Zetética e Dogmática, Roberto Romano
Zetética e Dogmática
Prof. Dr. Roberto Romano da Silva/Unicamp
La
tolleranza non comporta affatto la rinuncia alle proprie ferme convinzioni, ma
nasce dall ‘idea che la verità abbia tutto fa guadagnare a sopportare l ‘errore
altrui (Norberto Bobbio, Lode della Toleranza).
O
tema é a zetética e a dogmática. E uma sugestão a mais, relativa à sua possível
conciliação. Devemos assumir grande prudência em problemas básicos da cultura. E ainda
mais quando os desafios brotam no terreno da filosofia e do direito.
Contentar-me-ei em expor alguns prismas pouco debatidos quando a zetética é
discutida pelos especialistas desta ou daquela área do saber. Quanto à
dogmatica no campo jurídico, não faltarão excelentes analistas, convidados e
presentes no plenário, para examinar o problema. Quanto à possível
reconciliação de ambas as formas de pensamento, direi minha opinião no final.
A
zetética foi posta em forma atualizada, na reflexão sobre o direito, por Thedor
Viehweg. ([1])
Como se espera de um labor erudito e alerta, a idéia de busca proposta por ele,
tem fundamento nas formas céticas da filosofia que, elas mesmas, em suas
origens supõem a leitura dos textos platônicos. Há, na intelecção retórica a
que se liga a zetética, a marca indelével do ceticismo. ([2]) A
atitude básica na análise jurídica é a de não aceitar argumentos abstratos como
base última da lei como se fossem princípios imutáveis da moralidade, afastando
também a tese de que o discurso da lei pode ser dito racional pelo consenso.
Ela recusa, ademais, a prova da certeza estrita da lei baseada em técnicas como
a da lógica simbólica. Como adianta o comentador de Viehweg, JamesHerget, o ceticismo daquela proposta não é completo.
Ela nega o sistema perfeito a acabado do direito, mas reconhece que a lei
existe na sociedade, que o ensino da lei exige habilidades teóricas, as quais,
por sua vez, podem ajudar os operadores do direito e a cidadania.
O
ponto inicial, no entanto, gira ao redor da dúvida e do desacordo na interpretação
do elemento jurídico. A interpretação, adianta Viehweg, parte do que é
problemático. É tarefa árdua conciliar, na maior parte das vezes, os grandes
princípios sistêmicos e as decisões legais. A lei, como em todo pensamento
cético, é matéria de opinião, mesmo que esta opinião seja a assumida pela
comunidade dos operadores do direito. “O estatuto dos livros (a ‘lei’ segundo
os leigos) não impõe a si mesmo, nem comunica um significado sem ambigüidade e
sem variações para cada contexto. O significado é fornecido pelas pessoas que
devem usar a lei; logo, a opinião dos advogados e juízes sobre o que deve ser a
lei tem prioridade sobre as fontes formais”. ([3]) Em
suma, para dizer com o próprio Viehweg, “o debate, manifestamente, permanece
como a única instância de controle” ([4]) O
professor alemão, com certeza, sabia o vespeiro em que punha os dedos. Deixo de entrar nos árduos campos da tópica e
da retórica por ele propostos. Meu intento é mais modesto, mas o creio de
alguma relevância, porque em análises sobre a zetética noto que, não raro,
atribui-se à filosofia coisas distantes do efetivamente enunciado por seus
cultivadores, de Platão aos nossos tempos. Claro que ainda existem acadêmicos
para os quais o labor filosófico é apenas acessório, perfumaria nos cursos de
direito. Talvez seja saudável nos
estender um pouco mais do que o habitual na origem e significados dos
conceitos. O problema, os equívocos entre filósofos e juristas, é antigo e nos
séculos passados causou batalhas. Há um saboroso escrito de Jean-Louis Gardies
cujo título denuncia a tensão entre filósofos e pensadores do direito: “Sobre
alguns malentendidos entre Hegel e os Juristas”. Ali, o autor se esmera em
recolher farpas de ambos os lados, o que poderia explicar a causa da ordem
filosófica ser assumida, nas Faculdades de Direito, como “perfumaria”. Creio
existir naquele artigo uma trilha para que as desavenças de lado a lado sejam,
pelo menos, clarificadas. Como tal alvo está muito distante, fico no terreno
filosófico, nas formulações técnicas sobre a zetética.
Começo o exame semântico ao
redor de Platão. O apóstolo Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, chama
os judeus de povo semiótico. Os gregos são ditos, por ele,
“povo zetético” ([5]) E dos gregos, Platão foi
o zetético por excelência. Inicio, portanto, mencionando o trecho da República
sobre a justiça e o ato da busca,
essencial na zetética. Estamos na altura do livro 4, linhas 432 b-d. A justiça
é afirmada como a essência do Estado excelente. Sócrates convida Glauco a
imitar na sua busca "alguns caçadores (κυνηγέτας) que formam um círculo ao
redor da moita (θάμνον). Precisamos de toda nossa atenção para evitar que a
Justiça (δικαιοσύνη) não ache uma saída por onde escapar e, travestida, escape
de nossos olhos". Tendo recebido a anuência de Glauco, Sócrates recomenda
: "abra, pois, os teus olhos, fazendo todo o possível para percebê-la no
caso de, talvez, tu a vejas antes de mim, assinalando-a". ([6])
Ao longo dos textos
platônicos surge a metáfora da caça quando se trata de buscar o verdadeiro, o
justo, o bom, o belo, o político. ([7]) Nas Leis, ele diz que o ensino dos
jovens deve prevenir contra a caça aos animais e aos homens. A primeira deve
ser regulamentada, a segunda será vista como indesejável. Caçar homens é
dar-lhes o estatuto de feras. Os jovens não podem considerar que outros seres
humanos são feras, monstros. No diálogo Eutidemo (290b 7 – c6), Sócrates
sugere que a arte do general é a mais apta a fazer os homens felizes. Clinias,
o interlocutor, não cai na esparrela armada pelo filósofo: o trabalho do general
entra mais na arte da matança dos homens. A caçada tem um nome específico no
argumento de Clinias : “ nenhuma das artes dos pesquisadores (tès thèreutikès) ([8]) propriamente ditos, não são ligadas em algo
além de pesquisar e colocar a mão sobre o bicho. Desde que o agarraram, não são
capazes de usá-los e os caçadores e pescadores o passam ao cozinheiro. Do seu
lado, os geômetras e calculadores –pois eles também são pesquisadores pois não
criam figuras mas descobrem as que existem-
ignoram o seu uso, mas apenas as pesquisam. Eles passam os seus produtos
aos dialéticos que podem aproveitar suas descobertas”. O caçador da verdade e da justiça, portanto,
precisa ter seu trabalho completado pelo dialético, mas o caminho do saber é
uma caça, uma pesquisa, uma zetétike.
Se o
modelo da caça impera nas relações entre indivíduos e grupos, na polis
ou no mundo grego mais amplo, temos a barbárie. Agindo assim, não surge nenhuma
amizade entre eles e o coletivo está quebrado a partir de seu interior. A caça não
tem um fim em si mesma, bem como os saberes amealhados nas pesquisas
matemáticas ou éticas. O fim da primeira é dado pelo cozinheiro, o das segundas
se encontra no dialético que as sintetiza num sistema lógico coerente e
universal. Mas a pesquisa e a sabedoria última se conciliam, como devem ser
conciliados os indivíduos e o coletivo. Platão diz no mesmo livro que a cidade
só pode ser forte se nela as dores e alegrias do indivíduo constituírem as
dores e alegrias de todos. E dores e
alegrias de todos inclui a dos indivíduos. Se na cidade muitos riem e alguns choram,
é marca de injustiça. Saber sem pesquisa não existe, pesquisa sem a síntese
universal é tarefa infinda e inútil.
Francis
Bacon, inspirador da moderna forma
científica, indicou a distinção entre pesquisa e saber sistemático ao figurar
animais com os defeitos da pura zetética ou do vazio dogmatismo. Existem, diz ele,
intelectuais que acumulam dados e dados sem pensá-los numa síntese. Como as
formigas, acumulam e cortam os elementos empíricos ou doutrinários, mas nada
brota de seu labor. Existem os intelectuais que tecem verdades lógicas em
conceitos finíssimos, os sistemas doutrinários e dogmáticos, os cérebros
aranha. Mas como as teias, aqueles sistemas se rasgam diante dos fatos e
documentos que os desmentem. Existem, finalmente, os intelectuais que praticam
a zetesis, nela recolhem os dados, mas
os pensam e produzem conceitos informados pela ordem lógica, com auxílio dos
elementos empíricos. As formigas zetéticas não produzem sínteses que orientem a
reflexão dos saberes, as aranhas sistemáticas fazem sínteses, sem preocupação com
os dados da experiência. As abelhas sintetizam e recolhem o diverso das
informações que vêm da ordem empírica. Seus enunciados estão repletos de fatos
e pensamentos unidos, com sentido. ([9])
A figura da caça mostra uma
atitude epistemológica e axiológica fundamental: no mundo empírico, todos os
partícipes da vida coletiva devem caçar os conceitos, sendo que o resultado de
tal exercício não é garantido a priori.
