Quase 200 projetos de lei para combate à corrupção estão engavetados no Congresso
A pesquisa dividiu as proposições em 15 temas gerais
As manifestações que tomaram às ruas nas últimas semanas por todos os cantos do País começaram a surtir efeito: tarifas de ônibus foram reduzidas em diversas cidades brasileiras, a presidente Dilma Rousseff abriu o diálogo com a classe política e com os principais líderes das manifestações, defendendo, inclusive, o combate à corrupção, e o Congresso Nacional anunciou uma agenda positiva de votação, com a aprovação no Senado do projeto de lei que torna a corrupção crime hediondo. No entanto, a proposta é apenas uma das mais de 145 para combate à corrupção que tramitam atualmente no Congresso Nacional desde pelo menos 1995 (109 projetos de lei da Câmara dos Deputados e 36 do Senado Federal).
Segundo levantamento da Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção, coordenada pelo deputado federal Francisco Praciano (PT-AM), essas são as propostas "mais relevantes ou eficientes para o combate à corrupção", mas o número geral das que tratam sobre o tema pode chegar a 200. "São mais de 160 projetos prontos para serem votados. Há seis anos estou no comando dessa frente parlamentar, mas nunca vi nenhuma manifestação em favor desses projetos irem à votação no plenário, ao contrário, só iniciativas de resistência. E por trás dessa dificuldade de avanço, estão certamente esses parlamentares envolvidos em casos de corrupção. Minha decepção é grande, infelizmente, esse tipo de pauta não anda no Congresso Nacional. Quem sabe, agora, melhore, como resposta a essas manisfestações?", avalia Praciano.
A pesquisa dividiu as proposições em 15 temas gerais e possui exatamente o objetivo de acelerar a tramitação das proposições relacionadas. De acordo com o relatório, entre 05 de abril de 2011 e 13 de maio de 2013, 11 proposições foram protocoladas, 66 receberam designação de relator, 48 receberam pareceres nas comissões, 21 foram votadas nas comissões, quatro receberam a redação final aprovada, uma teve comissão especial criada e duas foram arquivadas. O levantamento ainda aponta que quase metade delas estão engavetadas há mais de 10 anos. "Por isso é importante a sociedade exigir mudança. É a vontade popular que define, por isso eu elogio, não o vandalismo, mas o movimento hoje que nós estamos vivendo nesse País. Espero que os movimentos sejam só o começo, principalmente em relação ao voto. Levamos quase sete anos para julgar os casos de corrupção, como o Mensalão, mas a população tem a oportunidade de fazer isso de dois em dois anos. Por isso, precisa exercer a cidadania com qualidade", ressalta Praciano.
Na lista do deputado, entre os 15 projetos considerados prioritários está a proposta que cria varas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa, a fim de que haja maior celeridade em processos judiciais no primeiro grau de jurisdição dos casos de corrupção (PEC 422/2005), de autoria do deputado Luiz Couto (PT-PB). Também consta a proposição que confere mais celeridade às ações penais contra funcionários públicos, priorizando o processo e o julgamento (PL 2193/2007). A proposta é da senadora Ideli Salvati, hoje ministra de Relações Institucionais. Nas indicações de Praciano constam ainda o projeto que tipifica o crime de enriquecimento ilícito quando o funcionário público possuir bens ou valores incompatíveis com sua renda (PL 5586/2005), proposto pelo Poder Executivo.
Estão listadas também a PEC 209/2003, que determina a realização de concursos públicos para a escolha dos Conselheiros dos TCEs, do Tribunal de Contas do DF e dos Conselhos de Contas dos municípios, e a PEC 189/2007, que estabelece novas formas de escolha e nomeação dos procuradores-gerais de justiça, abolindo a interferência do Poder Executivo na escolha do Procurador-Geral de Justiça.
Para filósofo, o fim do foro privilegiado é a principal regalia a ser combatida
Para o professor de ética e filosofia política da Unicamp, Roberto Romano, autor de inúmeros artigos sobre democracia, o principal instrumento a ser derrubado no combate à corrupção é o do foro privilegiado concedido aos políticos (que permite aos políticos serem denunciados pelo procurador-geral da República e processados pelo Supremo Tribunal Federal). Segundo o levantamento da frente parlamentar, três projetos que suprimem essa regalia estão prontos para votação (um no Senado e dois na Câmara). No entanto, na avaliação de Romano, dificilmente eles terão espaço nas agendas positivas do Congresso, uma vez que não há interesse dos parlamentares de perderem "a licença para a delinquência".
"Essas pessoas se julgam - e são efetivamente - impunes, inimputáveis. É piada dizer que o STF pode julgá-las. Até os garotos dessas dinastias políticas que se formam no Brasil têm certeza que o papai e o vovô não serão punidos. Então, esses nomes enrolados na justiça, com os seus mandatos, estão se munindo de um instrumento para continuar na impunidade que é o foro. É uma garantia, uma esperteza, que desrespeita o princípio da responsabilidade pública. É um absurdo!", reclama, dizendo em seguida, porque não houve até hoje, nenhuma tentativa de mudar essa situação.
