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sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Palestra do filósofo Roberto Romano abre semana temática da formação inicial de juízes

Palestra do filósofo Roberto Romano abre semana temática da formação inicial de juízes

Fotos: Denis Simas
Por Ademar Lopes Junior
A Escola Judicial do TRT-15 abriu, na manhã desta segunda-feira, 20/10, sob o tema "Presença dos Princípios Constitucionais – Caminho para Boas Decisões", a 12ª Semana Temática da Formação Inicial dos Juízes do Trabalho Substitutos, que se estende até sexta-feira, dia 24. Compuseram a Mesa de Honra, além do diretor da Ejud, o desembargador Samuel Hugo Lima, o presidente do Regional, desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, o presidente eleito da Corte para o biênio 2014/2016, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, e as juízas Alzeni Aparecida de Oliveira Furlan e Teresa Cristina Pedrasi, respectivamente representantes dos juízes titulares e dos substitutos no Conselho Consultivo e de Programas da Escola.
O evento reuniu 54 juízes substitutos que se encontram em processo de vitaliciamento, e contou com a presença, dentre outras autoridades, do vice-presidente administrativo do TRT, desembargador Fernando da Silva Borges, dos desembargadores Luiz Roberto Nunes e Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, e dos juízes auxiliares da Vice-Presidência Administrativa, Ricardo Regis Laraia, e da Vice-Corregedoria Regional, Oséas Pereira Lopes Junior, além da diretora do Fórum Trabalhista de São José dos Campos e titular da 3ª Vara do Trabalho, Antonia Sant'Ana.
O desembargador Samuel Hugo Lima ressaltou, nas boas-vindas aos alunos magistrados, os expressivos investimentos feitos pelo Tribunal nos últimos anos na Escola para capacitar ainda mais os novos juízes, e lembrou que "o tema da 12ª Semana Temática reflete a preocupação de formar juízes antenados".
O presidente Cooper, em seu breve discurso de boas-vindas, deu ênfase ao "amor" que deve animar a todos no trabalho: "amor às varas em que se trabalhou, se trabalha e ao Tribunal a que pertence". Cooper falou de duas experiências pessoais, em Varas do Trabalho, quando ainda atuava como substituto, em que aceitou enfrentar situações adversas que, depois de solucionadas, trouxeram um "prazer especial". O presidente também citou a "Ser 15", revista eletrônica do Tribunal, cuja proposta é a valorização dos integrantes do TRT-15, e conclamou a todos para que "sejam 15 e sejam felizes".
O desembargador Lorival elogiou a gestão do colega, desembargador Samuel, afirmando que a "Escola deu muitos passos". Sobre o tema da Semana, o presidente eleito falou da importância dos "princípios" e lembrou aos vitaliciandos que "não podemos decidir o processo pela rama, mas pelos princípios constitucionais", e ressaltou que, com esse espírito de amor ao trabalho o juiz poderá corresponder às expectativas dos jurisdicionados.
A juíza Alzeni chegou a se emocionar ao contar aos colegas uma experiência pessoal na Vara do Trabalho de Araçatuba, assim que tomou posse como titular, e solucionou um processo complicado que envolvia uma grande soma de dinheiro para vários reclamantes, quase todos idosos, e que esperavam há anos por um desfecho. Assim que o dinheiro foi liberado, a filha de um dos reclamantes, morto no curso do processo, veio agradecer à juíza por ter feito a justiça que seu pai esperou por anos mas que, infelizmente, não chegou a se beneficiar dela. A juíza Teresa Cristina lamentou não ter uma grande história para contar, porém conclamou os magistrados a "aproveitarem essa oportunidade única".
 
Ética e Moral
O vice-presidente administrativo, desembargador Fernando da Silva Borges, apresentou o palestrante convidado, o professor Roberto Romano da Silva, titular MS6 da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirmando que "a ética é uma decisão do ser humano pelo Bem".
