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sábado, 11 de novembro de 2017

Gazeta do Povo.

  1. A coisa ficou preta para William Waack

  2. por
  3. Atualizado em [ 09/11/2017 ] [ 15:54 ]
  4. Foul Disfigurement - Arthur Rackham - Old Book Illustrations (OBI)
  5. Foul Disfigurement - Arthur Rackham - Old Book Illustrations (OBI)
    O incidente envolvendo o jornalista William Waack pode ser entendido como oportunidade de linchamento (o que já está acontecendo) ou como oportunidade de compreensão (o que provavelmente não acontecerá). Não sei se Waack é mesmo racista. Não saberei nunca. Se eu tivesse de apostar, apostaria que não. 
  6. Entretanto, o vazamento do áudio diz muito mais sobre quem se aproveita desse tipo de gafe ou ofensa do que sobre quem a comete ou ofende. Na vida pública, as vítimas, reais ou supostas, podem ser tão violentas quanto seus algozes. A sanha persecutória e a carência de bodes expiatórios, de acordo com as investigações antropológicas de Rene Girard, são, sempre serão, faca afiadíssima de dois gumes: corta quem fere, corta quem é ferido.
  7. Partindo da premissa de que a fala é autêntica e ele disse o que disse, duas coisas pedem nossa atenção: o fato de que o ambiente jornalístico está sendo tomado da mentalidade de rede social: todos têm olhos, orelhas, nariz e boca grandes, como o Lobo Mau da historinha; e de que o uso de expressões consideradas ofensivas, mesmo em contexto privado ou discreto, pode ser motivo para condenação sumária.
  8. William Waack, racista ou não, foi imprudente. Um jornalista experiente como ele deveria estar alerta para esses novos tempos em que a ideia de todos estarmos sendo vigiados deixou de ser uma possibilidade e passou a ser rotina.
  9. Imprudência à parte, racismo em quarentena para ulteriores investigações, importa dizer que todos nós, no ambiente privado ou discreto, falamos coisas terríveis uns dos outros. Eu falo coisas piores do que William Waack. O leitor fala coisas piores do que eu falaria. Religiosos dos ateus, ateus dos religiosos, homens das mulheres, mulheres dos homens: todos falam, pensam, murmuram maldades inaceitáveis uns para os outros. A própria linguagem está carregada delas.
  10. Que nos submetamos a esse escrutínio, a essa vigilância, deveria incomodar muito mais do que tem incomodado. Parece que estamos nos acostumando a ter nossa liberdade tolhida e a tolher a liberdade alheia. Num mundo razoável, a liberdade de expressão deveria ser compartilhada por todos. Num mundo irrazoável, a censura é aceita por todos.
  11. Feitas as ressalvas, ponho-me a pensar no que há de irônico nisso tudo. Julgamos com severidade nossos semelhantes de acordo com os valores que, num dado momento histórico, nos parecem absolutos, inalienáveis, sagrados. Vejamos. Na Idade Média, muito grosseiramente falando, a cosmovisão cristã predominava, e as ofensas à fé, as heresias religiosas e a profanação de símbolos sagrados poderiam justificar prisão, degredo, morte.
  12. Nestes nossos tempos pós-cristãos, anticlericais, irreligiosos, soa absurdo que pessoas tenham sido perseguidas por ofenderem valores religiosos e morais. Que mulheres tenham sido acusadas de bruxaria e condenadas por isso, hoje nos causa estranheza. Pois vejam só: as bruxas parecem ter voltado.
  13. Se antes as bruxas ofendiam os valores cristãos, hoje ofendem outros valores: as novas bruxas são homofóbicas, misóginas, fascistas, racistas. Os valores sagrados hoje atendem pelo nome de “dignidade racial”, “multiculturalismo”, “feminismo”, “homossexualidade”, “direitos humanos”. Quem quer que atente contra esses valores sagrados – quem quer que profane o templo do racialismo, ouse fazer troça no altar do feminismo, questione as certezas da teoria de gênero será perseguido, julgado e condenado sem piedade. Com a mesma falta de piedade, ou com muito menos piedade, com que foram julgadas aquelas nossas primas medievais.
  14. Lá e cá, ontem e hoje, o anacronismo nos impede de atinar com o óbvio: valores importam e ofendê-los é ofender quem acredita neles ou os encarna. Quem se ofende com a fala racista de Waack tem uma ótima oportunidade para entender a sensibilidade de quem se ofende quando um símbolo religioso é profanado, quando um artista rala uma imagem de Nossa Senhora Aparecida com pretextos artísticos. A liberdade de expressão e a tolerância para com as ofensas é exercício dificílimo justamente por isso: porque temos de defender e tolerar o que nos ofende, o que nos machuca – e não o contrário.
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