Em cada 10 deputados federais, 6 têm atuação desfavorável ao meio ambiente, indígenas e trabalhadores rurais
Ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil
avalia o comportamento socioambiental dos parlamentares eleitos em 2014 a
partir de como votam e dos projetos que elaboram
Pelo menos 313 deputados federais, ou
61% da Câmara, têm atuação parlamentar desfavorável à agenda
socioambiental. Eles votam e elaboram de projetos que têm impacto
negativo para o meio ambiente, povos indígenas e trabalhadores do campo.
Os dados são resultado de
levantamento que levou em conta 14 votações nominais e 131 projetos de
lei nessa área. Para medir se os projetos e proposições teriam impacto
negativo ou positivo, oito organizações do setor socioambiental foram
chamadas para fazer uma avaliação de mérito desses projetos. O
cruzamento de dados faz parte do Ruralômetro, ferramenta jornalística para consulta sobre os deputados federais produzida pela Repórter Brasil.
Cada deputado foi pontuado dentro de uma escala equivalente ao que seria a temperatura corporal: de 36⁰C a 42⁰C. Quanto pior avaliado, mais alta a sua temperatura – podendo atingir níveis de febre.
Entre os febris, há ministros,
ex-ministros, além de pré-candidatos. Dos 313 deputados que tiveram
comportamento legislativo desfavorável à agenda socioambiental, quase a
metade (49%) é da Frente Parlamentar Agropecuária, a bancada ruralista.
Mas nem todos os ruralistas estão mal avaliados.
Há 35 membros da bancada com atuações
parlamentares avaliadas como favoráveis à agenda socioambiental. Entre
eles, está o deputado Augusto Carvalho (SD-DF), com 36,2°C. Ele é autor
do Projeto de Lei 324/2007 que proíbe a administração pública de comprar
móveis de madeira rara ou extraída ilegalmente, projeto considerado
como favorável pelas organizações avaliadoras.
O deputado pior avaliado é o presidente da bancada ruralista, Nilson Leitão (PSDB-MT), com febre de 42⁰C.
Leitão é autor de oito projetos de lei desfavoráveis ao meio ambiente,
povos indígenas e trabalhadores rurais. Entre eles, está o polêmico
projeto de lei 6442/2016, que permite o pagamento de trabalhadores
rurais com comida e moradia.
Ainda entre os febris, estão o
ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun (MDB-MS), com 40°C e o
ministro dos Esportes, Leonardo Picciani (MDB-RJ), com 40,2°C. Jair
Bolsonaro (PSC-RJ) tem 38,7⁰C e Celso Russomanno (PRB-SP), 39,8⁰C.
As entidades consultadas foram o
Instituto Socioambiental, a Comissão Pastoral da Terra, a Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e dos Trabalhadores
Assalariados Rurais, o Conselho Indigenista Missionário, a Federação de
Órgãos para Assistência Social e Educacional, o Greenpeace e a Fundação
Abrinq.
Entre os partidos, quatro têm 100% do
quadro febril: MDB, PEN, PHS, PSL. Eles são seguidos por PSD e DEM, com
94% e 89% dos seus políticos com febre, respectivamente. O PSDB tem 75%
dos seus deputados federais com mais do que 37,4⁰C. Em
alguns casos, a pontuação do partido pode ser explicada pelo seu
posicionamento como oposição ou situação ao governo. O PT, por exemplo,
teve todos os seus deputados avaliados com temperatura saudável nessa
legislatura.
Entre os Estados, o maior percentual
de deputados febris está em Goiás, com 88% dos seus representantes com
mais de 37,4⁰C. Seguido por Mato Grosso, Piauí, Rondônia, Roraima e
Tocantins, todos com 87% dos deputados febris.
O ministro Carlos Marun informou, por meio de nota, que como deputado pautou
seus “votos pela garantia do Estado de Direito” e que sempre defendeu o
bioma Pantanal. O ministério dos Esportes informou que “parece que o
levantamento comete um equívoco ao colocar no mesmo patamar de análise
deputados que estão no exercício do mandato, enquanto o ministro
[Picciani] licenciou-se em maio de 2016 para assumir o Ministério do
Esporte.”
Russomanno afirmou que “apesar
de ter uma notável atividade parlamentar na defesa dos direitos dos
consumidores, cumpre destacar que como deputado eleito, procura sempre
representar o interesse público, o que certamente inclui defesa do meio
ambiente, direitos indígenas, quilombolas”. A assessoria de deputado Bolsonaro afirmou que ele não responderia por estar em recesso.
A Repórter Brasil entrou em contato com os 13 deputados que têm febre acima de 41°. Nilson
Leitão, assim como outros nove deputados pior pontuados pelo
Ruralômetro, não respondeu aos nossos pedidos de entrevista e nem às
perguntas enviadas. Leia aqui íntegra das respostas.
Relação com financiadores
Além da pontuação dos deputados, o Ruralômetro
mostra quem recebeu financiamento de campanha, em 2014, de empresas
autuadas pelo Ibama ou que foram flagrados com trabalho escravo. Segundo
o levantamento, 57% dos eleitos receberam, ao todo, R$ 58,9 milhões em
doações de empresas autuadas pelo Ibama por cometerem infrações
ambientais. Outros 10% foram financiados com R$ 3,5 milhões doados por
empresas autuadas por trabalho escravo.
Para o professor de Ética e Filosofia
da Unicamp, Roberto Romano, o estudo revela uma estreita relação entre
empresas financiadoras de campanhas e a atuação parlamentar dos
deputados. “Trata-se do sucesso de setores interessados, tanto em termos
econômicos quanto sociais, em conseguir no Congresso avanços para o seu
grupo”, analisa.