Em seu discurso de boas-vindas aos juízes, o desembargador Fernando Borges elogiou a quantidade e a qualidade dos trabalhos da Escola Judicial na gestão do diretor Samuel Hugo Lima e lembrou que estamos vivendo uma "fase de humanização da Justiça". O desembargador ressaltou também que "o ‘sentimento' não é algo incompatível com a aplicação da lei", e que ao juiz é "indispensável a empatia com o jurisdicionado".
O tema abordado pelo palestrante Roberto Romano da Silva, que é doutor em Filosofia pela l'École des Hautes Études en Sciences Sociales, buscou na Grécia antiga as raízes da ética e da moral. Numa apresentação de pouco mais de uma hora, o professor Romano, que tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em ética e política, citou filósofos como Platão, Aristóteles, e os mais modernos Hobbes, Montesquieu, Spinoza e Kant. Segundo o professor, a sociedade ateniense, apesar de ser "paradigma de nossas formas de pensar, apresenta ao exame dos historiadores, antropólogos, arqueólogos, juristas, qualidades e falhas". Romano falou das raízes do Estado, com suas raízes na noção de Katástasis, que "encerra o nexo entre a estrutura física e espiritual dos povos, o que permite a governabilidade".
Segundo o palestrante, Platão percebe no cosmos/caos exposto por Empédocles a base para pensar a guerra de todos contra todos, e que a solução temporária dos conflitos, como no plano físico, não pode vir espontaneamente, e afirmou que "apenas uma intervenção externa consegue, à semelhança das máquinas, diques, pontes, edifícios, deter a violência natural".
De acordo com o professor Romano, Platão apresenta, basicamente, duas teses sobre a ética. A primeira delas é a kakourgia (agir mal), algo involuntário (vem da natureza feroz dos homens). Segundo essa tese, "a virtude não é derivada apenas da natureza, mas ela é uma arte, uma técnica, um artifício, que deve ser ensinada, aprendida, conhecida". Segundo Platão no diálogo As Leis, os homens desejam o bem, "ou o que imaginam ser o bem". Se conhecem o bem, não agem de maneira maléfica. O bem apenas imaginado vem dos costumes trazidos pela família, grupo social, tribo ou meio ambiente. O bem real é objeto de ciência, não está preso aos limites da imaginação, dos hábitos familiares e tribais. Atos ruins, voluntários ou involuntários, precisam receber sanção legal negativa, para que o coletivo não se frature.
A segunda tese platônica sobre a ética se resume ao "saber", única base do agir consciente para o bem. A opinião (doxa) e o hábito (ethos) podem ajudar na regulagem dos atos, mas apenas o saber trazido pelos especialistas do bem comum define a liberdade efetiva. O indivíduo pode nascer com a disposição para o saber, mas não o conseguirá sozinho, de modo espontâneo.
O pensador grego defende, também, a educação técnica para a obediência consciente das leis. Num exemplo a essa obediência, o professor Romano afirmou que "as leis eram esculpidas em grandes letras na praça pública. Todos a viam sem possível disfarce. No entanto, os arqueólogos do século XX descobriram pedras com maldições dos governantes contra os que danificavam as pedras das leis. E mais, descobriram outras pedras contendo maldições para os que fraturaram as pedras que continham as ditas maldições, o que prova a tese platônica de que "o conhecimento do bem e do mal não tem origem imediata nos homens, mas precisa ser obtido pela técnica do ensino", concluiu o palestrante. Romano afirmou que "por sua natureza, os homens não suportam a lei", e salientou que "ao contrário do que pensa Aristóteles, eles não são imediatamente animais políticos", e afirmou que "este é um outro ensino que Hobbes aprendeu de Platão".
Para o professor Romano, com base na noção de liberdade e autonomia, segundo o pensamento de Imanuel Kant, "ao obedecer a lei, não por influências externas, por medo ou esperança de prêmios, mas apenas porque ela é a lei, somos autônomos". Em sentido oposto, "se não a transgredimos por receio do castigo ou por recompensas, somos heterônomos". Kant usa os mesmos vocábulos platônicos, o nomos, a lei, ou está em nós, ou vem do nosso exterior. A um ethos da escravidão, a heteronomia, substitui-se o ethos da liberdade no qual obedecer a lei é obedecer a si mesmo, não um outro. O nomos deixa de ser um fator externo que pode ser burlado, para se integrar à consciência que o indivíduo tem de si mesmo. Na ética autônoma, a lei integra a vontade e o saber dos seres humanos.
