A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de estender ao Congresso Nacional, na quarta-feira (11), o aval para o afastamento de deputados e senadores de seus mandatos
é avaliada como motivo de "muita preocupação" por Roberto Romano,
professor de ética e filosofia política da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas).
"Abriu a porteira para a impunidade", diz
sobre a possibilidade de parlamentares decidirem se um deputado ou um
senador investigado por ações criminosas deve ou não continuar a fazer
parte do Parlamento. Mesmo que o STF já tenha decidido que não.
"Os poderes têm que ser de fato autônomos e não deve existir hegemonia
de um poder sobre o outro. Eu vi sempre com muita cautela essa hegemonia
que o STF estava assumindo desde o mensalão", ele afirma. "Mas a
garantia dos investigadores da Lava Jato, da Justiça no primeiro grau, é
a autoridade do STF. Com essa decisão [de quarta-feira], como ficam?"
A garantia dos investigadores da Lava Jato, da Justiça no primeiro grau, é a autoridade do STF. Com essa decisão, como ficam?
Na análise de Romano, deputados e senadores têm se mexido para criar "a
própria ditadura" e para legislar em causa própria. Na sua opinião, o
posicionamento do STF facilitou o caminho para esse movimento.
"O Legislativo fica livre para fazer sua ditadura. Nós estamos
assistindo exatamente ao que aconteceu na operação Mãos Limpas
[investigação da Justiça italiana sobre casos de corrupção]. Quando os
políticos retomaram as rédeas e fizeram novas leis, quem passou a ser
acuado foram os juízes e promotores. O Legislativo brasileiro aprendeu a
lição e está legislando em causa própria há muito tempo", diz.
O professor e filósofo entende que os ministros deixaram claro, na
última quarta-feira, que falta a eles coesão como um colegiado e que a presidente do STF, Cármen Lúcia, falhou como liderança e como responsável pelos rumos e pela doutrina jurídica da Casa.
"Ela tem exagerado na sua função diplomática e política. O STF perdeu
um pouco mais da sua autoridade e recuou de maneira muito ruim", critica
o professor ao se referir à maneira como a ministra se posicionou. Foi
dela o voto de desempate na decisão que pode privilegiar, por exemplo, o
senador Aécio Neves (PSDB-MG).
No fim de setembro, o tucano foi afastado pelo STF do exercício do mandato de senador e
foi obrigado a entregar seu passaporte e a permanecer em casa no
período da noite. Aécio também ficou impedido de fazer contato com
outros investigados no processo a que responde.
A partir da
delação premiada de executivos da JBS, o tucano passou a ser investigado
por pedir R$ 2 milhões de reais à empresa. Em depoimentos, Joesley
Batista, um dos donos da JBS, confirmou que pagou propina a milhares de
políticos em troca de benefícios em seus negócios.
Na semana que vem, na próxima terça-feira, o Senado terá a possibilidade de reverter esta decisão do Supremo em favor de Aécio.
"O STF demonstra que não há solidez doutrinária no coletivo. É isso que
me deixa profundamente preocupado, porque é a mesma situação com duas
decisões completamente diferentes", diz o professor.
Romano compara o caso de Aécio ao do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que está preso em Curitiba e foi afastado de seu mandato e da presidência da Câmara por meio de uma liminar do STF, em maio de 2016, sem palpite dos parlamentares sobre o assunto.
Dias após a decisão sobre Cunha, três partidos que integravam sua base
protocolaram uma ação que resultou nesta recente decisão do Supremo. Os
partidos alegavam que a decisão do STF era inconstitucional porque o
afastamento deveria ser submetido ao Parlamento.
"Eles [STF]
deveriam ter, evidentemente, cumprido esse rito de pedir a decisão da
Câmara dos Deputados [sobre o afastamento] desde o começo", avalia. "Eu
esperava que o STF saísse daquela enrascada que começou com o Eduardo
Cunha, mas não dessa maneira, defendendo de uma forma tão explícita a
hegemonia do Legislativo."
O filósofo não vê, a curto prazo, uma
solução para barrar esse fortalecimento do Legislativo com interesse em
se defender de investigações e da punição pela Justiça. Na sua
avaliação, os atuais partidos na oposição não têm força suficiente nem
alcance nacional para impedir essa movimentação das legendas maiores e
de políticos envolvidos em casos de corrupção. Alguns políticos dessa
minoria, como o senador Humberto Costa (PT-PE), defenderam a decisão do STF.
"A única saída é que, por meio das denúncias, a cidadania se unisse e
se organizasse e passasse a pressionar nas ruas e fora das ruas esses
poderes, como aconteceu em 2013. Mas, em 2013, a gente teve milhões de
pessoas, uma multidão nas ruas, mas não tivemos partidos que pudessem
capitalizar essa multidão e organizá-las, no sentido de continuidade.
Passou 2013, e os políticos voltaram a dançar a sua dança fúnebre."
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