Fim do ensino superior público pago no Chile, por que o
silêncio?
Há pouco
mais de dois meses um fato banal em si transformou-se em grande notícia. O fato
era a entrega de um relatório encomendado pelo governo federal, um ”ajuste
justo” proposto pelo Banco Mundial. Entre outros, um ajuste bastante divulgado
pelos grandes meios de comunicação era o fim da gratuidade no ensino superior
público no Brasil[i]. A
repercussão foi enorme, lançando-se mão de exemplos bem sucedidos nesse
sentido, como o da Inglaterra. A ampla divulgação não trazia junto o “outro
lado”, o contraditório. As críticas a essa proposta apareceram em veículos de
menor penetração e, em parte, por meio das redes sociais. Uma vez formados
esses polos, não ocorreu propriamente um debate público, não apareceram
tréplicas para provocar reposicionamentos ou aprofundar as argumentações.
Polarizações sem o necessário embate qualificado são comuns e um caso
específico foi analisado de forma bastante clara e será útil para entender a pergunta
do título: a (des)informação sobre um ataque com mísseis à Faixa de Gaza em
2014. A análise, tanto da cobertura de imprensa de um lado e a omissão de outro,
quanto da repercussão nas redes sociais, é de Gilat Lotan da New York
University[ii].
Vale a pena olhar a imagem da rede de respostas pelo Twitter sobre esse fato a
partir de um Twit do Haaretz.com. É possível ver que as comunidades de Twitters
“pró-Israel” e as “pró-Palestina” praticamente não se conectam: polarizam-se,
mas cada um não se interessa pelo outro lado da história. Um dos “olhos” - como
são chamadas as frases em destaque de um artigo - no texto de Lotan é digno
candidato a epígrafe: “nós não estamos vendo pontos de vista diferentes e sim
mais do mesmo”. Um subtítulo também é sugestivo: “a Mídia constrói a realidade”.
Quanto aos
grandes meios de comunicação, Lotan notou que portais de um dos polos
anunciaram claramente o incidente, enquanto que os do outro polo pouca menção
faziam a isso. Isso lembra bem o caso de poucos dias atrás. Nos desdobramentos
do debate (que acabou não existindo) a
partir do relatório do Banco Mundial, seria importante uma análise mais
aprofundada da realidade nos países onde o ensino superior público é pago, como
Estados Unidos ou Inglaterra[iii]
e, mais perto daqui, o Chile. Nesse contexto, foi quase só por acaso que
ficamos sabendo que “O congresso do Chile aprovou lei de gratuidade da educação
superior” no dia 24 de janeiro (manchete do eldiario.es[iv]).
Para chegar pelo Google a essa matéria, passei primeiro por uma pequena nota
Jornal da Ciência da SBPC e pelo blog do Freitas[v],
que exibe o link para matéria na Carta Educação, o único veículo de comunicação
que parece ter divulgado a noticia por aqui. Assim temos um relatório que
propõe uma coisa (ensino superior público pago) amplamente divulgada e um fato
importante, mas no sentido contrário (fim do ensino público pago em um país
vizinho), que foi obliterado. Lembrando o texto de Lotan: a mídia constrói a
realidade?
Voltando ao
fato principal, qual é a notícia? A Câmara dos Deputados aprovou com 102 votos
e duas abstenções a lei de ensino superior, que universaliza sua gratuidade e
introduz outras reformas em um sistema vigente desde a ditadura de Pinochet. O
plano já vem de certo tempo e começou a ser posto em marcha em 2016[vi]
debaixo de críticas vindo de diferentes pontos do espectro político. O que é
comum em várias das narrativas é o alto custo do sistema que agora tem finalmente
o marco legal para sua mudança: as mensalidades das universidades chilenas
estão entre as mais caras do mundo em termos de paridade de poder aquisitivo[vii].
Esse modelo, que agora é reformado, se correlacionou como uma enorme expansão
do ensino superior, mas desonerando o Estado à custa de onerar as famílias e os
estudantes. De forma não sustentável. São conhecidos os protestos estudantis no
Chile em 2006 e 2011, esses últimos tendo motivado a reforma em questão.
Entender um
sistema de ensino em outro país não é tarefa rápida e simples, mas é
imprescindível para uma discussão qualificada. Tomar apenas um ou outro aspecto
de forma isolada é simplesmente um exemplo do que já foi batizado como
sincericídio[viii].
O que deve ser oferecido, portanto, é acesso a diferentes narrativas. Aqui eu
apresentei algumas e acrescento ainda a de J. Salvador Peralta, publicada no
portal Times Higher Education[ix]
(clique abaixo) em julho do ano passado, ou seja, em pleno debate da lei que
foi aprovada praticamente por unanimidade meses depois.
Ao
considerarmos exemplos de qualquer lugar que seja, precisamos nos debruçar
sobre essas experiências ao longo do tempo como um todo, pois só assim podemos
perceber que o que é apresentado por alguns como uma solução ‘mágica’ (e
trágica) acabou em farsa e precisou ser substituída. Convido a todos a acompanhar
o desenvolvimento do ensino público e gratuito no Chile. Torço por ele, pois
Peralta adverte que a reforma estaria condenada por ser boa demais. Espero
também que tenhamos mais acesso às informações sobre isso, sem as manipulações
de dados, como as confessadas recentemente pelo Banco Mundial[x].
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.