Roberto Romano apresentou ainda reflexões sobre a experiência de perda da liberdade, tanto por parte dos indivíduos como pelas coletividades. "Se a lei está impressa na própria mente, como se levantar contra normas mentirosas e injustas? Se, ao assumir a sua escravidão diante da lei, o indivíduo assume uma segunda natureza, técnica, suspendendo a primeira, a violenta, como escaparia ele do poder autocrático, o dos técnicos? O palestrante cita Hobbes, "platônico até à raiz", e que "tudo faz para que o direito natural seja enfraquecido pela instauração do Estado, a Commonwealth". Já Spinoza, pensador democrático, recusa tal operação tecnológica. Segundo Romano, esse pensador, no que se refere à política, acredita no direito natural, e o direito ao soberano sobre cidadãos só é concebido "na medida em que, pela potência, ele os sobrepuje; é a continuação do estado de natureza".
Romano toma esse conceito como o núcleo de todas as questões relativas à resistência aos poderes tirânicos, mesmo os intitulados "despotismos esclarecidos", e chega ao século XX, em que floresceram os totalitarismos, especialmente o stalinista, o nazista e o fascista, e se pergunta "quem tinha razão e estava na verdade, as massas animalizadas pela propaganda nazista, stalinista, fascista, ou os poucos cidadãos que aceitaram ir para a morte, sem disso precisar por que eram "arianos" ou porque simplesmente poderiam calar e cooperar com o Estado?"
Romano afirmou que Platão foi assumido pelos totalitarismos, porém  execrado pelos pensadores liberais, chegando a ser acusado, nos EUA, por Edward O. Sisson, em 1940, de ter redigido a "carta original do fascismo" sendo sua obra "um dos mais perigosos itens na educação do mundo ocidental". O palestrante se pergunta qual o motivo para semelhante endeusamento e diabolização na história recente?
A resposta, segundo o professor, se concentra na ideia de que "a política deve se pautar pela lei, mas ela é externa à mente e ao coração dos homens comuns e foi fabricada pelos técnicos". Segundo o palestrante, ainda com base em Platão, "a obediência à lei exige que os gestores da vida pública desempenhem seu mister com responsabilidade". O pensador grego põe em questão a estrutura da justiça em Atenas, e seu projeto rejeita a forma oligárquica e democrática de julgar e inicia o sistema da pesagem das atribuições e competências, algo que fez fortuna até os nossos dias, passando por autores como Montesquieu. Platão inventa, assim, o "Estado misto", no qual opera a balança entre tendências opostas, algo apreciado inclusive por Locke. É de Platão a tese do necessário exercício de "checks and balances".
Em sua conclusão, o palestrante ressaltou que "os problemas apresentados giram ao redor de temas éticos candentes em nossa atualidade" e se pergunta "qual autoritarismo é mais duro, o de Platão ou o dos que julgavam certo banir pessoas sem os ritos da justiça, pelo ostracismo ou pela atimia (perda dos direitos cidadãos)? E que dizer dos direitos das mulheres, defendidos por Platão numa sociedade masculizante e…democrática? Num país como o nosso, onde a lei Maria da Penha não consegue impedir a violência de homens contra suas esposas e filhas? Por tudo isso, "Platão é um autor a ser lido em termos éticos fundamentais", ressaltou Romano. Esse cuidado é importante porque, segundo lembrou o palestrante, existem "falhas brutais na democracia ateniense", que é "o nosso paradigma ético e jurídico". "Não podemos esquecer a violência que se apresenta em todos os seres humanos, individuais ou coletivos, e a necessidade do Estado como freio da tirania que opera nos péssimos comportamentos éticos irrefletidos de antigamente e de nossos dias", concluiu o professor.

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