Como reintroduzir a questão da natureza no centro
das reflexões próprias da filosofia e das ciências humanas, as quais
nasceram justamente a partir da afirmação de que o vínculo social era
auto-inteligível (e portanto podia e devia se emancipar das
condicionantes "naturais").
Operação
por certo fecunda no século XIX e parte do século XX. E mesmo até há
pouco, até, digamos, o advento do Antropoceno, se datarmos esse advento,
como é a tendência atual, de ~1950.
Essa
nova época geológica, de alguma forma, "data" as ciências humanas e
contribui para o declínio do filósofo e do intelectual, não apenas como
tipo sociológico, mas também, e sobretudo, para usar o jargão, como
"consciência reflexiva da sociedade": de Voltaire a Zola, Sartre
e Chomski. Quem mais, depois desse octogenário?
O
interessante é que se os filósofos e intelectuais foram, em grande
medida, destronados pelo pensamento quantitativo e, portanto, pelos
cientistas, seu declínio de ontem preludia o declínio dos próprios
cientistas hoje. Sou muito tentado por esse cânone (no sentido musical
do termo).
De
fato, o novo Estado-Corporação não precisa obviamente do intelectual,
mas tampouco precisa mais do cientista (salvo o da Embrapa, o ligado ao
"aperfeiçoamento" das cadeias produtivas) que fala em aquecimento
global, em aniquilação biológica, em poluição, em "primavera
silenciosa". Não precisa dos cientistas da Union of Concerned
Scientists, do Bulletin of Atomic Scientists ou dos cientistas do IPCC,
da IUCN, da NOAA etc, etc, os quais, de alguma forma, preencheram o
vazio do pensamento crítico deixado pela obsolescência dos intelectuais.
Não é talvez eloquente e sintomático que o Chomski fale, não a partir de Berkeley ou de Stanford, mas a partir do MIT?
O
problema é que o cientista foi idealizado e se idealizou para ser o
profeta e herói de um futuro radiante para a sociedade. Jamais se
concebeu como o arauto da catástrofe, que anuncia seu não-futuro. Sua forma mentis é a de um problem solver (excesso de CO2 na atmosfera? É simples: vamos fazer geoengenharia!...).
Em
suma, ele agora acusa e suas acusações têm mais dente que a dos
intelectuais, porque avisam que o otimismo hegelo-marxista não é mais da
nossa época, porque a história se coloca problemas, hoje e pela
primeira vez, que ela NÃO pode/sabe resolver.
Mas o cientista não se dá bem na pele do intelectual, o fulano que problematiza, que contradiz, que é o "negativo" hegeliano, que levanta
problemas sem solução ou cuja resolução engaja mudanças de paradigma
civilizacional, que não são a sua praia e com cujas dinâmicas
histórico-filosóficas ele não tem familiaridade alguma. Problemas
irredutivelmente qualitativos, i.e., não susceptíveis de uma tradução em
quantidades...
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