Peter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin"
(IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor titular da
Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de
artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria,
dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da
interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da
nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent,
2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as
telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São
Paulo (2010).
Memória afetiva
Texto
Fotos
Edição de imagem
“A poesia está presente em toda atividade humana,
desde a mais sórdida até a mais sublime”
desde a mais sórdida até a mais sublime”
Massao Ohno
Pensando
na próxima coluna “ciência assim assado” (ou seja, essa), revi a lista
já programada e fui vencido pela indolência das férias, teria que reler
alguns textos e decidi pular uma semana. Deitei no sofá, zapeei a
programação em busca de algo improvavelmente palatável e parei no canal
Curta! Começava o documentário “Massao Ohno – Poesia presente”, dirigido
por Paola Prestes e a memória afetiva em torno de livros e poesia foi
tomando conta[I].
Conheci o trabalho desse fantástico editor independente, batendo o
ponto na livraria de Jundiaí na segunda metade dos anos 1970, comandada
por um livreiro à moda antiga (como Massao Ohno define em um trecho do
documentário), Claudio Trevisan, que largara um bom emprego na Editora
Brasiliense (se não me engano) para abrir a Dom Quixote, bom nome para a
única livraria de uma cidade do interior e, coincidentemente, um dos
apelidos do editor documentado. Claudio sempre deixava expostos os
livros editados por Massao Ohno sobre um dos balcões. Admirava-os,
folheava-os, mas sempre destinava a parca mesada para os clássicos,
embriões de uma biblioteca que nunca se formou. Sobre Massao, que editou
Hilda Hilst e tantos outros que tiveram as portas de outras editoras
fechadas, veja o documentário ou leia “o editor da esperança” na agência
FAPESP[II] .
Lembrando a ciência, volto-me a essa atividade humana em que a
poesia, portanto, segundo Massao Ohno está presente. Não são poucos os
resultados de busca pelas palavras chave ciência e poesia pelo Google,
com menção a vários poetas e a projetos de ensino que conectam versos e
equações, mas eu me detenho em outra busca: nos livros que comprei
naquela livraria, naqueles tempos. De cara encontro o quase óbvio, a
Antologia Poética de Carlos Drummond de Andrade, editado pela José
Olympio. Aqui ciência e poesia se encontram na “Máquina do Mundo”, mas
para chegar nela passo pela “Elegia 1938” e sua assombrosa atualidade[III]: Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,/onde as formas e as ações não encerram nenhum/exemplo,
(e segue). Encontro então a antologia poética de Mario Chamie da
coleção Palavra Poética, editada pela Summus e o poema “Espaço
Inaugural” é sobre a medida de espaço e tempo: O espaço que se mede/ e que se perde/ não é o tempo perdido da memória.
Há décadas que não folheava esse livro. Mas Chamie, fundador da
Poesia-Práxis, é dissidente dos concretistas.
Naquela época passamos a
ser (aqueles que passavam os sábados de manhã na Dom Quixote) fãs dos
poetas concretistas, orgulhosos de que Décio Pignatari nascera em
Jundiaí e do livro “Metalinguagem” de Haroldo de Campos, editado pela
Cultrix, que foi intensamente, digamos, parafraseado nos trabalhos
escolares, garantido ótimas notas. Mais constantemente encantava-me com o
visual dos poemas do irmão de Haroldo, Augusto, e o “Pulsar” é pura
ciência, tanto no tema, quanto na construção. É perfeitamente legível
sem que o seu código seja decifrado previamente, mas uma vez lido,
perceber as mudanças sutis no código... já usei mais de uma vez em aula.
Mas tenho que voltar ao irmão Haroldo, pois em outra estante encontro o
seu “Galáxias”, primeira edição (1984, editora Ex Libris), o mais
intrigante livro lá de casa, ciência no título e um guia no seu
interior. Da página “o que mais vejo aqui”, escrita em 1967, transcrevo.
é poalha de fábula sobre o nada é poeira levantada é imã na limalha
e se você quer o fácil eu requeiro o difícil e se o fácil te é grácil
o difícil é arisco e se você quer o visto eu prefiro o imprevisto e...
e se você quer o fácil eu requeiro o difícil e se o fácil te é grácil
o difícil é arisco e se você quer o visto eu prefiro o imprevisto e...
E segue o texto por várias páginas, bem como outros poetas na memória.
[I] Para ver pelo menos o trailer do documentário (de onde extrai a epígrafe): https://www.youtube.com/watch?v=82Yq_UyhgV0
[III] Esse poema se junta a uma série de efemérides em 2018: o
centenário do manifesto de Córdoba, os 50 anos de um maio, os trinta da
última constituição. Sem falar nos 60 da copa na Suécia.
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