20 Fevereiro 2018
Eles estão entre os 14 e 25 anos e não estudam nem
trabalham. Não têm amigos e passam a maior parte do dia em seus quartos.
Dificilmente falam com os pais e parentes. Eles dormem durante o dia e
vivem à noite para evitar qualquer confronto com o mundo exterior. Eles
se refugiam nos meandros da Web e das redes sociais com perfis falsos,
único contato com a sociedade que abandonaram. São chamados de hikikomori, palavra japonesa para "ficar de lado". Na Terra do Sol Nascente
já atingiram a cifra alarmante de um milhão de casos, mas é equivocado
considerá-lo um fenômeno limitado apenas às fronteiras japonesas.
A reportagem é de Matteo Zorzoli, publicada por Business Insider Itália, 15-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
"É um mal que assola todas as economias desenvolvidas - explica Marco Crepaldi,
fundador do hikikomori Itália, a primeira associação nacional de
informação e apoio sobre o tema. - As expectativas de interação social
são uma espada de Dâmocles para todas as novas gerações do século XXI:
há aqueles que conseguem suportar a pressão da competição na escola e no
trabalho e aqueles que, em vez disso, largam tudo e decidem se
autoexcluir".
As últimas estimativas falam de milhares de casos italianos de hikikomori,
um exército de presos que pede ajuda. Um número que tende a aumentar se
não conseguirmos dar ao fenômeno uma clara posição clínica e social.
Um fenômeno de contornos ainda pouco claros
Associações como a Hikikomori Itália já há anos
estão fazendo todo o possível para sensibilizar a opinião pública sobre
um desconforto que é muitas vezes confundido com incapacidade e falta de
iniciativa das novas gerações. Um equívoco que encontrou terreno fértil
no debate político, legislatura após legislatura, criando estereótipos
como "bamboccioni" (adulto com comportamento infantil e mimado, ndt) ,
um termo cunhado em 2007 pelo então ministro da Economia, Tommaso Padoa-Schioppa, ou "jovens italianos choosy" (exigentes) da ex-ministra do trabalho, Elsa Fornero,
até chegar ao limite da sigla Neet, (em português, são os chamados
“nem-nem”, ndt) os jovens que não têm "nem trabalho nem estudo", que de
acordo com uma pesquisa da Universidade Católica de 2017 seriam cerca de
2 milhões em todo o país.
Também do ponto de vista médico, o hikikomori sofre de uma classificação nebulosa. No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM),
a "Bíblia" da psiquiatria, ainda está registrada como síndrome cultural
japonesa: uma imprecisão que tende a subestimar a ameaça do distúrbio
no resto do mundo e cria consequências perigosas.
"Muitas vezes é confundido com síndromes depressivas e, nos piores casos o jovem é carimbado com o rótulo de dependência em internet - explica Crepaldi
- Um diagnóstico desse tipo geralmente leva ao afastamento forçado de
qualquer dispositivo eletrônico, eliminando, dessa forma, a única fonte
de comunicação com o mundo exterior para o doente: uma verdadeira
condenação para um garoto hikikomori".
Como alguém se torna um hikikomori?
O ambiente escolar é um lugar vivenciado com sofrimento especial pelos hikikomoris,
não surpreendentemente a maioria deles se inclina ao isolamento forçado
durante seus anos finais do ciclo fundamental e durante o ensino médio.
É neste período que geralmente ocorre o 'fator precipitante', que é o
evento-chave que inicia o movimento gradual de afastamento dos amigos e
familiares. Pode ser um episódio de bullying ou uma nota ruim na escola, por exemplo.
"Um evento inofensivo aos olhos de outras pessoas, mas
contextualizado dentro de um quadro psicológico frágil e vulnerável,
assume uma importância muito significativa - explica Crepaldi - É a primeira fase do hikikomori:
o garoto começa a faltar dias de aula usando qualquer desculpa,
abandona todos as atividades esportivas, inverte o ciclo vigília-sono e
se dedica a compromissos monótonos solitários como o consumismo
desenfreado das séries de TV e videogames".