([10]) É preciso “agarrar” (lambano)
([11]) os conceitos, como se
prende nas mãos uma caça. Somente quem vai além das limitações espaço-temporais
e subjetivas (devemos recordar que "empírico" significa "dentro
de limites"), adquire um saber sólido sobre os valores e os entes. Ninguém,
em estado lúcido, pode acreditar em textos filosóficos ou legais, como se eles
trouxessem o verdadeiro, o belo, o justo.
A lingua, tanto a dos
gestos quanto a oral, segundo Platão, é impotente (ἀσθενές) para expressar e
colher conceitos e realidade. Por tal motivo,
na Carta Sétima (343a) ele afirma : "quem reflete (e é provido de razão)
nunca terá a ousadia de depositar na escrita os seus pensamentos (...) deles
fazendo algo imutável, escrito." ([12]) A
crítica aos textos se espalha nos Diálogos, sendo notável a passagem do Fedro (274b) onde é narrada a recusa do rei Thamus, pela invenção da
escrita. ([13])
O tema da impotente escrita muito discutido no século IV, em Atenas. Platão nada inova no problema. Alcidamas (Peri ton
Sophiston) afirma que “escrever, de fato, não é mais que uma imagem
semelhante à que fabrica o pintor. Só o discurso falado é vivo e capaz de
adaptar-se à ‘situação’”. ([14])
Contra o fetichismo da
escrita no saber e na lei, Platão enuncia que "nenhum homem ponderado
(σπουδαῖος), preso às coisas sérias (τῶν ὄντων σπουδαίων) se arriscará a
deixar, escrevendo, cair no domínio público aporias, expondo-as às maldade e às
dúvidas. Quando observamos obras escritas, em forma de leis por algum legislador,
ou em outro assunto, notemos o seu caráter (...) Se ele considera tais coisas
sérias, assim dispostas em escritos (…) os mortais arruinaram totalmente a sua
razão". (Carta 7, 344c). ([15])
Dessa descrença no texto da lei, surgem no diálogo Político o elogio
da pessoa animada, racional, que exerce o governo. "A arte de legislar,
evidentemente", diz o Estrangeiro ao jovem Sócrates, "pertence à arte
real" (δῆλον ὅτι τῆς βασιλικῆς ἐστιν ἡ νομοθετική). Mas de outro lado, o
melhor está que a força pertença, não às leis, mas ao homem prudente, real (ἄνδρα τὸν μετὰ
φρονήσεως βασιλικόν)". Diante do espanto mostrado pelo jovem Sócrates,
arremata o Estrangeiro: "Nunca uma lei seria capaz de perceber com acribia o que, para todos ao mesmo tempo,
é o melhor e o mais justo e prescrever para todos o que mais vale. Entre os
homens, com efeito, como entre os atos, existem dissemelhanças, sem contar que
nunca, por assim dizer, nenhuma das coisas humanas permanece em repouso,
íntegra, o que não permite à arte, a nenhuma arte, formular nenhum princípio
cuja simplicidade valha em toda matéria, em todos os pontos sem exceção e
durante o tempo".
A lei, termina o
Estrangeiro, “parece um homem presunçoso e ignaro, que não deixa ninguém fazer
algo fora do que ele regulou, e também não deixa que ninguém o questione, mesmo
que uma idéia nova, exterior aos arranjos normativos por ele impostos, deva ter
para o caso individual um resultado melhor”. (294a-c). Não entrarei aqui na vexata questio milenar e
no dilema: governam a lei ou os homens? ([16])
Sou bem alerta para os usos modernos e anacrônicos da opção pelo indivíduo
soberano, do absolutismo assumido por Tiago Primeiro na Inglaterra do século 17
até Carl Schmitt e a proposta de que o "Füher
decide o direito". ([17])
O que interessa, dada a nossa
missão, é indicar que intelectos, como o de Platão, afirmam a necessária
coragem anímica de não aceitar textos, sejam eles de filósofos ou legisladores,
sem exame crítico. Caso contrário, surge o pedantismo da letra e o injusto em
decisões legais, tanto para atingir sanções positivas ou aplicar sanções negativas
aos cidadãos. A imagem da justiça enquanto caça, a recusa da
pseudo-estabilidade da escrita, a busca das situações vivas com pessoas vivas,
tal é o campo inaugurado por Platão e, sobretudo, pela sua descendência, no
ceticismo. Aliás, para os que assumem a metodologia cética, mesmo Platão deve
ser visto como dogmático. ([18])
A primeira pergunta a fazer
é porque enunciações dogmáticas adquirem
tal estatuto. Segundo um filósofo alemão
de nossos dias, quando interpretamos um “algoritmo matemático, um formalismo
lógico, uma fórmula física ou química, dados estatísticos, sintomas médicos de
uma doença, não somos incitados à procura do sentido daqueles simbolismos (…)
Trata-se de atribuir um sentido conhecido anteriormente às fórmulas ditas ‘vazias’”. Tal
procedimento, que não se interroga sobre o sentido de fórmulas e técnicas,
aparecem nas ciências naturais e axiomatizadas mas também nas ciências humanas
e culturais. Ele designa o campo dogmático. O horizonte de tais procedimentos
técnicos é o da teologia, da jurisprudência, da filologia, da pedagogia. Aqui
os textos e documentos são institucionalizados e servem de base para as
próprias instituições vigentes. Assim, temos os Padres da Igreja (na teologia),
os códigos legais dos juristas, os dicionários prestigiosos dos filólogos, os
manuais dos professores. “Evidentemente, o bom teólogo, o jurisconsulto ou
juiz, o filólogo e o professor erudito não buscam o sentido das palavras ou dos
dicta
dogmáticos, mas por seus estudos na disciplina eles conhecem o sentido daqueles
enunciados de antemão. Eles ficam bem assegurados com a visita aos textos e os
usam para solucionar problemas de consciência, a decisão de um processo
jurídico, a escolha de uma palavra ou frase equivalente numa tradução, e a
apresentação em regra de um tema pelo professor”.
Quanto à zetética,
diz o mesmo autor, podemos compará-la à dogmática para perceber sua diferença.
A dogmática é estritamente disciplinar e jamais interdisciplinar : ela nada tem a ver com a busca da verdade ou
da falsidade, mas se qualifica como boa ou má, elegante ou tola, admitida ou
vetada. “Ela assegura a eficácia quando se trata de estabelecer em todo caso um
sentido. Por tal motivo, aqui nunca
existe um ‘non liquet’, a impossibilidade de estabelecer um sentido, sem o que
o texto dogmático cairá em desuso. As regras e os cânones dogmáticos são
específicos segundo a disciplina da qual dependem. Mas em conjunto eles aspiram
garantir o estabelecimento de um sentido capaz de solucionar ao problema dado.
Para tal fim, oferecem comumente
alternativas ou uma grande quantidade de possibilidades para a construção do
sentido. Na teologia é famosa a doutrina dos quatro sentidos da Biblia
([19]); em jurisprudência, a
alternativa do sentido histórico (vontade do legislador) ou sistemática (razão
da lei), e além disso a interpretação literal, restritiva ou extensiva. A
filologia oferece multiplas sendas para as traduções: literais, metafóricas,
poéticas, arcaizantes, modernistas, etc. No ensino (…) se adapta o sentido dos
manuais à capacidade dos estudantes para uma interpretação fácil e simples
(pode ser superficial) ou então densa e complexa (pode ser profunda).
Evidentemente as palavras “dogma”e “dogmática” perderam seu prestigio de
outrora e por causa da batalha das Luzes contra a fé, a teologia, as autoridades”. ([20])
Vejamos a zetética na
história do pensamento. Para exercer a razão crítica é preciso suspender o
juízo, uma técnica radical ou moderada, mas indispensável. O primeiro uso
intencional da zetética, com fins críticos, encontra-se em Pirro e Timão no
terceiro século AC. O que ambos visavam com o termo? Recusar qualquer tese que
não fosse examinada pela balança do pensamento. Os pirrônicos se intitulam skeptoi, ([21])
cuja tradução latina encontra-se em quaesitores (os que buscam) e consideratores. Vimos na Carta Sétima que,
diante de aporias graves do pensamento, como é o caso da verdade e da lei, só
pessoas não ponderadas ousam escrever sobre elas, perdendo a essência da
questão dificultosa. Quem, por não ter agarrado o conceito, não possui certezas
fundamentadas (epistême), ao lavrar o verbo em letras visíveis trai a razão.
Quem dispõe de bases sólidas para pensar as aporias, não as "resolve"
de imediato, busca prudentemente, sem interrupção, as suas razões.