Um exemplo que ilustra a análise do pesquisador é o caso do deputado Antônio Balhmann (PDT-CE),
eleito em 2014 mas que se licenciou no ano seguinte para assumir um
cargo no governo do Ceará. O político recebeu doação eleitoral oficial
de R$ 20 mil da produtora de frutas Agrícola Famosa, alvo de uma ação
civil pública do Ministério Público Federal que proíbe a empresa de
pulverizar agrotóxicos na Chapada do Apodi. Poucos meses após eleito, o
deputado elaborou um projeto de lei que regulamenta o uso de agrotóxicos
em plantações não tradicionais, o que inclui produtoras de frutas.
“Trata-se do sucesso de setores interessados, tanto em termos econômicos quanto sociais, em conseguir no Congresso avanços para o seu grupo”, analisa Roberto Romano.
O ex-deputado afirmou, por meio de
sua assessoria de imprensa, que o projeto não estimula o uso de
agrotóxicos, mas cria legislação e regulamenta o setor. O político, no
entanto, reconheceu que, ao elaborar o PL, tinha interesse de “ajudar os
produtores de fruticultura com seus problemas e regulamentar e
controlar suas atividades.”
“Quando analisamos os projetos de lei no Congresso, vemos que não são projetos
que pensam o Brasil, mas pelo menos 40% deles são dedicados a defender
interesses de setores específicos”, avalia Andréa Freitas, cientista
política e professora da Unicamp. “Não é ruim que tenhamos dentro do
Congresso alguém defendendo os ruralistas ou os comerciantes, mas seria
importante que tivéssemos representantes defendendo com igual força os
pequenos produtores ou os consumidores”.
Votações desde 2015
Nesta legislatura, 2017 foi o ano
campeão em votações desfavoráveis ao meio ambiente. Em meados do ano
passado, a Câmara dos Deputados aprovou três polêmicas medidas
provisórias que geraram reação de ambientalistas e até de famosos. Duas
delas reduzem a área protegida de Jamanxim, um parque nacional na
Amazônia paraense, e a outra amplia o programa de regularização
fundiária, que ficou conhecida como ‘MP da Grilagem’. As medidas,
segundo organizações de defesa do meio ambiente, devem aumentar o
desmatamento e os conflitos no campo.
Um detalhe: as três medidas
provisórias foram editadas pelo presidente Michel Temer às vésperas do
Natal de 2016 e aprovadas pela Câmara dentro do prazo previsto para que
não perdessem validade. No caso Jamanxim, a modelo Gisele Bündchen
pediu no Twitter que Temer vetasse as medidas. O presidente seguiu
parcialmente os conselhos da modelo: vetou artigos das MPs, mas enviou
ao Congresso projeto de lei com conteúdo similar.
“A agenda ruralista ganhou mais poder
nos últimos anos, o que coincide com a representação dela no Executivo.
Antes, tínhamos o Executivo exercendo uma contra-força”, analisa
Adriana Ramos, coordenadora do programa de política e direito
socioambiental do ISA (Instituto Socioambiental).
Na questão trabalhista, sob o mandato
de Temer, houve duas votações consideradas por organizações de defesa
de trabalhadores rurais como desfavoráveis: terceirização e reforma
trabalhista. Porém, no governo Dilma, o Executivo também editou medidas
provisórias, depois aprovadas pela Câmara, que retiram direito dos
trabalhadores. Caso, por exemplo, da restrição ao seguro-desemprego e da
redução do acesso à pensão por morte do INSS.
Essas são algumas das 14 votações que constam na base de dados do Ruralômetro.
O estudo considerou apenas votações desta legislatura que têm algum
tipo de impacto socioambiental onde houve votação nominal, em que os
deputados registram seu voto (veja aqui relação completa das votações e suas avaliações).
Projetos de lei
Dos 131 projetos de lei cujos autores são deputados eleitos em 2014 que constam na base de dados do Ruralômetro,
87 foram classificados como desfavoráveis e 44 como favoráveis. 26
deles alteram o processo de demarcação de terras indígenas ou pedem a
suspensão da homologação de comunidades regularizadas. Outros seis
considerados desfavoráveis tratam de mudança nas regras de licenciamento
ambiental e três facilitam a liberação de agrotóxicos.
Há ainda um projeto defendido pela
bancada ruralista que libera o porte de arma para trabalhadores ou
proprietários de áreas rurais e uma Proposta de Emenda à Constituição
que permite e regula compra de terras por estrangeiros.
Segundo os analistas ouvidos, para
entender o fenômeno em questão é preciso diferenciar a agenda do
agronegócio e do ruralismo – entendido como um setor que se preocupa
menos com a produtividade, e mais com a propriedade sobre a terra.
“Não é ruim que tenhamos dentro do Congresso alguém defendendo ruralistas ou comerciantes, mas seria importante que tivéssemos representantes defendendo com igual força pequenos produtores ou consumidores”, afirma a cientista política Andréa Freitas
“É
uma forma antiga de se pensar o ambiente rural, mais ligada à questão
fundiária, à apropriação da terra”, afirma a cientista política Andréa
Freitas. Para ela, há uma relação direta entre ser ruralista e atuar
favoravelmente a projetos que flexibilizam a questão ambiental. “Há
pouca preocupação com a preservação da água, do solo”.
O coordenador de
Direito de Propriedade da Frente Parlamentar Agropecuária, Jerônimo
Goergen, afirma que a principal bandeira da bancada é “defender quem
produz no Brasil”, mas reconhece que a questão da propriedade sobre a
terra é uma prioridade. “Das defesas da FPA, a questão fundiária é sem
dúvida uma prioridade. Mas como um direito, como uma segurança
jurídica”, comentou.
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