio. Se nos aproximamo em demasia, nos espetamos mortalmente. O Facebook nos aproxima, mas junta ferroadas. Muito raramente une e auxilia. Mas trata-se de um conjunto técnico novo, que a humanidade ainda não aprendeu a manejar para o bom e o belo. Quem sabe, no futuro, o Facebook e outros instrumentos mereçam, de fato, o título de "rede social"...
Romano: Facebook é um constructo técnico que apenas efetiva a ferocidade ínsita no ente humano. Ele não é causa de nada, quando se trata daquilo que os gregos chamavam a kakourgia, o fazer o mal pelo prazer de fazer o mal. Plantar mentiras, enganar para lucro financeiro ou político (ou religioso) é algo que está presente nas mais profundas fibras do corpo e da alma. Schopenhauer tem uma imagem sugestiva: somos como porcos espinhos. Se ficarmos muito longe uns dos outros, morremos de frio. Se nos aproximamo em demasia, nos espetamos mortalmente. O Facebook nos aproxima, mas junta ferroadas. Muito raramente une e auxilia. Mas trata-se de um conjunto técnico novo, que a humanidade ainda não aprendeu a manejar para o bom e o belo. Quem sabe, no futuro, o Facebook e outros instrumentos mereçam, de fato, o título de "rede social"...
NORDESTE: "Uma mentira repetida mil vezes, torna-se verdade". Esta frase atribuída a Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler, pode ser relacionada com a pós-verdade? O que existe é um confusão em relação ao que é real ou irreal, ou é uma confusão de valores éticos e morais?
Romano: O enunciado não é de Gobbels, mas de Platão. Goebbels estudou filosofia antiga e, sobretudo, Platão. O enunciado sobre a mentira repetida que se torna verdade encontra-se no livro terceiro da República (415 c-e). O interlocutor de Sócrates duvida que a mentira, usada por Platão, sobre a origem dos homens possa ser acreditada pelos homens de seu tempo. Resposta do filósofo: ela será, se repetida, crível para o seus filhos, a posteridade deles, e finalmente para toda a gente futura!". Platão, inimigo dos sofistas, conhecia perfeitamente a arte de enganar. Ele a considerava mesmo um remédio a ser usado pelos governantes sábios, para prevenir a catástrofe da polis. Mas, como diziam os médicos gregos, a diferença entre veneno e remédio (ambos designados pela mesma palavra, pharmakon na lingua grega) é a dose. Goebbels, João Santana e seus colegas, usaram doses cavalares que apressaram toda a agonia do paciente.
Romano: O enunciado não é de Gobbels, mas de Platão. Goebbels estudou filosofia antiga e, sobretudo, Platão. O enunciado sobre a mentira repetida que se torna verdade encontra-se no livro terceiro da República (415 c-e). O interlocutor de Sócrates duvida que a mentira, usada por Platão, sobre a origem dos homens possa ser acreditada pelos homens de seu tempo. Resposta do filósofo: ela será, se repetida, crível para o seus filhos, a posteridade deles, e finalmente para toda a gente futura!". Platão, inimigo dos sofistas, conhecia perfeitamente a arte de enganar. Ele a considerava mesmo um remédio a ser usado pelos governantes sábios, para prevenir a catástrofe da polis. Mas, como diziam os médicos gregos, a diferença entre veneno e remédio (ambos designados pela mesma palavra, pharmakon na lingua grega) é a dose. Goebbels, João Santana e seus colegas, usaram doses cavalares que apressaram toda a agonia do paciente.
NORDESTE: Nos EUA Trump foi eleito, mas na França Le Pen, que foi acusada de muitas mentiras em sua campanha, perdeu. É possível dizer que há movimentos de esperança? As pessoas estão abrindo os olhos ou esse processo de negação de valores e de intolerância está apenas começando?
Romano: Não sabemos se estamos no início, ou no limiar do fim. É preciso analisar melhor os Signa temporum. Mas a ambivalência técnica, ética, moral, sempre funcionou entre os homens. Somos, como disse Pope, o orgulho e a vergonha da natureza. Assim, tudo é possível. Mas cuidado com a esperança: ela exprime fraqueza, pois é apenas o lado oposto do medo.
Romano: Não sabemos se estamos no início, ou no limiar do fim. É preciso analisar melhor os Signa temporum. Mas a ambivalência técnica, ética, moral, sempre funcionou entre os homens. Somos, como disse Pope, o orgulho e a vergonha da natureza. Assim, tudo é possível. Mas cuidado com a esperança: ela exprime fraqueza, pois é apenas o lado oposto do medo.
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