Acirramento de debates em universidades preocupa professores
Últimas brigas registradas em universidades, com agressões verbais e físicas, mostram cenários cada vez menos democráticos
Publicado em 19/11/2017, às 13h17
Briga na exibição do filme "O Jardim das Aflições"
Jennifer Thalis/SJCC
Cabeça sangrando, troca de insultos,
chutes e socos. Pode não parecer, mas a cena descrita acima aconteceu no
prédio do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), no campus
Recife da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em outubro deste
ano. Tudo começou com o que seria a simples exibição do filme “O Jardim
das Aflições”, que retrata o pensamento do filósofo conservador Olavo de
Carvalho, mas acabou virando uma briga com feridos.
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Às vésperas de uma eleição presidencial, os acirramentos aumentam e
professores avaliam existir um cenário de intolerância em ambientes cada
vez menos democráticos. “O conflito dentro da universidade é quase que
integrante de sua essência”. A declaração é de Roberto Romano, professor
de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Ele explica que as universidades não são “vacinadas” contra o que
acontece na sociedade e que os conflitos tendem a aumentar em momento de
crise. “Você nunca teve a universidade totalmente isolada das lutas
sociais, políticas, religiosas e ideológicas. Estamos em situação de
crise do Estado, temos um governo com baixa popularidade e um
recrudescimento das lutas ideológicas. Há um vácuo de poder no Estado e
uma ausência de hegemonia na sociedade civil, então você tem o
surgimento de grupos radicalizados principalmente à esquerda e direita”,
comentou Romano.
No episódio ocorrido na UFPE, estudantes e militantes identificados
com o pensamento de esquerda gritavam palavras de ordem como “1, 2, 3,
4, 5, mil, lugar de fascista é na ponta do fuzil” contra o grupo que
exibiu o filme. Em dado momento, um dos estudantes que estava vestindo
uma camisa com a imagem do deputado federal Jair Bolsonaro foi empurrado
por um rapaz, o que deu início às agressões mútuas. Ao ser questionado
sobre o motivo pelo qual agrediu o homem que saía da exibição do filme, o
jovem, que se identificou como Gustavo, respondeu “eu empurrei ele
porque ele estava exibindo a camisa do Bolsonaro, e isso é inadmissível
aqui nessa Universidade”.
Para Juliano Domingues, doutor em Ciências Políticas, as agressões
verbais e físicas ocorridas nas universidades mostram a falta de
democracia em ambientes que discutem a tolerância. “Quanto mais
democrático um ambiente, maior o custo da opressão e menor o custo da
tolerância. Nesse sentido, quanto mais cultura política democrática,
maior o grau de tolerância e menor a chance de conflitos serem
resolvidos na base da violência”, afirmou.
Para Roberto Romano, a sociedade brasileira não conhece o verdadeiro
diálogo. “Na radicalização da luta por espaço, as seitas afirmam: ‘esse
espaço é meu e você não pode se manifestar aqui’. Essa disputa é própria
de situações de crises, como vimos em revoluções que ocorreram no
mundo. O problema é que não existe mais o exercício da política, a troca
de narrativas, o diálogo verdadeiro, que não precisa ser de
concordância. O diálogo é o aparecimento dos opostos, o exame dos
opostos e a defesa de posições. Como você não é acostumado no País com
esse tipo de diálogo você parte para o insulto físico, parte para a
repressão, você abdica do pensamento e vai para a violência”.
O caso mais recente de briga entre estudantes ocorreu, no início
deste mês, na Universidade Católica de Pernambuco, onde um debate entre
representantes de duas chapas do curso de Direito que disputam eleição
para o Diretório Acadêmico terminou em confusão. Pessoas das duas chapas
concorrentes, Sem Medo de Mudar e Renovação, afirmaram ter sido
provocados.
Cabe ressaltar que o conflito entre universitários data de outras
épocas e pode chegar a proporções drásticas. Em 1968, por exemplo,
estudantes de esquerda da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo (USP) e outros de direita da Universidade
Presbiteriana Mackenzie entraram em confronto. O fato ficou conhecido
como a “Batalha da Maria Antônia” e resultou na morte de um jovem de 20
anos.
“A sociedade brasileira tem cicatrizes do regime de força que
passamos e não conseguimos modificar esse uso da força. Você tem uma
sociedade que usa o mando da força física contra quem é mais fraco,
obedece quem tem juízo e pronto. Por isso, não acho a sociedade
brasileira democrática, ainda menos o Estado. Se não mudar a ética da
sociedade, nada muda”, concluiu Roberto Romano.
CULTURA AUTORITÁRIA
Doutor em Ciência Política, o professor Juliano Domingues ressalta
que momentos de crise econômica e de recessão costumam estar associados a
descrédito em relação a princípios democráticos básicos. Isso pode
ajudar a compreender o atual contexto.
JORNAL DO COMMERCIO - Como se originam conflitos que chegam ao nível que vimos nas recentes brigas nas universidades?
JULIANO DOMINGUES - Historicamente, a democracia tem
se mostrado o melhor caminho para a resolução de conflitos de modo
pacífico. Em tese, a fórmula é relativamente simples: quanto mais
democrático um ambiente, maior o custo da opressão e menor o custo da
tolerância. Nesse sentido, quanto mais cultura política democrática,
maior o grau de tolerância e menor a chance de conflitos serem
resolvidos na base da violência. Em outras palavras, em países
democráticos partir para a briga costuma custar caro. Daí a ideia
segundo a qual em democracias conflitos são resolvidos contando cabeças e
não cortando cabeças.
JC - A cultura brasileira é de debate ou de autoritarismo e como isso se reflete nas universidades?
JULIANO - Em uma população culturalmente
autoritária, os mecanismos institucionais de resolução de conflito
tendem a ser frágeis. Nesses casos, partir para a briga acaba sendo uma
escolha racional, infelizmente. O brasileiro está longe de ser exemplo
de cultura política democrática, pelo contrário. Nossa cultura política é
fortemente autoritária. Nossas instituições estão permeadas pela nossa
história de autoritarismo. Não se supera isso em poucos anos. Serão
necessárias algumas gerações. Diante de nossa cultura política
autoritária, há, portanto, terreno propício para episódios de violência
associados a manifestações políticas.
JC - As redes sociais impactam de que forma na disseminação dos embates?
JULIANO - As redes sociais digitais também
desempenham papel importante nesse cenário. Sua lógica de funcionamento,
sobretudo do Facebook, permite a interconexão de indivíduos antes
isolados geograficamente nas chamadas "bolhas ideológicas", onde há um
sentimento de visão de mundo homogênea. A sensação de pertencimento a um
grupo aparentemente majoritário tem o potencial de encorajar seus
integrantes a se manifestar publicamente e a enfrentar seus adversários.
JC - Qual o impacto de conflitos em locais que deveriam ser democráticos, espaços para o debate e diálogos?
JULIANO - Como a ideia de enfrentamento em ambientes
de cultura política autoritária não costuma se dar no campo do debate
de ideias, mas a partir de uma lógica de agressão, temos um cenário
favorável à violência. Aquele que deveria ser adversário político ganha
status de inimigo a ser eliminado. Essa lógica se dissemina nos mais
diversos ambientes de convivência social. Nas universidades, cuja
matéria-prima é o contraditório – ao menos deveria ser –, a incivilidade
política salta aos olhos, lamentavelmente.
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