O que é uma aporia ? O termo significa dificuldade de ir além, ultrapassar uma porta
(poros),
([22]) não resolver de imediato
dificuldades epistêmicas ou éticas. Em termos simples: trata-se de um assunto
para o qual as saídas foram fechadas. O que faz o cético, seguindo o veto
platônico de confiar nas palavras, sobretudo as escritas? Ele suspende o juízo
para investigar a coisa. Ele procura, sendo assim um zetetes, integrando
o número dos quaesitores. Os céticos seguram a pena
e a lingua antes de enunciar razões sobre as coisas e as pessoas. E se limitam
a dizer "que a verdade ainda não foi achada, não dizem que ela é
inacessível. E não desesperam de achá-la um dia e a buscam. Eles são
zetéticos". ([23])
E temos a impossibilidade filosófica de aproximação entre zetética e dogmática.
A primeira, em filosofia, parte da constatação seguinte: os dogmáticos precipitam
as idéias no papel e na lingua, não se demoram no exame de todos os lados, no
fato a ser discutido, afirmam como absoluto o relativo, incompleto. E
transformam terminam afirmando a sua verdade como única. Recordo uma análise de
Erich Auerbach sobre o tema. Auerbach inventa a figura do holofote : o mundo
é palco de infinitas cenas. O apressado
joga a luz sobre uma ou outra delas. Ele
persuade a platéia de que fala o único verdadeiro. Mas, argumenta
Auerbach, da verdade faz parte toda a verdade. As cenas ocultas também devem
ser iluminadas, o que demanda tempo. “O público sempre volta a cair nestes
truques, sobretudo em tempos de inquietação, e todos conhecemos bastantes
exemplos disto, do nosso passado recente (Auerbach se refere aos totalitarismos
do século 20, RR). Contudo, o truque é, na maioria dos casos, fácil de ser
descoberto ; mas falta ao povo ou ao público, em tempos de tensão, a vontade
séria de fazê-lo; quando uma forma de vida ou um grupo humano cumpriram o seu
tempo ou perderam prestígio e tolerância, tôda injustiça que a propaganda
comete contra eles é recebida, apesar de se ter uma semiconsciência do seu
caráter de injustiça, com alegria sádica”. ([24])
A pressa ideológica
espalhou doutrinas genocidas no século 20 e definiu judeus, ciganos, eslavos,
homossexuais e outros integrantes das cenas coletivas como alvos a serem
destruídos com alegria sádica. O truque da propaganda dogmática teve acolhida
devido ao tempo rápido na circulação das palavras. Se carrega ódio e
intolerância, o verbo mata em cronologia ensandecida. Contra a rapidez
doutrinária se estabelece a cautela prudencial da zetética. Um obstáculo na
pesquisa filosófica, adiantam os céticos, encontra-se na pressa em chegar ao
verdadeiro. Sexto Empírico buscou, entre outros, combater “a procipitação (propéteia)
dos dogmáticos” ([25]) Quem é o dogmático,
segundo os zetéticos? É quem ousa dizer que encontrou o verdadeiro e o justo,
desconsiderando as outras mentes humanas. Na sua pressa em se afirmar e impor
aos demais as suas teses, eles são presunçosos, demonstram amor exagerado de si
mesmos, autoestima tombada no excesso
denominado hybris, orgulho excessivo que leva à perdição do vaidoso e da
sociedade. ([26])
Há na República platônica um
ponto essencial quando se trata de garantir a polis : o controle da
filáucia. O que produz a tirania? O amor de si mesmo. A filáucia é o contrário
da amizade. Nas Leis (Livro 5, 731 d) é sintomático que o sujeito acometido de
idiotismo seja comparado ao “amante, cego no relativo ao ser amado, sendo
péssimo juiz das coisas justas, boas, nobres”. A paixão impede o saber e a
prática do bem. “Há um grande mal (…) que o maior número de homens tem, e que
lhes é congenital. Com ele, cada um é cheio de auto-indulgência e ninguém dele
escapa. Este mal chama-se amor próprio. A ternura do homem para consigo mesmo
pertence à sua natureza, ela causa nossos erros pelo afeto que temos para
conosco (…) O grande homem não acaricia nem a si mesmo, nem as coisas de sua
propriedade, mas o justo.” O tirano exerce o auto-erotismo e suprime os
inimigos “mas também os que, por terem sido seus iguais ou cúmplices, a ele se
dirigem com franqueza”.(República,8,567b)”.([27])
O amor que os indivíduos têm para consigo mesmos desatrela a luta pelo domínio,
onde todos são inimigos de todos.
A arrogância une-se à propéteia, pressa em falar ou escrever
verdades e leis. Ao orgulho os zetéticos chamam, na trilha platônica, filautia, amor exagerado de si mesmo : os dogmáticos, para
os zetéticos, são “phílautoi que,
explícita ou implicitamente ‘dizem ter de a si mesmos preferir-se com relação
aos outros homens no julgamento das coisas, mas sabemos que sua pretensão é
absurda (átopos)’: sendo parte na
discussão filosófica sobre o julgamento de aparências conflitantes, eles
incorrem em inegável petição de princípio ao assumir aquela preferência, antes
mesmo de o julgamento começar. E, de fato, no que respeita à verdade, os
dogmáticos são homens que, por seu amor de si (philaútos) ‘dizem tê-la, eles próprios, sozinhos descoberto”. ([28])
De onde vem o termo
"ceticismo" ? Provavelmente de Homero que, na Odisséia (Canto
12, versos 244-249), usa spekptomai no sentido de
"olhar para todos os lados afim de observar. A palavra significa olhar atentamente rumo a
duas ou mais direções possíveis. Em Sófocles (Édipo Rei, 584) o termo
tem o sentido de olhar e refletir. ([29]) Em
Platão, voltemos a ele, no contexto da polêmica com Trasímaco (a justiça é
atributo do mais forte), após uma investida do sofista, Sócrates lhe diz, com a
ironia habitual: "Trasímaco, não sejas duro conosco. Se eu e meus amigos
cometemos erros na consideração do problema, fiques seguro que erramos
invontáriamente. Porque não podes supor, seguramente, que se a nossa busca
(σκέψει ) jamais enganaríamos uns aos outros, fazendo concessões na busca
(ζητήσει), desperdiçando nossa chance de encontrá-lo. Estamos à busca da
justiça (δικαιοσύνην δὲ ζητοῦντας), uma coisa mais preciosa do que o mais fino
ouro, e seríamos loucos (ἀνοήτως ) por
dar passagem um ao outro e não dedicar o mais sério (σπουδάζειν) de nós para
descobrí-la". (República I, 336e)
A pesquisa (zetesis) do excelente e do justo exige o
que é mais sério. Já vimos: para o filósofo, redigir leis e verdades não se
encontra entre as tarefas mais sérias da existência. Pelo contrário, designam
atividades ensandecidas porque procuram encarcerar a mente, como na mumia, em
bandagens rígidas, dogmáticas. Chegamos ao ponto mais delicado do ceticismo.
Tudo pode ser motivo de busca, zetesis,
mas sempre num mar revolto que, ele, campo do fenômeno, não pode ser procurado
porque se oferece de imediato para todos os que pensam. Não podemos dizer como
as coisas são "realmente" por detrás de sua aparência, o ser em si
das coisas é algo "azetetos". De outro lado, nossas impressões também
são postas como algo"azetetos", não podemos perguntar sobre elas: as
coisas aparecem, mas saber o como e o porque elas surgem é impossível. ([30])
Em todos os lados do ato de conhecer e fazer é preciso a suspensão do juízo para não cair na ilusão dogmática que, no fim
das contas, é delírio e loucura.
Quando se evoca em
filosofia a atitude zetética, as ressonâncias não trazem apenas a idéia de
busca, de pesquisa, mas de juízo crítico, pesagem das teses e antíteses,
decisão de jamais "resolver" aporias da mente e da ética. Note-se,
pois, que aparece algum ruído quando, ao comparar a dogmática à zetética, se
indica que nesta última temos as ciências (exatas ou humanas) e na primeira as
ordens legais indiscutíveis. Nullius
addictus jurare in verba magistri. A exigência de Horácio (Epistolas
I, 14) serve aos que, nos tempos modernos, recolhem as lições de Platão. A
recusa do princípio de autoridade invadiu as ciências e artes, destas à
política. Dizer que um enunciado é verdadeiro porque dito ou escrito por
Aristóteles ou um mestre do direito, significa renunciar ao uso da própria
razão.
Como diz Montaigne,
pioneiro da liberdade anímica, "o juízo tem, em mim, uma sede
magistral". A metáfora do tribunal da mente passa a ser determinante no
mundo noético. Atitude crítica exige a pesagem das palavras. Não por acaso o
símbolo assumido pelos zetéticos da modernidade, a balança, é o mesmo da
justiça. O cuidado para não aceitar verdades impostas exige que os termos sejam
ensaiados antes de sua circulação no mercado político e social. Os
Ensaios receberam o nome de "conatus", esforço na ação física
ou intelectual. Em Montaigne e na ordem moderna o "eu liberta-se,
pensando, e pensa, marchando"([31]) A
filosofia está sempre em movimento, nunca parada, dogmática. ([32])
A liberdade, diz um comentador do filósofo, "não é um estado, repouso, mas
um ato ou função, um aspirar, um esforçar-se".