"Entre outras coisas porque não temos partidos políticos democráticos e liberais no Brasil. Hoje o que predominam são federações de oligarquias. O PMDB, por exemplo, é uma grande federação oligárquica. Existe um PMDB no Rio Grande do Sul, outro no Rio de Janeiro, outro no Pará, outro no Maranhão... Os partidos são propriedades dessas federações, que não são democráticas, não realizam primárias, não fazem consultas para a modificação de programas, nem para a definição de candidatos. Nada mais igual aos partidos brasileiros do que os clubes de futebol: são os mesmos quadros dirigentes que estão lá há 50 anos, que controlam o caixa e o técnico, contratam jogadores, negociam. A torcida nunca é consultada" explica.
Roberto Romano explica ainda porque nomes da velha política, citados como referências de corrupção e cobrados nos manifestos atuais a se afastarem da vida pública, continuam a tanto tempo no poder, cada vez mais fortes. É o caso dos políticos José Sarney (PMDB-AP), Jader Barbalho (PMDB-PA), Renan Calheiros (PMDB-AL), Fernando Collor de Mello (PTB-AL) e Paulo Maluf (PP-SP). "São figuras que nasceram no bojo da ditadura, serviram a ditadura, e que hoje controlam partidos políticos e eleitores e que prometem ao PT uma sustentação incerta. Porque a presidente da República tem uma base aliada imensa, garantida pelo PMDB, que tem prazo limitado e preço também. Então essa forma de trato é muito complicada e garante a permanência desses nomes no poder, com todas as proteções que lhe cabem", avalia.
O professor também se mostra otimista com as atuais mobilizações populares. Segundo ele, as atuais manifestações vão forçar que o Estado repeite a vontade dos cidadãos que pagam impostos altíssimos e que recebem, em troca, baixa qualidade dos serviços, sem nenhuma transparência. "Sinceramente, não sei até onde esses protestos podem ir. Por enquanto, é um sinal positivo de que efetivamente existe a possibilidade de nossa população reivindicar direitos. Até agora, o Estado — Legislativo, Executivo e Judiciário — opera como se ele fosse separado da sociedade, superior, e isso precisa mudar. O que eu noto nessa linha é que esse movimento nacional, que vem com uma pauta muito ampla, mas com certa insistência sobre o problema da corrupção é uma espécie de modificação dessa estrutura, que existe desde que somos um Estado independente, desde a Constituição de 1824", pondera Romano, ressaltando a expectativa de um novo tempo para a política brasileira.
"Vai ser muito difícil que o Congresso Nacional, com esses hábitos todos de centenas de anos de predomínio contra a população, se modifique. Mas já há um recado de mudança, de limpeza, se não dos nomes, ainda, mas das iniciativas. Por exemplo, já há na Câmara dos Deputados uma tentativa de se atenuar ao máximo a Lei da Ficha Limpa, já há uma tentativa de se tirar o efeito da Lei de Improbidade Administrativa... então, são medidas que vão contra as iniciativas populares, e para elas serem aprovadas, vão ter que passar por cima dessa multidão", completa.
Fim do voto secreto pode entrar na pauta
A reivindicação das ruas para que seja abolido o voto secreto também foi citada na agenda positiva do Congresso. A PEC 349/2001, que altera a redação dos artigos 52, 53, 55 e 66 da Constituição Federal para abolir o voto secreto nas decisões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, entrou na lista entregue para a liderança do PT. Recente pesquisa mostra que há disposição política para que a proposta seja votada e aprovada, pelo menos no Senado Federal. Dentre os integrantes da bancada paraense, dois senadores se mostraram a favor do seu sucesso (Flexa Ribeiro e Mário Couto, ambos do PSDB). A única exceção do Estado foi o senador Jader Barbalho (PMDB).
Conforme Praciano, a luta das ruas precisa se manifestar na vontade dos Três Poderes, que devem fazer um pacto pela moralidade. "Fico feliz que esses projetos entrem na ordem do dia e sejam votados. Estou feliz também porque a PEC 37 caiu em razão dos protestos da população, que precisa pedir mais. Se não houver mais luta, essas manifestações serão apenas mais um capítulo na história política do país", conclui.
O relatório da Frente de Combate à Corrupção apontou que entre os projetos que aguardam designação de relator nas Comissões, existem duas paradas há menos de seis meses e um engavetado há mais de três anos. Já entre as proposições que aguardam pareceres nas Comissões, 16 estão empacadas há menos de seis meses, três entre seis meses e um ano, 18 entre um e três anos, e, sete há mais de três anos. As situações mais críticas, no entanto, são as das proposições que aguardam votação no Plenário: quatro não apresentaram movimentação entre um e três anos, 19 há mais de três anos e três há mais de 10 anos. Dentre as que aguardam votação nas Comissões, uma proposta está engavetada há menos de seis meses, seis proposições estão paradas entre seis meses e três anos, 15 entre um e três anos e dois projetos entre três e 10 anos.
Fonte: O Liberal
Foto: ABR
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