Seis bilionários têm mesma riqueza que 100 mi de brasileiros mais pobres
26 Setembro 2017
No Brasil, os seis maiores bilionários têm a mesma
riqueza e patrimônio que os 100 milhões de brasileiros mais pobres. Caso
o ritmo de inclusão no mercado de trabalho prossiga da forma como foi
nos últimos 20 anos, as mulheres só terão os mesmos salários dos homens
no ano de 2047, e apenas em 2086 haverá equiparação entre a renda média
de negros e brancos.
De acordo com projeções do Banco Mundial, o país terá, até o fim de
2017, 3,6 milhões a mais de pobres. Essas são as constatações do
relatório "A distância que nos une, um retrato das desigualdades
brasileiras", divulgado nesta segunda-feira (25) pela Oxfam Brasil.
A reportagem é de Paulo Victor Chagas, publicada por Agência Brasil, 25-09-2017.
A organização, que trabalha no combate à pobreza e à desigualdade,
resolveu publicar, pela primeira vez, um estudo em que investiga, com
base em vários dados, as raízes e soluções para um país onde se
distribui de forma desigual fatores como renda, riqueza e serviços
essenciais.
De acordo com Katia Maia, diretora-executiva da entidade, o objetivo é
divulgar um relatório anual sobre a desigualdade e mostrar os
diferentes problemas do tema, como, por exemplo, o da tributação
brasileira.
"Nós pagamos muitos impostos. Mas não é que a nossa tributação é
excessiva, na verdade ela é injusta. A gente está abaixo da média dos
países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico) [em termos de carga tributária]. Mas é uma tributação onde
quem paga o pato é a classe média e as pessoas mais pobres", disse.
Tributação indireta
O documento identifica falhas na forma como o imposto é arrecadado no
Brasil, em contraste com outros países. Além da alta tributação
indireta, há questionamentos à isenção de impostos sobre lucros e
dividendos de empresas e à baixa tributação de patrimônio, que, com
isso, acabam contribuindo para aumentar a concentração de renda dos mais
ricos.
A coordenadora do relatório defende que é possível que as autoridades
brasileiras combatam fatores que impedem a tributação proporcionalmente
igualitária, mesmo antes de uma necessária reforma tributária. Um deles
é a evasão tributária, em que somente em 2016, segundo o Sindicato
Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), deixaram de ser
arrecadados R$ 275 bilhões.
Como pontos positivos dos últimos anos, o relatório credita ao mercado de trabalho o "principal fator" da recente redução da desigualdade de renda no Brasil.
Com a estabilização da economia e da inflação nos últimos 20 anos,
foi possível ao país investir na queda do desemprego, na valorização
real do salário mínimo e no aumento do mercado formal. Há diferenças,
porém, que ainda precisam ser enfrentadas, de acordo com o relatório.
Ele também enumera dados sobre as já recorrentes diferenciações
salariais entre mulheres/homens e negros/brancos que possuem a mesma
escolaridade.
"A média brasileira de anos de estudo é de 7,8 anos, abaixo das
médias latino-americanas, como as do Chile e Argentina (9,9 anos), Costa
Rica (8,7 anos) e México (8,6 anos). É ainda mais distante da média de
países desenvolvidos", indica o estudo, complementando que apenas 34,6%
dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados em universidades, dos
quais apenas 18% concluem o curso.
Juventude negra e pobre é mais afetada
"Em geral, a juventude negra e pobre é a mais afetada pelas barreiras
educacionais. Baixo número de anos de estudo, evasão escolar e
dificuldade de acesso à universidade são problemas maiores para esses
grupos, que, não por acaso, estão na base da pirâmide de renda
brasileira", afirma.
Para Katia Maia, a construção da sociedade brasileira é baseada em
uma divisão entre cidadãos de "primeira e de segunda categoria.
"Os números são muito fortes: 80% das pessoas negras ganham até dois
salários mínimos, e estamos falando de 50% da população brasileira. A
gente olha no nosso entorno e vê as bolhas de pessoas brancas, enquanto
as negras são colocadas na periferia da cidade. É importante a gente
debater e conversar sobre o racismo, mostrando que somos iguais. Esse
déficit a gente tem de assumir, que somos país racista e enfrentar,
buscar solucionar isso. É grave porque do jeito que estão colocados, os
números falam por si, a gente quase não resolve isso nesse século",
alerta.
Embora aponte uma "notável universalização do acesso à educação
básica", o relatório pede cuidados para lidar com a evasão escolar,
especialmente em séries mais adiantadas. No que diz respeito a outros
serviços essenciais, apesar de elogiar uma "importante expansão" nos
últimos anos, o documento coloca como desafio a ampliação do acesso de
mulheres e negros ao sistema público de saúde.
O documento lembra –como exemplos de desigualdade– a situação de dois
dos 96 distritos de São Paulo, a maior cidade brasileira: "Dados mais
recentes dão conta de que, em Cidade Tiradentes, bairro de periferia de
São Paulo, a idade média ao morrer é de 54 anos, 25 a menos do que no
distrito de Pinheiros, onde ela é de 79 anos. Trata-se de um dado que
resume como as desigualdades se manifestam de diversas formas, sempre a
um preço muito alto para a base da pirâmide social no Brasil".
Com elogios à redução geral da desigualdade de renda e pobreza após a
promulgação da Constituição Federal de 1988, o relatório considera
ainda a retirada, nos últimos 15 anos, de 28 milhões de pessoas da
pobreza e a saída do Brasil do Mapa da Fome, em 2015.
A parcela da população abaixo da linha da pobreza caiu, entre 1988 e
2015, de 37% para 10%, conforme o estudo. Devido à crise econômica dos
últimos anos, porém, os governos têm feito "mudanças radicais" que,
segundo o levantamento, evidenciam uma "acelerada redução do papel do
Estado" que "aponta para um novo ciclo de aumento de desigualdades",
segundo a organização.
Garantia de direitos
A Emenda do Teto dos Gastos, que limita os gastos públicos por 20
anos, é considerada no documento como um "largo passo atrás na garantia
de direitos".
De acordo com as constatações da Oxfam Brasil, há a necessidade de se
revisar a reforma trabalhista aprovada recentemente pelo Congresso
Nacional, "onde ela significou a perda de direitos". Outros entraves ao
fim das "desigualdades extremas" do Brasil, segundo a pesquisa, são a
melhoria dos mecanismos de prestação de contas, mais transparência,
combate à corrupção e uma "efetiva regulação da atividade de lobby".
De acordo com Katia, a meta do relatório não é defender que todas as
pessoas tenham a mesma coisa e sim mostrar os extremos que não devem ser
aceitos pela sociedade. No dia em que se completam dois anos da
assinatura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pelos 193
Estados Membros da ONU, com metas para os países até 2030, a
coordenadora do relatório acredita, corroborando o documento, que as
desigualdades "não são inevitáveis".
"Elas são fruto de decisões políticas, de interesses, e nos níveis
que nós temos hoje no Brasil, são eticamente inaceitáveis. Estamos
construindo uma sociedade onde uma parte da população vale mais que
outra. Não pode ser assim, somos todos parte da mesma sociedade. Essa
distância entre nós está tão grande que a única forma de reduzir é
atuando juntos, nos unindo", finaliza.
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