Temos outro elemento na
filosofia cética ao redor do ensaio. Tal palavra deriva do latim exagium. Ela era usada na avaliação das
moedas em seu toque, título, quilate. Ensaiar é examinar : monetam inspicere. Na
Casa da Moeda um ensaiador as examina com a balança, também símbolo dos céticos.
É preciso, confidencia Montaigne,
ensaiar (exagiare) as idéias,
pesá-las, descobrir o metal precioso nelas posto ou a escória tida pela maioria
como preciosidade. Na pesagem das palavras está suposta outra noção. O vocábulo
"pensar" liga-se ao ato de pesar. Pensar vem de pensare, ponderare, pondus.
Um pensador pesa juízos, como o ensaiador, as moedas. "Eu não conto meus
empréstimos, eu os peso".
No mercado comercial,
político, religioso, diz Montaigne, "não se olha mais o que as moedas
pesam e valem, mas cada um as recebe segundo o preço que a aprovação comum e a
cotação lhe dá". A propriedade das idéias é de todos os homens. Mas nem
todos são alertas para pesar o seu valor e se elas servem para as operações
para quais são movidas. Não raro idéias
pouco valiosas compram decisões governamentais, magistrais, religiosas. Montaigne
evoca o envenenamento noético. Doutrinas falsas mostram-se letíferas e perigosas. Contra o dogmatismo
sectário que tende a encarar as suas próprias teses como absolutas, é preciso a
relativização, a crítica. Todo o ideário de Montaigne se resume na figura da
balança: "Que sei eu? Como eu coloco numa balança". Veneno. Palavra para
designar fanatismos fantasiados de ciência moderna, sobretudo no século vinte.
Tais aporias nos levam à uma terceira senda entre a
zetética e a dogmática. Imanuel Kant tentou evidenciar, já no primeiro prefácio
à Crítica
da Razão Pura, que as duas devem
ser ligadas ao controle da razão para o bem coletivo. A primeira, no seu
entender, é despótica. A segunda causaria desordem. ([33])
Nem cética e nem dogmática, a crítica examinaria os fundamentos e as pretensões
dos conceitos que pretendem ostentar o título de ciências, em todo e qualquer
campo intelectual e volitivo. Os profissionais do Estado aludidos, que
esposaram as teses da eugenia, médicos, juízes, engenheiros, usaram a razão.
Mas não pesquisaram os limites daquela força intelectual. Por outro lado, não
examinaram a própria consciência na busca de imperativos éticos que os
impedissem de cair na animalidade. Como diz Goethe no Fausto, uma pessoa assim usa a razão, mas de maneira a
se tornar mais feroz do que todas as feras : “Er nennt‘s
Vernunft und braucht’s allein, Nur tierischer als jedes Tier zu sein
É contra a pretensão das escolas ditas superiores
pelos governos (medicina, direito, teologia) que se voltam as três críticas
kantianas. Os profissionais da medicina, do direito, da teologia (não raro, da
filosofia) usam os enunciados racionais na ausência da crítica. O dogmatismo,
diz Kant, é uma “confiança cega no poder que tem a razão de se ampliar a
priori sem crítica, por meio de
conceitos puros, preocupada apenas com o seu aparente sucesso”. E confessa o
mesmo Kant: “eu encontrava pouco a pouco muitas proposições que consideramos objetivas
mas que, de fato, são subjetivas, isto é, contêm as condições sob as quais
somos nós mesmos que entendemos e concebemos o objeto”. Dois caminhos: tombar no ceticismo que suspende sempre o
juízo ou se afastar da trilha dogmática, desesperando da ciência e da ética, ou examinar o poder da razão, os seus limites.
Este foi o caminho de Kant : nem zetética
pura nem dogmática, mas a crítica da razão pura, antes dos enunciados
científicos, morais ou artísticos. Mas para I. Kant “o ceticismo, com fundamento
no juízo circunspecto, advertido pela experiência, é a passagem necessária do
dogmatismo para a filosofia crítica” ([34])
Kant nada disse a mais do que outros pensadores adiantaram. Pierre Bayle, ao
falar a propósito de Pirro e dos céticos adianta que eles foram chamados de
“céticos, zetéticos, eféticos, aporéticos, ou seja, examinadores, inquisidores,
suspendentes, dubitantes. O que mostra que eles supunham ser a verdade possível
de ser encontrada, e que eles não decidiam que ela era incompreensível” ([35])
Contra os dogmáticos de todas as escolas, pensa Kant,
o procedimento cético é um antídoto eficaz. Como Platão, no entanto, ele não absolutiza
a dúvida. Em Platão, no mesmo Eutidemo que citei acima, o
argumento cético traz sempre admiração (ἀεὶ θαυμάζω)
a
Sócrates : os céticos não apenas arruinam (ἀνατρέπων) os pensamentos alheios, como os seus próprios.
([36])
A corrosão das perguntas incessantes, a zetesis infinda, termina por não chegar
a nenhum ponto sólido no saber e na ação. Kant acolhe o repto platônico ao
ceticismo mas, como Platão, usa as técnicas que abalam as certezas como
instrumento para arrancar do intelecto escórias doutrinárias. O ceticismo
absoluto, segundo Kant, “ao renunciar a afirmar todo conhecimento, anula todos
nossos esforços para assegurar a posse de um conhecimento do que é certo”([37])
Na guerra contra o dogmatismo, o procedimento cético não chega à vitória
completa : “seu sistema é posto, por ele mesmo, em dúvida, visto que suas
objeções só repousam em fatos, e fatos contingentes, e não em princípios
capazes de nos obrigar à renúncia ao direito das afirmações dogmáticas” ([38])
Mas o método que consiste em suspender o juízo presta relevantes serviços à
crítica. Se o ceticismo absoluto prejudica o conhecimento e a moral ele “é útil
e oportuno enquanto método, se o entendermos como o modo de tratar uma coisa
como incerta e conduzi-la ao mais alto grau de incerteza na esperança de
encontrar no caminho o traço da verdade. Este método filosófico consiste em
descer às fontes das afirmações e objeções e aos fundamentos sobre os quais
elas repousam, método que permite esperar atingir a certeza”. ([39]) A zetética é o modo pelo qual se encaminha a
resolução de um problema antigo, o do ensino filosófico. Não é possível ensinar
a filosofia, mas a filosofar. “Ninguém pode se dizer filósofo no sentido
estrito, ou mestre da sabedoria, de modo que
não é possível ensinar filosofia como doutrina constituida no sentido
dos saberes positivos, as apenas a filosofar segundo um encaminhamento
zetético, todos e cada um podem ser tornar filósofos na acepção do conceito
cósmico da filosofia que visa os fins últimos da razão humana”. ([40])
Para o conhecimento certo é necessário arrancar as
camadas doutrinárias que se acumularam na mente humana. A imagem mais própria
para esta situação vem dos textos platônicos e foi usada por Rousseau: a
estátua do deus Glauco. ([41])
A ferocidade dogmática não é vencida pelo método cético. Mas este último afasta
certezas dos que operam com a razão sem críticas e limites. O procedimento
kantiano não discrepa, assim, do uso feito por Descartes na dúvida metódica e,
mesmo, hiperbólica. ([42])
Mesmo Pascal usa a dúvida cética, na medida em que ela serve para distinguir os
vários tipos de seres humanos. Existem os que encontraram Deus, os que o
procuram sem o encontrar e, finalmente, “os outros que vivem sem procurá-Lo. É
preciso reconhecer que a expressão de Pascal é muito apropriada, na medida em que
ela dá conta também da natureza ‘zetética’ da dúvida pirrônica, sempre aberta à
pesquisa, o que é o caso do segundo tipo descrito pelo apologista, enquanto o terceiro, se não alude
simplesmente ao gênero mais comum dos ‘belos espíritos’, rebeldes, irreligiosos
e libertinos nos costumes, pode bem se aplicar à forma de dúvida que permite
economizar a crença, rebatendo o espírito ao nível dos fenômenos e
neutralizando todo apelo aos ‘dogmata, pela simples constatação do equilíbrio
instaurado entre as diferentes opiniões e os diversos fenômenos, uns opostos
aos outros”. ([43])
O lado corrosivo da dúvida cética, presente na
filosofia moderna em autores como Descartes e Pascal ([44])
(embora, finalmente, ela tenha sido abandonada) levantou suspeitas gerais
contra a filosofia crítica, demasiado próxima aos movimentos das Luzes e da
Revolução Francêsa. ([45])
Não por acaso as escolas arrogantes e os governos idem ergueram barreiras,
entre elas a da censura, contra os textos kantianos. Já no intróito da Crítica
da Razão Pura, Kant proclama que nosso tempo é o da crítica, à qual
tudo deve ser submetido, pois não mais nos contentamos com a aparência do
saber. A razão não pode, por nenhuma defesa, atacar a liberdade da crítica sem
arruinar a si mesma e sem atrair suspeitas que a prejudicam. Contra o
dogmatismo e o ceticismo, a crítica permite provar sua ignorância relativamente
a todas as questões possíveis de uma certa espécie. Quem não submete a sua
razão à crítica, termina sempre com saberes inquestionados, mas no mínimo
derrisórios. ([46])
Faltou aos operadores do Estado e aos acadêmicos, a
crítica de sua própria razão, o reconhecimento de seu próprio caráter, a
distância de seus atos em relação a toda beleza. A pessoa que praticou um ato
ilegítimo e tenta se desculpar “percebe sempre que o advogado que fala em seu
favor não pode reduzir ao silêncio a voz interna que a acusa, se ela tem
consciência, de estar em seu bom senso quando cometeu o ato injusto em plena
liberdade”. A consciência moral é a faculdade judiciária que julga a si mesma.
