O Estado moderno exige três monopólios. O primeiro é o da
força física: só ele pode constranger corpos em operações de polícia ou
bélicas. O segundo reside na concentração da norma jurídica: apenas e tão
somente o poder público tem o direito de impor leis para quem integra o coletivo.
O terceiro é a coleta de impostos e taxas. Durante séculos tais monopólios
foram aplicados de forma diferenciada, prevalecendo em certos períodos a força,
em outros a razão de Estado e a razzia dos cofres privados em proveito dos
oficiais. Todos os processos políticos que mudaram o convívio civil e castrense
tiveram origem na recusa de aceitar uma ou outra exigência do Estado. As
revoluções da Inglaterra no século 17, levadas adiante pelas ocorridas na
America do Norte e na França atenuaram as pretensões estatais de controle,
manifestas nos referidos monopólios. Os levantes questionaram os impostos, o
excesso da repressão policial, as guerras entre países por motivos econômicos
ou políticos. Leis não discutidas com o povo foram recusadas pelos insurgentes.
Como fruto de tantos movimentos surgiu a responsabilidade a ser cobrada dos
governantes (accountability), os limites dos gastos estatais, a recusa de impostos
sem justificativa e abolição de normas arbitrárias. As conquistas democráticas
modernas resultam de uma leitura atenta, por juristas e filósofos, do regime
democrático grego. A responsabilização dos governantes vem da assembléia cidadã.
Para se ter uma idéia da radical democracia vigente em Atenas, existiam nela várias
leis que puniam com a morte os políticos que mentissem ao povo.
O Brasil não conheceu as garantias
trazidas pelas revoluções democráticas. Nascemos sob a supremacia inconteste de
reis e auxiliares, no regime dos favores concedidos pela Corte aos nobres e
ricos. O monarca abusou da força física em nosso território, abusou da norma
jurídica, abusou dos impostos sem responder a ninguém. A independência diante de
Portugal pouco mudou. O Chefe do Estado nascente, já adoecido pelo absolutismo,
tem a prerrogativa da irresponsabilidade, partilhada pelos funcionários
públicos. Ele não responde pelos seus atos, mas controla os demais poderes,
inclusive o judiciário. Vivemos
desde o 7 de setembro sob o signo da Contra-revolução européia, que busca
apagar as conquistas democráticas e liberais inglêsas, norte-americanas e
francêsas. O Brasil foi regido (Foi? Hoje não é diferente!) pela negação das
liberdades em nome dos monopólios estatais. Dirigentes brasileiros pensam como
o absolutista Louis de Bonald : "O direito do povo a governar a si próprio
é um desafio contra toda verdade. O povo tem o direito de ser governado". Tal
ideário foi assumido pelas ditaduras que desgraçaram o século 20. Getúlio
Vargas: "O Estado não conhece direitos de indivíduos contra a coletividade.
Os indivíduos não têm direitos, têm deveres!" (Discurso em 01/05/1938). Os
militares, com forte apoio jurídico civil, disseram: "A Revolução se
legitima por si mesma" (AI-1).
Vivemos sob a Contra-revolução
absolutista do século 19, com frutos apodrecidos que exalam toda fetidez nas
mortes em presídios, ruas e praças brasileiras. A ética dos nossos dirigentes
não se baseia nas garantias democráticas do povo e dos indivíduos, mas no uso
da força física como sumo argumento. Nenhum político nacional relevante se
define pela accountability. Os magistrados seguem o exemplo, policiais ignoram
direitos. Nas políticas públicas monopolizadas pelo Executivo federal inexiste
responsabilidade. Daí se notar o quanto é fácil corromper operadores do Estado.
Os planos de educação, tecnologia, segurança, saúde constituem propaganda
governamental, sem outra realidade a não ser a do marketing político. Impera o
faz de conta, o engana que eles gostam, a doutrinação descabelada.
A soberania só existe ao administrar
indivíduos ou coletivos, dando-lhes garantia de vida. O absolutismo
irresponsável brasileiro, como todo absolutismo, concentra os monopólios da
força, da norma jurídica, dos impostos. Mas é incompetente quando se trata de
manter a existência e a liberdade dos cidadãos. Vemos dois absolutismos em
guerra: o terror, o tráfico de drogas e criminosos que se arrogam o controle do
espaço e dos corpos, aliado ao absolutismo caduco do poder nacional,
irresponsável e truculento. Bandidos e político pretendem usar os monopólios da
força, da coleta financeira e da norma. Estranha coincidência: tudo aqui confirma Santo Agostinho: “Sem a justiça… os Estados não seriam
apenas grandes quadrilhas de bandidos? E uma quadrilha de bandidos não é um
pequeno Estado?) (Cidade de Deus)
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