Alexandra Martins
27 Novembro 2016 | 05h00
O professor de ética política Roberto
Romano defende a tese de que quanto mais caótico estiver o contexto
político brasileiro, mais cara sairá a fatura de negociações do
presidente Michel Temer com sua chamada base aliada. Leia os trechos da
entrevista.
Como o sr. vê a saída do ministro Geddel Vieira Lima do governo?A queda de Geddel evidencia a fragilidade da prudência na escolha de
ministros pelo presidente Temer. E também mostra o quanto a Presidência
da República está umbilicalmente unida a maiorias venais e nada éticas
do Congresso. Geddel deveria ter sido afastado imediatamente. E Marcelo
Calero (ex-ministro da Cultura) deveria ser instado pelo presidente a
abrir um processo contra seu colega que lhe exigia favores. Geddel sai, o
governo perde força, enquanto uma administração federal provisória, até
2018, e o desarrazoado político aumenta. É o tempo em que os pescadores
de água turva, como boa parte da base aliada, encarecerão o preço do
peixe, ou seja, do apoio ao presidente.
O episódio ameaça o mandato do presidente Temer?
Eu acho que ameaça, não no sentido de que ele possa
sofrer um impeachment, porque a oposição brasileira se encontra
enfraquecida. O partido que poderia liderar um pedido de impeachment, o
PT, acabou de sair de um processo de impeachment, de sair de uma derrota
monumental nas eleições municipais e está numa crise interna muito
grande de autodefinição. Mas, por outro lado, essa desastrada escolha do
Ministério traz problemas. Você escolhe para ministro da Educação
(Mendonça Filho) uma pessoa que realiza sua primeira audiência com
Alexandre Frota, que é um ator pornô. O Ministério tem muitos altos e
baixos e eu digo que há mais baixos do que altos. Ele escolheu esse
Geddel, baseado no fato de que o Geddel tem condições de arregimentar
votos para os projetos do governo no Congresso. Ele está repetindo o
drama do Getúlio Vargas, de todos os presidentes da República, inclusive
de Dilma Rousseff. É dificílimo esse trato do presidente com a chamada
base aliada, o preço é cada vez mais caro.
Como o sr vê a tentativa dos deputados de estabelecer uma anistia ao caixa 2?
Essa anistia começou com a redação da Constituição de
1988, com a instauração da prerrogativa de foro. Você tinha um Congresso
que deu a si mesmo o estatuto de constituinte para a redação da
Constituição. Mas aqueles que estavam já no Congresso e que delinquiram
durante muito tempo, sabiam que uma vez instituído o poder civil, eles
não teriam mais possibilidade de chantagear os generais, de enfrentar de
novo um reequilíbrio dos poderes. A introdução da prerrogativa de foro
foi um habeas corpus preventivo que todos fizeram. O foro ajudou a
aumentar o preço da corrupção, da chantagem do Legislativo sobre o
Executivo. O foro tem de ser estendido a chefes dos Três Poderes,
inclusive por questão de segurança nacional. Agora, no atacada, é um
incentivo à delinquência.
Como o sr. avalia a disposição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de modificar a lei de abuso de autoridade?
O Renan não é um político qualquer. Ele tem, talvez só o
Lula ou Fernando Henrique Cardoso tenham, essa agilidade mental para
construir cenários que são semiverdadeiros e semimentirosos. Nesse caso,
eles está usando um fato que tem fundo de verdade, mas aplicado ao que
não é verdadeiro. Está tentando blindar os políticos, a começar por ele
mesmo, usando esse defeito do relacionamento do Estado brasileiro com a
cidadania, você tem um Estado que privilegia quem está do lado do
serviço publico e não quem está pagando pelo serviço público.
Procuradores e juízes deveriam estar submetidos a crime de responsabilidade?
Essa questão deveria aparecer em outro contexto e não
nesse de retaliação à Operação Lava Jato. Sim, é preciso que todo aquele
que está a serviço do público tenha consciência de que não é superior
ao público, mas que é um servidor do público. Achei bonito, embora um
tanto demagógica, a fala da ministra Cármen Lúcia em sua cerimônia de
posse: ‘Sua excelência, o povo’. Isso é o que nossos políticos, nossos
juízes esquecem. O título de excelência é o título do povo, que é
emprestado temporariamente para essas pessoas. Aqui no Brasil não há o
exercício pleno do respeito à soberania popular.
Como vida de ostentação do ex-governador Sérgio Cabral com dinheiro público, segundo a PF, alcança a população?
Isso causa uma revolta muito grande, mas uma revolta
que não conseguiu até hoje, a não ser em 2013 ou 2014, se traduzir em
movimento de rua bem organizado. Esses dois movimentos não se traduziram
em mudanças nos partidos políticos, pelo contrário. Os partidos estão
totalmente alheios ao que ocorre com a população. Segundo pesquisa
recente, parte da população brasileira não é que não confia nas
instituições republicanas, ela não confia na democracia. O problema é
que você não tem nem à esquerda ou à direita movimentos de partidos
capazes de capitalizar essas massas e transformá-las em energia política
para mudar a máquina do Estado. Estamos retomando esse movimento do
parafuso que criou as ditaduras. Você não está conseguindo produzir
líderes democratas capazes de movimentar massas. É aí quando surgem as
lideranças conservadores ou fascistas.
*QUEM É ROBERTO ROMANO: Natural de Jaguapitã (PR), é
doutor em filosofia e professor de Ética Política no Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Durante a ditadura, fez parte
do grupo Juventude Estudantil Católica, passou pelo Convento dos
Dominicanos em Juiz de Fora (MG), foi interrogado e preso pelo Dops, em
São Paulo, tendo se aproximado de referências da luta contra o regime
militar como Frei Betto. É casado com a socióloga Maria Sylvia de
Carvalho Franco, pesquisadora das raízes da violência no Brasil.
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