Quando se diz, adianta Kant, “este homem não tem consciência”, o que se afirma
é que ele não obedece o veredicto do seu juiz interno. E tal sentença, no
tribunal da consciência, é infalível. É impossível o engano, o que foi feito,
traz a chancela da vontade que não se dobrou ao imperativo moral da própria
consciência. Tal é a essência do
antissemitismo, do racismo e de outras expressões que encontraram nos dogmas da
ciência eugênica as suas razões. ([47])
Assim, todos os
que praticam atrocidades em nome da ciência ou da razão de Estado, não
merecem desculpas. Sabemos o quanto, em Nuremberg e depois, aqueles servidores
do poder tentaram salvar a própria pele descarregando todo o mal sobre
indivíduos poderosos, como Hitler, ou em organizações burocráticas (foi o que
Carl Schmitt alegou no seu julgamento), ([48])
ou no “espírito do tempo”. Eric Voegelin mostra o quanto tais desculpas são
esfarrapadas, não poupando em sua análise do elo entre Hitler e os alemães as
igrejas, as universidades, os tribunais, a inteira sociedade alemã. ([49])
Não é segredo para ninguém que o programa para a denazificação da Alemanha foi
um fiasco, quando não pura absolvição silenciosa de notórios nazistas,
aproveitados na ordem democrática por seus conhecimentos burocráticos,
financeiros, etc. Voegelin també não poupa este crime que significa uma anistia
silente dos carrascos. ([50])
Zetética e dogmática, uma conciliação possível? ([51])
Talvez, desde que ambas passem pela crítica da razão, científica, moral, artística.
E para a tarefa, pensadores da filosofia, das ciências naturais e humanas, do
direito e da teologia têm dedicado os seus melhores esforços, pelo menos desde
o distante século XVIII a era das Luzes. ([52])
Em sua conclusão do livro relevante sobre os embates da zetética contra o
pensamento dogmático, Marcello Gigante recorda a importância atual da filosofia
que duvida. Mas indica que ela não pode ser proposta a quem deseja viver e
sobreviver, sobretudo quando ela afasta as opiniões firmes. “Já David Hume
escrevera que ‘um pirrônico deve reconhecer algo, que toda a vida humana deve
perecer se os seus princípios devessem ser universalmente e prontamente
prevalecer. Todo discurso, toda ação acabaria imediatamente e os homens ficarão
numa letargia total, até que a necessidade da natureza, insatisfeita, ponha fim
à sua existência miserável’”. O cético
enxerga a diversidade, alí onde o dogmático visualiza a igualdade dos entes.
Gigante narra uma visita sua a Nova York : “no World Trade Center, a última
maravilha do mundo, os dois prédios exibem mais de cem planos, e me apareceram
em julho diversos e iguais, iidem et alii,
segundo a distância e o ponto de observação. Durante o passeio pelo Hudson, um
parecia menos alto do que o outro; em terra firme, na distância mínima, os dois
colossos, ousado e elegante êxito das estupenda técnica dos nossos dias,
surgiam como eram, iguais. Após a dúvida, tive a certeza, depois da aporia, o
dogma: os edifícios têm a mesma posição, a mesma estrutura, a mesma altura
mesmo que, às vezes, observados à distância, forneçam a sensação de serem
diversos; a diversidade se revela um aparecer, a igualdade um ser (…) Vejo,
erro, conheço, distinguo, julgo: o processo gnoseológico conduz à uma certeza
que está no limite, única e não dúplice, verificada e não contradita pela
experiência”. ([53])
O exemplo é terrível. Após o 11 de setembro, a certeza
sobre os prédios gêmeos, tão acarinhada por Gigante, sumiu na poeira das bombas
e dos aviões. E agora, mesmo o idealizador dos ataques que os destruíram
desapareu na sombra da morte. Seu nome e figura estarão de volta em novos
atentados ? Não sabemos. David Hume tem razão: viver sempre na dúvida conduz à
letargia e à morte. Mas viver sob o sono dogmático violenta fenômenos e
consciências. Kant, desperto por Hume do sono metafísico, tentou uma terceira via
entre a zetética e a dogmática. Vale a pena, antes de exibir saberes infalíveis
na ordem médica, política, econômica, jurídica e outras, meditar sobre as três
críticas kantianas. E recordar a lição preciosa da zetética: a tolerância.
Esta, como diz Noberto Bobbio, é o caminho
para se atingir a verdade. Ao comentar as teses polêmicas de Alistair
MacIntyre ([54]) que defendia o retorno da reflexão sobre a
virtude no pensamento ético, Bobbio, no mesmo átimo em que discute a doutrina
kantiana da moral e do direito confessa, do seu modo polido: “sempre hesitei em
aceitar drásticos contrastes, porque eles favorecem unilateralmente atitudes
relativas a intangíveis assuntos, como os ligados à filosofia, onde a verdade
nunca é peremptória, definitiva e indiscutivelmente posta em um lado e também
por respeito à interpretação histórica, este imenso depósito disposto
aleatoriamente com mil coisas, sendo perigoso acima de tudo, e inconclusivo,
isolar um entre muitos” ([55])
A crítica kantiana alicerça o seu programa na liberdade
e na autonomia de todos os entes humanos. Ela não se dirige apenas aos especialistas, as
elites sábias que manipulam massas domesticáveis. ([56])
Nela, o alvo é a maioridade universal do gênero humano. E tal fim se atinge com
a procura, a caça da verdade. Sem mais.
Roberto Romano
[1] Cf. Viehweg, Theodor: “Ideologie und
Rechtsdogmatik”in Rechtsphilosophie und Rhetorische Rechstheorie Gesammelte Kleine Schriften (Baden Baden, Nomos Ed.,1995), página 85 e
seguintes. Na tópica, tal como pensada por Viehweg se encontra no
horizonte, além da tópica aristotélica, a balança cética. É o que pensam alguns
próximos ou adversários de Viehweg :
“Die Unterscheindung zwischen Dogmatik und Zetetik geht zurück auf die
griechische Skepsis” Ottmar Ballweg, citado por Agnes Launhardt : Topik
und Rhetorische Rechtstheorie, Eine Untersuchung zu Rezeption un Relevanz der
Rechtstheorie Theodor Viehwegs (Düsseldorf, Juristischen Fakultät der
Heinrich Heine Universität, 2005) docserv.uni-duesseldorf.de/servlets/.../Derivate-3244.
Não tive acesso, até agora, ao texto impresso desta tese de doutoramento. Como
limite, podemos evocar a crítica de Francis Bacon ao empírico-formiga, que vai
de caso a caso, acumula casos e não se eleva à síntese, ao sistema. Como
correção do sistemático, o intelectual aranha, o estilo tópico é importante,
mas não basta quando se trata de pensar complexos de fatos e normas.
[2] Cf.
Herget, James E. : “Rhetorical Theory” in Contemporary German legal philosophy
(Philadelphia. University of Pennsilvania Press, 1996), página 62 e seguintes.
[3]
Herget, op. cit. página 65.
[4] Topik und
Jurisprudenz ein Beitrag zur Rechtswisenschaftlichen Grundlagenforschung (München,
Beck Ed, 1974), página 43.
[5]
ἐπειδὴ καὶ ἰουδαῖοι σημεῖα αἰτοῦσιν καὶ ἕλληνες σοφίαν ζητοῦσιν : Quoniam et Judæi signa petunt, et Græci sapientiam quærunt (II
Corintios, 22). Pouco antes,
Paulo interroga: “onde está o sapiente? Onde o gramático? Onde o inquiridor (na
Vulgata,
conquisitor) do tempo? Não fez Deus loucura
da sabedoria mundana?”. Disputador do tempo, no grego é grafado como zetetés
tou aionos: συζητητὴς τοῦ αἰῶνος (o
inquiridor do tempo). O termo une “syn” (identificado a, unido a) e zeteo
(procurar, buscar). Synetetes é o que procura e debate junto às demais pessoas, em
assuntos filosóficos ou religiosos. συζητ-ητής , οῦ, ὁ, A. joint inquirer: disputant, Cf. Henry George Liddell. Robert Scott. A
Greek-English Lexicon. revised and augmented throughout by. Sir Henry Stuart
Jones. with the assistance of. Roderick McKenzie (Oxford. Clarendon
Press. 1940). Tais pessoas, mergulhadas na semiótica ou na zetesis, são
condendas pelo apóstolo, visto que ambas as atitudes procuram a sabedoria e o
ensino evangélico não é sábio, mas louco segundo os homens, ou “o mundo”
οὐχὶ ἐμώρανεν
ὁ θεὸς τὴν
σοφίαν τοῦ κόσμου (não fez
Deus loucura a sabedoria do mundo?”. Cf. 1 ad Corintios in Novum Testamentum Graece et
Latine (Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 1981), página 862. Trad.