É importante intervir exatamente nesse primeiro estágio do distúrbio
quando se manifestam os primeiros sinais de alarme. Nessa fase, os pais e
os professores desempenham um papel crucial na prevenção: investigar a
fundo as motivações íntimas do desconforto e, se necessário, buscar
rapidamente o apoio de um profissional externo para evitar a transição
para uma fase mais crítica, quando seria necessária uma intervenção que
poderia durar até anos.
Itália e Japão: duas faces da mesma moeda
É inegável que a cultura japonesa historicamente tem se caracterizado
por uma série de fatores que aumentam a dimensão do fenômeno, a ponto
se ser já possível se falar de duas gerações de hikikomori,
a primeira desenvolvida na década de 1980. O sistema social e escolar
extremamente competitivo e o papel da figura paterna muitas vezes
ausente por causa de horários de trabalho extenuantes estão na base das
expectativas opressivas e muitas vezes não concretizadas. Mesmo
considerando as devidas proporções, mesmo na Itália as pressões sociais
são muito fortes. Determinantes desde os primeiros casos de hikikomoris
diagnosticados em 2007, são a diminuição dos nascimentos com o
consequente aumento de filhos únicos, geralmente submetidos a pressões
maiores, a crise econômica que torna muito distante o ingresso (real) no
mercado de trabalho e a explosão de cultura da imagem, exacerbada pela
disseminação capilar das redes sociais.
Na Itália a síndrome não afeta só os homens, como no Japão, mas inclui também um discreto número de hikikomori-mulheres,
com uma proporção de 70 para 30. "Por uma questão cultural as famílias
consideram, no entanto, a reclusão da filha como um problema menor - diz
Crepaldi - provavelmente porque a veem como uma futura dona de casa ou esperam que um dia se case e saia de casa".
No contexto italiano, aliás, existem diferenças entre uma região e outra: os hikikomoris do norte da Itália têm, de fato, características diferentes daqueles do sul. Justamente por isso, o site Hikikomori Itália
disponibiliza salas de chat regionais, onde os jovens podem discutir
problemas com os seus conterrâneos que sofrem da mesma síndrome.
Existe apenas uma regra dentro do chat: quem entra não é obrigado a
interagir, mas é apreciada uma breve apresentação. Aqueles que não a
respeitam são "bloqueados". Para aqueles que querem contar a sua
história também tem um Fórum, aberto tantos aos jovens como aos pais: um mundo paralelo, silencioso, impalpável.
Uma tela de pedidos de ajuda e de sofrimento, mas também histórias de sucesso. Como a de Luca, 25 anos:
"O dia e noite eram idênticos, eu dormia quando sentia vontade, comia
quando queria. Eu perdi todos os meus amigos e a tela era um "Stargate"
para outro universo. O tempo se dilatava quando eu clicava no teclado e
eu nunca queria parar. Quando precisava tomar banho ficava ansioso
debaixo do chuveiro para voltar logo a jogar.
Eu passei mais de dois anos jogando Wow [World of Warcraft, um jogo
de estratégia, nde] em total isolamento. Eu não conseguia mais nem
andar. Tudo isso aconteceu sem que minha mãe percebesse: trabalhava das 8
às 17 e eu fingia que ia à escola. Eu já não queria mais ir. Muita
pressão.
O isolamento é uma batalha que no final torna-se uma cura. Crescia
dentro de mim como uma onda, lentamente, até o momento em que tudo
começou a me incomodar, eu detestava tudo o que eu fazia, eu não
suportava mais quem eu era.
Hoje eu estou fora, eu moro no exterior e tenho uma linda namorada. Sou ou fui um hikikomori?
Eu não sei, mas o que eu sei é que a força para combater esse demônio
está e existe apenas dentro de você, ninguém pode ajudá-lo, na taberna
de alguma montanha virtual onde você se perdeu, com a sensação de paz
que envolve a sua mente. O único conselho que acho que posso deixar é:
fujam do computador".
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