Distritão impede renovação, favorece políticos conhecidos e restringe minorias, dizem especialistas
SÃO
PAULO (Reuters) - A adoção do chamado distritão, que aguarda votação no
plenário da Câmara dos Deputados, favorecerá caciques políticos já
consagrados e inibirá a renovação de quadros parlamentares e a
representação de minorias no Legislativo, disseram especialistas ouvidos
pela Reuters.
Além disso, apontam ainda que o
debate em torno das mudanças eleitorais, que se aprovadas por deputados e
senadores até o dia 7 de outubro valerão já na eleição do ano que vem,
foi feito sem que a população soubesse exatamente o que estava sendo
discutido.
"Primeiro não é uma reforma
política", criticou o cientista político e professor da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano.
"Na
verdade o que eu acho que está ocorrendo, agora sim, é um golpe do
Parlamento e dos partidos políticos no sentido de modificar a estrutura
da consulta eleitoral", acrescentou Romano, avaliando ainda que a
alteração aumentará "o divórcio entre os eleitores e os eleitos".
Pelo
modelo proposto, serão eleitos para as cadeiras de vereadores e
deputados estadual, distrital e federal apenas os mais votados para
esses cargos, ao contrário do sistema proporcional atual, em que os
eleitos são definidos por um misto de votos em legenda e nos candidatos.
"A ideia de que o mais votado entra parece
muito simples à primeira vista, mas na realidade ela esconde uma série
de problemas", avaliou o cientista político da Fundação Getulio Vargas
(FGV) Cláudio Couto, para quem o distritão vai piorar ainda mais o atual
sistema político.
"O distritão só faz sentido
para aqueles que já são muito conhecidos ou para aqueles que já têm
alguma vantagem anterior no processo de disputa, que já têm mandato. Por
isso, eu entendo que é um sistema que oligarquiza ainda mais."
Para
os especialistas, outro efeito colateral do sistema que pode ser
aprovado pelos deputados é o enfraquecimento dos partidos políticos, já
que a legenda de um candidato à Câmara, por exemplo, passará a não ter
qualquer relevância na disputa.
Outro problema,
apontaram, é a dificuldade de minorias conquistarem a representação
legislativa, já que o distritão beneficia lideranças consolidadas.
"Só
este aspecto de que vence quem tem mais voto em si já é um processo
conservador. Distritão, apenas, é de fato um atentado contra as
minorias", disse a socióloga Fátima Pacheco Jordão.
O
encarecimento das campanhas também deve ser uma consequência do novo
modelo caso ele seja adotado, já que, na prática, todos os candidatos
serão adversários de todos e a campanha se dará em todo o Estado, daí o
nome distritão.
FUNDO ELEITORAL: "LÓGICA DO CARTEL"
Além
da mudança no sistema de eleição de parlamentares --exceto senadores
que já são eleitos majoritariamente--, a comissão da reforma política
também aprovou um Fundo Especial do Financiamento da Democracia,
abastecido com 0,5 por cento da Receita Corrente Líquida da União nos 12
meses anteriores encerrados em junho, com uma previsão de
aproximadamente 3,5 bilhões de reais para as próximas eleições.
A
discussão sobre o fundo de financiamento das campanhas se dá após o
Supremo Tribunal Federal (STF) proibir o financiamento empresarial de
campanhas, na esteira do bilionário esquema de corrupção revelado pela
operação Lava Jato. As disputas municipais de 2016 já ocorreram sob a
vigência desta proibição.
A medida do fundo
especial também foi criticada por especialistas pois, na visão deles,
concentrará os recursos nas cúpulas partidárias.
"Dinheiro público aplicado em eleições é uma coisa pró-democracia, a favor da democracia", disse Fátima Pacheco.
"O
problema não está na quantidade de recursos --seja 1 bi, 2 bi, 3 bi, 10
bi-- a questão é quem gerencia essa distribuição e até agora o que se
sabe é que a gerência dessa distribuição continuará nas cúpulas dos
partidos políticos", acrescentou.
Para Couto, da FGV, a proposta de fundo carteliza a disputa eleitoral e cria uma "lógica de não competição".
"A
ideia de você dar muito dinheiro para os partidos maiores e deixar os
menores à míngua, é a lógica do cartel, de evitar a competição", disse.
"É uma blindagem da classe política estabelecida."
Após
ser aprovada na comissão, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da
reforma política terá de obter 308 votos favoráveis em dois turnos de
votação na Câmara e o apoio de 49 senadores também em dois turnos quando
a matéria chegar ao Senado.
Pelo texto que
passou na comissão, o distritão será uma transição para o sistema
distrital misto, a ser usado a partir de 2022. Neste modelo, metade dos
cargos será preenchida a partir de uma lista fechada, enquanto a outra
metade será definida pelo sistema de votação majoritária em distritos
menores que os Estados.
A possível transitoriedade do distritão, entretanto, não convence os especialistas.
"Quem
assegura que parlamentares eleitos nessa nova regra (distritão) não
resolvam mudar essa transição e preservar o sistema? Isso pode
acontecer", disse Couto.
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