João Ferreira de Almeida (Brasilia, Sociedade Bíblica do Brasil, 1969), página
197. O veto aos debates fica bem claro em Romanos, 14-1: τὸν δὲ
ἀσθενοῦντα τῇ πίστει προσλαμβάνεσθε, μὴ εἰς
διακρίσεις διαλογισμῶν. Infirmum
autem in fide assumite, non in disceptationibus cogitationum. O termo diakrisis
(de diakrinō) também possui conotação jurídica de disputa sobre o sentido de um
processo e de sua decisão.
[6] Cf. República (Harvard University Press, Loeb
Classical Library, Plato V, I, 1978), páginas 364-365). Os comentadores do
trecho, de Thompson a Hume, concordam com a caracterização da busca :
"There cannot be two passions more nearly resembling each other than
hunting and philosophy". (Nota do editor no texto na Loeb citada, nota f,
página 365).
[7] Cf.
Louis, Pierre: Les Métaphores
de Platon (Rennes, Imprimeries Réunies, 1945), páginas 214-215. No
Brasil, Maria Sylvia Carvalho Franco pesquisa há muitos anos o tema da
animalidade em Platão. Não tenho a competência suficiente para fazer daquele
tema análises tão refinadas quanto as por ela expostas em simpósios
especializados. Breve virão a lume os seus escritos e o leitor poderá, com
eles, aprofundar o símile entre feras e homens na política pensada por Platão.
Existem trabalhos sobre a animalidade como técnica de derisão nos textos
platônicos. Tais caminhos exegéticos, embora interessantes, podem levar à uma
hermenêutica forçada dos escritos. É o caso do instigante estudo de A.W.
Saxonhause, que busca comparar a proposta socrática de uma Calípolis, na República,
à comédia de Aristófanes. Vale a pena, no entanto, ler o trabalho de
Saxonhause. Cf. “Comedy in Calipolis, animal imagery in the Republic in The
American Political Science Review, vol. 72, n. 3, sept. 1978. Página 888 a 901. Também pode ser lido em PDF : ancphil.lsa.umich.edu/-/downloads/faculty/.../comedy-callipolis.pdf
[8] Clinias
fala de thèreutikè (technè), usando um adjetivo que qualifica
o que se relaciona com thèreuein
(caçar, perseguir). Thèreuein significa « caçar » no sentido
próprio (o verbo deriva de thèra, “caça aos animais selvagens” que
também deriva de thèr, « bicho selvagem” ou « monstro »)
e no figurado. Thèreutikè pode ser traduzido por « arte do
pesquisador » e thèreuein por « pesquisar », o que faz
menos surpreendente a assimilação feita por Clinias entre geômetras e outras
sábios a “pesquisadores”e não mais a caçadores, como requeria uma tradução
clássica. Para os esclarecimentos indicados aqui, cf. Bernard
Suzanne : Platon et ses dialogues http://plato-dialogues.org/fr/tools/voc/dialektikos.htm#note17
[9]
Um trabalho
importante, neste sentido, é o de Paolo Rossi : "Ants, spiders, epistemologists". In: Francis Bacon, terminologia e fortuna nel
XVII secolo. Seminario internazionale, a cura di Marta Fattori. Roma,
Ateneo, especialmente página 254 e seguintes. O símile dos animais na doutrina sobre o
conhecimento vem dos pré-socráticos. Plutarco, retroage a Democrito para
rastrear as bases desta imagem. "Talvez sejamos ridículos", diz ele,
"quando nos vangloriamos de ensinar os animais. Deles, prova-o Democrito,
somos discípulos nas coisas mais importantes : da aranha no tecer e remendar,
da andorinha no construir casas, das aves canoras, cisne e rouxinol no
cantar". Cf.
"Democrite" in "Les Écoles
présocratiques". Édition établie par Jean-Paul Dumont. (Paris,
Gallimard, 1991) . O próprio Plutarco tem um pequeno texto satírico sobre a
superioridade ética e racional dos animais sobre os homens. Cf. "Os
animais são racionais". Moralia,
Loeb Classical Library, V.12, trad. Cherniss, H. e Hembold, W. páginas 481 e
seguintes.
[10] A palavra pré-socrática e platônica adequada para o
conhecimento discutível, é eoikos. No tempo e no espaço,
podemos ter sobretudo semelhanças, plausibilidades, possibilidade. Cf. Bryan,
Jenny: Likeness and likelihood in the presocratics and Plato
(Cambridge Classical Studies, Cambridge University Press, 2011).
[11] O termo grego para agarrar (λαμβάνω) repercute na filosofia posterior, até os nossos dias. Em Hegel, Begriff tem elos com o ato de agarrar conceitos, com o verbo Begreifen (compreender, agarrar, tocar) em cujo núcleo ocorre greifen (agarrar, capturar). Conceituar significa captar a própria consciência: “o conceito nada mais é do que o Eu ou a pura auto-consciência” (Lógica) É o que levou W. Wallace, a ler o conceito como Self-activity. Cf. Hegel, G.W.F : Fenomenologia do Espírito, trad. de J. Hyppolite (Paris, Aubier, 1941), 2, página 263, nota 10.
[12] Uso a
edição eletrônica do Perseus Project (Plato, Letter 7). “Não apenas a escrita é
incapaz de transmitir um saber (…) mas também a palavra. Encontramos menos na
Carta VII uma condenação da escrita e mais uma condenação de toda formulação,
escrita ou falada, que se queira definitiva, e uma recusa de se endereçar a todos os que, quaisquer que sejam as suas
capacidades intelectuais (boa memória, facilidade para aprender) são naturalemente
estranhos à uma certa experiência (…) O pensamento não se move no tempo e no
espaço, ela encontra sua firmeza em seu próprio movimento, não em seus
resultados. Cf. Dixsaut, Monique : Platon, le désir de comprendre
(Paris, Vrin, 2003), páginas 18- 25.
[13] Analiso
mais profundamente o tema do silêncio, da escrita e da filosofia no artigo
"Sobre o Segredo e o Silêncio", Revista USP número 88,
dezembro/janeiro/fevereiro 2010-2011, páginas134-146.
[14] Cf.
Laborderie, J. : Le Dialogue Platonicien de la Maturité (Paris, Belles Lettres,
1978), páginas 86 a 89. Sobre Alcidamas, cf. H. L. Brown : “Alcidamas &
Extemporaneous Speech” in Peithôs’s Web. http://fxylib.znufe.edu.cn/wgfljd/%E5%8F%A4%E5%85%B8%E4%BF%AE%E8%BE%9E%E5%AD%A6/pw/index.htm
[15] Não
apenas na Carta Sétima Platão
assume tal figura do sério e do jogo, mas também nas Leis (769a).
[16] O
clássico texto, sobre o assunto, é de Marcello Gigante: Nomos Basileus (Napoli, Bibliopolis, 1993,
primeira edição 1953).
[17] Cf. Meuter, Günter: Carl
Schmitts ‘nomos basileus’ oder: Der Wille des Führers ist Gesetz. Über den
Versuch, die konkrete Ordnung als Erlösung vom Übel des Positivismus zu denken, (Institut für
Staatswissenschaften Fakultät für
Sozialwissenschaften Universität der Bundeswehr München: Neubiberg, 2000),
em
http://www.rz.unibw-muenchen.de/~s11bsowi/pdf/IfSWerkstatt5.pdf, S. 8,
35. E também Scheuerman, William E. : Carl Schmitt, the end of law (Rowman
& Littlefield, London/New York, 1999)
[20] Geldsetzer,
Lutz: “Entre philosophie et herméneutique, la leçon de l ‘historiographie du
20eme siècle”, in Rivista di storia della filosofia, número 2, 2003, Convegno
Internazionale, Verona, 21-22 setembre, 2001. www.phil-fak.uni-duesseldorf.de/philo/geldsetzer/verona.pdf
[21] “Der
Skeptizismus hiess auch pyrrhonische Philosophie und ephektische Skepsis von
skeptein,
suchen,
forschen” (Sextus Empiricus, Pyrrohonieae hypotyposes, I, 3, 7).
É assim que Hegel indica o ceticismo nas Lições sobre a História da Filosofia:
ele é uma busca, uma pesquisa. O filósofo moderno também
cita Sextus Empíricus quando se trata de melhor definir os céticos: eles são
“indagadores (zethticoi) e sua filosofia
recebe, às vezes, o nome de indagadora”.
Cf. Vorlesungen uber die Geschichte der Philosophie, II, in Werke
in zwanzig Bänden (F.A.M., Shurkamp Verlag, 1971), páginas 361 e
seguintes.
