A corrupção,
no mundo e no Brasil, não é façanha de indivíduos e grupos isolados. Desde
longa data ela é sistêmica, organizada de maneira burocrática e com formas
abigarradas na sociedade civil ou no Estado. Na entrevista que concedi ao programa
Roda Viva ( 4/6/ 2007) sobre o assunto, alertei os jornalistas sobre as
dificuldades no exame do fenômeno. Como sempre insisto, inclusive neste
periódico, a corrupção possui seu lado diacrônico –os escândalos surgem uns
depois dos outros, a partir das investigações da polícia e do valoroso ministério
público– e sincrônico, visto que as
máquinas do Estado e do mundo mercantil desenvolvem atividades ilícitas no país
inteiro, ao mesmo tempo. Uma ladroagem é denunciada mas outras, no mesmo
instante, passam desapercebidas.
Combater o
fato corrupto no mundo é tarefa insana. No Brasil, significa topar, a cada
momento, com a forma de poder político aqui instalado. Com uma presidência
imperial que abarca a maioria absoluta das políticas públicas e dos recursos, são
fatais as brechas por onde passam os oportunistas. Dado o poder quase absoluto
do Executivo temos a compra deslavada do venal Congresso. Nele, cargos são o
prêmio de votações dúplices que resultam em liberação de emendas orçamentárias.
No mais, a prática da política torta se
esconde no enorme cipoal de diretrizes e leis, cuja finalidade é criar
obstáculos para vender apadrinhamentos de empresas ou indivíduos à cata de
benesses com o dinheiro público.
O
apadrinhamento de grupos e pessoas, bem como de empresas, conduzido pelos
partidos políticos nacionais segue uma tendência histórica planetária, que vem
pelo menos do século XIX. Inglaterra, França, Alemanha, EUA, Itália, e muitos
outros países conheceram (alguns mantem intacta) a política de indicar para os
cargos na administração e nas empresas estatais os “militantes”. Estes últimos
têm como função aplicar ventosas nos cofres públicos (e de empresas) para levar
dinheiro aos padrinhos, os oligarcas donos de partidos. Insisto aqui na citação
de estudos estratégicos sobre o apadrinhamento político e partidário para fins
corruptos. Das análises, as mais recentes são as de Jens Ivo Engels no volume
coletivo intitulado Apadrinhamento e corrupção políticos na Europa
contemporânea (Paris, Armand Colin, 214).
Em 2009, a revista
Época promoveu um debate interessante a partir da pergunta vital: a corrupção
diminuiu ou aumentou no país ? Antes, permita o leitor que eu faça uma
digressão sobre o comportamento público.
A grosseria
no suposto debate político brasileiro beira as raias do linchamento. Alguém
discorda de uma palavra de ordem? De imediato a tropa de choque dos militantes,
de uma ou outra facção ideológica, procura destruir, não apenas suas teses, mas
a sua pessoa, o seu conhecimento, a sua profissão. Surgem as aspas para marcar
com ferro ardente o indigitado que desagradou determinadas seitas. Logo, o
estudioso de economia, ciência política, filosofia, recebe aspas antes de seu
nome. Ele seria, por exemplo, “filósofo”e não mais praticante da filosofia. Em
artigo aqui publicado, descrevi tal procedimento fascista (A ideologia das
Aspas, 10/03/2013) presente nos rosnados dos sem juízo próprio.
“Duas coisas
a burguesia nos legou, e delas não podemos abrir mão: bom gosto e boas
maneiras” (Vladimir Ulianov, conhecido como Lenine). No século XX, surgiu nas ciências humanas o modelo
estrutural de pesquisa. Conduzindo ao paradoxo teses como as de E. Durkheim, a
subjetividade era reduzidas ao estado de ilusão pré-cientifica. Submetidos à
ideologia as pessoas, ao contrário de pensar, seriam pensadas pelos coletivos.
Em Louis Althusser, filósofo mais relevante do marxismo estruturalista, quando não fala a ciência o locutor real é a
ideologia, que deve ser suprimida. O ataque se dirigia contra Sartre e demais
escritores que defendiam o privilégio da consciência como fontes da ação livre.
Quem pensa
nos indivíduos? As classes sociais, a sociedade no seu todo, o partido... Um
energúmeno é o indivíduo possuído pela mente e vontade de outros. Assim, o
quartel ideológico é a república dos que não falam, são falados. O ideólogo
cede seu nome ao Partido, Igreja ou seita. O filósofo recusa o chicote
disciplinar dos coletivos. Daí o ódio dirigido contra ele pelos partidos, cujas
diatribes são repetidas, empobrecidas e pioradas pelos “mediuns” que só
conseguem transmitir palavras de ordem.
Em muitos
casos, covenhamos, é preciso dar crédito à tese sobre os militantes educados
por ideólogos (na Grécia, os “sofistas”) que repetem vitupérios para
“testemunhar a verdade”, monopólio de sua grei. Convidado pela revista Época (22/07/2009)
para debater com o ministro Jorge Hage sobre se melhorara o combate à corrupção
no Brasil, tive a temeridade de assumir a resposta negativa.
Apresentei a
idéia de que o centralismo das políticas públicas gera corrupção. Desci a
minúcias sobre o elo entre municípios e Brasília. Na réplica, o Dr. Hage
escreveu: “Debater com o Professor Roberto Romano é um prazer e uma honra. É,
acima de tudo, uma garantia de debate limpo, sério e de alto nível. Nesta réplica,
na verdade, não tenho o que contestar na excelente análise da formação
histórica da nossa “federação”, sobretudo da fragilidade dos nossos
municípios”. O ministro, nas considerações finais, dirige “cumprimentos ao
Professor Roberto Romano pela sua postura sempre elegante ao travar este debate
de maneira franca, séria e leal. Comungo, como já tive oportunidade de afirmar,
de várias das opiniões reveladas pelo Professor Romano. Essencialmente, divirjo
apenas da sua insistência em não reconhecer os avanços ocorridos no Brasil nos
últimos anos nessa área”. Palavras polidas. Mas repetidores de xingamentos
rompem a cerca do decorum e tentam transformar o debate em assassinato moral.
Dou a seguir como exemplo uma carta, entre muitas, mantendo os erros de digitação
pois todos podem cometer tais deslizes, eu inclusive. “(...) Queria aproveitar
a oportunidade e Parabenizar ao Sr. Ministro Jorge Hage, pelo texto muito bem
escrito e com muita ética! E queria comuniar a equipe da ÉPOCA, que
substituisem o prof°Roberto Romano, e colocassem alguém com mais competência e
ética para debater,alguém com mais argumente e que tenha mínima noção de
política (…) o Prof° Roberto não sabe o que escreve, motivo esse que atrapalha
quem está em dúvida! Estude e leia mais, por gentileza, Roberto Romano!”. Por
caridade, não cito o nome da autora, mas o leitor curioso o pode encontrar na
internet, no site da revista.
Acredito
terem boas razões os estruturalistas, para afirmar que os movidos pela
ideologia ou pelas paixões subjetivas, não pensam, são pensados... O bom do
final é que, apesar de não possuir a maioria das opiniões, os que defendem o
governo federal e os oposicionistas, salvo as exceções mencionadas, redigiram
textos racionais. O que traz esperanças de que no Brasil ainda existam pessoas
inteligentes e capazes de conviver com as diferenças. Com bom gosto e boas
maneiras.
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