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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Brasil Reacionário


O Estado moderno  exige três monopólios. O primeiro é o da força física: só ele pode constranger corpos em operações de polícia ou bélicas. O segundo reside na concentração da norma jurídica: apenas e tão somente o poder público tem o direito de impor leis para quem integra o coletivo. O terceiro é a coleta de impostos e taxas. Durante séculos tais monopólios foram aplicados de forma diferenciada, prevalecendo em certos períodos a força, em outros a razão de Estado e a razzia dos cofres privados em proveito dos oficiais. Todos os processos políticos que mudaram o convívio civil e castrense tiveram origem na recusa de aceitar uma ou outra exigência do Estado. As revoluções da Inglaterra no século 17, levadas adiante pelas ocorridas na America do Norte e na França atenuaram as pretensões estatais de controle, manifestas nos referidos monopólios. Os levantes questionaram os impostos, o excesso da repressão policial, as guerras entre países por motivos econômicos ou políticos. Leis não discutidas com o povo foram recusadas pelos insurgentes. Como fruto de tantos movimentos surgiu a responsabilidade a ser cobrada dos governantes (accountability), os limites dos gastos estatais, a recusa de impostos sem justificativa e abolição de normas arbitrárias. As conquistas democráticas modernas resultam de uma leitura atenta, por juristas e filósofos, do regime democrático grego. A responsabilização dos governantes vem da assembléia cidadã. Para se ter uma idéia da radical democracia vigente em Atenas, existiam nela várias leis que puniam com a morte os políticos que mentissem ao povo.

O Brasil não conheceu as garantias trazidas pelas revoluções democráticas. Nascemos sob a supremacia inconteste de reis e auxiliares, no regime dos favores concedidos pela Corte aos nobres e ricos. O monarca abusou da força física em nosso território, abusou da norma jurídica, abusou dos impostos sem responder a ninguém. A independência diante de Portugal pouco mudou. O Chefe do Estado nascente, já adoecido pelo absolutismo, tem a prerrogativa da irresponsabilidade, partilhada pelos funcionários públicos. Ele não responde pelos seus atos, mas controla os demais poderes, inclusive o judiciário. Vivemos desde o 7 de setembro sob o signo da Contra-revolução européia, que busca apagar as conquistas democráticas e liberais inglêsas, norte-americanas e francêsas. O Brasil foi regido (Foi? Hoje não é diferente!) pela negação das liberdades em nome dos monopólios estatais. Dirigentes brasileiros pensam como o absolutista Louis de Bonald : "O direito do povo a governar a si próprio é um desafio contra toda verdade. O povo tem o direito de ser governado". Tal ideário foi assumido pelas ditaduras que desgraçaram o século 20. Getúlio Vargas: "O Estado não conhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os indivíduos não têm direitos, têm deveres!" (Discurso em 01/05/1938). Os militares, com forte apoio jurídico civil, disseram: "A Revolução se legitima por si mesma" (AI-1).

Vivemos sob a Contra-revolução absolutista do século 19, com frutos apodrecidos que exalam toda fetidez nas mortes em presídios, ruas e praças brasileiras. A ética dos nossos dirigentes não se baseia nas garantias democráticas do povo e dos indivíduos, mas no uso da força física como sumo argumento. Nenhum político nacional relevante se define pela accountability. Os magistrados seguem o exemplo, policiais ignoram direitos. Nas políticas públicas monopolizadas pelo Executivo federal inexiste responsabilidade. Daí se notar o quanto é fácil corromper operadores do Estado. Os planos de educação, tecnologia, segurança, saúde constituem propaganda governamental, sem outra realidade a não ser a do marketing político. Impera o faz de conta, o engana que eles gostam, a doutrinação descabelada.

A soberania só existe ao administrar indivíduos ou coletivos, dando-lhes garantia de vida. O absolutismo irresponsável brasileiro, como todo absolutismo, concentra os monopólios da força, da norma jurídica, dos impostos. Mas é incompetente quando se trata de manter a existência e a liberdade dos cidadãos. Vemos dois absolutismos em guerra: o terror, o tráfico de drogas e criminosos que se arrogam o controle do espaço e dos corpos, aliado ao absolutismo caduco do poder nacional, irresponsável e truculento. Bandidos e político pretendem usar os monopólios da força, da coleta financeira e da norma. Estranha coincidência:  tudo aqui confirma Santo Agostinho: “Sem a justiça… os Estados não seriam apenas grandes quadrilhas de bandidos? E uma quadrilha de bandidos não é um pequeno Estado?) (Cidade de Deus)

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