[22] Πόρος (passagem, leito de um rio, via, caminho), donde palavras
conhecidas por nós, como empório (lugar onde opera o ἔμπορος, o
viajante, o que negocia). Não é o caso de nos estender aqui sobre os vários prismas da
aporia. Segundo Viète, é preciso distinguir muitas formas de análise matemática
: “a análise zetética, isto é, o método que permite inventar verdades novas,
difere da análise porística, que tem por alvo a invenção, não de uma solução,
mas de uma demonstração para uma solução, ou por uma propriedade supostamente
verdadeira. No trabalho matemático, as duas pesquisas seguem vias muito
dissemelhantes: com frequência é por um caminho oblíquo que se descobre um
resultado, e tal descoberta deve ser frequentemente seguida de uma tentativa de
demonstração mais rigorosa”. A prudência recomenda que não se tente
“resolver”aporias de maneira direta. Descotes, Dominque : “Pascal et le
problème du plagiat” in Couton, Marie,
Fernandes, I., Jérémie, C. , Vénuat, M. :
: Emprunt, plagiat, réécriture aux Xve, XVIe, XVIIe siècles, pour un
nouvel éclairage sur la pratique des
Lettres à la Renaissance, (Clermont-Ferrand, Presses Universitaires
Blaise Pascal, 2006) página 294.
[23] V.
Brochard : Les sceptiques Grecs (Paris, Vrin, 1986), página 97. Os discipulos de Pirro eram os zetéticos
(buscavam a verdade), os céticos (continuam buscando a verdade), eféticos
(continuam suspendendo o juízo), e os aporéticos (permanecem na incerteza). “The
very term 'sceptic', at least sometimes, was meant to suggest, among other
things, that a sceptic is not going to claim that nothing can be known. 'Skepsis' is a word which in Greek
ordinarily was used to refer to one's looking at or considering or reflecting
on something. But it also came to be used to refer to one's inquiry into a
matter, and thus became, along with 'zêtêsis',
a term to refer to any kind of inquiry, but in particular the kind of
methodical inquiry philosophers and scientists are engaged in. And it surely is
no accident that ancient sceptics not only were called, or called themselves, 'sceptics', but
also ‘zetetics’ (DL IX, 69; Pyrrh.
I, 7). Given the formation of the words, a sceptic or zetetic should be a
person who is prone or inclined to inquire into things, or shows particular ability
or persistence in doing so”. Cf. Frede, Michael: “The Sceptics”in Furley, David
(Ed.) From aristote to Augustine (London, Routledge, 1999), página
253.
[24] Auerbach,
Erich: Mimesis, a representação da realidade na literatura ocidental
(São Paulo, Ed. Perspectiva, 1971), páginas 352-353.
[25] Cf.
Porchat Pereira: Rumo ao Ceticismo (São Paulo, Unesp Ed., 2006), página 231.
[26] Cf.
Romano, Roberto: “Os laços do Orgulho, reflexões sobre a política e o mal”
Revista Unimontes Científica, volume 6, número 1, 2004,
[27] O item
das Leis é extraído da tradução de L. Robin das Oeuvres de Platon. (La
Pleiade, p. 784). O trecho entre parêntesis é de Roberto Romano : “Uma questão
de costumes” in Lerner, Julio (ed.) Cidadania, verso e reverso. SP,
Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, 1998, pp. 192-193. Um livro
importante para o assunto, é o de Jean-Claude Fraisse: Philia, la notion d´amitié dans
la philosophie antique (Paris, Vrin, 1984).
[29] Cf.
Lambros Couloubaritsis : "La problématique sceptique d´un impensé: H
Skepsis" in Voelke, André-Jean (ed.)
Le scepticisme
antique, perspectives historiques et systématiques, Actes du Colloque International sur le
scepticisme antique (Genève. 1990), páginas 17 e ss.
[30] Cf.
Burnyeat, M.F. : "Can the sceptic livre his scepticism?" in
Schofield, M. e outros (Ed.) : Doubt
and Dogmatism (Oxford, Clarendon Press, 1980), páginas 39-39.
[31] Cf.
Silvio Lima : A Essência do
Ensaio (Lisboa, Livraria Académica, Colecção Studium, 1946),
página 57. Cf. também Tournon, André: “Route par ailleurs”, Le ‘nouveau
langage’des Essais (Paris, Honoré Champion, 2006).
[33] Cf. Leonel
Ribeiro dos Santos : Metáforas da Razão, ou economia do pensar
kantiano (Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1994), página 614.
[34] Gordin,
Cristian : “La figures et le moment du scepticisme chez Hegel” in Les
études philosophiques, 2004, número 70, p]aginas 341/356. E também no
site CAIRN. INFO. http://www.cairn.info/article.php?ID_ARTICLE=LEPH_043_0341
[35] Dictionnaire historique et
critique, artigo Pyrrhon citado por Paganini, Gianni: The return of scepticism: from Hobbes and
Descartes to Bayle (Dordrecht, Kluwer Academic Publishers, 2003),
página IX. Do
mesmo autor, cf. “Pierre Bayle et statut de l ‘ath]eisme sceptique”in Revista
Kriterion, vol. 50, no. 120, Belo Horizonte, Dezembro/2009. Texto reproduzido no site Scielo :
[36] Eutidemo, 286c.
Uso a edição do Projeto Perseus. Cf. também Euthydème, trad. Leon
Robin, Platon Oeuvres Complètes (Paris, Pléiade, volume 1, 1953)
página 581.
[38] Citado
por Dumont, Jean-Paul : Le scepticisme et le phénomène
(Paris, Vrin, 1985) página 73.
[39] Citado
por Dumont, op. cit. página 74.
[40] Ruiz, Alain e Françoise
Knopper : Les voyageurs européens sur les
chemins de la guerre et de la paix du temps des Lumières au début du XIXe
siècle
(Bordeux, Presses Universitaires de Bordeaux, 2006), página 40.
[41] O célebre
prefácio ao Discurso sobre a Origem e o Fundamento da Desigualdade entre os homens
: “Car comment connaître la source de l'inégalité parmi les hommes, si l'on ne
commence par les connaître eux-mêmes ? Et comment l'homme
viendra-t-il à bout de se voir tel que l'a formé la nature, à travers tous les
changements que la succession des temps et des choses a dû produire dans sa
constitution originelle, et de démêler ce quíl tient de son propre fonds d'avec
ce que les circonstances et ses progrès ont ajouté ou changé à son état
primitif ? Semblable à la statue de Glaucus que le
temps, la mer et les orages avaient tellement défigurée qu'elle ressemblait
moins à un dieu qu'à une bête féroce, l’âme humaine altérée au sein de la
société par mille causes sans cesse renaissantes, par l'acquisition d'une
multitude de connaissances et d'erreurs, par les changements arrivés à la
constitution des corps, et par le choc continuel des passions, a, pour ainsi
dire, changé d'apparence au point d'être presque méconnaissable; et l'on n'y
retrouve plus, au lieu d'un être agissant toujours par des principes certains
et invariables, au lieu de cette céleste et majestueuse simplicité dont son
auteur l'avait empreinte, que le difforme contraste de la passion qui croit
raisonner et de l'entendement en délire”. Quanto à imagem platônica, cf. República
X, 611 c-d: a alma, após muitos desvios, “se assemelha ao deus marítimo Glauco,
cuja antiga (ἀρχαίαν) natureza pode dificilmente ser percebida por
quem olha para ele agora, porque as partes originais (παλαιὰ) de seu corpo estão quebrados
e mutilados e apertados de todos os modos pelas ondas, e outras partes se
apegaram a ele, pedaços de conchas e pedras do mar, de tal modo que ele se
parece mais com uma fera do que ele foi na natureza (ὥστε παντὶ μᾶλλον θηρίῳ ἐοικέναι ἢ οἷος ἦν φύσει) – tal é, eu digo,
nossa visão da alma batida por males incontáveis”. Uso a edição do Projeto Perseus. Noto a
presença, nos dois textos, moderno e antigo, da ferocidade como elemento.
[42] Para o
tema, cf. Paganini, Gianni: Skepsis, le débat des modernes sur le
scepticisme, Montaigne, Le Vayer, Campanella, Hobbes, Descartes, Bayle
(Paris, Vrin, 2008).
[44] Em Pascal,
a dúvida é perigosa para os governantes que enganam para obter obediência. “O
que poderia ocorrer se o povo descobrisse que as leis costumeiras, das quais
ele admite a justiça, nada mais são na realidade a não ser regras convencionais
a que se acostumou gradativamente?” L. Thirouin, Le hasard et les règles, le
modèle du jeu dans la pensée de Pascal (Paris, Vrin, 1991), página 50.
“A pretensa ordem estabelecida parodia a ordem, sendo bem justamente
qualificada de ‘loucura’ ou ‘vaidade’”. (idem, página 84). Como em Platão,
a lei escrita não é séria, mas é um jogo.
“Imaginamos
Platão e Aristóteles vestidos como pedantes. Mas eles eram gente honesta e,
como os outros, riam com seus amigos. Quando se divertiram ao fazer suas Leis e
sua Política, o fizeram jogando. Era a parte menos filosófica e menos séria de
sua vida (…) Se escreveram sobre política, era como se precisassem regular um
hospital de loucos. E se fingiram que o assunto era importante, é porque sabiam
que o doidos a quem falavam pensavam ser reis ou imperadores. Eles entraram em
seus princípios para moderar sua loucura, levando-a ao mal menor” (Pensées). Pascal recorda as técnicas médicas para o
tratamento da loucura na Idade Média e na Renascença. Cf. Brabant, Hyacinthe :
“Les traitements burlesques de la folie aux XVIe et XVIIe siècle”in Folie
et déraison à la Renaissance, Colloque International, (Buxelles,
Editions de l ‘université de Bruxelles, 1976), página 75 e seguintes.
[45] O livro mais instigante sobre o movimento de
censura e de auto-censura que foi imposto ao filósofo da Razão Pura foi
publicado pelo professor Domenico Losurdo. Cf. Censura e compromeso nel pensiero
politico de Kant (Napoli, Bibliopolis, 1983).
[46] “O método
específico do ensino em filosofia é zetético, como o nomeavam os antigos, ou
seja, ele é um método de pesquisa. E apenas numa razão exercitada ele se torna,
em alguns domínios, dogmático, ou seja, derrisório”. I. Kant, Anúncio
do programa de curso de I. Kant no semestre de inverno, 1765-1766,
trad. francêsa de M. Fichant (Paris, Vrin,1973 ) páginas 68-69.
[47]
“O antissemita” diz Jean Paul Sartre, “foge de sua
responsabilidade como foge de sua própria consciência; e, escolhendo para a sua
pessoa a permanência mineral, ele escolhe para sua moral uma escala petrificada
de valores”. O militante, esteja ele na
base ou no alto da sociedade e do Estado,
ao “aderir ao antissemitismo, não adota apenas uma opinião, ele se
escolhe como pessoa. Ele escolhe a permanência e a impenetrabilidade da pedra,
a irresponsabilidade total do guerreiro que obedece seus chefes, mas ele não
tem chefe…o judeu, aqui, é apenas um pretexto, em outro lugar serão usados o
negro, em outro o amarelo” , Réfléxions sur la Question Juive
(Paris, Gallimard, 1954) páginas 31 e 63.
[48] Schmitt se
refere, em texto escrito para servir de resposta à uma pergunta a ele enviada
pelo Dr. Robert W. Kempner. A pergunta? “Porque os Secretários de Estado
seguiram Hitler?”. Resposta de Schmitt: “a burocracia ministerial alemã,
proveniente dos mais altos graus da carreira empregatícia (…) expoente típico
do estrato decisivo da burocracia alemã, que em 2933 se colocou, sem
resistência digna de nota, ao serviço de Hitler. Para aquela burocracia ministerial
(…) a legalidade ainda não era o simples oposto da legitimidade, mas uma forma
de manifestação desta última”. Schmitt, Carl : “Il problema della legalità” in Le
categorie del ‘politico’(Bologna, Il Mulino, 1972), página 279. Modo fácil
e muito elegante
(Schmitt é sempre elegante, adiantando teses tremendas, pelas quais as
vítimas pagaram) de jogar sobre a burocracia alemã a culpa do Holocausto e de
outras ações genocidas. As quais foram justificadas antes mesmo do Terceiro
Reich, com o uso frio da razão, por Schmitt e seus pares. Cf. Stolleis, Michael
: Public
Law in Germany, 1800-1914 (Oxford, Berghahn Books, 2001) e The
Law under the Swastika: Studies on Legal History in Nazi Germany
(Chicago, University Press, 1998).
[49] “Não
temos de lidar com o nacional-socialismo e seus crimes hediondos, nem com as
atrocidades, nem com a exumação do passado, nem com a justa indignação das
vítimas –esses são todos fenômenos situados na continuidade e causalidade da
História; nosso problema, porém, é a condição espiritual de uma sociedade em
que o nacional-socialismo pôde chegar ao poder. Então, o problema não são os
naciona-socialistas, mas os alemães, entre os quais personalidades do tipo
nacional-socialista podem tornar-se
socialmente representativas e podem funcionar como representantes, como
políticos, como chanceles do Reich, etc”. Voegelin, Eric : Hitler e os Alemães (São
Paulo, E Realizações Ed.2008), página 106. “O antissemitismo”diz também Sartre,
“é a expressão de uma sociedade primitiva, cega e difusa, que subsiste,
latente, na coletividade legal” Refléxions sur la question juive,
ed. cit. página 84.
[50] “Os 43
banqueiros e industriais alemães condenados como criminosos de guerra por seu
apoio à ítica nazi (Relatório da Comissão americana Kilgore, 11 de outubro de
1945) foram anistiados, liberados, e postos à frente da economia alemã”
(Adenauer na trilha de Hitler, Cahiers internationauxm número 53), citado por Richard.
Lionel : Le nazisme et la Culture (Paris, Ed. Complexe, 1988) página
162, nota 3). Sobre o tema, cf. Vincent, Marie/Bénedicte (ed.) : La
dénazification (Paris, Perrin, 2008). Para todo o assunto, a obra
magistra de Saul Fridländer : L'Allemagne
nazie et les Juifs ; v.1, ( Paris, Le Seuil, 1997). O segundo volume foi editado também pela
Seuil em 2008. O livro deve sair em tempo breve, no Brasil, pela Ed.
Perspectiva de São Paulo.
[51] São
interessantes as reflexões de Tercio Sampaio Ferraz, num exercício de
autobiografia de seu pensamento jurídico
sobre a distinção entre dogmática e zetética : “Viehweg (…) afirmava que
ambas eram modos de saber e não métodos, eram modo de invocar ou focar o saber
humano (…) Eu começava a perceber com certa clareza que o que se chamava de
dogmática juridica tinha relação com o que Viehweg estava chamando de zetética,
e isso me obrigou a repensar a filosofia do direito (…) não mais em termos de
uma reflexão externa sobre o direito mas uma reflexão que acabava interferindo
no próprio direito.” In Formalismo, Dogmática Jurídica e Estado de
Direito-Um debate sobre o Direito Contemporâneo a partir da obra de Tercio
Sampaio Ferraz Jr, Caderno Direito GV, v 7, n 3, maio 2010, página 145
e seguintes.. Como limite, podemos evocar a crítica de Francis Bacon ao
empírico-formiga, que vai de caso a caso, acumula casos e não se eleva à
síntese, ao sistema. Como correção do sistemático, o intelectual aranha, o
estilo tópico é importante, mas não basta quando se trata de pensar complexos
de fatos e normas.
[52]
Seria
preciso efetivar uma análise das elites universitárias, religiosas, econômicas,
judiciais, políticas. As teses sobre este setor, a sua eficácia técnica em
detrimento do ideário democrático, levaram ao genocídio. Sartre fala da “ideologia da elite”, resultado “de um grupo de
dominantes tecnopolíticos, de sábios positivistas, filosófos funcionários. A
história tendo feito da ciência orientada para a Verdade uma potência da qual
‘os homens comuns’ se apropriaram (com o fundo humanista da Luzes) em grande
prejuízo dos que dominam mas eram incautos, estes últimos compreenderam então
que ela era uma eficaz ‘função social’. Eles precisaram tomá-la nas mãos e
reorientar esta busca da Verdade contra o próprio povo. Como ? Fazendo com que os
filósofos funcionários produzissem em compensação um Verdadeiro informe: o povo
guardou assim seu ‘anel’tradicional (o Verdadeiro), e os dominantes agarraram a
potência científica, doravante reduzida à produção de saberes. Desde então, o
povo, berr(a)ndo com certeza, recomeçou a buscar ‘nos costumes’, ‘nos
monumentos’, etc. tateando, as causas de seu mal e de suas dores sem nunca
chegar ao alvo, pois ele é abusado por esta Verdade totalmente imprópria para
fazê-lo se apropriar de sua condição. A ideologia da Elite, em suma, iria
preencher sua função ilusionista”. Barot,
Emmanuel : Aux racines de l’idéologie in www.univ-tlse2.fr/philo/IMG/.../BAROT_Aux_racines_de_l_ideologie.pdf Para as teses de Mosca, Schumpeter e outros,
cf. Parry, Geraint : Political Elites
(New York, Allen & Unwin, 2005, primeira edição 1969).
[53] Gigante,
Marcello: Scetticismo e Epicureismo, ed. cit. páginas 223-224.
[54] MacIntyre, A. : After Virtue–A Study in Moral Theory
(Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1984).
[55] Bobbio.
Norberto : “In praise of La Mitezza”
in Ricoeur, Paul (Ed.) : Tolerance
between Intolerance and the Intolerable (Oxford, Berghahn Books, 1996)
página 5
[56] Romano,
Roberto : “Kant e a Aufklärung”in Corpo e Cristal, Marx Romântico (RJ,
Guanabara Ed., 1985), página 64 e seguintes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.